The Project Gutenberg eBook of Os deputados brasileiros nas Côrtes Geraes de 1821

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Title: Os deputados brasileiros nas Côrtes Geraes de 1821

Author: Manuel Emílio Gomes de Carvalho

Release date: March 14, 2008 [eBook #24824]
Most recently updated: March 3, 2021

Language: Portuguese

Credits: Rita Farinha, Chuck Greif and the Online Distributed Proofreading Team

*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK OS DEPUTADOS BRASILEIROS NAS CÔRTES GERAES DE 1821 ***
Nota de editor: Devido à quantidade de erros tipográficos existentes neste texto, foram tomadas várias decisões quanto à versão final. Em caso de dúvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final deste livro encontrará a lista de erros corrigidos.

Rita Farinha (Mar. 2008)





Os deputados brasileiros
nas Côrtes Geraes de 1821




DO MESMO AUCTOR



D. João III e os francêses. (A. M. Teixeira & C.ta, Lisboa, 1909).







Imprensa Moderna―Porto

Grande Premio na Exposição do Rio de Janeiro de 1908



Subsidios para a Historia do Brasil



Os

Deputados brasileiros

nas

Cortes Geraes de 1821

por

M. E. Gomes de Carvalho






PORTO

Editores: LIVRARIA CHARDRON, de
Lello & Irmão―R. das Carmelitas, 144


1912




CAPITULO I


SUMMARIO:

Causas da revolução de Portugal de 1820.―Incerteza sobre o regresso d'el-rei.―Necessidade da adhesão do Brasil para o exito da revolução.



Em consequencia da invasão francêsa e da abertura dos portos do Brasil ás nações amigas, a miseria no Reino ia em crescimento assustador. Cada anno assignalava nova reducção na marinha; augmentava a importação dos generos de primeira necessidade, a começar pelo trigo; fechavam-se as fabricas, os productos vencidos da concorrencia inglêsa no ultramar, e os operarios, famintos, tornavam-se mendigos ou ladrões. Em 1820 a penuria attingia o extremo. Exgottado inteiramente, o erario não pagava aos funccionarios publicos nem restituia os depositos. Queixavam-se os soldados de que havia oito mezes não recebiam os soldos, e nem mesmo os compromissos sagrados do monte-pio eram satisfeitos;[1] á miseria ajuntava-se a humilhação. Humilhação [6] no exercito, onde a presença de officiaes europeus fazia acreditar na incapacidade do português para defender só a terra natal; humilhação em todas as classes, porque a gloriosa nação se achava reduzida á colonia do Brasil, constituido o centro da monarchia, por abrigar o soberano.[2]

O descontentamento geral e o enthusiasmo com que a Hespanha acolheu o juramento da constituição de Cadiz pelo rei, a 7 de março de 1820[3], induziram os liberaes do Porto, auxiliados pela guarnição, a se revoltarem em 24 de agosto contra o absolutismo, com programma verdadeiramente moderado. Não pregavam a republica nem mesmo a substituição da monarchia, a despeito de haver o rei abandonado a nação, em fuga precipitada para o Brasil; ao contrario, referiam-se a elle com expressões de respeito, sympathia e dedicação, que certamente não merecia o chefe que já não podia justificar a sua ausencia da patria. Manteriam a religião catholica. O que queriam era a participação do povo nos negocios publicos. Nem isso era cousa nova, porquanto outr'ora os soberanos, por força do direito consuetudinario[4] ouviam ácerca dos interesses nacionaes os representantes do clero, da nobreza e do povo. Era o restabelecimento d'esse fôro, conculcado pela realeza, com as modificações adequadas ás idéas do tempo e com as garantias necessarias [7] para não ser de novo frustado, que, em ultima analyse, se traduziria a constituição que os procuradores da nação, convocados pelos revolucionarios, pretendiam então fazer.

Resoluções tão moderadas e reivindicação tão justa, defendidas por homens de moralidade elevada, como os chefes do movimento, á medida que se divulgavam, iam conquistando os animos e annullando as velleidades de resistencia manifestadas nos commandantes das armas de Tras-os-Montes e da Beira[5].

A regencia, designada por el-rei, que em 2 de setembro reconhecia, em carta ao soberano, a impossibilidade de defender o regimen por lhe não inspirarem confiança as tropas da capital, e a impossibilidade de viver, porque a sublevação das opulentas provincias do norte tiravam ao governo a fonte mais copiosa de rendas,[6] aos 15 de setembro perdia a direcção da causa publica, acclamados outros governadores pelos batalhões e populares reunidos no Rocio. Estes, de accordo com os chefes da insurreição portuense, crearam o governo supremo.

Aceita a revolta por todos os angulos do reino com jubilo tal que desterrava receios de perturbação da ordem, os novos directores da politica empenharam-se com fervor na execução do seu programma. Duas questões levantaram-se, ardentes e inquietadoras: tornaria a Portugal el-rei ou qualquer pessoa da sua familia? Que acolhimento [8] reservaria á nova ordem de cousas o Brasil?

Tornava-se indeclinavel a presença do monarcha, não só para sanccionar o movimento, mas ainda para restituir o velho reino á sua condição de metropole, da qual se achava despojado por ser governado por prepostos e receber ordens de além-mar. Assim, um dos primeiros actos do novo governo é deprecar ao soberano que volva á patria ou mande alguma pessoa de sua familia, a fim de consolidar a obra da regeneração social[7].

Avultava, comtudo, a desconfiança de que el-rei não acudiria ao appello. No meado de março, a imprensa portuguêsa de Londres noticiava que a familia real assentára fixar-se para todo o sempre no Brasil, e pouco depois correu voz de que estava imminente a declaração official d'aquelle proposito.[8]

A maneira ambigua por que o soberano respondia á regencia do reino, ao instar ella pelo seu regresso, robustecia o boato. Na verdade, D. João recusava-se volver ou mandar um dos filhos á terra d'onde sahira com terror panico dos francêses. Sentia-se bem no Brasil, onde «se cria amado»[9], não o torturavam achaques[10] e não havia vizinhos que puzessem em perigo a [9] sua segurança. A 12 de outubro de 1820, o brigue «Providencia» tirou-lhe a quietação com a noticia da revolta portuense, transmittida pelo governo que o representava em Portugal. Ao mesmo tempo que o inteirava dos graves acontecimentos, participava-lhe haver convidado o clero, a nobreza e o povo a se reunirem em côrtes, e mais uma vez deprecava ao soberano que viesse[11]. A resposta do monarcha chegou a Lisboa a 16 de dezembro, quando desde muitas semanas a insurreição varrêra do poder o cardeal patriarcha, o marquês de Borba, o conde de Peniche, o conde da Feira e Antonio Gomes Ribeiro, delegados do soberano. Depois de notar a incompetencia da convocação da assembléa sem o seu concurso, dizia que elle ou um dos filhos tornaria á antiga metropole, logo que, encerrado o parlamento e conhecidas as suas propostas, houvesse certeza de que o real decôro não corria risco de affronta[12].

Se era n'esses termos que o rei respondia aos homens de sua confiança, racionalmente os revolucionarios não deviam contar com a sua presença na Europa, tanto mais que o conde de Palmella, agora em viagem ao Rio, ia lançando nas terras portuguêsas a que a arribava, Madeira e Bahia, a idéa de resistencia ao governo de Lisboa, com o fim de assegurar á corôa a proeminencia na reconstituição politica da monarchia[13]. [10] Sem embargo do desassocego gerado pela disposição do soberano, transparente n'esse documento, os que regiam os destinos de Portugal julgaram mais acertado deixar ao Congresso, o qual se devia abrir brevemente, o cuidado de chamar novamente el-rei á Europa. Demais, da effervescencia dos animos, que a revolução não podia deixar de crear nos estados ultramarinos, não era temerario prevêr a superveniencia de successos capazes de mudar a inclinação do soberano.

Não era menor a anciedade com que o governo de Lisboa aguardava o julgamento do Brasil ácerca da insurreição, julgamento considerado decisivo da sorte do velho reino. Um dos mais ouvidos publicistas da época affirmava que, sem o apoio do ultramar americano, Portugal se expunha a perder a independencia, não por causa das forças que lhe poderia oppôr a antiga colonia, mas pelos auxilios de seus alliados; e, n'essa tremenda conjunctura, não hesitava em aconselhar a patria a que esquecesse resentimentos e suffocasse antipathias, para se unir á Hespanha, a fim de não continuar a ser «miserrima colonia». Era um alvitre desesperado, ponderava, porque perderia assim uma parte da autonomia, mas «muito custa perder uma perna ou um braço; e algum d'elles ou alguma d'ellas tambem ás vezes se perde, quando, exhaustas todas as esperanças, é de necessidade perder uma parte para salvar o todo»[14].

Por mais despropositado que se nos afigure hoje o considerar a independencia de Portugal subordinada á união com o Brasil, era todavia [11] corrente no tempo e fazia parte da prudencia mais elementar, attentos os successos politicos da Europa. Na verdade, em consequencia da alliança de 1815, da santa alliança como lhe chamam, constituida pelos soberanos da Russia, Austria e Prussia, com o intuito de assegurar a paz interna nos respectivos Estados e nos dominios dos principes christãos que viessem adherir a ella, nenhuma nação estava ao abrigo de uma invasão d'esses povos, solicitada pelo proprio monarcha para conter a reivindicação mais legitima dos seus subditos. No morrer d'esse mesmo anno de 1820, Napoles, por haver acclamado a constituição hespanhola e ter constrangido o seu soberano a jural-a, apparelhava-se para resistir á irrupção da Austria, delegada da Santa Alliança. Não devia Portugal temer egual sorte, caso D. João VI e o Brasil condemnassem a revolta? Se n'aquelle reino de Italia uma infima minoria capitaneada pelo rei justificava a aggressão dos alliados contra os liberaes, muito mais facil seria conseguir a cooperação armada d'elles contra o velho reino, firmando-se o soberano na fidelidade dos brasileiros, a qual testemunharia que os acontecimentos de Portugal procediam de uma facção victoriosa na secção menos importante da monarchia. Consoante as idéas do momento, era portanto questão vital para o levante o assentimento do ultramar á nova ordem de cousas, e não podia haver fórma mais evidente nem mais solemne dessa adhesão do que mandar elle representantes ás côrtes. Assim pensa o governo de Lisboa, que solicita o seu comparecimento no futuro congresso, com phrases commovidas, e no calor do transporte chega a prometter a todos os ultramarinos, sem distincção, a mudança da administração por outra [12] que não tenha os gravames e humilhações do regimen colonial[15].

Maliciosamente informa um coevo que, pela primeira vez, os portuguêses da Europa deram aos compatriotas de além-mar o nome de irmãos[16].



CAPITULO II


SUMMARIO:

Esperança no apoio do Brasil.―Começam a chegar novas de além-mar.―Revolução no Pará.―Pará provincia de Portugal.―Adhesão da Bahia.―Divergencias no governo do Rio.―As côrtes desconfiam d'el-rei.―O decreto de 18 de abril.―El-rei aceita a revolução.―O enthusiasmo de Lisboa.



Supposto faltassem noticias do Brasil por occasião da abertura do Congresso, aos 26 de janeiro de 1821, desde que os negocios publicos do Reino tomaram aspecto tranquillisador, a reflexão persuadiu de que o ultramar americano applaudiria a revolução, adherindo ao governo de Lisboa e ás Côrtes. Um povo em progresso tende fatalmente a exigir segurança para as propriedades e as pessoas, a limitar o arbitrio dos governantes e a tornar a lei mais forte que os homens, cousas que se não alcançam, se fallece á nação o direito de fiscalizar os actos da administração. Sómente as populações miseraveis e refractarias [14] á civilisação, como as hordas africanas, não pugnam por aquelle direito.

Além d'essa consideração de ordem geral, havia no reino ultramarino motivos de descontentamento. As capitanias não tinham protecção contra as violencias dos capitães-generaes, e diziam os povos que os melhores d'elles deligenciavam haver dinheiro a todo o, transe não para o applicar ás necessidades locaes, mas para remetter ao erario do Rio, por não existir acto que mais os recommendasse ao favor régio. Demais, a revolução pernambucana de 1817, acclamada facilmente por todo o extenso territorio de Pernambuco, o qual então comprehendia Alagoas, e aceita com enthusiasmo na Parahyba, exprimia com evidencia a aspiração para a liberdade de uma vasta porção do Brasil. Pernambuco, a provincia rica e esclarecida, maltratada asperamente por causa da revolta, e cujos filhos, poupados á forca, jaziam ainda nos carceres, certamente corresponderia ao appello da metropole, que mostrava pela primeira vez entranhas de mãe; e as suas irmãs tratariam agora de resgatar a falta de solidariedade commettida em 1817, falta devida mais ao imprevisto da explosão do levante do que á divergencia de sentimentos.

A realidade não mentiu á esperança, e aos 27 de março entraram a chegar ao congresso informações das terras ultramarinas.

Vem-lhe do Pará a primeira communicação, em officio do novo governo. Dizia que em 1.º de Janeiro o povo, as tropas e as auctoridades haviam jurado obediencia ao rei e á dynastia de Bragança, ás Côrtes Geraes e á constituição que promulgassem, e Vem-lhe do Pará a primeira communicação, em officio do novo governo. Dizia que em 1.º de Janeiro o povo, as tropas e as auctoridades haviam jurado obediencia ao rei e á dynastia de Bragança, ás Côrtes Geraes e á constituição que promulgassem, e que em seguida tinham eleito uma junta provisional para reger a capitania, até á installação [15] das mesmas Côrtes. De todos esses successos fôra participado el-rei[17].

O documento, assignado pelos membros do governo provisorio, de que era presidente o vigario capitular Romualdo Antonio de Seixas, que mais tarde tanto se assignalou na administração ecclesiastica, como arcebispo da Bahia, e nas discussões da camara dos deputados, revela a preoccupação dominante do exemplar ministro da Egreja; aceita a constituição futura, com a clausula de manter a religião catholica. Das cousas que lhe interessavam, era a unica que cumpria acautelar na lei fundamental por vir. A liberdade e a segurança de seus compatriotas certamente lucrariam com o novo pacto social, porque este lhes devia dar mais vantagens do que era licito esperar do absolutismo; e caso o não fizesse, assistiria aos cidadãos o direito de protestarem por via de petição ou da imprensa livre, que fazem parte de todas as constituições. Só a religião estando em perigo nas Côrtes, por causa do radicalismo francês e do racionalismo philosophico, dominante em Portugal, corria-lhe o dever de estipular que observaria a futura carta constitucional, respeitando esta os dogmas da Egreja. Podia omittir semelhante restricção que a sua qualidade de sacerdote deixava subentender; arriscava, porém, com o silencio a crear um equivoco, que se não compadecia com a sua honra.

Coube ao alferes de milicias Cunha trazer ao parlamento o officio referido, e com elle veiu Felippe Alberto Patroni Martins Maciel Parente, conhecido simplesmente por Patroni, o qual teve [16] a iniciativa dos sucessos politicos da vasta capitania. Estudante de Direito na Universidade de Coimbra, passava as férias em Lisboa, quando estalou ahi a revolução. Partiu, sem perda de tempo, para o Pará, a fim de transmittir a boa nova e desembarcou no momento mais propicio ao seu intento. Acabára de tomar o caminho do Rio, com o fim de contrahir casamento, o resoluto marquês de Villa-Flôr, deixando, de conformidade com a lei, a capitania entregue a um governo provisorio fraco e sem prestigio, como todas as administrações interinas. Nem por isso, comtudo, se póde contestar a audacia e habilidade do mancebo, que logrou communicar os seus sentimentos aos conterraneos a termos de se collocarem as personagens mais conspicuas da terra á testa do movimento a favor da insurreição da antiga metropole.

Como o não nomeassem membro da junta provisoria, os seus amigos tentaram reparar a injustiça, fazendo que o senado da camara de Belém, o elegesse deputado ás Côrtes, eleição, porém, reprovada pelo governo paraense, por não ser corpo eleitoral a vereação. O joven ambicioso não se conformou e começou a combater com audacia a junta. Esta procurou abrandar o estudante investindo-o, não sem malicia, de um cargo de confiança, mais de apparencia que de substancia: requerer perante as Côrtes tudo quanto conviesse ao Pará.[18] Patroni, julgando que poderia illaquear a administração da provincia e o Congresso, aceitou a singular incumbencia, com o [17] proposito de transformar o titulo de nomeação em diploma de deputado.

Em chegando a Lisboa, tratou de sahir com o intento. Consultadas, porém, as commissões de constituição e de poderes, foram de parecer que, a despeito do empenho de ver na assemblêa constituinte a deputação do Pará, por ter «esta capitania a primazia na tão suspirada adhesão do Brasil á causa constitucional dos portuguêses», não podiam deferir o requerimento, porque o documento que o instruia, não o nomeava representante da nação, aprovavam, todavia, que a assembléa, por excepção, o ouvisse como delegado do governo paraense[19].

Ainda que as sessões fossem muito concorridas, a aflluencia cresceu a 5 de abril, para ouvir o primeiro americano que falava no congresso. Os escriptores que assignalam o facto, deixam em regra de reproduzir ou commentar o discurso de Patroni.[20] Semelhante omissão, que parece voluntaria, deve proceder do intuito cavalheiresco de não desluzir a figura do estudante, a qual apparece na perspectiva da historia illuminada de todas as graças da juventude. A sua arenga não passa de estirada declamação, lardeada de evocações da historia romana, no gosto dos oradores da revolução francêsa, mas, ainda assim, transparece a intelligencia do emissario ultramarino, reconhecida, aliás, pelos contemporaneos[21]. [18] Prepondera na oração o subido conceito do berço natal e a confiança nos seus destinos, sentimentos que persuadem que, sem egualdade politica mais perfeita entre as duas secções da monarchia, a união não poderá subsistir. Não lhe falta habilidade, como revela o trecho em que explica a razão porque a junta não o reconheceu deputado.

«Sim, augusta e veneranda assembléa, eu, eu mesmo, conhecendo a fundo o caracter do generoso povo português, estudando os corações dos meus compatriotas, lendo o futuro, propuz a eleição extraordinaria de um deputado, que, sendo eleito pelos habitantes da capital (a cujas decisões sempre o resto da provincia fielmente adhere) viesse já estreitar os laços da nossa confraternidade, tomando o seu justo e devido logar entre os representantes da nação. Inutilizaram-se, porém, os meus esforços, porque os meus concidadãos não quizeram transpôr os limites marcados aos seus direitos, se bem que de bom grado renunciarão á immensa riqueza que possuem na vastidão do seu paiz, sómente por se realizarem quanto antes os seus desejos».[22]

A bem da verdade, importa dizer que semelhante declaração não significava o abandono da velleidade, como parecia. Não cessou de importunar o congresso, para que o acolhesse em seu seio, sem outros titulos que a nomeação de delegado do governo do Pará e o diploma illegal; consta, até, que ameaçou Portugal com a separação do [19] Brasil, se não fosse deferida a sua pretenção.[23]

A commoção devia reproduzir-se na voz, no rosto e no gesto do filho do Pará com singular força communicativa, porque os espectadores e deputados acclamaram com estrondo o discurso emphatico, apesar de conhecerem desde 27 de março os successos que referia. Depois de haver o presidente declarado que ouvira com prazer inexprimivel a manifestação dos sentimentos do Pará, ponderou que a prosperidade e a ventura dos portuguêses de um e outro hemispherio repousariam sobre a identidade de direitos e obrigações. Em seguida, Manuel Fernandes Thomaz, a alma da revolução e o mais influente dos contemporaneos, propoz, unanimemente applaudido, que o Pará não se denominasse mais capitania, senão provincia de Portugal, porquanto «se a immensa distancia nos separava, o amor fraternal e a communidade de sentimentos nos uniam».

Teve tambem unanimidade a proposta considerando benemeritos da patria os que haviam cooperado para a regeneração da provincia septentrional.

A assembléa, prodiga em distincções honorificas, facultou a Patroni o ingresso permanente na tribuna destinada ás personagens de marca.[24]

Attribuindo ao Pará a categoria de provincia de Portugal, as côrtes faziam um gesto em apparencia lisongeiro ao amor proprio dos ultramarinos, mas que na realidade se traduzia no enfraquecimento e na degradação de sua patria. [20] D'ahi promanava logicamente a desnecessidade de haver no Brasil o governo central que enfeixava agora as capitanias, e como o Minho, o Algarve, estas ficavam sob a jurisdicção immediata e absoluta da antiga metropole, vindo d'esse modo a America portuguêsa a perder implicitamente a graduação de reino. Tal era, porém, a confiança no congresso e nos repetidos protestos de fraternidade dos regeneradores que os brasileiros não divisaram o intuito de recolonização n'esse conceito, que surgia ao primeiro contacto dos irmãos mais novos com os mais velhos na obra da reconstituição da patria.

Ao mesmo tempo que chegava ao parlamento a noticia do apoio do extremo norte, corriam boatos ácerca da attitude da Bahia[25].

Eram, porém, tão obscuros e desencontrados que geravam mal-estar. O passado e o presente aureolavam a Bahia de subido prestigio. Ahi desembarcára Pedro Alvares Cabral; fôra a primeira capital da vasta possessão; era já rica e prospera, emquanto umas capitanias, no trabalho de formação, luctavam ainda com os indios e outras nem até existiam. Embora desde muito deixasse de ser a séde do governo geral, em virtude da actividade commercial, da abastança e cultura dos seus moradores, da sua situação geographica e de ser a mais povoada das terras brasileiras, o reino ultramarino, ao parecer dos portuguêses da Europa, se nortearia pela orientação tomada na conjunctura pela grande provincia.

Em 15 de abril, domingo, chegou á regencia [21] a nova de ter a Bahia assentido ao levante do Reino.

