The Project Gutenberg eBook of Relaçam dedicada A Serenissima Senhora Rainha da Gram Bretanha da Jornada que fes de Lixboa the Por-ts Mouth

This ebook is for the use of anyone anywhere in the United States and most other parts of the world at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this ebook or online at www.gutenberg.org. If you are not located in the United States, you will have to check the laws of the country where you are located before using this eBook.

Title: Relaçam dedicada A Serenissima Senhora Rainha da Gram Bretanha da Jornada que fes de Lixboa the Por-ts Mouth

Author: Sebastião da Fonseca

Release date: October 27, 2006 [eBook #19641]

Language: Portuguese

Credits: Produced by Pedro Saborano (Este ficheiro foi produzido
a partir da digitalização do original, disponibilizada
pela Biblioteca Nacional de Portugal - This file was
produced from images generously made available by the
National Library of Portugal)

*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK RELAÇAM DEDICADA A SERENISSIMA SENHORA RAINHA DA GRAM BRETANHA DA JORNADA QUE FES DE LIXBOA THE POR-TS MOUTH ***


Relaçam
Dedicada A Serenissima Senhora
Rainha da gram
BRETANHA
Da
JORNADA
que fes de Lixboa the
POR-TS MOUTH
Pello P. Sebastiaõ da Fonseca Mestre, Cappellaõ, E Presidente
Em O Hospital Real de todos os Sanctos na Cidade de

LIXBOA.

LONDRES

Na Officina de F. Martin Fa. Allestry & Tho. Dicas.
Anno 1662.




A Serenissima Senhora Rainha da gran Bretanha
Dando lhe O Parabem da Chegada, e pedindo lhe Licença
para escrever a jornada.



A daruos o parabem

chega minha confiãça.

nem toda desuanecida

nem toda desconfiada.


Galas tras de muitas Cores

porem todas desmayadas

ou seja pelo que intenta

ou seja pelo que alcança


Lixboa a cor de ciume

e Londres a da Esperança

lhe da; porem certo he

que vos lhe eis de dar a gala


E jâ revestida toda

de vossa grandesa e fama

nam teme ser atrevida

menos ser vituperada.


Inda que tosca e groceira

con vox pura limpa e clara

entra a diser seu papel

e desta maneira falla.


Parabem vos dem ô Deusa

de quanto o Oceano banha

desde o nascente ao poente

desde Lixboa a Bretanha


Parabem vos dem senhora

destas christalinas aguas

que a esperaruos vem vestidas

de chamalote de prata


Parabem vos de tambem

quem tamb[~e] vos acompanha

esta naçam Portuguesa

poucos corpos muitas almas


Parabem vos dem os grandes

pequenos e toda a casta

porque a taõ casta bellesa

venham todos festejalla.


Parabem, vos dâ por mi

tambem minha confiança

por mi, como entereceiro

por si, como entereçada.


Perdoa ilhe, por quem sois

pois naceo na vossa patria,

e he de Lixboa, que ausente

estas ditas, chora e canta.


E se a caso dais Licença

pintarâ toda a jornada,

despedidas de Lixboa

e entradas da gran Bretanha.




DEDICATORIA A SERENISSIMA SENHORA
RAINHA DA GRAN BRETANHA



Serenissima senhora

a quem todo o mundo acclama

por bella Estrella do Norte

Lusido Sol da Bretanha.


Vos que depondo o socego

quisestes romper as aguas

por enxugar as dos olhos

que ha tanto a patria derrama


Se bem de teruos presente

hera a gloria e dita tanta,

que a presente ausencia chora

quem os futuros chorâua.


Vos que tanto â vossa conta

tomastes a nossa causa;

que se nam sentem as custas

vincendo vôs a demanda


Vos que pello bem comum

deixais o logro da patria

porque ella consiga ditas

posto que sinta as distancias


Ouui a vôx desta pena

que glorifica discanta

por ter ja Licença vossa

para pintar a jornada.


Se naõ chegar o pinsel

a pintar cousa taõ alta

em jornada taõ comprida

bem posso pintar de auguada


Que o colorido talvez

con as distancias desmaya

vâ de pintura senhora

e vosso amparo me valha




IORNADA DE LISBOA, TE PORTSMOUTH.



Aos vinte e tres de Abril

entre semana, e semana

h[~u] Domingo qu'entre todos,

se tem por dia de guarda


Depois daquella grandesa

de que todo o mundo pasma

em que o pouo fes extremos

e os grandes conta das galas


De tantos arcos triunfantes

as ruas todas ornadas

que tudo hera h[~u] Rocio

por donde a aurora passava


Passou dos arcos à ponte

que marauilhosa estava

bem me rio eu que o Rio

visse cousa mais galharda


Chegou toda a fidalguia

pondosse em vistosas alas

porque â Estrella do Norte

Seruissem todos de guardas


Viram todos a estrella

dessia o sol para as aguas

posse o sol; e apareceo,

mais h[~u]a estrella na barca


Fes Portugal marauilhas;

tudo amor perfeito causa,

e embarcando a primauera

deram os nauios salua


Os marinheiros sobidos

pellos velames exarcias

enchiam o ar de viuas

e os barretes de vayas


Ouue fogo como terra

de tiros e luminarias,

teue o ar suas quenturas

suas fogagens as aguas


Veyo Rompendo a menhan

e cuido que nam chegâra

se lhe nam dera licença

o sol que escondido estáua


Leuou ferro a Nao Real

(quero diser Capitania)

se he que pode leuar ferro

quem leua em si tanta prata


Levaram ancora todas

despediramsse de Almada

emquanto a alma do pouo

se despedio da sua alma


Fiseram as cortesias

a Pallacio, que chorâra

se a Capitania nam fora

cõ o pano tomar lhe as lagrimas


Foi largando as Velas todas

deixando naquellas prayas

Cantidade de suspiros

e grande numero de ancias


Em sancto Amaro ficou

porque estava bem lembrada

de que outra terça feira

a dera o sancto bem sancta.


Porquanto as terças do Ceo

herda Portugal nas Chagas

e nam pode ter ma sorte

quem ternos e quinas lança


Viramsse as Magestades

este dia; quem jurâra

que fosse Atlante h[~u] madeiro

de dous tam grandes Monarchas


A minha Nao que Roby

por preciosa se chama

por ser pedra quis ficar

junto à pedreira de Alcantra


Quis Vallersse de pedreiras

para ser da Capitania

a mais ualida de todas

por parte de uisinhança


Serrousse a noite e contando

todos, a festa passada

sonharam muitas grandesas

posto nam foram sonhadas


Mal tinha do primo sono

Limpo parte das pestanas

se bem no todo da noite

dormi so no quarto d'alva


Quando ouui (nam sey fe ouui)

sonhey (nam sey se sonhaua)

liras con cordas deuinas

Anjos con voses humanas


Fiquei absorto; porem

abrî parte da varanda

repremi todo o alento

por ser pequena a distancia


Estavam dous Bargantins

a bordo da Capitania

hum pella banda direita

outro pella outra banda


Encontrauansse os discantes

cõ o rustico das flautas

o tosco das sanfoninas

cõ o sonôro das arpas


Callandosse os Instromentos

h[~u]a vox branda e delgada

tam fina que parecia

que por Fee se deuisaua


Cantou a seguinte letra;

a Fee senhora uos canta

porque chora ha muito tempo

a dilaçam desta causa


Cantou outra vox sonôra

o seguinte; o bem haja

quem Charitativa a Fee

tanto estende tanto espalha


A outra vox que Esperou

por ser toda Esperança

disse a fim; a fe, que espera

vencer a Fee a demanda.