Se a divulgação da noticia tirou a alguns deputados o interesse da sessão no dia immediato, estimulou o comparecimento do publico, que se apinhou no recinto e nas galerias. Estavam presentes as figuras mais conspicuas da regeneração. Via-se o padre Castello-Branco, antigo ministro da inquisição e liberal extremado, cujos discursos eram lidos com prazer, lamentando o publico a sua voz, antes sussurro de oração, tão fraca que só os vizinhos lhe distinguiam as palavras; Margiocchi, que alliava forte erudição á alegria do espirito e esmaltava as arengas de ditos facetos, julgados descabidos pelos austeros paes da patria; Borges Carneiro, o bom gigante, sempre em favor dos opprimidos, o qual acabava de ter estrondoso exito com o «Portugal regenerado» que em poucas semanas attingira tres edições. Era, talvez, o tribuno predilecto de Lisboa. Intrepido, claro, e simples sem vulgaridade, era o mais candido dos filhos dos homens. Lá estava Moura, o primeiro orador português das Côrtes, que não tardará a travar com Antonio Carlos, Villela Barbosa e Lima Coutinho combates de titans. Attrahia, porém, os olhares dos espectadores Fernandes Thomaz. Já se formava a lenda ácerca do grande varão. Contava-se que, emquanto na forca e nas fogueiras de 1817 estrebuchavam os amigos da liberdade, entre os quaes avultava a nobre e alta figura de Gomes Freire, elle tomara com a consciencia o compromisso de realizar o sonho das victimas ou de as seguir no patibulo. Lisboa adorava-o. Doente, em consequencia do trabalho e das incertezas cruciantes a respeito do exito da revolta, quando se lhe agravava [22] o mal e não comparecia, por isso, á assembléa, Lisboa inteira soffria[26].

O ministro da marinha, que o era tambem dos negocios ultramarinos, veiu, na sessão de 16 de abril, communicar aos constituintes a noticia da proclamação da liberdade constitucional na Bahia e que esta reconhecia a auctoridade das côrtes e do governo supremo. Semelhante resolução, ponderosa, determinaria Brasil inteiro a unir-se á causa de Portugal e persuadiria o rei da conveniencia de attender exclusivamente á vontade dos povos, rejeitados os alvitres reaccionarios de sua camarilha.

Em seguida, o secretario leu o officio da junta bahiana. Declarava que, com os direitos recuperados, com a egualdade de vantagens e receprocidade de interesses, não deixaria de ser garantida a unidade do imperio lusitano, e mostrava-se confiante em que as côrtes lançariam «os fundamentos da felicidade e consideração a que o Brasil legitimamente aspirava.»

«Emquanto o aperto do tempo, continuou o secretario a ler o officio, no silencio augusto da assembléa, e as circumstancias não permittem que enviemos os deputados desta provincia, que devem trabalhar em commum com os nossos irmãos, rogamos ao soberano congresso nacional que receba as expressões de nossa mais sincera adhesão e fraternal congratulação pela sua gloriosa installação, e a segurança do muito que o povo desta provincia e nós em especial confiamos na [23] sua sabedoria, no seu zelo illustrado e no seu exaltado patriotismo, podendo certificar, em face do mesmo soberano congresso, que não haverá sacrificio que esta provincia não faça para levar a cabo a grande obra em que estamos todos empenhados».

Antes que o secretario encetasse a leitura do segundo officio, Fernandes Thomaz levantou-se, e, a despeito do habito da tribuna, a commoção lhe não consentiu senão exclamar: «Vivam os bahianos!» E, tres vezes, espectadores e deputados atroaram as salas do palacio com o mesmo brado de reconhecimento e de triumpho.

Restabelecido o silencio, passou-se a ler o outro documento, no qual o governo solicitava algumas providencias para a defesa e fortificação da cidade. O presidente disse que a alegria e o enthusiasmo das côrtes correspondiam á importancia transcendente do sucesso e que, perante taes manifestações da vontade nacional, el-rei não podia deixar de a seguir. Frei Vicente da Soledade, deputado do Minho e arcebispo da Bahia, levantou-se para render graças a Deus por tão feliz acontecimento e supplicar-lhe consentisse a revolução por todos os Estados da monarchia, sem se derramar mais sangue do que aquelle que acabára de correr na forte provincia.

Serenados os applausos, mais uma vez repetidos, ordenaram os deputados a partida immediata de um brigue, para levar á Bahia a resposta do governo e das Côrtes, e ao Rio e a todos os postos que haviam acclamado o novo regimen, as bases da constituição recentemente promulgadas.[27]


[24] Falára a Bahia com o sentimento da liberdade e a coragem civica que jámais se desmentiram nos seus actos. O resentimento por haver cessado de ser a capital da colonia não lhe fez esquecer a solidariedade com as outras capitanias, das quaes nem de leve cogitára o Pará, e o seu patriotismo e agudo senso politico se affirmaram com a declaração que, sem a egualdade, absoluta de direitos entre os povos dos dous hemispherios, correria perigo a integridade da monarchia.

Na reunião immediata soaram no congresso informações fidedignas, embora sem cunho official, de haver Pernambuco acclamado o governo constitucional.[28] Emquanto as principaes provincias do norte se pronunciavam a favor da causa de Portugal, como então se dizia, a côrte do Rio quedava-se n'um silencio extranho pela persistencia, explicado em cartas particulares de modo assustador para a regeneração. Falavam em discordia nos conselhos da corôa: Thomaz Villanova de Portugal, o ministro de maior confiança e o principal favorito do monarcha, aconselhava resistencia desesperada ao liberalismo, e o conde de Palmella e o conde dos Arcos opinavam para que a realeza attendesse ás aspirações do povo.[29] A attitude attribuida aos conselheiros nobres não inspirava assás confiança para attenuar o desassocego gerado pelas disposições do ministro plebeu, tanto mais que os regeneradores consideravam com desfavor o conde de Palmella. [25] Ninguem lhe contestava altos dotes politicos, mas a sua natureza aristocratica, o prestigio pessoal de que gozava nas côrtes extrangeiras, onde representára o soberano, e, principalmente as opiniões expendidas na Madeira e na Bahia, por occasião de sua viagem ao Rio, no sentido de caber exclusivamente ao soberano o direito de convocar os representantes da nação[30], tornavam suspeitos os seus alvitres.[31] O congresso, que até então se abstivera de intervir nos negocios do Brasil, com receio de molestar o melindre d'el-rei e dos brasileiros[32], entendeu judiciosamente que não podia persistir em tal modo de proceder, agora sobretudo que a Bahia lhe pedia soccorros para se defender.

De onde poderia vir a aggressão, que esse requerimento inculcava, para resistir á qual não bastavam as suas forças militares, inferiores sómente ás forças do Rio de Janeiro? Não do seu proprio seio, onde reinava segurança e alegria e a acclamação do regimen liberal se realizára assás facilmente, porquanto as mortes e os ferimentos procediam mais da precipitação e imprudencia do regimento de artilheria do que da necessidade de reduzir absolutistas convencidos;[33] não das terras septentrionaes, porque os bahianos deviam conhecer as suas sympathias pela causa constitucional; [26] certamente do Rio, onde a influencia mais liberal procedia de homens, como o conde de Palmella e o conde dos Arcos, que não mereciam a confiança dos regeneradores.

Este mostrára-se violento e barbaro na repressão da revolta pernambucana de 1817; e aquelle, contestando a legitimidade do parlamento, virtualmente aconselhava resistencia ás suas decisões. Á regencia e ao Congresso corria, portanto, o dever imperioso de acudir á provincia generosa, contra o inimigo commum, e de promover todos os meios convenientes ao triumpho da insurreição, desterrado o escrupulo de magôar o soberano, que deixava entrevêr disposições hostis. Ao mesmo passo que cuidavam de expedir tropas para a Bahia, promulgavam o decreto de 18 de abril.

Reconhecia este acto as juntas creadas nas capitanias por occasião de se estabelecer o novo regimen; julgava benemeritos os que o haviam promovido e mandava proceder á eleição dos deputados ás Côrtes no reino ultramarino, de accôrdo com o decreto de 22 de novembro de 1820.

Escriptores ha que verberam o congresso por causa dessa providencia, com o fundamento de que assim provocou a desagregação do Brasil[34]. É injusta a critica. Quando ella se tornou conhecida no ultramar, já as principaes provincias septentrionaes haviam declarado, como vimos, pela revolução, recusando reconhecer a auctoridade do governo do Rio. O exemplo das irmãs do norte, o amor da liberdade e, mais que tudo, [27] o empenho de ter a autonomia na administração local certamente acabariam por imprimir ao sul brasileiro a orientação politica adoptada pelo Pará e pela Bahia, independentemente do decreto incriminado. De mais, as Côrtes não podiam obrar de modo differente. Emquanto não conheceram os sentimentos do novo reino ácerca da revolta, com prudencia e discreção, notavelmente raras em epocas revoltas, não interferiram nos negocios ultramarinos; desde, porém, que o Pará, Pernambuco e Bahia lhe protestaram apoio, não lhes era licito recusarem concurso tão espontaneo quão precioso, sem merecerem aspera censura. Não sanccionando os seus actos, violavam a solidariedade com os partidarios, e, deixando de lhes dar lei eleitoral, geravam a desconfiança de que intentavam vedar aos ultramarinos a participação, na representação nacional, e vinham desse modo a faltar á promessa de egualdade politica aos portuguêses d'aquem e d'alem-mar, formulada nos manifestos.

Na noite de 27 de abril, com a chegada da fragata «Maria da Gloria», houve noticias do Rio que desopprimiram Lisboa da anciedade febril, gerada da mudez do rei.―Estava o ministro da marinha no theatro S. Carlos, quando lhe levaram o correio da America. Transportado de jubilo com o juramento da futura constituição pelo monarcha, transmittiu aos espectadores a fausta nova. Apoderou-se do publico verdadeiro delirio; os artistas cantaram o hymno, as mulheres choraram e os poetas improvisaram. Fóra, arrancavam-se aos vendedores os supplementos dos jornaes; illuminaram-se as casas; dos fogos de artificio choveram toda a noite flores de luz e estrellas sobre a cidade sem somno, e na manhã seguinte [28] as duzentas egrejas de Lisboa annunciaram ao céo a alegria dos homens[35].

O povo, que desde cedo fervia nas immediações, invadiu, á abertura, o palacio das Côrtes, com a impetuosidade de inundação e alastrou-se por toda a parte, sem respeito aos logares reservados. Cobriu de flores e louros as cadeiras dos representantes, acclamados como triumphadores. O presidente do congresso alterou a ordem do dia, para não retardar o prazer de confirmar a noticia. Feito o que e descoberto o retrato de D. João VI, «o melhor dos soberanos», os vivas resoaram no recinto e nas tribunas, com indizivel enthusiasmo, como assignala o Diario das Côrtes. Borges Carneiro na embriaguez do sonho de paz universal, pregou a reconciliação para todo o sempre e rematou propondo «fossem expedidas ordens mui positivas ás relações e juizes contenciosos para que tratem de extirpar e abreviar as demandas, interminavel origem de odios e dissensões, devendo o innumeravel exercito que vive deste sordido e cruel mister de demandas e disputas forenses, ir procurar outro modo de vida».

Serenado o rumor formidavel levantado por tão ingenuo requerimento, apoiado sómente por Sarmento, Castello-Branco aconselhou a calma. A obra de reconstituição social, que começára bem, estava ainda muito longe do termo; cumpria não a comprometter com enthusiasmo fóra de tempo.[36]

De nada valeu o conselho prudente. Após as incertezas angustiosas em que todos haviam [29] vivido durante semanas interminaveis, espectadores e deputados queriam ter, ao menos, um dia a illusão consoladora de que o futuro se patenteava claro e ridente.

A mesa do Congresso e o governo resolveram então não fazer communicações nem suscitar debates que pudessem turvar a alegria geral.

Demais, a nova grave, que vinha da ilha da Terceira, onde a contra-revolução triumphava, perdêra a importancia com a adhesão do rei á nova ordem de cousas. Conhecida na ilha, dissiparia certamente as resistencias do bispo e do governador reaccionarios, com a facilidade com que o sol desfaz os nevoeiros dos valles e das grotas.

O enthusiasmo persistiu por toda a reunião na mesma nota aguda. Foi o dia mais feliz das Côrtes.



CAPITULO III


SUMMARIO:

O conde de Palmella.―Hesitação d'el-rei―O decreto de 18 de fevereiro.―Irritação popular.―A junta consultiva.―26 de fevereiro.―O rei resolve partir.―Protestos do commercio.―Reunião dos eleitores na praça do commercio.―Providencias de Silvestre Pinheiro.―Dissolução violenta da assembléa.―Os poderes da regencia.―Embarque do rei.



Antes de proseguirmos no estudo das sessões das Côrtes, devemos expôr os acontecimentos determinantes do regresso do rei, sem o que não conheceremos a agitação creada nos animos fluminenses com a revolta portuguêsa, agitação que, com desenvolver o sentimento da liberdade e o civismo, deram em resultado a independencia.

Quando, aos 12 de outubro, o brigue «Providencia» trouxe ao Rio a noticia da insurreição do Porto, do gabinete 24 de junho de 1817 não havia senão dous ministros, o conde dos Arcos e Thomaz Antonio Villanova de Portugal.

O conde de Palmella ainda não viera tomar conta dos negocios extrangeiros e da guerra, [31] retido na Europa por missões diplomaticas e interesses privados. El-rei e o seu conselho não se inquietaram com o grave successo, persuadidos de que o levante morreria com as medidas liberalizadas pela regencia e confirmadas pelo monarcha: a convocação das côrtes antigas e a amnistia dos rebeldes. Em novembro, porém, o panico foi enorme com a communicação de que a revolta, victoriosa em Lisboa a 15 de setembro, se apossára do poder e se estendia por todo o Reino, através de aclamações enthusiasticas. O rei, atordoado e desfeito,[37] quiz ouvir pessoas de todas as classes e de todas as graduações, e pessoas de todas as classes e de todas as graduações acudiram a emittir o seu voto. Uns não vieram senão para dizer que haviam previsto o temeroso acontecimento; muitos lamentavam se não terem tomado determinadas providencias. Dos que encaravam o presente, os alvitres foram em extremo discordantes.

Alguns, acaso por caridade, para tranquillizarem o rei pusillanime, ou por ignorancia, affirmavam que não havia materia para inquietação. Em breve os revoltosos se arrastariam aos pés de S. Magestade, invocando a régia misericordia, e caso o não fizessem, ahi estavam para os domar os exercitos da Santa Alliança, os quaes invadiriam Portugal á solicitação d'el-rei. Outros, considerando extincta a monarchia no velho reino, opinavam pelo abandono daquelle miseravel pedaço de terra, e que todos os desvelos da corôa se applicassem ao Brasil, rico e em progresso. Fóra desses pareceres [32] extremos, estavam os moderados, com divergencias menos sensiveis. Quaes aconselhavam a restituição d'el-rei á metropole, a fim de dirigir a revolução e manter os direitos da dynastia; quaes se inclinavam á partida do principe, por convir a presença do soberano no Brasil para sustar qualquer innovação, até á feitura no velho reino da carta constitucional, destinada a todos os Estados da monarchia[38].

No ministerio não havia mais concordancia do que na massa confusa dos conselheiros effectivos e improvisados. Thomaz Antonio, o principal valido e o ministro mais escutado, ponderava que os rebeldes acabariam por verificar que sem o concurso d'el-rei nada fariam. Então, S. M. mostraria o seu paternal coração, interessando-se novamente pelo velho reino, e lhe dictaria leis a seu inteiro aprazimento. O monarcha ou qualquer pessoa de sua familia volveria, nesse caso, certo da tranquillidade; substituiria o governo revolucionario por pessoas de sua confiança, admittindo na nova administração alguns dos insurrectos; dissolveria o congresso constituinte e convocaria as côrtes velhas,―clero, nobreza e povo―meramente consultivas. O que importava era acautelar o Brasil do fogo revolucionario[39].

O conde de Palmella notava judiciosamente, mais tarde, que esse projecto, conveniente outr'ora, já não satisfazia ás aspirações. Esquecia-se tambem o primeiro ministro de indigitar as medidas [33] capazes de resguardar o novo reino do liberalismo, que, sob a fórma de governo representativo, avassallava os povos da Europa e da America.

Do conde dos Arcos, que não gozava da confiança do monarcha[40] sabia-se apenas que parecia favoravel ás reivindicações populares, sem se conhecer o seu plano.

O conde de Palmella, aguardado com anciedade, afinal chegou aos 23 de dezembro, para reger a secretaria da guerra e dos extrangeiros. Ficou surpreso por não haver ainda o soberano tomado decisão alguma, e opinou que os navios surtos no Rio não levantassem ferro, fosse qual fosse o destino, sem levarem as resoluções reaes, vista a inquietação do Brasil e de Portugal.[41] A expectativa prolongada indefinidamente arriscaria a aggravar a situação na antiga metropole e provocaria a adhesão do novo reino á revolta. Sem perda de tempo, submetteu a el-rei o seu plano. S. Magestade devia mandar o principe real em companhia do conde dos Arcos a Lisboa, a fim de propôr ás Côrtes as bases de uma constituição liberal com duas camaras, e ao mesmo tempo convocar no Rio uma assembléa de procuradores das camaras e villas, para a elaboração da carta constitucional applicavel á antiga colonia[42].

Não se póde prevêr se esse projecto vingaria [34] a termos de assegurar a integridade da monarchia, mas certamente não desabona a intelligencia do seu auctor, reconhecida, aliás, até pelos proprios adversarios. O subtrahir a antiga colonia á sujeição das Côrtes e o enviar D. Pedro a Lisboa, onde crearia um partido assás forte, para fazer medrar o projecto, eram porventura o unico meio de conservar unidos os dous reinos e de tornar proficuo o trabalho das constituintes portuguêsas.

A proposta encontrou resistencia, e o fino diplomata para a vencer condescendeu com modificar o plano, na parte concernente ao Brasil, onde o descontentamento do regimen se não manifestára com violencia. Em vez de juntar em côrtes os representantes eleitos das camaras e villas, consentiu na consulta aos brasileiros conspicuos ácerca das necessidades da patria e das providencias convenientes á satisfação d'ellas e advertiu a urgencia de leis que definissem o poder dos governadores.[43] Ao mesmo tempo, inquieto, procurou ordenar as cousas militares. Officiaes despachados para as provincias não seguiam para o seu destino, e outros vinham á Côrte sem licença, todos com razões inconsistentes. Prescreve o pagamento dos soldos em atrazo, e aos que devem partir, além das comedorias de estylo, que se lhes adiante o vencimento de tres mêses[44].

Aos 17 de fevereiro, um navio inglês trouxe a nova temida de haver alcançado victoria na Bahia a revolução de Portugal. Informado do [35] successo pelo embaixador de Inglaterra, Palmella «com dôr no coração e lagrimas de raiva» participa ao soberano o facto. Havia tanto tempo pregava que na conjunctura a inacção era a peior das politicas!

Pondera a conveniencia de um conselho immediato dos ministros e de antemão impugna as pretenções de resistencia ao movimento, allegando que o governo não póde contar com o exercito[45].

A defecção da Bahia, com revelar não se illudir o diplomata, quando julgava urgente medidas liberaes para prevenir a annuencia do novo reino á causa de Portugal, augmentou-lhe o prestigio no palacio e amolleceu a opposição que lhe creava Thomaz Antonio «o mais inepto e lisonjeiro dos homens».[46] Antigo magistrado, o longo exercicio da profissão tirára a Thomaz Antonio a resolução, a iniciativa; pouco intelligente e cortesão, não enxergava nas revoluções que encaminhavam os povos europeus para o regimen representativo mais que os excessos, principalmente as violencias contra os soberanos. Não reconhecia que, em consequencia do desenvolvimento da instrucção, a doutrina da origem divina da realeza cedia por toda a parte ao principio de que os reis não passavam de delegados do povo, e deviam-lhe portanto contas dos seus actos.

Ao conde dos Arcos repugnava o projecto de [36] Palmella, porque fazia partir o principe herdeiro, com quem pretendia ficar no Brasil para realizar os seus sonhos de gloria.

Palmella, o mais atilado e o mais patriota dos ministros n'essa grave conjuncção, aproveitou com vivacidade do seu ascendente inesperado nos conselhos da Corôa, para restaurar na integridade primitiva o seu projecto e reclamar a prompta execução de certas medidas.

Urge o embarque de D. Pedro no termo de oito dias e os procuradores eleitos devem reunir-se em Côrtes dentro de seis mezes. Ha todavia outros assumptos que exigem solução prompta. A gestão da fazenda publica, o pagamento á divisão do Rio da Prata, a reorganisação do exercito, a administração da justiça e as attribuições dos capitães-generaes demandam a attenção diligente da corôa. Remata a série de reformas improrogaveis com a suppressão da «fatal alçada de Pernambuco».[47] Referia-se ao tribunal creado para punir os revolucionarios de 1817, tribunal maldito, que envolveu os derradeiros annos de D. João VI no Brasil no rumor lugubre de forcas que se levantam, de grilhões arrastados e de soluços de dôr e de miseria de centenares de victimas.

Discutiu-se com calor a proposta. Nada mais duro aos homens que a limitação do seu poder, principalmente aos reis: representantes da Divindade como entrevira o paganismo e affirmavam com segurança os próceres da Egreja como se hão de submetter á vontade dos povos? D. João [37] VI não escapou á regra geral. Custava-lhe em êxtremo prestar contas do producto dos impostos, não distribuir pensões aos amigos, a seu prazer, não ter em suas mãos a liberdade e a propriedade dos subditos, não governar, em summa, a seu inteiro arbitrio. Estava prompto a convocar os delegados das camaras e villas do Brasil para os consultar ácerca das necessidades do paiz e dos meios de as provêr, mas se não resignava a enviar o filho a Portugal para reconhecer a independencia do poder judicial, a liberdade individual, promover a repartição egual dos impostos, declarar a responsabilidade dos ministros e attribuir o poder legislativo cumulativamente á corôa e ás assembléas eleitas pelo povo[48]. O filho iria, é certo, mas simplesmente «para ouvir as representações e queixas dos povos e para estabelecer as reformas, os melhoramentos e as leis que pudessem consolidar a constituição portuguesa»[49].

Não havia mistér de referir com individuação aos fundamentos da carta constitucional propostos pelo ministro dos estrangeiros. Palmella retrucou com vivacidade que, sem a menção d'aquelles pontos substanciaes, se tornava por demais vago o pensamento da Corôa sobre o assumpto para inspirar confiança aos vassallos e por conseguinte, o rei não lograria desarmar a revolução. Na ignorancia do que lhes offerecia o soberano, os subditos prefeririam estar com o governo rebelde de Lisboa, que lhes promettêra [38] uma constituição mais liberal do que a hespanhola. Uma vez que o monarcha não dispunha de forças para reprimir a insurreição, importava pactuar com ella e prestar-lhe o concurso leal de sua experiencia dos negocios publicos. Essa attitude lhe grangearia a confiança da nação e teria a inestimavel vantagem de o forrar á humilhação de receber a carta constitucional que as Côrtes lhe quizessem impôr. A contra-gosto, D. João VI e Thomaz Antonio cederam ás ponderações irrefragaveis do ministro dos estrangeiros[50].

No correr do debate, Thomaz Antonio lembrou a conveniencia de chamar em junta, promptamente, pessoas conspicuas do Rio, e da qual fariam parte os procuradores das camaras e villas, á medida que chegassem, com o fim de se estudarem as reformas accommodadas ao paiz. Adiantava-se d'esse modo, allegava o proponente, o trabalho da assembléa brasileira, porque, quando se reunisse, grande parte de seus membros havendo já accordado sobre as providencias, rapido se tornava o exame de cada uma d'ellas. Conforme Silvestre Pinheiro, envolvia semelhante proposição o intuito diabolico de frustrar o projecto, porquanto a reunião preparatoria não daria fructo ou teria resultado differente do que esperava o ministro dos Estrangeiros; e qualquer das hypotheses enfraqueceria o seu prestigio.

Dada a derradeira mão á proposta, o illustre diplomata, conhecedor da aversão do soberano ao regimen constitucional e das complacencias servis de Thomaz Antonio, remette-a ao rei com a seguinte [39] intimativa: «Olhe V. M. que, se publicar só a metade do projecto de lei, nem contentará os portuguêses europeus residentes n'esta côrte (classe muito numerosa e importante) nem a Bahia, nem as outras provincias, que talvez a esta hora já estejam sublevadas». Se o fizer, dispense-o immediatamente do cargo: não quer assistir como seu ministro «á ultima e fatal scena da dissolução da monarchia»[51].

Não eram vãs as suas apprehensões. O temperamento absolutista de D. João VI e a subserviencia do principal favorito mutilaram o plano do diplomata, considerado, pelos cortezãos, agente dos revolucionarios e liberal exaltado[52]. Expurgiram d'elle os artigos substanciaes da futura constituição, os quaes pela precisão davam seriedade ao compromisso e deixavam generalidades demasiado vagas, para merecerem fé. Na parte, porém, relativa ao Brasil, conservaram o projecto tal qual fôra concertado no conselho.

É o famoso decreto de 18 de fevereiro, publicado juntamente com a provisão de 23, que nomeava os membros da junta consultiva. Ali annunciava o soberano a partida de D. Pedro para a Europa, a fim de promover as reformas e melhoramentos necessarios á consolidação do pacto social, sem poderes, todavia, para approvar em nome do monarcha a mesma constituição. Ao mesmo passo, convocava em côrtes no Rio os procuradores eleitos pelas camaras das cidades e villas de juizes lettrados, não só do Brasil, mas [40] tambem das Ilhas, para examinarem as disposições constitucionaes applicaveis ao novo reino e aos dominios ultramarinos e propôrem as medidas conducentes á prosperidade da antiga colonia.

Palmella pede excusa para não comparecer ao despacho de 24. Soffre horrivelmente e está desnorteado com o truncamento da sua proposição. Tem phrases de singular energia. «Meias medidas revelando impossibilidade de fazer resistencia e repugnancia em fazer concessões constituem a mais infeliz das politicas... Sem lisura a monarchia se não póde salvar...»

Acaba solicitando a sua exoneração, que conservará, todavia, secreta, para não suscitar embaraços ao governo e para que se lhe não attribuam desejos de popularidade.

Negou-lh'a el-rei, e no dia immediato o illustre conde presidiu em sua casa á primeira e unica sessão da junta consultiva.

Os decretos desagradaram a todos. Os portuguêses esbravejavam contra a resolução, que subtrahia o Brasil á constituição da metropole e ás Côrtes Geraes de Lisboa, receiosos do afrouxamento da união. Os officiaes e soldados do Reino mostravam-se particularmente irritados com a partida do principe e não do rei, visto que, emquanto não volvesse o throno á antiga séde da monarchia, lhes falleceria esperança de prompto regresso á patria. Os golpes do amor-proprio são os mais duros de supportar, e o governo teve a desgraça de maltratar rudemente a philaucia dos reinoes com dar preponderancia na composição da junta ao elemento indigena. Até agora excluidos dos conselhos da corôa e da alta administração civil e militar, os brasileiros iam, na verdade, pela [41] primeira vez, ter voz nos destinos da sua terra. Isto, porém, que os satisfaria pouco antes, agora lhes não sorria, em virtude das exigencias crescentes do espirito liberal, desenvolvido com os successos, da mãe-patria e porque attribuiam ao governo o intento de negar ao Brasil vantagens reconhecidas a Portugal. Assim, emquanto neste as côrtes eram legislativas, suppunham que no novo reino a futura assembléa não passaria de corpo consultivo.

A effervescencia dos animos attingira o paroxysmo. Nos quarteis a agitação sobresaltava o ministro, e nas ruas arrancavam-se os editaes apenas affixados, quando os não enxovalhavam com immundicies[53].

O dia 25 era domingo, e uma côrte devota devia observar com rigor a prescripção do descanso. Palmella, sem tempo a perder e julgando porventura que essa particularidade quadrava á maravilha com o seu intento de mostrar anciedade pela prompta organização do Brasil, não cedeu ao escrupulo religioso do paço. Realizou-se a sessão em sua casa, na cidade nova, a qual, por ser a caminho da quinta real da Boa-Vista, se cobria agora de casas «não raro de bellas frontarias»[54].

Da assembléa iniciada ás 11 da manhã e concluida ás 6 da tarde, pouco ou nada se sabe, e se não póde deixar de sentir que os coevos não nos tenham revelado os pensamentos dos primeiros brasileiros juntos em côrtes.

[42] Silvestre Pinheiro reconhece nos que a compunham, illustração, virtude e patriotismo, mas, com principios tão oppostos que não era licito esperar do conselho resultado proveitoso[55]. Outros contemporaneos não são mais explicitos. O nosso chronista assignala, comtudo, que, depois de muito pelejar, Palmella logrou persuadir a junta da conveniencia da partida do principe e não do monarcha[56]. Assim, num congresso de 20 pessoas, das quaes apenas tres eram portuguêses,[57] houve dezesete brasileiros, dos quaes muitos funccionarios publicos, que não temeram affrontar o desagrado régio e do poderoso Thomaz Antonio, opinando com insistencia pela restituição á Europa do velho soberano, convencidos acaso de que não poderia governar constitucionalmente quem exercêra o despotismo, ou de que não havia meio mais efficaz para encaminhar os negocios no sentido da independencia[58].

Não é temerario suppor que se valeram do ensejo os nossos fortes antepassados para verberar o decreto de 18 de fevereiro referendado aos 22 pelo ministro do reino, o qual sobresaltava a opinião. Faziam parte da reunião o desembargador Luiz José de Carvalho e Mello, o futuro visconde da Cachoeira e um dos auctores da constituição de 1824, o desembargador José Severiano Maciel da Costa, uma das personagens [43] mais conceituadas da epoca pelo saber, criterio e virtudes e que governara com lustre a Guyana conquistada aos francêses e Marianno da Fonseca. Este, o futuro marquês de Maricá, muito palrador e que agora tinha a delicada incumbencia da censura, havia de querer desaggravar-se de um regimen que o retivera no carcere, por occasião da conjuração mineira, mais de dous annos sob o pretexto de que sympathisava com as ideias da revolução francêsa.[59] O liberalismo de Carvalho e Mello e de João Severiano parecia tão adiantado que muitos imputaram a detenção d'elles alguns dias mais tarde ás suas tendencias republicanas[60].

Provavelmente ponderaram os nossos maiores que com recusar o famoso decreto representantes ás villas destituidas de juizes lettrados, deixava á revelia interesses de vasta extensão do Brasil e creava um principio de direito publico, desconhecido dos escriptores. Além de serem todas as terras de Portugal apresentadas no futuro congresso de Lisboa, teria este funcção legislativa, ao passo que as côrtes do novo reino não transporião os limites acanhados de assembléa [44] consultiva. Não se podia aceitar para as duas secções da monarchia sujeitas ás mesmas leis e instituições e ligadas pela identidade de sangue, de lingua, e costume tão flagrante desegualdade, affrontosa ao Brasil. Não era licita a allegação de falta de homens cultos n'esta parte da nação para cohonestar a injustiça. José Bonifacio, paulista, inaugurara a cadeira de mineralogia na universidade de Coimbra, onde leccionavam cursos medicos o fluminense Angelo Ferreira Diniz e o pernambucano José Corrêa Picanço. Na academia Real de Marinha de Lisboa professava com applauso outro fluminense, Francisco Villela Barbosa. Na magistratura emparelhava com os primeiros nas sciencias juridicas o bahiano Vicente Ferreira Cardoso, desembargador da relação do Porto. Não são dos menores ornamentos do alto clero, os brasileiros D. Francisco de Lemos, bispo de Coimbra e egregio reformador da famosa universidade, e D. José de Azeredo Coutinho, inquisidor-mór e ex-bispo d'Elvas. Na imprensa portuguêsa de Londres, Hipolito da Costa, que a iniciou, não vale menos que o europeu José Liberato. Mais de quinze brasileiros figuram com honra entre os socios da Academia Real de Sciencias de Lisboa. Ao lado d'essas figuras eminentes que continuam a servir ao governo na metropole, quantos outros ahi não fizeram senão se instruir e volveram ao Brasil onde dão luzimento á grande familia portuguêsa? Quem nas lettras de um e outro reino occupa mais alto logar que o fluminense Antonio de Moraes e Silva? Se no tocante á alta cultura o Brasil vale Portugal, lhe não é inferior na instrucção primaria, excluida da sua população a gente escrava. O elemento servil que empesta a America não é tão pouco motivo [45] para lhe regatearem o governo representativo, porque um e outro coexistem nos Estados-Unidos. Não ha senão uma razão ponderosa para que se não outorgue aos portuguêses da America assembléa legislativa de que está de posse o velho reino, e é que a solicitam sem violencia. Provavelmente não foi senão a segurança formal de Palmella de fazer a corôa corrigir o decreto no sentido de crear no Brasil o regimen constitucional, que os nossos ascendentes acquiesceram ao parecer do diplomata ácerca da permanencia no Brasil de D. João VI e do consequente regresso á Europa de D. Pedro.

Emquanto a junta discutia, os que intentavam aclamar no Rio a adhesão á causa de Portugal, á imitação das provincias septentrionaes, receosos de serem colhidos pela policia, deliberaram precipitar o levante previsto para primeiro março.[61] Reunidos á tarde, como costumavam, na casa do padre advogado Marcellino José Alves Macambôa, e consultados os officiaes presentes, quasi todos de patente inferior, assentaram que no dia seguinte ao tiro da alvorada despedido pelo navio do registro do porto, as tropas, os conspiradores e os seus sequazes se acharião no largo do Rocio para proclamar a solidariedade politica com o Reino. Então um escrupulo levantado não se sabe por quem, deteve esses homens que se aprestavam para a batalha: Se a princêsa cujo parto era imminente, de assustada com o movimento das tropas viesse a soffrer? D. Maria Leopoldina pela graça das maneiras e pela [46] caridade, conquistára o coração do povo, e havia n'esse affecto muita compaixão, porque se affirmava que D. Pedro com os seus desatinos fazia chorar a princêsa, tão loura e tão meiga. Decidiu-se que o padre Góes, um dos presentes, iria pôr o principe sciente das occorrencias. No conceito dos que acreditam na cumplicidade do filho de D. João VI, a visita não passou de ardil para levar ao conhecimento do comparte a nova resolução dos conjurados. De feito se não podia acertar com explicação mais sympathica aos que allegassem mais tarde haver visto o padre Góes a tal hora extraordinaria na quinta da Boa Vista. Sem tempo que perder, os militares dispersaram-se de prompto. Juntamente com a policia guardavam a cidade essa noite praças do batalhão 15.

O seu official, ás duas horas da madrugada, percorreu os postos e distribuiu sessenta cartuxos a cada uma d'ellas com ordem de acudirem ao Rocio no caso de conflicto. Por esse tempo a artilheria montada sob o commando do capitão João Carlos Pardal, rodava sinistramente de S. Christovão, onde aquartelava, para o sitio ajustado, na ignorancia absoluta do chefe. O capitão Luiz Antonio do Rego, do brilhante batalhão dos caçadores do Rio, caçadores de terra, como se dizia, estava tão informado do sentir dos seus homens como do proprio commandante, com a differença que os primeiros professavam o liberalismo mais ardente e este era reaccionario ferrenho. Sorrateiramente como ladrão penetra no quartel e de mansinho desperta os soldados um a um e lhes murmura ao ouvido a grave decisão. Foram dos primeiros a apparecer no Rocio. Tão luzido como este e seu rival era o batalhão [47] dos caçadores de Portugal dirigido por Valente, defensor acerrimo do regimen em vigor.

Ainda assim Garcez compromettera-se trazer o corpo á revolta. Lograra fazer sair parte dos homens, quando Valente surgiu e intimou aos soldados tornassem á caserna.

Garcez de arma em punho obrigou-o ao silencio sob pena de o amordaçar para todo o sempre com uma bala. As praças proseguem na marcha, e Garcez, em acordando do estupôr, correu a annunciar a el-rei o terrivel successo. As tropas brasileiras compareceram todas, sem enthusiasmo apparente, todavia, porque o empenho dos indigenas era deixar ás forças portuguêsas a liquidação do regimen. Com o instincto dos seus interesses que tanto existe nos individuos como nas collectividades, o partido brasileiro reservava a sua iniciativa e o seu supremo esforço para as questões que divisava no horisonte.

Não havia outra razão para a sua attitude apagada, pois que o odio do americano ás instituições dominantes era porventura mais energico ainda do que a aversão que lhes votava o reinol, menos exposto ás violencias do recrutamento e e aos caprichos da auctoridade do que os filhos da terra. Ao atilado Silvestre Pinheiro não passou despercebido o plano dos brasileiros[62].

Ou porque não houvesse tempo de ser prevenida ou porque, mais disciplinada, lhe repugnasse a revolta, a marinha não forneceu contingente algum. Pouco antes do tiro da alvorada surgiu de improviso o brigadeiro Carretti, a quem [48] os officiaes offereceram o commando das forças, e as tropas com as quaes se não contavam, começaram a affluir, testemunhando a unidade do pensamento do exercito. Já o povo se ajuntava nas ruas circumjacentes, e ás janellas assomavam vultos despertados com o insolito rumor. Ao alvorecer D. Pedro appareceu a cavallo com um papel na mão, apenas seguido de um creado, e, por entre aclamações delirantes, se dirigiu ao meio da praça, no claro deixado pelos regimentos e artilheria, onde se achavam o brigadeiro Carretti e os conjurados civis.

Serenados os vivas a el-rei e á constituição de Portugal, leu então o decreto de 24 de fevereiro, que não se tornára ainda publico e o qual deveria ter sido lavrado depois da carta vehemente de Palmella em que se queixava da mutilação do seu projecto aceito no conselho de ministros. Outorgava ao Brasil a carta constitucional do Reino com as modificações convenientes ás condições particulares da antiga colonia. Macambôa, calmo e respeitoso, pediu licença para uma declaração. O povo e as tropas solicitaram o juramento d'el-rei ao pacto social em elaboração nas côrtes de Lisboa, e na qual collaborarião os deputados brasileiros, sem alteração alguma. Em seguida, não sem audacia, apresentou os nomes das pessoas que deviam succeder aos ministros actuaes e a outros altos funccionarios. O principe, que já estivera no paço, de onde trouxera o novo decreto, ahi volveu novamente para submetter ao pae os votos dos rebeldes.

N'este comenos os conspiradores convidaram o senado da camara a se ajuntar na sala do Theatro S. João, mais tarde S. Pedro de Alcantara. De volta ao Rocio, ás sete horas da manhan, [49] D. Pedro communicou que o soberano annuira em todos os pontos aos desejos da multidão, e dictou ao escrivão da camara o auto do occorrido, no qual confirmava em nome do pae, a promessa jurada de dar ao Brasil a constituição, tal qual a fizessem as côrtes da antiga metropole. Com os principes assignaram o instrumento os novos ministros, os vereadores e os funccionarios de vulto. Ás 11 horas appareceu o velho monarcha festejado com phrenesi, e populares em delirio, julgando que bestas não eram dignas de puchar semelhante varão, ajoujaram-se com convicção á lança da traquitana. Do terraço do Theatro o rei sanccionou o juramento prestado pelo filho.

As demonstrações de regosijo, manifestadas por alguns dias, tanto nos navios surtos na bahia como na cidade, attingiram proporções de que não houve outro exemplo no Brasil. Melhor que as ruas embandeiradas e cobertas de folhas de mangueira, que os cantos e as bandas de musica nos largos, que os festões de lanternas chinêsas nas sacadas, que os applausos estrondosos com que os espectadores acolhiam as allusões ao novo regimen, enxertadas pelos actores nos dialogos, melhor que tudo isso, testemunha o enthusiasmo do commercio e das classes lettradas, o seguinte facto: uma subscripção corrida no theatro a favor das tropas, alcançou o algarismo phantastico de trinta contos. A certeza de que o socego e a liberdade dos cidadãos não estarião mais na dependencia do arbitrio das auctoridades e de que o fructo do trabalho não soffreria mais ataques provindos de emprestimos forçados e da repartição caprichosa dos impostos, explica cabalmente que jámais se reproduzissem no Rio transportes de enthusiasmo tão vivos nem tão persistentes. A [50] independencia servia aos brasileiros e a abolição aos escravos; a carta, constitucional, porém, aproveitava a todos, porque a propria gente servil se não sonhava com a liberdade, esperava que sob o novo regimen se attenuarião as angustias de sua miserrima condição.

Não ha louvores a que não tenham direito os conjurados. Não indicaram nenhum dos consortes para os cargos publicos, nem procuraram desaggravar-se de homens que na policia e no negregado juizo da inconfidencia traziam os moradores mais pacificos expostos a vexames. Designaram pessoas que exerciam, ou haviam exercido com louvor, funcções publicas. Nos officios portuguêses succediam a portuguêses e brasileiros a brasileiros, com que se tornava evidente a harmonia entre os irmãos de áquem e d'além-mar. Entre os nomeados havia personagens que davam realce á familia portuguêsa. José da Silva Lisboa, mais tarde visconde de Cayru, o novo inspector dos estabelecimentos litterarios e presidente da commissão de censura, alliava conhecimentos vastos de uma sciencia nova, a economia politica, á cultura classica, e certamente não exergaria ideias subversivas em todas as reformas apregoadas pelos publicistas. Fôra, aliás, um dos mais ardentes propugnadores da abertura dos postos brasileiros ás nações amigas, quebrando d'esse modo o deprimente monopolio commercial. Occupou a pasta da marinha o vice-almirante Ignacio da Costa Quintella, brilhante homem do mar e fervente amador das boas lettras. Para escrever cousas immortaes bastaria relatar os seus feitos. Acima de todos refulgia o novo ministro da guerra e dos extrangeiros, Silvestre Pinheiro Ferreira, cuja fama transpôs as fronteiras [51] da patria nas asas da philosophia e do Direito Publico.

Nunca, talvez, assistiu nos conselhos da corôa em Portugal um espirito no qual confluissem em tão subido grau e com harmonia mais perfeita, a humanidade, a intelligencia, o liberalismo e a instrucção.[63] Com esses varões de longa notoriedade havia outros menos conhecidos mas que não desmentiram o acerto da escolha e ganharam renome nas lutas do imperio[64].

Macambôa procedeu com habilidade e prudencia exigindo para o Brasil em toda a integridade a constituição portuguêsa. Assim sobre-grangêar o apoio das tropas e dos reinoes, tirava ao monarcha e á chusma dos cortesãos, velleidades reaccionarias, a pretexto de conter aquella lei artigos inadaptaveis ao reino americano. Havia, além d'isso, suspeitas ácerca da lealdade da corôa, tanto mais que acquiescêra ao novo regimen coagida pelas tropas, e as côrtes geraes inspiravam [52] confiança immaculada a todos os liberaes. O homem mais influente então, não só no congresso de Lisboa mas em todo Portugal. M. Fernandes Thomaz, por seu espirito democratico, instrucção e honestidade, fazia prever na futura constituição a responsabilidade dos ministros, a repartição egual dos tributos por todas as classes, a publicidade das contas do erario e o maior respeito á liberdade e á propriedade dos cidadãos, todos os artigos, em summa, já inscriptos na lei de Cadix, a qual devia servir, aliás de modelo ao pacto social por vir.

O regresso de D. Pedro, resolvido pela provisão de 18 de fevereiro, com os successos de 26, ficava de novo indeciso e constituia questão ardente que dividia os animos. Cumpria no entanto assentar quem iria a Lisboa, se o principe, se o soberano, restaurar a união da monarquia na realidade desfeita desde que a revolução se senhoreara do velho reino e estava em via de o organizar sem dependencia da corôa e do Brasil. O ministro da marinha, o vice-almirante Monteiro Torres, o ministro da fazenda, o conde de Lousan e o vice-almirante Quintella, propugnavam o embarque do soberano com considerações ponderosas. No Brasil o rei não podia sanccionar com brevidade os artigos constitucionaes á medida da sua approvação no congresso. Protrahido, por conseguinte, o periodo revolucionario, não era loucura temer que acabasse por gerar desordens. Accrescia que os promotores da revolta que não comprehendiam a regeneração sem a transferencia da côrte para a antiga séde da monarchia, não se contentarião com a assistencia do herdeiro do throno. Demais, como havia o soberano sujeitar á auctoridade central do Brasil [53] a Bahia, que presta homenagem á assembléa constituinte, sem estar em Lisboa?