Bem no vltimo compaço

deste terno; a outra barca

tocando a dança do Porto

posto estaua sobre as aguas


Deu principio a que Cantasse

h[~u]a vox sentida e branda

que parece que se via

o mesmo que se escutaua


Disse assim; uerâ o mundo

nas partes da gran Bretanha

aquella que se nam uê

por toda a terra espalhada


Cantou logo outro quarteto

outra vox, que por ser alta

pudera correr parelhas

con a trompeta da fama


E disse desta maneira

(sonôra liquida e clara)

quem entra pello ouuir

nunca de teus Reinos saya


Cantou logo a vox terceira

pondo as terceiras tam altas,

que deixou sem corda alg[~u]a

as Violetas que tocaua


Mestra hera entre todas

porem mal afortunada

quiça por ser da Capella

melhor flor; ou melhor falla


Cantou o quarto sentido

mas porem tanto gostava

do que cantou, que nam pude

ouuir lhe a menor palaura


O quinto fes hum discante

porem nam quis Cantar nada

e tocando h[~u]a ala uella

foramsse em modo de dança


Fiquey do que ouui suspenço

despertey os camaradas

que nam seram testemunhas

por ser suspeitos na causa


Muito foi, sendo potencias

o nam ouuillas uiva alma

mas dormiram, porque disem

durma quem tem boa fama


Muito foi, sendo sentidos

nam nos sentir h[~u]a armada

mas so quem teue pedreiras

pode alcançar ditas tantas


Sahio o dia bem cedo

porque bem de madrugada

vinha ver qual dos dous soes

o tal dia gouernaua


A tempo que os marinheiros

hiam colhendo as amarras

disendo na sua lingua

uento em poupa, mar bonança


E largando a Nao Real

deu à vella toda a armada

saluando a Nao que a Bellem

trouxe o pam que a tantos salua.


A torre nos fes conuite

con doce que chamam balla

e por ser menhan, nos deu

salua, sem pucaro de agua


Ouue tiros como area

e hera a fumaça tanta

que areava; tanto asim

que areou a mesma praya


Neste mesmo tempo a torre

que inda que velha se chama

nam deixa de ter seus fumos

inda depois de enterrada


Fes suas peças, e tanto

que a de Belem, asustada

cuidando ardia: foj logo

valler lhe por sima da agua


Se nam fora Caparica

que por vesinha chegada

lhe deu fumo do murraõ

e desseo a acompanhalla


Senam con ballas de fogo

talves con tiros de lagrimas

tanto asim, que a capa rica

que trouxe, leuou molhada


Fomos rompendo o Christal

do Tejo; o quem pintâra

as despedidas dos montes

e as saudades das aguas


Acompanharam nos sempre

barquinhas, botes, fragatas

que isto de levar barquinha

he aliuio das jornadas


Tomamos de h[~u]a Pilloto

somente por ser usança

que os ardilosos Ingleses

tem a barra decorada


Depois de passar as Torres

entramos pella anciada

de sam Iuseph donde as ueses

fomos alguns camaradas


A ver entrar Naos Inglesas

a ver sahir Naos de Olanda

a uer hir Naos para a India

e a uer dar fundo as armadas


Lembroume o passado tempo

e deste agora a mudança;

Mas tudo fas por melhor

quem estas mudanças traça


Chegamos a sam Giam

longe alg[~u] tanto da Patria

que inda que fraca Lisboa

pôde lançar longe a barra


Tanto hera o fogo na Torre

que cuidando se queimaua

(sem ter auiso do Ceo)

fogio de lob toda a armada


A outra Torre de fronte

tanto estoutra a remedaua

que parecia Bogio

que con Cachopos brincaua


Logo auistamos Cascaes

imperio de mil Monarchas

que por Pentecoste, deixam

o exercicio das barcas


A Guîa fomos deixando

por serem os todos Aguias

no uoar con tanto Norte

que assas foj pesada graça


Alongamonos da Roca;