Os argumentos de Silvestre Pinheiro, partidario da permanencia de D. João VI no reino americano, não valiam menos. Em virtude da indisciplina das auctoridades militares e civis não via senão o soberano que fosse capaz de conter a anarchia imminente no Brasil. Temia uma constituição demasiado democratica e defeituosa por causa da confusão dos poderes da carta constitucional hespanhola, a que se devia cingir o congresso português. Justamente porque estando em Lisboa, devia o rei approval-a immediatamente, optava para que não abandonasse elle a antiga colonia. O tempo necessario á viagem da Europa ao Rio com amortecer as paixões nascidas dos debates publicos, tornaria os espiritos mais dispostos a aceitarem resoluções da Corôa, provavelmente repellidas na hypothese de breve intervallo entre a votação e a assignatura régia.

Rendendo-se ao voto da maioria do conselho, D. João VI lançou aos 7 de março a nova do seu retorno á patria e da estada no novo reino como regente do filho mais velho, até a promulgação da lei fundamental.

Através do documento se enxergava quanto doía ao infeliz rei separar-se da terra onde vivera mais de trêze annos com saude e tranquillidade, para se installar na patria agitada e de triste memoria. Mais de um d'esses rudes filhos das margens do Douro que labutavam no Rio, não contiveram a commoção perante a confissão do soberano que partindo fazia «um dos mais custosos sacrificios» de que era capaz. Ao mesmo tempo, annunciava a publicação das providencias para a eleição dos deputados do Brasil ás Côrtes [54] Geraes e julgava conveniente a vinda immediata dos nomeados a fim de poderem embarcar com a familia real e a sua comitiva[65].

O clero, o commercio, o funccionalismo e os proprietarios representaram contra a resolução de D. João VI.[66] Das petições conhecemos na integra a que a classe commercial dirigiu ao senado da camara para demover el-rei do seu proposito. Os negociantes, na generalidade portuguêses, importa não esquecer, impugnaram a disposição régia por dous motivos: o dever do soberano de residir no mais importante dos seus estados, e Portugal, que «pouco vale e póde por si» certamente não disputaria o primado ao novo reino. No caso, porém, de não ser possivel fixar-se a côrte n'esta parte do Atlantico, ella devia estancêar alternadamente nas duas secções da monarchia[67]. A esta razão ajuntava-se uma outra que tinha talvez o primeiro logar no animo previdente e perspicaz dos peticionarios: o receio de que a trasladação da realeza para a Europa reconduzisse o Brasil á condição de colonia, vindo a restaurar-se o monopolio mercantil a favor da antiga metropole.

Assim antes que na assembléa constituinte se discutissem providencias contra o ultramar americano e soasse a voz de revolta de José Bonifacio, os portuguêses do Rio haviam levantado a questão formidavel da séde da monarchia, a qual tornou uma das divergencias fundamentaes no congresso entre os representantes de um e outro reino, e haviam lançado o germen [55] de desconfiança contra o poder legislativo de Lisboa.

D. João VI ouviu com prazer a leitura d'esse memoravel documento, apresentado pelo senado da camara. Se não deferiu ao pedido desistindo do intento, não fixou tão pouco a epoca de sua realização.

Bastou esta simples omissão para estimular nos que anhelavam pelo retorno do soberano a suspeita de que se não effectuaria.

Constituiam esses o mais vigoroso partido e pertenciam a classes que até agora não haviam imaginado a possibilidade de se unirem.

Eram os cortesãos, saudosos dos vastos solares, e que se não habituavam ás descommodidades do Rio e «á falta de gente branca»[68]; eram os soldados arrancados pela violencia do recrutamento ás cidades e campos de Portugal, e que se não resignavam ao exilio; officiaes anciosos mais que nunca do regresso, na esperança de promoções, em consequencias das vagas no exercito do Reino pelo licenciamento de numerosos militares inglêses, em geral de patente elevada, e eram os caixeiros, quasi todos portuguêses, fascinados da liberdade, os quaes com os brasileiros formavam a parte nobre do partido em razão de não attenderem a conveniencias pessoeas.

No conceito d'estes nada se podia esperar do filho de D. Maria, que annuira ao regimen constitucional constrangido e vivia entre palacianos a quem nutria largamente na ociosidade. [56] Talvez mais que todos desejava o embarque do monarcha o filho mais velho, o qual para promover os aprestos da esquadra, retardados com o pretexto de falta de dinheiro, recorreu á bolsa farta do visconde de Asseca, o presidente da junta do Commercio[69].

Nos cafés, nas lojas da rua Direita e da rua da Quitanda e nos quarteis commentavam em termos desairosos ao soberano, a sua obstinação em não partir. Embarcaria?

O facto de se apparelharem os barcos não significava na realidade que largarião ferro. Podiam ahi apodrecer. Quem assegurava que não metterião n'elles D. Pedro e outras pessoas desagradaveis ao governo? O unico meio de o fazer partir é empurral-o para bordo, porque o homem não anda senão a toque de caixa. A toque de caixa deixou Portugal, a toque de caixa deu a constituição, a toque de caixa tomará o caminho da Europa.

A ditos semelhantes, transmittidos ao governo por informantes seguros, succederam avisos de que ia estalar um motim dentro de tres dias, para estimular o desventurado D. João VI a sair barra fóra. A tropa de linha e as milicias, compostas de empregados do commercio, escorvavam as armas e não falavam senão em voltar ao Rocio. Sem poder contar com a policia, suspeita de connivencia com a opposição, o governo estava de antemão condemnado a subscrever ignominiosamente todas as exigencias que approuvesse á tropa formular. Silvestre Pinheiro entendeu que
[57] só um acto extremado proveniente do soberano, e assás atrevido para atemorizar os adversarios em tropel no paço e nas casernas, rehabilitaria a autoridade desprestigiada e desopprimiria a cidade do medo de anarchia. O principe real vivia cercado de «má gente»[70], e nem sempre se esquivava á influencia de «homens depravados», os quaes certos do seu apoio commettiam insolencias e aconselhavam sublevações. Para o resguardar do contacto com tal gente, não o bastava reter no palacio, porque ahi iriam procural-o: devia el-rei ordenar-lhe se recolhesse á fortaleza de Santa Cruz. O acto que tomava assim a fórma de prisão, ganhava mais força por testemunhar a resolução do rei de punir os suspeitos de mais alta graduação. D. João VI rejeitou o alvitre, demasiado audaz para a sua natureza timorata. O principe, informado do conselho, detestou desde então o ministro e não lhe chamava senão «Pinheiro Silvestre»[71].

Silvestre Pinheiro foi mais feliz com outro parecer: D. Pedro convocaria a officiaes para lhe expôr os boatos de insubordinação attribuidos ao exercito e exigiria de cada um d'elles o protesto solemne de não agir senão de conformidade com as instrucções emanadas «por via regular da secretaria do Estado». Era fazel-os jurar que não obedecessem ao principe sob qualquer pretexto. D. Pedro desmentiu o rumor, e os outros ministros julgaram risivel a proposição. Como, porém, não tinham outro argumento, e ao principe regular e decentemente não era licito furtar-se [58] á incumbencia, vingou o alvitre, e a opposição adormeceu por algum tempo.

O jurar uma carta constitucional por fazer, creava um problema que se antolhava insoluvel: como governar emquanto se não constituisse a nova lei? O rei e os seus ministros sem hesitação entenderam que a machina administrativa continuaria a marchar sob o impulso dos usos e alvarás em vigor. O povo com acerto ponderava que sendo o fundamento do regimen constitucional a sua participação nos negocios publicos, nada mais legitimo que a creação de um conselho sem cujo assentimento não poderia a corôa agir em casos de monta. Urgia, de mais, o estabelecimento da junta para varrer a suspeita de que o juramento da constituição não passara de farça do despotismo para illudir a cidade. Os liberaes representaram ao ministerio n'esse sentido. O governo sem coragem para repellir de frente a proposta, considerada destruidora do principio da auctoridade, differiu o despacho com intuito de frustrar a petição.

A este erro grave, a corôa sobrepôs outro que sobresaltou grandemente a população. Nos primeiros dias de março mandou recolher á fortaleza de Santa Cruz, sem o communicar a Silvestre Pinheiro, a cujo cargo estava o forte como ministro da guerra, o visconde de S. Lourenço, Targini, o famoso thesoureiro-mór, o almirante Rodrigo Pinto Guedes e os desembargadores Luiz José de Carvalho e Mello e João Severiano Maciel da Costa. O almirante avisado a tempo logrou fugir.

Por muito viva que fosse a alegria do povo com a prisão de Targini execrado por causa dos peculatos que se lhe attribuiam, não attenuou a [59] indignação formidavel provocada pela violencia contra aquelles magistrados merecedores do respeito publico, e cujas opiniões liberaes não eram ignoradas. Do ultimo formava Silvestre Pinheiro o mais subido conceito: alliava á energia grande capacidade e tinha «a mais bem merecida reputação de liberalismo, mas de liberalismo, fundado em principios de moderação e de solida doutrina».

Não demonstravam estas arbitrariedades a urgencia de um conselho saído do povo para cohibir os abusos do poder? Não tinham os patriotas razão de crer que a adhesão do rei ao regimen constitucional era mais de apparencia que de substancia?

Até hoje se não sabe porque foram presos. Para ficarem ao abrigo dos desacatos da multidão, allegava o rei; argumento improcedente por serem os reclusos, salvo Targini, geralmente bemquisitos.

Por causa de suas idéas republicanas, informa Mello Moraes,[72] Silvestre Pinheiro explicava a violencia como manifestação da anarchia governamental. Parece, em verdade, não haver outra causa. Se todos sentiam a liberdade ameaçada com tão flagrante acto de despotismo, mostravam-se por egual inquietos ácerca da situação economica. O desapparecimento do ouro e a insolvencia do banco emissor, do banco do Brasil, em razão de não saldarem os seus compromissos o governo e os fidalgos, depreciando continuamente o papel moeda, reduzia a fortuna particular, affectados particularmente os trabalhadores, [60] porque o salario não augmentava na proporção da alta do ouro.

Como se não bastassem esses motivos de descontentamento, a corôa e os seus ministros irritaram a susceptibilidade dos patriotas com desconhecer, acaso mais por ignorancia ou por força de habitos seculares do que por calculo, a solicitude d'elles pela causa publica. Estavam prestes as naus, imminente a partida do monarca e se não conheciam os secretarios de estado de D. Pedro nem, até, as attribuições da regencia. Murmurava-se apenas que estas conferiam ao principe real a autoridade mais ampla. Os partidarios do constitucionalismo bradavam que se infringia o novo regimen, deixando de submetter ao povo as instrucções com as quaes governaria o paiz o preposto d'el-rei, clamor tanto mais justo que o verdor dos annos de D. Pedro e a influencia exercida sobre elle por homens violentos ou de moralidade suspeita, faziam temer praticasse desatinos, se lhe não assistissem ministros experimentados. Cada dia que passava, desenvolvia o sobresalto da cidade. Silvestre Pinheiro julgando legitima a anciedade publica, propôs um alvitre para a dissipar. O ministro do reino convocaria os eleitores das comarcas, os quaes concorriam ao Rio, para a designação dos que deviam nomear os deputados ás côrtes, e lhes apresentaria os nomes dos ministros do principe assim como o regimento com que este administraria o Brasil, regimento que o rei sanccionaria depois de ouvido o parecer do eleitorado[73].

[61] Certamente que algumas dezenas de cidadãos, que não exprimiam nem, até, o sentir da provincia do Rio, não eram o orgão legitimo da vontade nacional, mas significava o facto a disposição do monarcha de seguir, tanto quanto lhe permittia o aperto das circumstancias, o novo regimen.

A proposta passou no conselho com a modificação, suggerida pelo ministro do reino, de presidir a assembléa o desembargador ouvidor Joaquim José de Queiroz, e deram-se logo as providencias necessarias ao seu cumprimento immediato e á tranquillidade publica. Antes de tudo urgia conter o exercito. Convocados na sala do Theatro S. João os commandantes e officiaes da 1.ª e 2.ª linha que desassocegavam o governo, o governador das armas, Carlos Frederico Caula, depois de haver em termos breves demonstrado o dever do exercito de se conservar neutro nas lutas politicas, jurou fidelidade á constituição portuguêsa e á familia real e que não seria instrumento de nenhum dos partidos. Um a um os officiaes repetiram o protesto solemne. Ao mesmo tempo publicava-se o edital convidando os eleitores a se reunirem no dia immediato na praça do commercio a fim de apresentarem os seus diplomas e de tratarem de assumptos connexos. Através do vago de um dos fins da convocação, propositalmente feito para não despertar a curiosidade, o povo descobriu o verdadeiro objecto da assembléa: el-rei ia submetter ao eleitorado as instrucções que intentava deixar á regencia e os nomes dos ministros de D. Pedro. Sem embargo de ser sexta-feira da Paixão, observada com gravidade no povo, que n'esse dia trajava de preto, elle esqueceu os deveres religiosos para se occupar [62] inteiramente da politica. A escassez do tempo visto que a reunião se effectuava no dia immediato, determinou actividade febril nos que tomavam a peito os negocios publicos.

Construiram-se bancadas, com dinheiro recolhido por subscripção, para o publico na sala da proxima assembléa, adornando-se o local reservado aos eleitores. Publicaram-se memorias que corriam de mão em mão com assentimento da policia. Os typographos renunciaram ao descanço e protestavam não deixar os prelos emquanto houvesse trabalho.

O enthusiasmo animava todos na marcha para a liberdade, um dos estadios da qual ia ser transposto, por coincidencia, reputada auspiciosa, no mesmo dia em que se festejava a resurreição de Christo. Os mais exaltados lembravam á surdina que era tambem o anniversario da execução de Tiradentes. Já havia mais de 160 eleitores e continuavam a affluir dos outros recantos remotos da provincia. Eram na maioria lavradores, commerciantes e medicos, que deviam ter as particularidades dos que vivem no campo, onde vêm quasi sempre as mesmas pessoas e estas em pequeno numero; simples e acanhados, reflectidos e de pouco falar. Em desempenho do mandato recebido dos concidadãos, affrontaram as descommodidades de longa jornada, através de caminhos difficeis, e o movimento estonteador da capital. Alguns eram tão carregados de annos que mal podiam andar, outros traziam a saude compromettida. Todos homens dignos e devotados ao bem publico. Diz um contemporaneo que eram «a flôr da provincia». Silvestre Pinheiro reconhece que eram «pessoas das mais capazes que se poderião imaginar».

[63] Cedo as archibancadas se encheram de espectadores. Os soldados entravam sem armas e os paisanos depositavam no vestibulo as bengalas. Mal soaram quatro horas, o ouvidor tomou a presidencia e convidou para secretarios o português José Clemente Pereira, um dos promotores da Independencia, e o brasileiro Joaquim Gonçalves Ledo, muito conceituado pela eloquencia incisiva e mais tarde um dos redactores intemeratos do Reverbero. No recinto reservado, dividido das archibancadas por solida balaustrada, estavam a mêsa da presidencia e os eleitores, desageitados nas roupas das ceremonias solemnes, muito amarrotadas por causa da estreiteza das canastrinhas de onde acabavam de emergir. O silencio não podia ser mais profundo quando o presidente começou a lêr o decreto dos poderes da regencia. Finda a leitura, das bancadas pediram a repetição, por haverem escapado muitas phrases. O presidente passou o papel ao coronel José Manoel de Moraes, que de logar elevado e em voz resoante e pausada, satisfez a solicitação. De accordo com a determinação da corôa, o presidente perguntou aos eleitores se tinham alguma observação que fazer a respeito do assumpto. Os chefes de partido, conforme se ajustara préviamente, podiam fallar, e o presidente aguardava, acaso, um discurso, quando, em côro, a maioria proclamou se adoptasse interinamente a constituição hespanhola. Era o voto do partido brasileiro composto dos indigenas e dos portuguêses domiciliados no novo reino. A maior parte d'elles não conheciam a carta constitucional invocada, mas o bom senso indicando que devia garantir a liberdade e a propriedade, á mingua de outra adoptava essa [64] lei para subtrahir os interesses geraes e particulares ao arbitrio de um principe muito joven e accessivel a influencias suspeitas, tanto mais que n'ella, consoante o compromisso tomado pelos revolucionarios da metropole, se deviam inspirar os constituintes para a feitura do pacto social. Os partidarios de D. Pedro e do conde dos Arcos, assás numerosos, aterrados de semelhante resolução, que tolhia os planos de seus chefes, balbuciaram apenas alguns protestos timidos. Os que hostilizavam com egual desabrimento o conde dos Arcos e a acção dos brasileiros nos negocios publicos, defensores do absolutismo e do mais rigoroso regimen colonial para o reino americano, fracos em numero mas fortes pela intensidade da paixão, que constituiam a terceira parcialidade, aventuraram ditos cheios de odio e fel.

Nem a estes energumenos nem aos protestos da facção de D. Pedro, a maioria, no prazer da victoria, prestou attenção, e pediu se lavrasse immediatamente o auto do juramento da constituição acclamada. Emquanto se lançava o termo, alguem,―seria Macambôa?―ponderou a utilidade de haver com a regencia, além dos ministros escolhidos pela corôa, um conselho que os eleitores designarião. Era a renovação da idéa contida no requerimento, que o governo recalcitrava em não despachar. O parecer vingou a despeito da impugnação de Duprat, de Lisboa. Este «mancebo ardente e espirituoso», que trazia no cerebro idéas claras e precisas dos ascendentes francêses, declarou com energia que se não devia cuidar de outra cousa que mandar in-continentí uma deputação levar a el-rei o têrmo do juramento.

[65] Era a questão primaria e urgente, da qual convinha não divertir os espiritos.

O lente de mathematicas Antonio José do Amaral, o padre dr. Francisco Ayres da Gama, o illustrado Antonio Rodrigues Velloso de Oliveira, desembargador do Paço e ex-chanceller do Maranhão, e o desembargador Francisco Lopes de Sousa, que formavam a commissão incumbida de levar a el-rei as resoluções da assembléa, não puderam saír senão tarde. A noite era tenebrosa e chovia. Dirigiram-se a pé ao paço da cidade seguidos da caixeirada que os acclamava. Presentidos, os moradores assomavam ás janellas, illuminadas em festa: os homens saudavam-nos com enthusiasmo e as mulheres atiravam-lhes beijos e flores.

Informados pela rainha em pessoa que D. João VI se achava na quinta da Boa Vista, transportam-se para lá em seges. O rei escolheu-os com urbanidade na presença do principe real e dos semanarios. Um dos membros da deputação explicou os votos da assembléa. Adoptada a carta constitucional da Hespanha, ponderou, o principe tinha regras fixas de comportamento e resguardava-se do risco de comprometer a sua popularidade com decisões mal acolhidas do povo. D. João VI pediu tempo para consultar os secretarios d'Estado, reunidos em outra sala. A materia era, todavia, conhecida de todos; emissarios d'el-rei e dos ministros da guerra e do reino, presentes á assembléa já lhes haviam communicado os desejos dos eleitores, e então ficara assentado, sem opposição de D. Pedro, que o monarcha aceitaria, a constituição de Cadix e não daria juizo sobre o conselho antes de conhecer os nomes dos que o deviam compôr. Novamente submettida a questão [66] aos ministros, estes mantiveram o voto anterior. Lavrou-se então o decreto mandando observar «estrícta e litteralmente no reino do Brasil a constituição hespanhola até o momento em que se ache inteira e definitivamente estabelecida a constituição deliberada e decidida pelas côrtes de Lisboa»[74].

Logo que teve noticia da partida da commissão para S. Christovão, D. Pedro, persuadido de que o populacho a acompanharia e receoso de desacatos por parte delle, mandara defender por um batalhão de infanteria e um parque de artilheria a Quinta e destacára outro corpo para o campo de Sant'Anna, passagem forçada para S. Christovão. Ao mesmo tempo o governador das armas por prudencia retinha promptos nos quarteis os batalhões portuguêses. Foram aquellas manobras que determinaram os boatos de movimento de forças contra a praça do commercio?

O que é certo é que os eleitores e os assistentes sobresaltados com a ausencia prolongada dos deputados deram credito áquelle rumor e começaram a crear conjecturas assustadoras, que tudo servia para confirmar. Um assignalava que se não descobria na sala um só official da divisão portuguêsa; outro dizia que as patrulhas se multiplicavam em torno do edificio. As explicações sensatas dos mais calmos e a dispersão dos policiaes pelo respectivo commandante, não logravam conter a apprehensão em crescimento a cada minuto de demora da deputação.

Soou então um boato infernal: o rei retinha os commissarios e apparelhava-se para embarcar [67] ao romper da alvorada. Houve a maior agitação. Não se podia na verdade, imaginar mais doloroso desengano a esses homens, que ha vinte e quatro horas viviam na espectativa anciosa de uma nova era. Surgiram proposições extremas. Qual julgava conveniente a opposição a todo o transe á partida do rei, qual entendia que para o prender no Rio bastava remover das náus os cofres do Estado e as barras de ouro.

Um eleitor da Candelaria propôz uma ordem, estrondosamente acclamada, ás fortalezas para não deixar saír embarcação nacional ou estrangeira, mercante ou de guerra, até que fossem deferidos os votos da assembléa. O empenho de haver uma constituição avassallava todos os espiritos, tal qual nas côrtes geraes da revolução francêsa. A junta eleitoral incumbiu ao tenente general Joaquim Xavier Curado, valente militar brasileiro e cheio de serviços á patria, e ao coronel José Manoel de Moraes de transmittirem a resolução aos fortes, e a despeito da hora avançada da noute se metteram em escaler para a cumprir acompanhados de alguns curiosos. O governador das armas foi tambem constrangido a confirmar aos commandantes das fortalezas a mesma injuncção.

Por um d'esses lances dramaticos que o Destino se compraz em crear na vida dos homens, apenas haviam partido os portadores d'essa intimação que chegavam os deputados. A assembléa resfolegou desopprimida e os festejou, feliz de os vêr sãos e livres. Um eleitor, sargento-mór de policia, de voz bem timbrada, leu mais de uma vez o novo decreto. Renasceu a alegria tão ruidosa quanto commovente, soaram vivas; abraçavam-se uns aos outros; muitos choraram e todos [68] á porfia se mostravam reconhecidos ao soberano, a quem se referiam com expressões de ternura filial.

Em virtude de haver clareado a assembléa apenas conhecidas as resoluções régias, o presidente propoz se fizesse em outra occasião a escolha do conselho de D. Pedro. Os partidarios, porém, da eleição immediata, tenazes e energicos, não tiveram difficuldade em triumphar da resistencia, que a tal hora da noute podiam oppôr, eleitores, que o cansaço e as commoções combaliam. Não havia n'esse empenho a intenção mais leve de molestar o monarcha, senão de affirmar o direito do povo de interferir nos negocios publicos, pois que os votos recahiram nas pessoas designadas pela corôa para ministros da regencia, com excepção do desembargador Sebastião Luiz Tinoco substituido por Martins Francisco Ribeiro de Andrade.

Emquanto taes successos occorriam na praça do commercio, tomavam-se graves alvitres na quinta da Boavista. O descontentamento dos cortezãos e de algumas pessoas da familia real com a outorga da constituição hespanhola se estendera e se transformara na mais vehemente indignação, conhecida a intimação aos fortes. Os ministros a uma voz consideraram o acto prova evidente de insubordinação e concordaram na urgencia de reduzir a assembléa atrevida. Na maneira de executar a ultima determinação é que appareceu a divergencia de Silvestre Pinheiro. O ministro, que sem outro apoio que o talento e a illustração, galgára a culminancia social, guardava a lembrança das angustias que na infancia e adolescencia compartira com o povo. Conhecia quanto soffria dos abusos da auctoridade e [69] quanto fel deixam na alma os desenganos successivos na longa jornada para o reinado da justiça. A explosão do desespero exprimia tantas afflições acumuladas, que merecia mais piedade do que repressão.

Aconselhou, todavia, restabelecer a supremacia da auctoridade punindo o descommedimento mas com a benignidade compativel com a exaltação dos animos nas côrtes. Oppunha-se a que as tropas sitiassem a praça do commercio, attenta a impossibilidade de se poder contar com o sangue frio d'ellas e dos officiaes perante as massas populares, os quaes, a seu turno, se irritarião com o desdobramento imprevisto das forças.

Demais, não assistia ao governo o direito de cercar individuos reunidos com o consentimento do mesmo governo para se occuparem de negocios publicos. Em virtude da fermentação dos animos previra esses desatinos, e, por isso aconselhara a consulta ao eleitorado em local reservado e sem assistencia do publico.

Os que então o combateram intentavam agora conter os excessos resultantes da propria imprevidencia com apparato militar mais apropriado a provocar os brios de uma assembléa do que a acalmar meia duzia de demagogos. A ordem dada ás fortalezas não passava de fraqueza dos eleitores para com alguns violentos, no intuito de evitar propostas mais desvairadas, fraqueza muito commum nas reuniões politicas. Não era outrosim licito castigar a multidão por crimes de alguns. Propunha a concentração dos regimentos nas ru Os que então o combateram intentavam agora conter os excessos resultantes da propria imprevidencia com apparato militar mais apropriado a provocar os brios de uma assembléa do que a acalmar meia duzia de demagogos. A ordem dada ás fortalezas não passava de fraqueza dos eleitores para com alguns violentos, no intuito de evitar propostas mais desvairadas, fraqueza muito commum nas reuniões politicas. Não era outrosim licito castigar a multidão por crimes de alguns. Propunha a concentração dos regimentos nas ruas confluentes á Bolsa, mas á consideravel distancia d'ella, e obrigava-se a fazer despejar o edificio sem perturbação da ordem. [70] Não receava tão pouco escapassem ás auctoridades os demagogos, conhecidos de todos.

A eloquencia de Silvestre Pinheiro não dissuadiu os collegas do emprego das armas para dissolver a reunião. Dous eram officiaes e enxergavam na injuncção aos fortes a mais grave das indisciplinas; e o civil, o conde de Lousan, absolutista ferrenho que mais tarde serviu a D. Miguel com dedicação, entendia que o povo não tinha senão obrigações. Correu violento o debate, e não faltaram doestos e ameaças ao mais humano dos ministros.

Vencido, Silvestre solicitou a sua exoneração; recusava-se terminantemente a cumprir a deliberação do conselho no sentido de assaltar a Bolsa. Negou-lh'a o rei, e deu-lhe plena liberdade de acção.

Silvestre sahiu immediatamente a executar o seu plano. O governador das armas iria á Praça communicar ao presidente a necessidade de encerrar a assembléa, e distribuiria companhias pelas ruas adjacentes para tolherem o transito para a Bolsa e apprehenderem os energumenos notorios, que forçosamente passariam por ellas. O ouvidor, que continuava a presidir o ajuntamento, á intimação do general Caula, pediu apenas meia hora para concluir a nomeação do conselho e assignalou a boa tranquillidade e o bom humor dos eleitores e do publico. N'isto se levantaram boatos de que se congregavam no Rocio differentes batalhões. Duprat em termos patheticos conjurou ao general velasse pela segurança dos cidadãos reunidos com assentimento da corôa.

O general prometteu sob palavra de honra que as forças não avançarião e tomou o caminho do Rocio. De feito ahi se ajuntavam a divisão [71] portuguêsa e os batalhões brasileiros sob o commando do general Caretti. O governador das armas, em nome do ministro da guerra, intimou-o a não mover as tropas para a cidade antes que viesse de S. Christovão, onde ia pedir a el-rei esclarecimentos ácerca de tão extranho facto. Silvestre Pinheiro postou-se numa das ruas para sustar a marcha das forças. Não tardou Caula em volver com a nova, annunciada a Silvestre Pinheiro, da desfilada impendente dos regimentos lusitanos contra a Praça de conformidade com as instrucções regias. Ahi acabara-se de proceder á eleição e muitos já se haviam retirado. O secretario arranjava os documentos, quando correu voz, que os soldados avançavam. Todos acudiram á porta, atravancada pelos que, sahidos ha pouco, retrocediam aterrados: approximava-se a artilheria e nas ruas lateraes scintillavam as bayonetas aos primeiros clarões do dia. Uma companhia de caçadores postando-se defronte da entrada principal descarregou no interior do edificio cincoenta tiros sem aviso prévio. Os assaltados fecharam as portas. Uns atiraram-se ao mar e outros esconderam-se. O desembargador J. da Cruz Ferreira salvou-se a nado e o lente de mathematicas, o sabio Antonio José do Amaral, achou abrigo numa sumaca. Arrombadas as portas, a soldadesca perseguiu os desventurados como se fossem lobos, diria o conde dos Arcos. Houve tres mortes, entre as quaes a de um eleitor a quem os annos tolhiam os passos. Muitos foram gravemente feridos; José Clemente Pereira recebeu uma profunda cutilada na coxa. Macamboa, o padre advogado, a quem tanto deve portuguêsa e os batalhões brasileiros sob o commando do general Caretti. O governador das armas, em nome do ministro da guerra, intimou-o a não mover as tropas para a cidade antes que viesse de S. Christovão, onde ia pedir a el-rei esclarecimentos ácerca de tão extranho facto. Silvestre Pinheiro postou-se numa das ruas para sustar a marcha das forças. Não tardou Caula em volver com a nova, annunciada a Silvestre Pinheiro, da desfilada impendente dos regimentos lusitanos contra a Praça de conformidade com as instrucções regias. Ahi acabara-se de proceder á eleição e muitos já se haviam retirado. O secretario arranjava os documentos, quando correu voz, que os soldados avançavam. Todos acudiram á porta, atravancada pelos que, sahidos ha pouco, retrocediam aterrados: approximava-se a artilheria e nas ruas lateraes scintillavam as bayonetas aos primeiros clarões do dia. Uma companhia de caçadores postando-se defronte da entrada principal descarregou no interior do edificio cincoenta tiros sem aviso prévio. Os assaltados fecharam as portas. Uns atiraram-se ao mar e outros esconderam-se. O desembargador J. da Cruz Ferreira salvou-se a nado e o lente de mathematicas, o sabio Antonio José do Amaral, achou abrigo numa sumaca. Arrombadas as portas, a soldadesca perseguiu os desventurados como se fossem lobos, diria o conde dos Arcos. Houve tres mortes, entre as quaes a de um eleitor a quem os annos tolhiam os passos. Muitos foram gravemente feridos; José Clemente Pereira recebeu uma profunda cutilada na coxa. Macamboa, o padre advogado, a quem tanto deve a liberdade, e o brilhante Duprat, recolhidos ao carcere, foram tratados com desapiedade. O conde [72] dos Arcos julgava conveniente enforcal-os «para exemplo».

Voltemos á quinta da Boa Vista. Partido Silvestre Pinheiro, a colera dos cortezãos explodiu com violencia. Valiam-se da intimação ás fortalezas para capitular de anarchico o eleitorado e constranger o monarcha a dispersar á bala a reunião, punir os mais exaltados, não receber a deputação dos eleitores que lhe devia submetter os nomes dos membros do conselho e, até, revogar a outorga da constituição hespanhola. D. João VI cedeu abjectamente em todos os pontos. Ordenado ataque á Bolsa, decretou que resolvêra negar ao Brasil a carta constitucional de Cadix por lhe ter sido sollicitada «por homens mal intencionados e que queriam a anarchia».[75] O fundamento da nova deliberação não resiste á analyse. Além dos eleitores, sobre os quaes demos o juizo dos coevos, constituiam o comicio negociantes, medicos, advogados, officiaes e empregados do commercio, a quem não aproveitava a desordem. A gentalha ficara excluida da Praça, que não era logar publico. Os que apresentaram ao soberano as decisões da assembléa, não mereciam tão pouco a imputação de demolidores da sociedade. Eram varões de notoria respeitabilidade e dous delles exerciam a magistratura. A verdade é que preoccupadas exclusivamente com os seus interesses e animadas com a fidelidade do exercito, as facções não hesitaram em induzir o rei a faltar ignominiosamente ao compromisso solemne tomado com o seu ministro da guerra e com o eleitorado. Talvez não caiba ao monarcha [73] a responsabilidade das violencias das armas portuguêsas, mas se lhe não pode tirar a auctoria da annullação do decreto que punha em vigor provisoriamente a constituição hespanhola, annullação praticada certamente sem energica suggestão alheia, porquanto se ajustava á maravilha com o seu odio ao regimen representativo. Silvestre Pinheiro assignala que na manhã de 22 achara o rei abatido. A bondade de D. João VI não ultrapassava a affabilidade no trato e a compaixão por infortunios de certos validos. Não era sanguinario mas lhe faltava absolutamente a preoccupação de justiça para com os vassallos, e a caridade publica interessava-lhe muito menos que a milicia e as artes. Nas demasias dos soldados contra a Bolsa não foi a sua humanidade que se affligiu senão a sua dignidade, mortificado com a revelação de haver no paço outra vontade que a sua.

A commoção na cidade foi das mais intensas. Os commerciantes desertaram para todo o sempre o edificio manchado de sangue, e o denominaram, num cartaz affixado sobre a porta: «Açougue de Bragança«[8] Por _Antigo_ entendem os Artistas as
mais bellas esculpturas, que nos restão dos antigos
Gregos, e Romanos; taes como a Venus
de Medicis, o Apollo, o Laoconte, o Gladiador,
etc.[76]. Não perdoaram á corôa o ataque imprevisto contra homens inermes e congregados por convite do ministro. Se os descommedimentos da assembléa auctorizavam a intervenção da justiça, esta não devia começar por aggressão tão cruenta quanto covarde.

Á administração mais inepta não era difficil apurar as responsabilidades de uma assembléa, quando se conhecia quem a presidira e quem ahi provocara desconcertos.

[74] O rei, que se sentia dominado pela vontade mais energica do filho e por conseguinte despojado da soberania, providenciou então ácerca do seu embarque com diligencia singular em natureza tão apathica. Aos 22 lançou a provisão que nomeava D. Pedro regente com as attribuições mais largas. Na realidade só lhe era vedado fazer-se representar no estrangeiro, prover os bispados e concluir tratados de paz definitivos; fóra disso, exercia todos os actos de soberano, e as limitações impostas a alguns exprimiam preito mais apparente que real ao monarcha. Assim cabia-lhe escolher os funccionarios e estes entrarião immediatamente no exercicio dos cargos; mas os diplomas seriam submettidos á assignatura do rei. Os poderes da regencia vigorarião até á promulgação da carta constitucional em preparo nas côrtes. Assistirião a D. Pedro o conde dos Arcos na pasta dos negocios interiores e exteriores, e o conde de Lousan na da fazenda; o marechal Carlos Frederico Caula na repartição da guerra, e Manoel Antonio Farinha na secretaria da marinha.

No dia 24, ao cahir da noute, D. João VI esgueirou-se para bordo no silencio tragico da cidade[77].



CAPITULO IV


SUMMARIO:

As responsabilidades do crime de 21 de abril.―O conde dos Arcos.



Lançado o decreto de 22 de abril que prohibia a applicação provisoria ao Brasil da lei fundamental da Hespanha, o rei aprestou-se para embarcar immediatamente convencido de que «no meio do desenfreamento das paixões e da insubordinação das tropas não tinha o livre exercicio de suas attribuições soberánas»[78].

Declara-o a Silvestre Pinheiro, e a analyse de semelhante confissão revela não ser infundado o sentir dos contemporaneos[79], que faziam D. Pedro e o conde dos Arcos responsaveis da carnificina da Bolsa e do quasi perjurio do soberano para com o ministro da guerra e para com os eleitores. A gravidade da accusação e a circumstancia de se basear em conjecturas exigem desenvolvimento da materia mais longo do que desejavamos.

O rei «commovido» auctorizara Silvestre Pinheiro a despersar a reunião da Praça conforme [76] julgasse mais conveniente, e o ministro da guerra não tinha a duvida mais tenue sobre a fidelidade das tropas. Não é licito suspeitar da sinceridade do velho monarcha nem tão pouco suppôr que o chefe do exercito, diligente e sagaz, se illudisse ácerca dos sentimentos dos militares. O facto, pois, do soberano considerar-se decahido do poder supremo significa que, em partindo o ministro da guerra para executar os seus planos, houve alguem bastante poderoso para constranger o rei a revogar as suas ordens sob pena de perder a auctoridade sobre as tropas. E o rei cedeu para fugir a um conflicto que lhe tiraria o resto do prestigio. Como nenhum dos ministros nem nenhum dos cortesãos intimidava D. João VI, é no seio de sua familia que devemos procurar quem se achava em condições de lhe impôr taes villanias. O maior inimigo do rei era a esposa,[80], mas lhe não assistia influencia alguma sobre o marido nem a cercavam o respeito e a estima dos palacianos a termos de crear uma corrente bastante forte para actuar sobre o chefe da dynastia. Os negocios publicos não interessavam a D. Miguel, apenas com 19 annos. Resta D. Pedro. Principe herdeiro com assistencia nos conselhos da corôa e muito querido do exercito, nenhum outro se achava em melhor situação para agir sobre um espirito timorato, qual o do Rei. Este, aliás, devia temel-o, porque a sua desconfiança instinctiva, propria dos fracos, inclinava-o certamente a acolher o rumor publico que considerava o successor da corôa um dos promotores do levante de 26 de [77] fevereiro. D. Pedro não era máu filho, mas soffria facilmente a acção dos que o cercavam, e entre estes occupava agora a preeminencia na privança o insinuante conde dos Arcos. «O conde dos Arcos está com o principe no maior auge de valimento de que ha idéa, escrevia em tres de abril á esposa o conde de Palmella, a ponto de ir S. A. Real visital-o a casa todos os dias»[81].

O conde não era mais deshumano nem mais injusto que a maior parte dos homens, mas o que o singularizava dos seus semelhantes, era o gosto desenfreado do mando, para satisfazer o qual não recuava deante dos excessos mais reprovados. A sua attitude tão arbitraria quanto feroz na repressão do levante pernambucano de 1817 não teve outra causa. Receoso de perder o governo da Bahia por causa do desfavor crescente do rei, a sua inquietação confinava com o delirio aos tres de março. «Sou coberto de affrontas, escrevia, e sou até ameaçado de castigo no tremendo nome d'el-rei nosso senhor. Oh! meu Deus!»[82]

Aos seis de março estalou a revolução em Pernambuco, immediatamente divulgada na Bahia. O conde aproveitou com soffreguidão o ensejo para readquirir o valimente régio e assegurar o mando. Levantou forças consideraveis e usurpou attribuições privativas da corôa com o fim de inculcar a gravidade da conjuntura. Mandou executar o padre Roma julgado por commissão militar tres dias depois de preso, sem por conseguinte, submetter a sentença ao poder magestatico. [78] Nas proclamações aos soldados ordenava o fuzilamento sem processo dos pernambucanos, que não marchassem immediatamente com as forças legaes contra os insurrectos. Não lhe importavam as leis da humanidade e as garantias da defêsa, com tanto que alcançasse victoria, tanto mais brilhante quanto mais rapida para estar na graça do soberano. Como hesitaria semelhante indole em arcabuzar os eleitores, se não havia outro meio para poder governar o Brasil consoante os seus intentos?

Quem era o conde dos Arcos? De sua vida os livros e os archivos não revelam senão o trecho decorrido na antiga colonia, e isto pela rama. Por influencia do ministro das colonias, o visconde de Anadia viera ao Brasil assumir o governo do Pará.[83] A intelligencia, a energia e a habilidade patenteadas nesta administração, que o protector solicito não deixava de salientar aos olhos do principe regente, deram-lhe aos trinta e cinco annos de edade o logar mais proeminente a que podia aspirar um português fóra da metropole, o vice-reinado da colonia transatlantica, do qual foi investido aos 21 de agosto de 1806[84]. Pouco tempo, porém, exerceu o cargo que o seu vehemente desejo de renome e dotes assignalados de administrador auguravam fertil em beneficios para o ultramar americano. De feito chegada a familia real ao Rio em 8 de março, o principe regente tomou a direcção suprema do Brasil, repartindo-a com os que o coadjuvavam em Lisboa.

[79] Era o mesmo gabinete com a differença de que o conde de Linhares substituia na pasta dos extrangeiros e da guerra a Antonio de Araujo, excluido dos conselhos da corôa por intrigas e rivalidades da côrte. Não havia nessa organização ministerial logar para o ex-vice-rei. Superintendia a secretaria da Marinha o seu antigo protector, o conde de Anadia; os negocios da fazenda publica estavam confiados ao egregio D. Fernando de Portugal, que durante cinco annos exercera com applauso o vice-reinado do Brasil e de quem recebera D. Marcos a investidura do regimento da colonia. Não podia tão pouco o illustre fidalgo disputar a pasta dos extrangeiros ao conde de Linhares, a qual, vista a situação perturbada da Europa, precisava de homem experimentado nos meneios da diplomacia e bem acceito da Inglaterra, mais que nunca arbitra dos destinos de Portugal. Não consta que se queixasse então o conde. Parece, porém, que a sua ambição insoffrida se manifestou em doestos aos que iam preenchendo na alta administração as vagas abertas continuamente pela morte de servidores de edade avançada ou que não resistiam á mudança de clima ou de habitos. Morto o conde de Anadia, substituiu-o no ministerio o conde das Galvêas; fallecido o commandante das armas, tomou-lhe o posto o Marquês de Angeja[85]. Emquanto se davam cargos a homens cheios de annos e de achaques, os quaes não podiam acudir ás necessidades de um paiz em formação, falto dos melhoramentos mais elementares, negligenciava-se a actividade do ex-vice-rei, [80] malbaratadas as suas forças em funcções secundarias que o tolhiam de dar expansão ao seu genio administrativo. A injustiça era, em verdade, por demais flagrante para não attrahir ao astuto preterido sympathias. Julgou acertado a corôa, para enfraquecer, talvez, o partido dos descontentes, provel-o no governo da Bahia por acto de 30 de outubro de 1810.

De feito os seus amigos e admiradores se não illudiam na apreciação de sua capacidade governamental. Promoveu a marinha e o commercio; melhorou as fortificações; creou novos corpos de milicias e construiu a Praça do Commercio. Ao mesmo tempo que promovia a força e a riqueza, não se esquecia de desenvolver a cultura intellectual, multiplicando as escolas e fundando a bibliotheca publica. Não se descuidou tambem do recreio dos moradores; abriu um jardim publico e favoreceu a terminação do theatro S. João. O espirito de justiça e as maneiras captivantes do capitão general e, de outro lado, o alvorecer das sciencias e das artes na velha cidade, despertaram o reconhecimento dos seus filhos, caracterizado com eloquencia no titulo de sua primeira gazeta,―A Idade de Ouro, apparecida em 14 de maio de 1811[86]. Nunca houve talvez governador mais querido. Depois de muitos testemunhos de estima e gratidão, os habitantes, á sua partida, intentaram dar-lhe um que lhe aproveitasse aos descendentes através dos seculos. Requereram ao rei licença para a instituição [81] de um vinculo de cem contos a favor de D. Marcos[87].

Não se enganava D. Marcos de Noronha e Brito, como se chamava Arcos, quando suppunha que na repressão fulminante da revolta de Pernambuco se lhe deparava opportunidade de reconquistar a bemquerença do monarcha. De feito na organização ministerial de 24 de junho de 1817 coube-lhe a pasta da marinha e do ultramar. A sua passagem n'esta importante secretaria não deixou, todavia, traços dignos de menção. Na discussão ardente sobre os acontecimentos revolucionarios de Portugal e as providencias applicaveis a um e a outro reino, o seu papel foi tambem dos mais apagados. Conhecem-se as idéas de Palmella e de Thomaz Antonio, expendidas anteriormente; de Arcos apenas se sabe que «mostrava sentimentos cavalheirescos e tambem boas intenções, posto que assás vagas e indefinidas»[88].

Comprehende-se, até certo ponto, ahi a sua reserva, porque ao invez dos collegas que pleitêavam a partida do principe, pretendia ficar com este no Brasil. O que se não alcança, porém, é que continuasse a envolver em mysterio os planos de governar o Brasil durante a regencia de D. Pedro. Nem o velho monarcha logrou conhecel-os.[89].

A nosso parecer nada dizia porque nada tinha que dizer. Era administrador e não politico. Contava [82] reger o Brasil como governara a Bahia, esquecido de que as circumstancias haviam mudado. Agora não preoccupavam o povo os melhoramentos materiaes mas sim o empenho de limitar a acção do poder e fixar as suas relações com os cidadãos e de dar a estes parte activa na direcção dos negocios publicos.



CAPITULO V


SUMMARIO:

Medidas da regencia―Descontentamento crescente do povo―Deputados do Rio―Votação―Regulamento eleitoral―Recrutamento―As bases constitucionaes―Revolução de 5 de junho―Destituição do conde dos Arcos―Targini―A calumnia no Brasil e em Portugal.