esse ella fora de Cana,

acharamos o Canal

sem ser na Costa de França


O vento nos desuiou

de terra; con força tanta

que cõ os mares fiseraõ

seu dever as enjoadas


Naõ se uio mais terra alg[~u]a,

viasse so Ceo, e agua,

h[~u] que pedia o Eu

outro que pedia O âtra


Heraõ tudo inglesias

gut mora de madrugada,

gut naite â noite, e a biar

suprindo na falta da agua


Fomos con contrarios ventos

oito dias; e a jornada

se perdia, porque o Norte

cortês nos acompanhava


Auistamos hum Navio

que vinha da gran Bretanha

para as partes do Oriente

e o vio, vendo a Capitania


Ao bater as bandeiras

posse â trinca, ou â capa

disparando toda a peça

de huã bauda e outra banda


Mas como as Magestades

ja mais estaõ obrigadas

a agradecer cortesias

respondeo a Almiranta


Foy hum dos dias alegres

que tiuemos na jornada

mas ausentandosse o vento

posnos tres dias em calma


Sahiraõ os Bargantins

visitousse a Capitania

e os clarins dauaõ tangendo

noticias da bonança


Ouue brindes nos navios

tantos; que ao hir para a cama

ouue gente que cahio

sete veses, sem ser sancta,


Soprou ao outro dia

viração do mar, mas branda

e nos pos em breves horas

junto á costa de Biscaya


Continuou con mais força

este vento; e na semana

vespera das Ladainhas,

mediosse o canal a braças


Os abraços foraõ muitos

as cantigas, as guitarras

os jogos, os antremeses

as mascarilhas, e as danças


E o terço, que cada dia

na nossa Nao se resava

tres veses se duplicou

tendo no fin sua salva


Tantum ergo sacramentum

con devaçaõ se cantaua

porque a nossa Nao trasia

muita gente de ordens sacras


Ao outro dia vimos

muitas Naos, e toda a Armada

foj para reconhecellas

conheceram ser de Olanda


A minha por mais ligeira

quis ser a mais empenhada

e largando o pano todo

deu a toda Olanda caça


H[~u]a peça lhe atirou

porem nam lhe deu a balla

que se lhe dera o pilouro

fora ureador na camara


Recolheu todas as vellas

e apagou a confiança

porque ficou temerosa

uendo estoutra temeraria


Trouxe todas prisioneiras

â Nao real; que bem paga

do esferço do Capitão

fes mesuras (digo) arfaua


Seguiraõnos prisioneiras;

porem fes o dia pausa,

e nos fomos como sempre

entrar con o terço de guarda


Pouco se dormio a noite

porque rodaraõ as camas

con os mares; e por força

se jugaraõ, as canastras


Entre estas descompusturas

que o t[~e]po imperfeito causa

se uiraõ de notta negra

figuras de notta branca


E por ser historia breue

quero que estejais na maxima,

ouue gallo que cantou

sem que se negasse a causa


A estes gritos e voses

acordou a madrugada

dando da terra noticias

posto que do Ceo chegaua


Os marinheiros gritando

vieraõ bater na camara,

eu chamey por sancto Antonio

tremendo como h[~u]as varas


Porque h[~u] desia orirù,

outro gut chimê, e tanta

arenga sem se entender

fas perder a confiança


Entendi que nos pediaõ;

e pedir de madrugada

inda que sejaõ aluisaras

ninguem lhe fes boa cara


Pusme em pè e disse, amigos

leuantar todos da cama

que temos terra por proa

nam poupemos dita tanta


Fomos para sima e vimos

huã distancia nevada

que só a tinhaõ por terra

os que a tinhaõ por patria


Porem ao meyo dia

a uimos destinta, e clara

muitos montes, muitas torres,

muitas terras, muitas casas.