Partido o monarcha, o regente sob a inspiração do conde dos Arcos, intentou dar a edade de ouro ao Brasil, conforme a ironia de Silvestre Pinheiro. Prohibiu a prisão sem culpa formada e sem ordem escripta do juiz; aboliu as algemas, as torturas e açoutes[90]; augmentou os vencimentos das tropas, que já murmuravam; supprimiu o imposto de 2%, o qual agravava as mercadorias isentas de tributo especial. Dos actos meritorios, porém, nenhum certamente mais o devia recommendar ao reconhecimento dos povos que a reforma do imposto do sal. O tributo [84] de 750 reis por alqueire, que pesava sobre esta parte essencial da alimentação, opprimia as industrias pastoril e da pesca. Perdiam-se couros e carnagens, a salga de um boi representando duas e tres vezes o seu valor. A conserva do pescado era tambem impossivel, e com isto padecia não só a gente que fazia do peixe salgado a principal subsistencia senão ainda a industria de transportes com augmentar a deficiencia dos carregamentos para a Europa, ao que attribuia o seu deperecimento a marinha portuguêsa. Era tão precioso o sal que um prato delle constituia no interior um dos presentes mais festejados[91]. A regencia reduziu o imposto a oitenta reis por alqueire[92].

Nos derradeiros dias de maio, realizaram-se as eleições dos deputados fluminentes para as côrtes geraes, e este acto que devia alvoroçar o povo como o primeiro passo para o regimen representativo tão almejado, correu sem enthusiasmo[93]. É que o governo não lograva grangear a estima publica; ao contrario, quanto mais exercia actividade, tanto mais a população o execrava na pessoa do conde dos Arcos, reputado a alma da administração, sem attentar na excellencia das medidas. Nestas enxergava actos de usurpação da assembléa legislativa e não reconhecia á regencia outros direitos que os da conservação da ordem e fiscalização dos serviços publicos, [85] isto é, as rigorosas attribuições do poder executivo.

Todos sentiam a imminencia de graves acontecimentos no Rio, e mais interessantes ao progresso do Brasil do que a collaboração de seus filhos na futura carta constitucional da monarchia; e por isso ninguem queria ser deputado, mas o desapêgo não ia ao ponto de se descuidar da eleição. Assim a lei facultava o meio de remover o embaraço nascido da falta de candidaturas brasileiras, e era nomear portuguêses domiciliados na comarca ha mais de sete annos. Não escasseavam entre elles varões distinctos por virtudes e letras, capazes de defender com dedicação os interesses da terra de sua residencia, e que gostosamente aceitarião a viagem á patria investidos da honra de figurar no congresso. Nem se cogitou disso, porque o eleitorado, por commum sentir que nobilita os portuguêses que delle faziam parte, não admittia para o Brasil outra representação que não fosse constituida exclusivamente por seus naturaes. Vencidas as resistencias do Dr. Luiz Nicoláu Fagundes Varella e do bacharel J. S. Lemos Brandão, o bom homem da roça, como lhe chama Vasconcellos Drummond[94] completou-se o numero com fluminenses estabelecidos em Portugal. Eram elles o bispo de Coimbra, D. Francisco de Lemos, o bispo d'Elvas, D. J. J. da Cunha de Azevedo Coutinho, o bacharel Luiz Martins Bastos, e substitutos o medico Custodio Gonçalves Ledo, residente no Porto, e o bacharel [86] em mathematicas Francisco Villela Barbosa. O egregio D. Francisco de Lemos, altamente conceituado por Pombal,[95] que o incumbira da regencia da universidade de Coimbra, por causa da edade excedente de 86 annos, não aceitou o encargo, e o substituiu Villela Barbosa. A morte arrebatou D. José de Azevedo Coutinho, inquisidor-mór e antigo bispo de Pernambuco, dous dias depois de entrado nas côrtes. O ascendente, que lhe dava a intelligencia exclarecida e a situação social, certamente se faria sentir na assembléa de modo proveitoso. Era um espirito positivo mas não destituido de originalidade. Na obra assás festejada―Ensaio Economico,―ao par de idéas hoje banaes, ou até condemnadas, ha conceitos que mereciam a prova da pratica. Assim suggeria de se utilizar na marinha o indio, cuja natureza resistente mais incapaz de esforço prolongado no mesmo sentido, se adaptaria, porventura, á variedade de occupações da vida do mar, lardeada de regabofes nos portos.

Villela Barbosa, ulteriormente marquês de Paranaguá, deixara a marinha de guerra com o posto de major para se applicar ao magisterio. Leccionava com lustre mathematicas na academia Real de Marinha, e trabalhos de valor lhe abriram as portas da Academia Real das Sciencias. Era incontestavelmente o mais notavel membro da representação fluminense, e a despeito de se achar ausente do Brasil desde 1787 concebeu as suas necessidades e participou da febre [87] de suas aspirações na crise proxima como se acabara de o deixar[96].

A harmonia do partido luso-brasilico, como se dizia, promanava não só da perfeita unidade de vistas dos patriotas senão tambem do numero exiguo de eleitores. Não passavam de 15, e a votação se repartiu do seguinte modo: Fagundes Varella e D. José de Azevedo Coutinho, onze votos; Martins Basto, nove; D. Francisco de Lemos e Lemos Brandão, oito; e os supplentes Ledo, oito, e Villela Barbosa, 13[97].

Susposto já não matasse nem torturasse a inquisição, e se satisfizesse com encarcerar os suspeitos de heresia, não deixa de causar extranheza, visto o passado sinistro do temeroso tribunal, que haja sido dos mais votados em periodo de reforma liberal o chefe da instituição D. José de Azevedo Coutinho.

A explicação deve residir no prestigio do venerando fluminense assim como na indulgencia e brandura com que os magistrados inquisitoriaes exerciam desde alguns annos o seu formidavel ministerio.

O governo revolucionario de Portugal por decreto de 18 de abril determinara a applicação ao ultramar americano do regulamento de 22 de novembro observado pela antiga metropole nas eleições para as côrtes geraes, sem mudança capaz de influir na representação. Cada provincia [88] daria tantos deputados quantas vezes tivesse o numero de trinta mil moradores, e no caso do excesso da povoação chegar a 15 mil almas, designaria mais um representante desprezada a differença que não attingisse o ultimo algarismo.

Para o calculo da população se serviu em Portugal do cadastro de 1801 e no Brasil aproveitou-se em geral do computo de 1808, o qual dava 2.323.386 habitantes livres[98].

Não era defeso á provincia que se julgasse lesada com aquelle calculo, por não exprimir mais a verdade, proceder a novo recenseamento. Assim aconteceu no Rio de Janeiro, mais, todavia, por não haverem sido comprehendidas as instrucções de Silvestre Pinheiro do que pelo empenho de corrigir o cadastro de 1808, e o resultado desfavoreceu a comarca. De feito o novo arrolamento estimou os moradores livres em 159.281 ao passo que pelo anterior a côrte e a comarca apresentavam 235.079. Por isso, em vez de sete deputados como autorizava o calculo de 1808, se fôra mantido, não mandamos a Portugal senão cinco.[99]. Os deputados além das despezas da viagem, arbitradas e pagas por suas provincias, percebiam do erario publico 4$800 réis fortes por dia. Os contemporaneos julgavam excessivo o subsidio[100]. A eleição era de quatro graus e singularmente complicada. Em cada freguesia sob a presidencia da auctoridade judiciaria ou municipal, reuniam-se no concelho ou na Egreja, os cidadãos domiciliados ahi para a eleição dos compromissarios. Nomeados, estes designavam [89] immediatamente o eleitor parochial. Por cada duzentos fogos havia um eleitor paroquial escolhido por onze compromissarios. Os eleitores parochiaes ajuntavam-se no domingo immediato na cabeça da comarca para indicar por escrutinio secreto os derradeiros eleitores, os quaes reunidos na capital da provincia no domingo seguinte, nomeavam os deputados. O numero dos eleitores era trez vezes o numero dos eleitos. Elegiam-se os deputados por escrutinio secreto e successivamente. Deviam ter mais de vinte e cinco annos, ser natural da provincia ou residir n'ella ha mais de sete annos[101].

Acaso com o intuito de dispensar as forças portuguêsas cada vez mais ameaçadoras, a regencia commetteu nos ultimos dias de maio o acto mais proprio para rematar a indignação do povo: mandou proceder a energico recrutamento[102]. Das cousas que mais vexavam a população nenhuma disputava a preeminencia ao alistamento forçado no exercito. Recaía sobre infelizes privados de protectores e que de ordinario haviam incorrido no desagrado caprichoso dos mandões. Os trabalhadores desertavam os campos e as officinas em procura de esconderijos nas mattas. A miseria surgia nas familias, desapparecido o varão laborioso que as alimentava. Muitos amputavam dedos da mão direita para allegar a impossibilidade de manejarem as armas de fogo, quando soava a noticia que o governo recrutava. E o que [90] tornava a violencia particularmente odiosa era que os mancebos ricos ou poderosos escapavam ás garras da auctoridade.

A agitação dos animos por essa medida tomou novas forças com a chegada das bases da constituição, promulgadas em 10 de março. Levantada no conselho da regencia a questão se deviam ser juradas, o conde dos Arcos ponderou que emquanto não viessem copias authenticas d'ellas, era como se não existissem para o governo. Este adoptou o alvitre com grande sobresalto da opinião[103], a qual enxergou na allegação do fidalgo o empenho de dilatar o regimen arbitrario. De feito o argumento, forte á primeira vista, não resiste, comtudo, á consideração de que os artigos constitucionaes vinham reproduzidos no Diario da Regencia, orgão official do governo de Lisboa e dispensavam por conseguinte traslados regulares. D. Pedro se excusará mais tarde de não os haver jurado immediatamente por outros motivos, que não são tambem mais concludentes. Allegará que não podiam as referidas bases reger os povos do Brasil, emquanto não as sanccionassem, de conformidade com o artigo 21, os seus legitimos representantes.

Ante a reclamação geral pela applicação prompta d'ellas, não era licito ao governo ter semelhante escrupulo. Demais, porque não consultou ácerca de materia que tanto interessava ao povo, os deputados e eleitores do Rio que ainda se achavam na capital? O principe dirá tambem que jurada a constituição em globo e sem restricções [91] aos 26 de fevereiro, tornava-se desnecessario repetir o juramento para cada uma das suas partes.

Ora n'aquelle dia se não jurara carta constitucional alguma, porque ainda não existia e se tomara apenas o compromisso de observar a lei fundamental em elaboração nas Côrtes. As bases além d'isso não eram um capitulo do futuro codigo mas o resumo do proprio codigo. A regencia, por conseguinte, não podia deixar de a jurar sem mentir ao compromisso solemne de fevereiro.

Se havia alguem grandemente contrariado com o systema administrativo do governo era o meticuloso conde de Lousan. As principaes resoluções do poder, quaes o augmento de soldo e a reducção de impostos não lhe aproveitavam individualmente e traziam em apuros o homem publico a quem se confiaram os interesses do erario.

De facto a fazenda real atravessava um dos momentos mais duros que póde conceber o economista moderno. Devia mais de vinte mêses de soldo aos voluntarios que guardavam as fronteiras do sul, e estava em atraso com os funccionarios civis[104]. Não surprehende, pois, que o ministro das finanças pleiteasse a execução immediata dos elementos da constituição em toda a integridade, na esperança de acabar com o regimen nefasto que diminuia a receita e avolumava a despeza; não admira tão pouco que, vencido no conselho, animasse as tropas contra o tréfego Arcos a pretexto de ser a alma damnada [92] do regente na revolta encoberta contra as Côrtes Geraes[105].

Os secretarios de estado se não julgavam então obrigados á lealdade mais elementar para com os collegas, e hostilizavam-se mutuamente sem outra preoccupação que o interesse da repartição ou a defêsa do posto. A solidariedade dos ministros, indispensavel á bôa direcção dos negocios publicos e que se nos afigura forma elementar da probidade, é conquista relativamente moderna da moral e do Direito Publico, e não procede, como era licito suppôr, do regimen representativo e da existencia dos partidos. Macanlay informa que sómente ao expirar o seculo XVII, quando, portanto, desde muito havia na Inglaterra parlamento com whigs e tories, nasceu a solidariedade ministerial, que pôz termo á guerra que os secretarios de estado moviam entre si.

D. Diogo de Menezes não se singularizava, pois, confraternizando com as tropas portuguêsas para se desfazer do collega incommodo. O descontentamento d'aquelles regimentos procedia do espirito liberal, que, avassallando todas as classes não podia deixar de se transmittir aos officiaes e soldados, e da solidariedade com o exercito do velho reino, o qual promovêra a revolução e considerava as côrtes sua feitura. A estas razões accrescia a preoccupação patriotica de trazer o ultramar americano na dependencia absoluta da antiga metropole.

Propalou-se insidiosamente que Arcos encaminhava [93] o Brasil para a independencia. Allegação absolutamente falsa. Protrahindo a sancção das bases constitucionaes, o illustre fidalgo não attendia a outros sentimentos que o amor do mando illimitado e a fatuidade de não receber instrucções de ninguem ácerca do governo do Brasil, que pretendia conhecer melhor que todos. Recusara receber lições de Silvestre Pinheiro em nome do soberano, como as acolheria promptamente, de bom grado, das côrtes geraes compostas de meia duzia de revolucionarios que nunca haviam estado no novo reino?

O boato, porém, de que pretendia emancipar a antiga colonia teve o effeito almejado de sobresaltar a divisão auxiliadora. Informado de que os officiaes iam, em armas, exigir o juramento das bases, o regente interpella um dos capitães, que contesta o rumor e o lança á conta da malevolencia.

Como crescessem denuncias cada vez mais precisas de proximo levante, D. Pedro aventura-se a apparecer de madrugada no quartel de S. Christovão, o foco da revolta. Manda chamar o capitão Sá, apontado como um dos mais activos conjurados, o qual apparece estremunhado «fingindo ter somno»[106]. Accusa-o de haver lançado proclamações com o intuito de agitar o povo «de si muito socegado», de levantar as tropas e ameaça-o com a sancção rigorosa das leis. Apenas sahia o principe destemido, que os clarins soam a chamada, e o batalhão em armas irrompe do quartel para se encontrar, conforme o conluio, [94] com outras tropas. Sem se intimidar, D. Pedro volve ao palacio, onde devia presidir o conselho de ministros, para com elles deliberar sobre o negocio. Ahi occorrem-lhe á lembrança as queixas acerbas dos batalhões contra o seu general por causa de uma ordem do dia, e na ancia de não admittir limites á sua auctoridade, resolve sacrificar Avillez ao resentimento dos officiaes, sem attender que semelhante acto significava a sujeição dos chefes aos subalternos, a negação mais formal da disciplina. O marechal incumbido da commissão não tardou em tornar ao paço com a noticia de não mais desejarem os regimentos, em pé de guerra no Rocio, a demissão de Jorge de Avillez. D. Pedro, que, ao contrario de D. João VI, não conhecia o medo, partiu in-continenti ao campo dos revoltosos. O general Avillez á testa das forças portuguêsas solicitou o juramento das bases. O principe annuiu promptamente mas assignalou com vivacidade a injuria envolta em semelhante pedido. Jurára a constituição em 26 de fevereiro e não tinha o habito de mentir á sua palavra. Em caminho, porém, para o theatro, onde se devia protestar obediencia aos novos preceitos constitucionaes, lembrou-se de appellar para o povo, na esperança de achar nelle apoio para a resistencia. Declarou então resolutamente que não prestaria o juramento sem conhecer o sentir da população, da qual o exercito era apenas uma fracção, manifestado por aquelles que mereceram a confiança da comarca. Convocados á pressa os eleitores dos deputados, renovaram, á consulta do principe, por intermedio do padre Narciso, as resoluções da famosa assembléa da Praça do Commercio. Pediram a sancção das Bases, que dispensavam a constituição [95] hespanhola solicitada anteriormente, e a creação de uma junta com poderes para responsabilizar os secretarios de estado e sem a approvação da qual se não promulgarião decretos[107]. Concordavam com a exoneração do conde dos Arcos, reclamada pelas tropas. O principe rendeu-se aos votos geraes. Trocaram-se então gentilezas de parte a parte como se os houvera dividido mero equivoco, agora desfeito a aprazimento de todos. D. Pedro rogou-lhes indicassem o successor de D. Marcos. Excusaram-se com graciosidade, e não foram vencidos em bizarria, porque deixaram ao regente a designação dos candidatos á junta. Substituiu Arcos o desembargador Pedro Alvares Diniz.

Elegeram a junta os eleitores que, haviam designado os deputados, e os officiaes do exercito, na razão de dous para cada corpo[108].

O estabelecimento dessa corporação, a quem competia promover a responsabilidade dos ministros nos termos do artigo 31 das Bases, foi notavel conquista do liberalismo. Assistia-lhe a faculdade de tomar conta aos secretarios de estado pela inobservancia das leis e principalmente pelo que obrassem contra a liberdade, a segurança e os bens dos cidadãos e pela delapidação da fortuna publica; e sem o seu exame não subirião á approvação do regente os projectos de reforma [96] resolvidos no conselho de ministros. Não respondia de seus actos senão perante o congresso constituinte. Nascida do povo e sujeita a uma auctoridade remota tinha de facto a liberdade de acção mais completa. A subordinação ás Côrtes Geraes, mais apparente que real, ao passo que lhe assegurava a independencia, era uma homenagem ao maior poder actual da monarchia e lhe dava as sympathias da metropole e das forças portuguêsas que estancêavam no Brasil. Ao revés dos povos do Pará, de Pernambuco, da Bahia que investiram os seus governos locaes de funcções legislativas, confundindo desse modo jurisdicções distinctas no regimen constitucional, os fluminenses mais felizes não só não cogitaram de exercitar o poder executivo mas acolheram com desprazer a ameaça do regente de abandonar o posto, caso se renovassem os motins.

Como os successos arrastaram a regencia para a independencia e liberdade do Brasil, não teve o novo corpo politico fiscalização que exercer e assumiu, por isso, a attitude de espectativa aconselhada do patriotismo.

O povo acclamou com enthusiasmo as resoluções de 5 de Junho, que o resguardavam do arbitrio do governo. Foi principalmente no theatro, no correr do espectaculo, que se manifestou o jubilo. Oradores e poetas celebraram a generosidade da regencia e os beneficios da constituição. Cantou-se o novo hymno, cuja lettra compuzera-a D. Pedro[109]. Emquanto o principe [97] se deliciava ahi com as melodias do Engano Feliz de Rossini e com as phrases ardentes de lisonja dos trovadores, a soldadesca arrancava o conde dos Arcos e a filha para os conduzir atropeladamente ao brigue 13 de maio com direcção a Portugal. Os archivos não divulgaram ainda os debates do conselho dos secretarios de estado n'essa manhã fresca de junho, nem tão pouco o derradeiro dialogo entre o regente e o ministro poderoso, enxotado do governo pelo povo e pelas tropas. Que allegou o conde, ambicioso e audaz, quando ahi se discutiam os seus actos, os seus alvitres e o seu destino? Que disse ao principe, seu cumplice nos crimes de 21 de abril? A imminencia da queda desenvolveu-lhe a intelligencia e os dotes magnificos de seducção ou a visão dos sonhos de gloria desfeitos estatelou-o na mudez tragica da desesperança? Por emquanto apenas sabemos que D. Pedro lhe conservou o affecto até á ultima hora, como decorre dos termos da permissão á filha para o seguir «á sua filha dou licença para o acompanhar a Lisboa para onde vossa mercê se ha-de ir n'este correio com bem sentimento d'este seu amo e amigo»[110].

Se, por conseguinte, os soldados comportarem-se brutalmente com o ex-ministro na occasião do embarque, certamente não obedeciam á ordem ou suggestão do regente.

Não devemos encerrar o capitulo sem falar de Targini, cujas contas de thesoureiro-mór foram approvadas durante a administração de Arcos [98] e que atassalhado de todos com violencia inaudita, symboliza o conceito formado pelo português e pelo brasileiro dos que lidam com dinheiros publicos: todos mais ou menos ladrões.

Quando Thomaz Antonio organizou o ministerio de 24 de junho reservou para si os negocios do reino e delles separou a administração da fazenda, a qual veiu desse modo a constituir uma nova secretaria, confiada a João Paulo Bezerra.

Parece que uma das razões de semelhante reforma estava, não na falta de ambição nem no desejo de aliviar-se de trabalhos e cuidados inherentes á gestão das finanças, mas no empenho de fazer fiscalizar convenientemente o thesoureiro-mór accusado de peculato pela voz publica. Quem melhor do que Bezerra para tal encargo? Era energico e honrado, odiava Targini e era rabujento[111]. Nove mêses depois morria o titular da nova pasta e inteiramente congraçado com o subalterno. Os negocios da fazenda voltaram de novo á secretaria do reino, porque Thomaz Antonio resolvêra surprehender as fraudes desse homem detestado e detestavel que fascinava os chefes e deslustrava o governo. Como o marquês de Aguiar, como o conde da Barca e Bezerra, todos varões honrados, Thomaz Antonio, que os valia pela moralidade, passou a estimar e a defender o barão de S. Lourenço. Ufano da victoria, delle dizia este, que se nos afigura leviano: Nunca vi poltro mais bravio tornar-se cavallo mais manso[112]. O povo, que acolhia com alegria [99] a substituição dos gestores da fazenda na esperança da exauctoração de Targini, desenganado esbravejava com mais e mais violencia ou na imprensa portuguêsa de Londres desabafava-se com bom humor. Teve então exito o annuncio que ia sahir do prelo um resumo da Arte de Furtar do P.e Antonio Vieira dedicado ao barão de S. Lourenço[113]. Affirmava-se com segurança que o governador Montaury o expulsára da escrivania do Ceará por peculato; que com vencimentos annuaes de oito mil cruzados despendia trinta mil e ainda lhe restavam recursos para construír um palacete em Matacavallos e guarnecel-o de alfaias sumptuosas, tudo representativo de quatrocentos mil cruzados[114].

Na farta distribuição de mercês por occasião do baptizado da princêsa Maria da Gloria estalou grosso escandalo: o barão de S. Lourenço elevado a visconde.