Mandousse huã Nao de auiso

a Plemut, que sendo Infanta

(ou Princesa) nam he muito

que fosse a mais auisada


Lançamos de tarde ferro

e vimos vir para a Armada

hum barco de pescadores

gente san, rustica, e branda


Vinham providos de peixe

sardas, lagostas, e cabras

marisco, de que se fes

huã cea regalada


Ouue em terra a noite toda

fogos em tanta abundancia

que obrigou a que os Nauios

fossem pondo luminarias


Muito foguete do ar

lançou a nossa Almiranta

que por serem de Lixboa

dessiam cheyos de lagrimas


As fortallesas da terra

atiraram; na anciada

tudo hera fogo e estrondo

tudo trompetas bastardas


Mandousse buscar refresco

a terra; de madrugada

e trouxesse muito pam

ouos, gallinhas, e caça


Muitas flores differentes

marauilhas, goiuos, salua,

alecrin, crauos, tomilho

pombos, vitellas, e auguada


Tudo nos foi nesseçario

porque tres dias sobre ancora

estiuemos; por o vento

ser contra a nossa jornada


Apesar do fero Norte

fomos na volta de França

que todos lançamos voltas

pelas exequias da calma


Chegou dia da Asençam

e teve a Capitania

o Sñor exposto á hora

sermam e missa cantada


Aparecerão Nauios

e a tarde foy festejada

porque dançando alavella

tocauaõ clarins as vaccas


Hiaõ para Portugal

escreueosse muita carta

deusse noticias do tempo

das borrascas, das bonanças


Relataraõsse os suspiros

deusse noticias das ancias.

que sempre ouue sentimentos

em ausencias dillatadas


Despediosse a Nao de todas

veyo a noite embuçada

e atras da noite a menhan

pella maõ do quarto da lua


Andousse pouco este dia

e por naõ ter circumstancias

passemos, que naõ há hom[~e]

quando ha taõ roins cartas.


Dia de saõ Bernardino

fomos para a Capitania

donde comungamos todos

gente reconciliada


Jantamos con tal grandesa

pratos de yguarias tantas

que bem mostrou os affectos

quem sabe roubar as almas


Cantousse de tarde tonos

para aliuiar a causa

de h[~u]a febre, que importuna

a Magestade ocupava


Ao vir para o Nauio

(depois de estarmos em calma)

veyo huã neuoa taõ grande

que mal se uiaõ as aguas


A disparar muitos tiros

começou a Capitania,

a tocar clarins na poupa

e na proa a tocar caxas


Os mais Navios tambem

seguiraõ a mesma traça,

e con ser longe da roca

confuso qualquer se estaua


Hia crecendo o estrondo

o rolar do mar soaua

vinhasse serrando a noite

e abrindo a desconfiança


A terra hiaõ sondando

as voadoras fumaças

que por fogir ao perigo

he licita toda a traça.


Fomos resar ladainha

terço con preces, e salua,

e a Magestade tambem

devinamente entoava


Cantaraõsse vilhancicos

preparousse a conçoada

que por ser Regia a grãdesa

quis dispensar nella o papa


Coubenos por aposento

a mais magestosa casa

por ver a gente Londrina

o que o Sacerdosio alcança


Ao romper da menhan

rompeosse a tella de prata

e foj medida con os remos

por ser alta para as varas


Chegamos â Nao Ruby

que como nos esperaua

(sentida de tanta ausencia)