Sem mais indignação para tanta desfaçatez o povo riu, e por toda a parte se cantou a quadra que os velhos ainda repetem:

Quem furta pouco é ladrão,
Quem furta muito é barão,
Quem mais furta e esconde
Passa de barão a visconde[115].

Tornou-se tão odioso que o conde de Palmella julgava necessario excluil-o da administração para que qualquer governo merecesse a confiança [100] publica. Ha prova de que o monarcha sabia do desconceito do thesoureiro-mór. Em 3 de março D. João VI julgou necessario pôr em custodia quatro personagens, dous desembargadores e um almirante, cujas opiniões politicas n'essa época de effervescencia, consoante o soberano, podiam servir de pretexto a que fossem aggredidos por vinganças pessoaes, e Targini. Targini, porém, foi recluso, não em virtude de suas ideias politicas, que não as tinha, senão para evitar que o povo aproveitasse o ensejo para o apedrejar, sem aguardar o exame das contas da thesouraria[116].

Volvido D. João VI á patria, continuou a averiguação da responsabilidade do thesoureiro sob a vigilancia de D. Pedro e do seu principal ministro, e estes a despeito de amarem a popularidade tiveram de reconhecer a exacção das contas. Ainda mais, verificada a situação pecuniaria do antigo servidor o regente por um d'esses rasgos de generosidade que lhe eram habituaes, concedeu-lhe pelo decreto de 4 de maio a pensão de um conto e seiscentos mil reis.

Foi tão grande a surprêsa que suspeitaram da moralidade dos juizes, e ao libello contra D. Marcos, como designavam familiarmente o conde dos Arcos, ajuntaram esse artigo[117].

Eram veridicas as accusações contra S. Lourenço? Não o acreditamos. Certamente os differentes ministros sob cujas ordens servia o thesoureiro, homens honrados e ciosos de bôa fama, alguns, até, seus desaffectos, não deixaram de [101] proceder a diligencias ácerca das arguições contra o subordinado e reconheceram que tudo eram calumnias, desde a exclusão ignominiosa da junta do Ceará aos gastos excessivos; calumnias determinadas, porventura, pelo zelo com que defendia os interesses do erario, exigindo com rigor o pagamento dos impostos e o cumprimento das obrigações á chusma ávida dos contractadores. Dizia-se mais tarde, adoptando a locução da Arte de Furtar, que Targini tinha «unhas mimosas», isto é, que não sonegava ao thesouro mas lesava os credores do estado, com lhes pagar com descontos, que, em vez de aproveitarem aos cofres publicos, caiam-lhe na bolsa. Isto era ainda facil de apurar, porque os contractantes, mediante queixas ao governo, obrigariam-n'o a abrir devassa.

Caso, porém, preferissem resignação manhosa na expectativa de reparar o prejuizo com transacções futuras, ahi estavam as despêsas immoderadas do thesoureiro a desafiar a suspeita dos seus superiores e a legitimar a intervenção da justiça.

O visconde de S. Lourenço era leviano no falar e tinha gracejos de máu gosto, os quaes concorreram, talvês, mais que as suas obras, para a sua desconsideração. Conhecemos o que dizia de Thomaz Antonio; com Vasconcellos Drummond foi, porventura, mais desazado. Drummond, que devia partir em missão a Santa Catharina e Rio Grande, foi despedir-se do thesoureiro, e como recusasse ajudas de custo, concedidas habitualmente, advertiu Targini: Mame emquanto a vacca dá leite[118].

[102] Semelhantes ditos, sem importancia proferidos por qualquer outro, na bocca de um homem julgado ganancioso e deshonesto, se interpretavam consoante o triste renome do que os enunciara.

Targini foi provavelmente mais uma victima da maledicencia e da calumnia que caracterizam a raça portuguêsa com relêvo, que lhe não dão os olhos escuros e a cabelleira farta e negra; vicios já assignalados com vigor, embora em tom faceto, pelo padre Antonio Vieira.

Denegriram as individualidades mais altas de Portugal, Camões e Affonso de Albuquerque, e continuam a deslustrar os vultos proeminentes do velho reino e de sua antiga colonia. No Brasil, politicos, jornalistas, administradores, todos os que se singularizam em qualquer ramo de actividade humana, podem não alcançar honras nem riquezas, mas certamente lhes não faltará esse punhado de lama, que nem sempre o tempo faz despegar da reputação.

Constituiria um capitulo interessante de psychologia social o estudo das causas do desenvolvimento pasmoso dessa forma da perversidade humana na familia luso-brasileira. A inquisição e o systhema policial do marquês de Pombal, que occultavam ao accusado o nome do denunciante e das testemunhas adversas, e, mais tarde, a ignominia dos testas de ferro, envilecedores da nossa imprensa, fazendo na realidade irresponsaveis a maledicencia e a calumnia, contribuiram certamente para avigorar uma tendencia que não precisava senão de estimulo para se tornar uma das taras da raça.



CAPITULO VI


SUMMARIO:

Os deputados de Pernambuco.―Luiz do Rego.―Attitude circumspecta das Côrtes em relação ao Brasil.―A apprehensão da independencia.―Organização do governo de Pernambuco.―Distincção entre as juntas acclamadas pelo povo e estabelecidas pelas côrtes.―Resoluções ácerca dos officiaes implicados na revolta de 1817.―Propostas de Araujo Lima e Moniz Tavares.―Deputação fluminense.―O conde dos Arcos.―Organização dos governos ultramarinos.―Decreto sobre o regresso do principe.― Villela Barbosa.―Os quarenta e dous presos politicos.



Se o Rio de Janeiro foi a capitania que primeiro procedeu ás eleições para as Côrtes Geraes, os deputados de Pernambuco, nomeados em 7 de junho,[119] precederam a todos os compatriotas no congresso constituinte, em consequencia do empenho de Luiz do Rego de patentear obediencia ao poder legislativo de Lisboa e de restituir [104] serenidade aos animos. Para accelerar a manifestação da vontade popular, o governo, apoiado no voto da junta consultiva, creada por effeito da revolução portuguêsa, considerou o interior da provincia circumscripção eleitoral distincta, no que andou com acerto, porque os representantes do Sertão não puderam chegar ao Reino senão demasiado tarde[120].

Nenhuma das outras deputações se apartou da patria com mais attenções do governo. Ao passo que os mandatarios da Bahia embarcavam em péssima charrua, como degredados para Angola, consoante o simile de Barata, os de Pernambuco partiram em corvêta de guerra, apparelhada expressamente e provida do confôrto e do luxo que a epocha permittia[121]. Eram elles, Domingos Malaquias de Aguiar Pires Ferreira, Ignacio Pinto de Almeida e Castro, Felix José Tavares Lyra, Manoel Zefirino dos Santos, Francisco Moniz Tavares e Pedro de Araujo Lima. Supplentes: Antonio de Padua Vieira Cavalcanti e D. Francisco Xavier de Lossio e Seibltz, os quaes não tiveram ensejo de exercer o mandato.

Quasi todos pertenciam mais ou menos ostensivamente á facção vencida em 1817; e um delles, o padre Francisco Moniz Tavares, suspeito de cumplicidade com os revoltosos, jazêra muitos mezes nos calabouços da Bahia. Apaixonado e ardente, o sacerdote batalhador não perdoava a D. João VI a crueza com que tratara os revolucionarios, que se haviam comportado durante a [105] victoria, aliás ephemera, com inexcedivel generosidade, e o seu odio concentrava-se agora em Luiz do Rego, capitão general da infeliz capitania desde 1817.

O capitão general, ao seu parecer, é facinora dos mais perigosos, e os seus protestos de adhesão á causa de Portugal e suas cortesias aos deputados, não passam de actos de lisonja para se conservar indefinidamente no poder[122]. O exagero faz injustos os conceitos. Se Luiz do Rego incorre na animadversão dos liberaes por haver hesitado ácerca do acolhimento que devia reservar no territorio de sua jurisdicção ao novo regimen, proclamado em outras partes do Brasil, e por ter intentado mais tarde guardar o mando que cabia á junta de conformidade com os votos do povo, inspirado nos exemplos de Portugal, Bahia e Pará, merece tambem louvor por mais de um titulo. Não só não empregou a violencia no interesse de sua ambição mas ainda exerceu a auctoridade com o apoio de uma parcialidade tão importante, que é licita a duvida sobre a illegitimidade de suas funcções. O que, comtudo, o devia recommendar á indulgencia dos adversarios é a sua humanidade em favor dos que continuavam a gemer nos carceres por causa do levante de 1817. Raramente se depara em papeis officiaes tanto calor, tanta commoção como mostram os seus officios ao monarcha solicitando o indulto para aquelles desventurados. Com o fim de mover a piedade régia, lembra os serviços gloriosos da capitania na guerra hollandêsa, [106] assignala que entre os condemnados figuram descendentes d'esses lidadores indomitos, evoca as agonias dos parentes e amigos dos encarcerados e allega que são tantos os sentenciados que atulham as prisões da Bahia.

D. João VI, que a imprensa contemporanea, para se não ver tolhida da censura, intitulava o melhor dos soberanos, acudiu aos desejos do seu preposto difficultosamente e com taes distincções que motivaram a renovação do pedido[123].

Da deputação talvez o mais novo era Pedro de Araujo Lima, pois não contava 28 annos. Volvido á terra natal com o grau de doutor em Direito, alcançado em Coimbra, preparava-se para tomar posse da ouvidoria de Paracatú, em Minas Geraes, quando os successos de Portugal induziram-no a protrahir a viagem para tão remoto logar. Espirito grave e profundamente conservador vae revelar-se nos debates ardentes das Côrtes o que será durante quarenta e nove annos de vida publica: respeitador das decisões da maioria parlamentar, porque não conhece outra lei, e não admitte, a maneira dos tories inglêses de velha tempera, a resistencia armada em hypothese alguma. Empregar a força em favor de uma ideia é retrocesso a tempos barbaros e deslustra o regimen representativo, baseado na vontade livre dos povos, esclarecido pela imprensa e pela tribuna e manifestada pelo voto. Com este alto ideal politico, o qual nunca se desmentiu nem na opposição nem no poder, foi regente do Imperio [107] quasi tres annos e oito vezes ministro o futuro marquez de Olinda.

Agora que começam a chegar os deputados brasileiros, devemos mostrar as disposições das Côrtes para com o reino americano, patenteadas em sete mêses de sessão. Em tão curto periodo dominaram o congresso successivamente duas correntes de opinião, que a presença do monarcha em Portugal abalisa. Antes della se não tratavam ahi os negocios do Brasil por motivos que se estribam em summa n'um só fundamento, inspirado da prudencia: a ignorancia em que se achavam o governo e as Côrtes dos sentimentos dos ultramarinos.

Apenas iniciados os trabalhos legislativos, o deputado Pereira do Carmo propôz a creação de representantes provisorios da America portuguêsa escolhidos pelo congresso entre os brasileiros que estanciavam em Portugal. Feitas as eleições no Brasil, esses deputados deixarião as cadeiras aos que houvessem sido designados pelo eleitorado. Semelhante projecto mirava assegurar a integridade da monarchia e conceder ao novo reino «as vantagens da revolução sem passar pelo risco de as commetter»[124]. Rejeitaram os collegas a proposição para não desgostarem o soberano e por não conhecerem ainda o acolhimento reservado pelos irmãos de além do atlantico á revolta da antiga metropole.

Acclamada no Pará, Pernambuco e Bahia a causa de Portugal, como então se dizia, e sollicitando a ultima provincia auxilio de forças, o congresso [108] judiciosamente renunciou á politica de abstenção nos negocios brasileiros com decreto de 18 de abril, de que já nos occupamos. Ao mesmo tempo que a resoluta capitania―cumpre notar―fazia tal pedido, Portugal inteiro se preoccupava com o silencio do rei, silencio que á força de se prolongar provocava interpretações inquietadoras. O congresso, combinando os dous factos, concluiu que receava a Bahia o ataque do governo do Rio. Corria-lhe, por conseguinte, o dever indeclinavel de contribuir com tropas para a resistencia e bem assim proteger com a sua alta auctoridade moral os governos ultramarinos contra o inimigo commum, a côrte do Rio de Janeiro. Não teve outra causa o decreto referido e não sabemos como a assembléa constituinte podia deixar de intervir na administração do Brasil em tal conjuntura sem reconhecer implicitamente a separação dos dous reinos. A adhesão do Brasil ao regimen constitucional animou o deputado Alves do Rio, um dos membros mais activos da commissão do commercio, a apresentar um projecto com o fim de estreitar a união dos dous povos. O congresso repelliu-o quasi sem discussão, julgando tão injusto quanto incivil tratar-se de assumpto relativo a uma das principaes secções da monarchia na ausencia de seus representantes. Sarmento, que rompeu o debate, evocou os exemplos da Inglaterra e da Hespanha, que por falta de justiça e deferencia para com os seus dominios ultramarinos acabaram por os perder.

Com a chegada de D. João VI, porém, as Côrtes renunciaram a esta sabia circumspecção.

De feito, o monarcha mostrou a conveniencia de fazer regressar do Rio as tropas portuguêsas, [109] que ancêavam por volver á patria e haviam preenchido as condições do alistamento. A demora em satisfazer tão legitimo desejo arriscava comprometter a disciplina, em razão do descontentamento em progresso todos os dias. Importava, porém, que a partida delles não abrisse claros no exercito da capital do reino ultramarino, onde animos perversos contrariavam a adhesão á causa de Portugal, aceita com enthusiasmo pela maioria. Para domar taes velleidades de rebeldia, convinha render os batalhões por outros do Reino, mais experimentados e de mais confiança que os soldados da terra. Era insinuar a existencia de partidarios da separação, prevista pelo rei e por Silvestre Pinheiro, que o acompanhara a Lisboa. Aquelle dissera ao filho antes de embarcar:

«Se o Brasil se separar, antes seja para ti, que me hás de respeitar, do que para algum desses aventureiros»[125]. Silvestre Pinheiro, persuadido de que sem o rei no seu seio a antiga colonia se emanciparia promptamente,[126] certamente não occultara a sua convicção aos politicos de Lisboa. Apresentado pela commissão do Ultramar o parecer inspirado nas apprehensões do monarcha, as Côrtes ouviram pela primeira vez allusão á independencia, e desde ahi todas as vezes que na assembléa surgira a idéa de desmenbramento da monarchia, o mêdo fazia os constituintes esquecerem as regras de prudencia e de justiça. [110] Sem discussão auctorizaram o regresso dos batalhões e a sua substituição por duas mil praças[127].

Pouco tempo depois, por occasião de se discutir o plano da reorganização dos governos ultramarinos, alguns constituintes tentaram restabelecer a boa doutrina, levados tanto pelas difficuldades do erario como dos conselhos da prudencia. Os autores do projecto julgaram preferivel, em vez da repatriação, reter as praças nas fileiras por mais um anno mediante novas vantagens. Sem embargo de constituir semelhante disposição o ultimo artigo da proposta, começou por ella a discussão, visto já se acharem apparelhados no Tejo os navios destinados ao transporte dos recrutas. O debate que occupou duas sessões, correu animado. Entendiam alguns escrupulosos que a mudança da resolução dos deputados em prazo tão curto, desluziria o congresso. Fernandes Thomaz impugnou o argumento com vantagem. Depois do voto das Côrtes determinado por informação d'el-rei e do pedido de D. Pedro, houvera a creação da junta em cinco de junho e sem a sua ratificação não era licito deferir o requerimento do principe.

Dous pontos preoccuparam em seguida a assembléa: convinha domar a independencia por meio das armas? Podiam as Côrtes expedir tropas não assistindo aos debates os representantes do Brasil ou sem approvação da junta fluminense?

Salvo Borges Carneiro, os proceres da regeneração respondiam pela negativa. Fernandes Thomaz que julgava o debate indiscreto, mais de [111] uma vez tomou a palavra em defesa do parecer da commissão, de que era membro. O erario esgotado de Portugal não lhe consentia a despeza com a remessa de batalhões nem tão pouco o seu exercito diminutissimo comportava semelhante desfalque.

Não crê no partido da independencia e o regente quer forças para assegurar o despotismo. Os fluminenses queixando-se das tropas portuguêsas, as Côrtes commettem grave imprudencia se lh'as enviarem sem solicitação da junta escolhida por elles. Não é licito, aliás, ao congresso resolver assumpto que interessa principalmente aos brasileiros na ausencia dos seus representantes.

Outros deputados discorreram no mesmo sentido, e ainda á ultima hora quando se ia proceder á votação, Margiocchi, professor da universidade de Coimbra e de ordinario ouvido com attenção, protestou com vehemencia. Nunca admittiu se tomassem decisões ácerca do Brasil sem a audiencia dos deputados americanos. É indeclinavelmente necessario que sejam consultados a respeito de materia tão grave, á qual se está bem discutida pelos europeus, não o está por elles.

Este argumento que outr'ora congraçava os votos, cede á desconfiança da fidelidade do reino americano, ao medo de perder a antiga colonia, o qual vai mais e mais avassalando os animos. Por quarenta votos contra trinta e sete decidiu-se a expedição ao Rio de mil e duzentas praças para render a divisão portuguêsa[128] em vez de [112] duas mil, consoante a resolução de 28 de julho.

A boa doutrina que prescrevia se não tratarem de cousas do Brasil sem os seus mandatorios não mais thriumphou, e Fernandes Thomaz, arrastado com a maioria pelo temor da impopularidade que adviria da perda do ultramar transatlantico, acabará por a demolir com a proclamação do principio que não havendo senão deputados da nação qualquer constituinte representa tanto Portugal como as ilhas e a America, e, portanto não ha necessidade de commissarios ultramarinos para o congresso legislar sobre a antiga colonia.

As disposições hóstis contra o Brasil, patenteadas nessa discussão, desfizeram-se, todavia, ao contacto da deputação americana que tomou assento nas Côrtes em 29 de agosto. Na sessão immediata tratou-se de organizar o governo de Pernambuco e todos os pareceres cederam ás indicações dos representantes da donataria de Duarte Coelho.

O ponto inicial da reforma era a separação das attribuições civis da jurisdicção militar. Na verdade a convergencia dessas funcções na mesma pessoa sujeita a auctoridade e fiscalização do soberano distante, fazia os capitães generaes regulos mais ou menos arbitrarios e violentos. Homens de guerra, ordinariamente, tendiam a considerar as queixas e os reparos que a sua gerencia provocava, como infracções da disciplina e puniam, em consequencia os criticos imprudentes; e sahidos de Portugal para uma capitania que lhes era absolutamente desconhecida, tornavam-se instrumentos de cortesãos habeis, os quaes a pretexto de os informarem no interesse do bem publico, serviam-se d'elles para satisfazer conveniencias e [113] affectos particulares, e não raro acabavam por dirigir os destinos da terra sem a responsabilidade do poder. Para prover a tam graves inconvenientes decretou-se que a gestão dos negocios civis, economicos e policiaes competiria exclusivamente a uma junta constituida de sete pessoas designadas pelos eleitores das parochias. A junta, que era o poder executivo da provincia, nomeava todos os serventuarios, e estes responderião perante ella de seus actos, salvo os magistrados e empregados da fazenda, os quaes, comquanto sujeitos a ella, prestavam contas ás côrtes e ao governo do Reino. Assistia porém, á administração local a faculdade de os suspender em casos de abusos do poder e formar-lhes culpa, julgada pela relação do districto. Não tinham as juntas o direito de legislar senão sobre as necessidades locaes, como acontecia com as municipalidades. Respondiam os seus membros collectivamente perante o governo da antiga metropole. Cada vogal ganharia um conto por anno e lhe não era permittido outro emprego remunerado.

A jurisdicção militar passava a um official superior, que teria o nome, não de capitão general, de execranda memoria, mas de governador commandante das armas com as attribuições que exercitavam nas provincias de Portugal, nos termos da lei organica de 1678, eguaes funccionarios. Nomeados pelo poder executivo do Reino deviam-lhe contas de seus actos e não tinham dependencia alguma da junta. No caso de morte ou de impedimento os substituiria o official mais graduado da terra. Além do soldo da patente, recebiam a gratificação mensal de duzentos mil reis.

Por proposta de um dos representantes de [114] Pernambuco, resolveu o congresso remover da capitania o batalhão do Algarve, que ali estanciava desde os successos de 1817, depois de falarem Fernandes Thomaz, Margiocchi, Castello Branco e Borges Carneiro em termos repassados de piedade que refrigeraram a alma combalida dos patriotas pernambucanos.

Estas medidas eram provisorias e vigorarião até a conclusão da lei que devia organizar a administração das provincias de um e outro hemispherio com as modificações determinadas pela situação geographica e as necessidades particulares de cada uma[129].

Separando a jurisdicção militar da civil e attribuindo aquella o delegado de Portugal, o parlamento alterara na essencia o systema administrativo adoptado no Pará e na Bahia e ao qual certamente aspirava o povo pernambucano. De feito as juntas provinciaes, creadas á imitação do governo estabelecido em Lisboa pela revolução, conservaram ciosamente na sua esphera de acção o manejo da força armada. O prival-a agora deste elemento de segurança e de resistencia em proveito da antiga metropole, sobre enfraquecer os governos locaes, assegurava a preeminencia, apparelhava a dominação de uma parte da monarchia sobre a outra, cousas inconciliaveis com egualdade politica entre os dous reinos, proclamada nos manifestos da regeneração. Ou porque lhes escapasse esse effeito funesto da reforma ou porque estivessem dispostos a todas as concessões comtanto que alcançassem [115] desopprimir a patria de Luiz do Rego e do batalhão portuguez, deixaram os de Pernambuco passar sem protesto a instituição que, despertadas as desconfianças patrioticas dos brasileiros, se tornou o motivo mais geral e mais profundo do descontentamento dos portuguezes, da America contra os do outro lado do Atlantico.

Os pernambucanos desvelaram-se em seguida pelos vencidos de 1817. Na sessão de 31 de agosto Zefirino dos Santos, um dos mais zelosos membros da representação, apresentou uma proposta que sujeitou á rude prova a deferencia dos europeus para com os collegas de além mar. Requereu que os officiaes presos ou desterrados em consequencia dos acontecimentos de seis de março, dia em que estalou o desgraçado levante de Pernambuco, absolvidos pela relação da Bahia, fossem uns restituidos á liberdade, outros á patria, todos aos seus postos e reembolsados dos soldos vencidos desde a data da sua exclusão do exercito.