teue votos de Esmeralda


De tarde chegou o Duque

de York, em duas fragatas

que deixou a h[~u]a vista

por ser muchissima a calma


Em h[~u] Bargantin real

todo cheyo de vidraças

veyo topando os Navios

the parar na Capitania


Os remeiros de uermelho

muita pluma, muita prata

e por naõ ter baxa alg[~u]a

mandou diante embaixada


Abateu logo a bandeira

a Nao real; por ser tanta

a magestade do Duque

que aos abatidos levanta


Da Capitania sahiraõ

a recebello; e as aguas

saltando con alegria

fasiaõ trauessas danças


Entrou o Duque bisarro

levantou a Capitania

a bandeira; mas de sorte

que naõ ficou muito cara


Depois que fes a vesita

ha emferma da Esperança

vendo a frota o bargantin

receitou-lhe h[~u]as fumaças


Foysse o Duque ja tam tarde

que brilhauam as vidraças

do bargantin, con os cabellos

da que he firme na mudança


Acompanhounos o Duque

the entrarmos pella barra,

que qu[~e] ganha todo o resto

nam repara nas entradas


Auistando terra sempre

viemos con festa tanta

que enganauamos a penna

no logro da esperança


Chegamos; ô quem tiuera

h[~u]a eloquencia tam rara

que relatâra esta dita

o que este gosto explicâra


Jesus, ja tomamos porto?

jesus; ja vemos a barra?

ja Portsmouth se uê tam perto?

ja pisamos a Bretanha?


Ja se acabou a pensam

de recear, as borrascas;

ja nos nam farâ o Norte

tam repetidas carrancas


Ja nam teremos biscoito

tam duro como huá ingrata

se bem remedio excellente

nas dilaçoens das jornadas


Ja nam teremos temperos

sem sal, sem gosto, sem graça

se bem hera do ençoço

remedio a vaca salgada


Ja nam ouuirey ringir

o Nauio; n[~e] as camas

andaram pellos beliches

de h[~u]a para a outra banda


Ja nam irey ao conues

diuertirme, con as tabulas

nem â noite, o sete estrello

ver se fica juncto â barca


Ja nam ouuirey de noite

as voses desentoadas

daquelles nossos ratinhos

amigos de roupa branca


Ja entrou a Nao real

com ajuda das fragatas,

que por aver pouco vento

se quis valer destas traças


Ja lançou ferro, e tambem

lança ferro toda a Armada

ja de terra, as fortalesas

se enchergam pellas fumaças


Ja chegaõ todos os botes

rodeando a Capitania

prouidos de galhardetes

e bandeiras arrastradas


Ja o bargantin do Duque

se chega para as escadas

da Nao Real, para ser

archiuo de luses tantas


Ja desse o sol de Lisboa

ja entra a lux da Bretanha

ja a bandeira Real

se abate da Capitania


Ja o bargantin aluôra

aquella sonôra arpa

que ade tocar alg[~u] dia

conçonancias, e naõ falças


Deu â uella e tam uelôx

cortou a liquida prata

que nam sabiam os olhos

se corria, ou se uoaua


Buscou a terra, e fes muito

porque quem se uê tam alta

so fas mençam do sublime

so do subido se paga


Porem nam pode chegar

talues por amor das aguas,

e destenperando as cordas

esperou alguás pausas


Chegou outro bargantin

mais pequeno, vox mudada

donde a prima da bellesa

quis desser mais requintada


Foi terceira h[~u] instromento

que nam tem segundo, e basta

que uisse ler de Cadeira

h[~u]a bellesa tam rara


Poucos compassos fiseram

os remeiros, quando a prancha

se pos em terra, e de h[~u] golpe

saltaram todos na praya


Adonde estauam os terços

que guarneciam a praça

gente bem paga do Rey

e da Raynha bem paga


Gente toda muy lusida

cortês, como bem criada,

deuotos, porque nenh[~u]

faltou do terço na salua


Hiamos todos diante

admirando cõ as gallas

Portuguesas, e o capricho

da naçam que a Deos mais ama


Depois dos terços seguiãsse

os Vreadores da Camara

se bem pareceo Cabido

por ter porteiro da maça


Entramos dentro em Palacio

que hera h[~u] Castello da praça

e apeouse da Carrocça

aquella diuina Pallas


Tam armada de bellesa

como de capricho armada

abrindo lhe a estribeira

quem no seruir se estribaua


Subio pella maõ do Duque

entrou na primeira salla

que inda teue h[~u] par de panos,

cõ estar tam bem armada


Muita fidalguia inglesa

muita pluma, muita gala

muita fita, muita ceda

muito ouro, muita prata


De fina tella uestidas

estauam todas as damas

cõ muitos signais no rostro

e cõ repiques na graça


Beyjarão todas a mam

âquella bella Diana

de quem; âs setas dos olhos

seruem coraçoens de aljaua


Entrou para descançar

de tantas penas passadas

de tantas glorias presentes

que tambem a dita cança


Nam lho permetio o pouo,

porque a gente aluoraçada

sem perder do Paço a Vista

perdia o paço em buscalla


Derâmnos bons aposentos

cõ camas tam regaladas

que o aliuio das pennas

se achou nas penas das camas


Os regalos heram muitos

a terra das muito fartas

a gente muito cortes

e muito lindas as casas


Por baixo muitos jardins

por sima muitas uarandas

estas muito uermelhinhas

aquellas menos coradas


O gouerno excellente

e dos domingos a guarda

muyto mayor que a do Rey

cõ ser tam grande Monarcha


Os catholicos ouuiam

missa, cõ deuaçam tanta

que puderam aprender

alguns dos da nossa Patria


Em Pallacio se desia

missa, Domingo e semana

e sobre a tarde, cantauam

tons, os musicos da Camara


Chegou de Londres El Rey

cuido, que â terça ou â quarta

para leuar para a quinta

quem requinta a mesma graça


Muito a taballe diante

muita trompeta bastarda

a cujo estrondo, atirou

toda a artelharia a praça


As Carroças, sem contia

e a Caualaria tanta

que sendo guarda do Rey

fasiam mil quatorsadas


Seguiamsse logo a estes

quatro porteiros da cana

que heram; por dados do Rey

quadernas afortunadas


Seguiamsse muy vistosos

os officiaes da Casa

botoens de Rosas â vista

na cor verde e encarnada


Tambem os seus Capellaens

vieram cõ negras gallas

galhardos a toda a ley

porem nam á ley Romana


Atras destes se seguiam

os seus soldados da guarda

no meyo a Real carroça

chea de olhos sem pestanas


H[~u]a tropa de Cauallos

Leuaua de retaguarda

que se armauam bem de peitos

por b[~e] guardar lhe as espaldas


Apeousse a Magestade

(digo o Rey da grã Bretanha)

cuja Magestade nunca

poderâ ser apeada


Salua lhe deram real

os terços, e toda a praça

e quem morria por vello,

por vello vivas lhe daua


Sobio a Pallacio, donde

vio aquella Estrella d'alua

emferma de tanta ausencia

nos braços da Esperança


Sem interpetre fiseram

as cortesias vsadas

que nam ha mister ter lingua

corpo que tem duas almas


Como tinha satisfeita,

aquella primeira causa

veyo dar a maõ a tantos

que o trasiam nas palmas


Foj correr as fortalesas

o que esforçado Monarcha

pois tam ferido de amor

nam quer largar inda as armas


Correu toda a Villa, e certo

que foj cousa muy notada

quando os Reis a todos dam

roubar elle tantas almas


Nam tem que ver o retrato

cõ o magestoso da cara

que se he sombra deste asombro

a lux sempre foj mais clara


Aqui fique a Musa agora

por quanto a lux se me apaga,

a penna vay sendo groça

a tinta vem sendo branca


Fique em Porstmout a thalia

que tambem do mar cançada

nececita que lhe demos

feria no fim da semana


Ella promete ao leitor

finos pinseis, cores claras

para pintar os Paises

de Porstmout, para a Bretanha


E em tanto que fica ausente

aceite essa doce patria

o desejo de seruilla

e a vontade de logralla



Finis laus Deo.



Notas da transcrição:
Por não existir nenhum caracter ascii correspondente às letras
"u com til" e "e com til", foram esses caracteres
substituidos pelas marcas [~u] e [~e] respectivamente.