Se a sentença absolutoria e a origem revolucionaria da assemblêa auguravam resultado prospero á proposição, havia contra ella os escrupulos patrioticos dos lusitanos.

Como a revolta de 1817 pleiteara a independencia, repugnavam as constituintes dispensar sympathia e protecção a officiaes que, a despeito da absolvição, continuavam suspeitos de velleidades separatistas. Não o declararam nem o podiam fazer sem levantar questão capaz de comprometter a cordealidade do tracto com os representantes do ultramar americano. Certamente, porém, não houve outro motivo da reluctancia da assemblêa liberal em conceder amnistia plena a criminosos politicos. Acabaram, todavia, os regeneradores [116] por ceder ao voto, defendido com intelligencia e sagacidade. Concordaram no pagamento immediato dos soldos em atraso, e quanto a reintegração dos officiaes na fileiras com as patentes que tinham no acto da insurreição, tornaram-na dependente dos informes da junta de Pernambuco[130].

Semelhante alvitre proposto pelo futuro marquês de Olinda significava na realidade a restituição em prazo curto dos officiaes ao serviço activo com os seus graus, porquanto o partido desbaratado em 1817, constituido de liberaes e nativistas, que ganhava forças, teria influencia decisiva na eleição da junta e esta não deixaria de dar parecer propicio aos que a provincia considerava martyres da liberdade.

Um dos actos que mais fizeram detestado Luiz do Rego pelas populações laboriosas do interior foi a creação das milicias[131], cujos exercicios, realizados de quinze em quinze dias, vexavam sobremaneira os aldeões disseminados por aquelles vastos espaços. Obrigavam-nos a jornadas de seis a dez dias, e ás despezas e incommodos das viagens accrescia a cessação de lucros, porque os escravos sem a presença do senhor relaxavam no trabalho. A requerimento de Araujo Lima o congresso estendeu a Pernambuco a ordem, em vigor no Reino, de não sujeitar os milicianos á revista senão de trez em trez mezes, excepto nos casos de segurança publica[132].

[117] Ao passo que o futuro marquês de Olinda melhorava a situação de seus conterraneos com providencias immediatas, Moniz Tavares desabrochava a sua alma de sonhador em reformas na generalidade inexequiveis. Se requeria a instituição de uma bibliotheca publica, iniciada, aliás, anteriormente «por um virtuoso cidadão, o padre João Ribeiro[133] e que fôra destruida em 1817 por se lhe attribuir a revolução»[134], julgava tambem indispensavel que as côrtes obrigassem o clero a expôr ao povo o espirito da regeneração social. Propunha mais a fundação de escolas em todas as parochias, nas quaes, com o ensino primario, terião os alumnos noções de direito constitucional.

Em dez de setembro tomaram assento nas côrtes os fluminenses Fagundes Varella, Lemos Brandão, D. José J. de Azevedo Coutinho e Martins Basto. Excepto os dous primeiros, que acabavam de chegar do Rio, na charrua Gentil Americana[135], os outros achavam-se desde alguns annos domiciliados em Portugal. Martins Basto, ao que parece, ahi praticava o commercio, e Azevedo Coutinho, que deixára o bispado de Pernambuco em 1802 pela diocese de Bragança, não mais sahira do Reino, onde após haver exercido com lustre a jurisdicção episcopal em Elvas, fôra investido em 1818 do tremendo cargo de inquisidor-mór[136]. No dia immediato ao da [118] posse, a morte salteou de improviso o insigne prelado, e o substituiu aos 17 de setembro o primeiro supplente Custodio Ledo, residente no Porto. D. Francisco de Lemos, mais que octogenario, não prestou juramento, nem tão pouco pediu excusa do cargo, em recebendo o diploma de nomeação, por attribuir, acaso, os achaques que o affligiam a causas passageiras e não a idade provecta[137]. Não foi senão em 13 de outubro que, reconhecendo-se impossibilitado de preencher o mandato, desistiu delle. D'ahi resultou damno para a deputação americana com ser privada da collaboração valiosa de Villela Barbosa, a quem cabia, como coube, a cadeira na qualidade de segundo supplente, na discussão das cousas do Brasil, as quaes cedo occuparam os constituintes.

Apenas installados tiveram os fluminenses de intervir na sorte do conde dos Arcos, discutida apaixonadamente na assembléa. Ao malaventurado estadista, sahido precipitadamente do Rio, depararam-se successos inacreditaveis em arribando á Bahia. Não só não pôde desembarcar senão que seguiu em custodia para Lisboa, accusado perante as côrtes pela junta bahiana de haver planeado a independencia do Brasil. Para fundamentar tão formidavel denuncia a junta adduzia allegações temerarias. Dizia com protervia que Arcos viera detido, quando era notorio que embarcara livre e até trazia passaporte. Referia-se a informações colhidas em cartas dos do Rio aos amigos da Bahia, mas não precisava factos nem nomeava os [119] auctores e destinatarios das epistolas[138]. Dir-se-ia que coagida subscrevêra officios dictados por personagens que o espectro da independencia estonteara: provavelmente militares portuguêses assás numerosos na velha capitania. De libello tão inepto se não encontra explicação mais plausivel nem menos affrontosa aos brios da grande provincia. O mais vigoroso defensor do conde no congresso enxergava no comportamento despotico do governo bahiano represalia dos vencidos de 1817.

Antolha-se-nos que a simples suspeita de ser o ex-vice-rei inclinado á emancipação politica do novo reino, bastava para que aquelles, partidarios da independencia, não tirassem esforço de antigos sorfrimentos, tanto mais que os destroçados de 1817, eram pernambucanos e não da Bahia. Conhecidas a denuncia e a attitude da junta em sete de agosto, a assembléa sahiu do estupor resultante da accusação allucinante, para acclamar com enthusiasmo ungido de reconhecimento a fidelidade bahiana, e determinou reter o desgraçado fidalgo na Torre de Belem até que viessem as devassas dos factos incriminados, mandadas tirar no ancoradouro de Cabral e no Rio. Em setembro o recluso requereu livramento por estar detido ha mais de vinte e quatro horas sem culpa formada. Invocava tambem o deperecimento progressivo por causa da humidade da prisão, á beira do Tejo, a qual aggravava a molestia caracterizada por frio invencivel. No caso de o não relaxarem as Côrtes, solicitava a transferencia para carcere menos funesto á sua saude. O abbade [120] de Medrões votava pelo livramento incondicional apoiado nas disposições juradas da constituição: aos presos sem culpa formada corria ao juiz o dever de expôr por escripto no prazo de vinte e quatro horas o motivo do constrangimento. Muitas vinte e quatro haviam, contudo, decorrido, e o magistrado não dissera ainda ao conde a razão por que o privara da liberdade. Concluia judiciosamente que o juiz ainda não achára a causa da detenção. Devia, porém, o fidalgo aguardar indefinidamente a informação judiciaria, emparedado em Belem? Brito defendeu com rigor o conde com quem servira na Bahia. Contra Arcos não havia senão o officio do governo bahiano, o qual não passava de denuncia aérea, sem especificação de factos, denuncia de tempos revolucionarios para a suppressão de homens eminentes. Quem sabe se não será maquinação dos rebeldes de 1817? Diz o officio que Arcos contava com os servis do Brasil. «Servis no Brasil! exclamava. Só o póde acreditar quem nunca o viu». Arcos foi sempre favoravel á causa constitucional contra os votos do conde de Paraty e de Thomaz Antonio.

Peixoto pulverisa a denuncia, que é, até, contradictoria: ora diz que Arcos conspira com os servis, ora com os independentes.

Fernandes Thomaz, Moura e Castello Branco, dominados dos gremios politicos, que influiam nos regeneradores, como os seus congeneres de Paris nas assembléas successivas da revolução francêsa, clubs que odiavam os aristocratas e enxergavam com horror o desmembramento da monarchia, não admittem a soltura sem que venham de além-mar as devassas solicitadas. A paixão turva o espirito lucido do pai da revolução. [121] O desembargador Fernandes Thomaz chega a considerar corpo de delicto a denuncia, que formula em accusação mexericos de botica.

O que nos interessa é a attitude dos brasileiros. Os fluminenses, a despeito da carnificina da Praça do Commercio, attribuida ao conde, optaram pela soltura. E os pernambucanos? Os deputados pernambucanos, que se mostraram exaltados até a injustiça contra Luiz do Rego, a respeito de Arcos, que domara com ferocidade a revolução de 1817, que executara o padre Roma com violação das regras primordiaes do Direito, que ordenara ás tropas legalistas atirassem contra os patriotas «como se atiram a lobos», a respeito de Arcos não descerraram os labios: não lhes interessava o adversario prostrado.

Surdo aos conselhos da justiça, o congresso, sob a inspiração dos regeneradores, decretaram a remoção do conde para outro carcere menos humido, e o interrogatorio das pessoas vindas ha pouco do Rio, ácerca da accusação.[139]

Ao revés do que se assoalhou maliciosamente mais tarde, os constituintes portuguêses não só não provocaram o debate sobre a reforma dos governos ultramarinos senão que mostraram reluctancia em tratar de materia tão importante para os irmãos de além-mar na ausencia de seus mandatarios. A questão, porém, urgia para o nosso reino convulsionado por conflictos de todo o genero.

Numas provincias ferviam luctas dos liberaes com os capitães generaes, que se mantinham no poder pela força ou pela astucia; noutras as paixões [122] particulares clamavam com violencia contra as juntas a pretexto de, em virtude de vicios da eleição, não exprimirem a vontade dos povos. Os amigos da ordem volviam os olhos supplicantes para as Côrtes, que, por causa do prestigio incontestado, mais que nenhuma auctoridade podiam restituir paz á antiga colonia.

Moniz Tavares combateu o escrupulo do congresso em intervir na reorganização das capitanias sem a presença dos seus representantes. A distancia e as tendencias despoticas dos governadores do Maranhão e do Ceará, ponderou, justificavam cabalmente a applicação immediata da «sabia e utilissima» providencia decretada para Pernambuco áquellas provincias, e aos povos de Alagôas, Parahyba e Rio Grande do Norte dependentes do episcopado pernambucano[140].

A junta do Pará solicitava identica medida, e advertia que, attento o aperto da conjuntura, não devia o congresso esperar os procuradores da provincia para deliberar sobre negocio tão irritante[141].

Os regeneradores acquiésceram, e lançaram o plano dos governos ultramarinos baseado no que fôra estatuido para Pernambuco. Nas provincias regidas por capitães generaes―Pará, Maranhão, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, S. Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Geraes, Matto Grosso e Goyaz―a jurisdicção civil caberia a uma junta de sete vogaes, e nas capitanias administradas por simples governador, quaes Alagôas, [123] Parahyba, Rio grande do Norte, não teria a junta mais que cinco membros. Os eleitores parochiaes nomearião os vogaes, que, além de instrucção e qualidades moraes, deviam ter meios de subsistencia. Recahindo a escolha em funccionarios publicos, civis ou militares, deixarião o cargo emquanto fizessem parte do governo. Este devia conformar-se com as leis em vigor, não lhe sendo licito as revogar, alterar ou suspender. Todos os serventuarios eram de sua nomeação e sujeitos á sua auctoridade. Os magistrados e empregados da fazenda, porém, supposto designados pelo poder executivo da provincia, prestavam, todavia, contas ás Côrtes e ao governo do Reino.

Semelhantes limitações á administração provincial, as quaes no tocante sobretudo á gerencia dos dinheiros publicos, deviam gerar conflictos entre ella e o ministerio de Portugal e determinaram mais tarde queixas acerbas por parte dos americanos contra os regeneradores, passaram agora sem opposição da bancada brasileira.

A satisfação de não mais terem os negocios da patria entregues a extranhos, uns ignorantes, outros negligentes, todos arbitrarios; a satisfação de se governarem a si mesmos por homens de sua confiança e, mais que tudo, a anciedade de salvar o Brasil da anarchia pondo ordem na sua administração, persuadiram porventura os mandatarios a não criticarem o projecto. Quando porém, se tratou do commando das armas, Martins Basto, Pires Ferreira, e Araujo Lima intervieram no debate com insistencia, e se mostraram inquietos com os effeitos desta instituição. Aceitavam o governador militar nas provincias expostas á aggressão externa, que eram as maritimas e Mattigrosso, invadido recentemente pelos hespanhoes. [124] Nas circumscripções grandes como Minas e Goyaz, ao abrigo de invasão extrangeira, ou nas pequenas que não tinham tropas de linha, bastava o commando militar ordinario exercido pelo official mais graduado da terra. Para que uma auctoridade nova e distincta, que, por desnecessaria, arriscava tornar-se nociva? Temiam esses chefes da força armada, enviados pelo governo português e a elle sujeitos, cujas informações, por isso, pesariam com mais força nas deliberações das Côrtes ou do ministerio que as representações das juntas e os protestos dos deputados da America.

Castello Branco, que teve parte conspicua na discussão por parte dos europeus, procurou rebater as censuras e dissipar as apprehensões da bancada brasileira. Creavam-se governadores militares, disse, para a defeza contra os extrangeiros assim como para a manutenção da ordem, e sem tropas bem disciplinadas se não attingiria a nenhum d'aquelles fins. Cumprindo ao governo acautelar todos os perigos, corria-lhe a obrigação de prever o ataque de uma provincia por outra; e como isto podia acontecer á menor das capitanias, não era licito ás côrtes deixar qualquer dellas desguarnecida de forças. Não se tendo tropas capazes, concluiu, senão com officiaes, penetrados da disciplina e dos usos dos exercitos europeus, importava fossem portuguêses os commandantes e remettidos do Reino.

De toda essa argumentação baseada em perigos possiveis e não provaveis, e que admittia a hypothese, ainda não realizada, de conflictos interprovinciaes, o que resaltava com evidencia, era que os irmãos da Europa faziam questão de ser o governador das armas seu conterraneo, [125] nomeado pela antiga metropole e sujeito exclusivamente a ella. Não o deixou de assignalar Araujo Lima, e rematou as suas observações com um conceito que revela haver entrevisto os designios occultos nas côrtes. «Não receio que o congresso tenha vistas sinistras sobre o Brasil mas não se póde negar que estarão no Brasil com todos esses commandantes e se dirigirão por informações que lá vierem».

O reparo, a despeito de seus termos dubitativos, perturbou as fileiras portuguêsas. Braamcamp no empenho de fechar uma discussão prenhe de elementos inflammaveis, ponderou que a materia pertencia ao poder executivo, e o congresso sem haver declarado o assumpto sufficientemente discutido, como determinava o regimento, procedeu á votação. Decretou-se que nas provincias mais importantes haveria generaes encarregados do governo das armas com a gratificação mensal de duzentos mil reis, e nas outras commandantes militares da força do districto com a patente de coronel, que receberiam por mez de gratificação cincoenta mil reis. Uns e outros serião subordinados ao poder executivo do Reino e independentes da junta provincial[142].

Os regeneradores não pararam ahi: julgando que a anciedade dos irmãos d'além-mar pela reconstituição das administrações locaes, justificavam todas as audacias, tentaram regulamentar as capitanias como se fossem provincias de Portugal, consoante a formula de Fernandes Thomaz.

Despojadas as juntas da força militar, cumpria [126] tirar a outra parte da monarchia a autonomia judiciaria, tanto mais que esta arriscava de lhe proporcionar meios de resistencia legal. De feito emquanto houvesse ahi tribunaes superiores era de temer que nelles achassem os da terra protecção contra as violencias de Portugal. Impavidamente a commissão de constituição composta dos regeneradores de primeira grandêsa, quaes Borges Carneiro, Moura e Fernandes Thomaz, propôs o fechamento da casa de supplicação e de todos os mais tribunaes do Rio, fundados por D. João VI. Lidos os artigos sobre a materia, Martins Basto com vivacidade os impugnou em consequencia de ficarem os brasileiros obrigados a discutirem fóra da patria os recursos finaes. Fernandes Thomaz, cuja palavra simples e bonacheirona vestia uma alma ardente, e que não perdoava ao Brasil a dependencia em que trouxera Portugal, emquanto por lá estanciou el-rei, orou com astucia. Concordava nos incommodos das partes em virem pleitear as causas em Lisboa, mas vista a extensão do Brasil e as difficuldades de communicação das provincias entre si, não sabia onde fixar o juizo que devia substituir a casa da supplicação, condemnada a desapparecer, sem provocar descontentamento.

Julgava, por isso, conveniente restabelecer a administração do novo reino, tanto quanto possivel, como existia em 1808 até que a constituição providenciasse a respeito da organização do ultramar.

Não era o que aconselhava a prudencia. Pendiam do estudo do congresso assumptos inadiaveis, entre os quaes tinha o primado a elaboração do pacto social, e uma reforma, por conseguinte, não reclamada dos povos e que os privava de vantagens reaes, tornava-se acto desazado, [127] explicavel tão sómente pelo desejo da regeneração de assegurar a auctoridade da mãe patria sobre a outra parte da nação.

Em consequencia da opposição de Martins Bastos, as côrtes resolveram submetter a materia a novo exame, ouvidos os deputados da America[143].

A constituição dos governos provinciaes veio a formar o decreto de 29 de setembro, promulgado em 1 de outubro[144]. Este acto que se afigurou mais tarde aos do Brasil preliminar habil para a recolonização da patria, porque supprimindo o governo central, promovia a desunião das provincias e facilitava, portanto, a dominação d'ellas por parte de Portugal, se não apresentou, todavia, sob esse aspecto aos nossos deputados. Não enxergaram no decreto outro inconveniente senão aquelle que apontamos de ser o commando das armas exercido em todas as capitanias por official português nomeado pelo ministerio do Reino. Salvo os reparos provocados por esta instituição, a providencia mereceu os applausos da representação brasileira, e o mais intelligente defensor da causa do novo reino na imprensa, Hipolito da Costa, apesar de lhe não inspirar confiança o governo militar como ficara estatuido, louvou a resolução legislativa[145].

Se na discussão do projecto não consideraram os brasileiros que o effeito immediato da reforma era a annullação do delegado d'el-rei, [128] mostrou-lh'o o congresso na reunião de 20 de setembro. N'esse dia sujeitou-se ao parecer dos constituintes a conveniencia do regresso á patria de D. Pedro, materia que juntamente com a suppressão dos tribunaes do Rio figurava no plano da reconstituição administrativa do ultramar. As côrtes, com unanimidade verificada duas vezes, decretaram a restituição a Portugal do principe, porque creadas as juntas governativas no Rio e em todas as provincias, cessavam virtualmente as attribuições da regencia. A questão exposta por Soares Franco e desenvolvida por moderados como Trigoso e Rebello da Silva, pareceu tão logica e evidente que congraçou todos os votos.

Os americanos não formularam o protesto mais timido contra a medida que dissociava as provincias; os proprios flumimenses conservaram-se quêdos, não sentindo a degradação da categoria de capital resultante ao berço com a destruição da regencia e a perda imminente dos tribunaes. Não se lembrava Fagundes Varella, cuja eleição fôra fortemente apoiada da classe commercial, de que os seus committentes reputavam caminho para a recolonização do Brasil a partida da familia real?[146] Não foi, porém, só a covardia e, acaso, a myopia intellectual que não consentiram á deputação fluminense se singularizar em dessidencia com a opinião dominante no congresso, senão ainda o reconhecimento que a assembléa com decretar a subordinação dos governos provinciaes aos poderes publicos de Lisboa, não fazia cousa nova, apenas sancionava o que fôra [129] estabelecido espontaneamente pelos povos do Brazil no acto de aclamarem o regimen constitucional. De feito as juntas em todas as terras menoscabavam a autoridade do principe[147], e não queriam receber instrucções e ordens senão de Portugal, e o proprio Rio de Janeiro que lhe prestava obdiencia tinha mais desconfiança do que enthusiasmo por D. Pedro.

Os regeneradores aproveitaram com açodamento do commum sentir do Brasil que lhes facilitava a dominação das capitanias e resolvia a questão da regencia apresentada até agora como insoluvel.

O reino americano em consequencia de seu progresso e importancia e das communicações morosas com a Europa por causa da distancia, não podia ter delegação ao poder executivo senão com a larga jurisdicção que lhe outorgara D. João VI. Ora conceder tão extenso poder a outrem que não o principe herdeiro, interessado em assegurar a integridade de seus futuros estados, era demasiado imprudente, porquanto a ambição podia levar o delegado a promover a separação do Brasil. De outro lado, deixar o successor da corôa no novo reino, envolvia o risco temeroso de se transportar novamente para ahi a séde da monarchia. Não era isto apprehensão van. D. Pedro [130] que, por não tornar á patria, se aventurava a actos inquinados, ao menos de irreverencia filial, não hesitaria provavelmente, morto o monarcha, em continuar na America. Semelhante hypothese apavorava a tal ponto o patriotismo português que por esse preço prefiria renunciar o Brasil.[148] Afigurava-se invencivel a difficuldade, quando os povos de além-mar a resolveram a contento dos lusitanos creando juntas locaes sujeitas ao governo do Reino.

O proprio D. Pedro serviu á regeneração, considerando desnecessaria senão indecorosa a sua presença no reino ultramarino, onde era capitão general e não regente, visto que administrava somente uma provincia.[149]

No concerto unanime de vozes a respeito do desbarato da regencia, houve, todavia, fóra das côrtes, uma nota discordante, embora timida. Foi o Correio Brasiliense. Ao sagaz Hipolito não escapou a conveniencia de haver em além-mar um agente do poder executivo para ligar as provincias entre si e ser o medianeiro entre as duas partes da monarchia. Reconhecendo, porém, aliás com mágua, faltarem ao successor da corôa as qualidades necessarias a este encargo, não lamentou tão pouco a resolução do poder legislativo.[150]

Decretada a vinda de D. Pedro, o congresso discutiu a utilidade de o fazer peregrinar no continente europeu, em chegando a Portugal, de [131] conformidade com a proposta da commissão. A materia era dessas que, resolvidas no seio da familia, ou espontaneamente ou por suggestão dos conselheiros da corôa, se submettem em seguida á sancção do parlamento. Os regeneradores, porém, julgando acertado arredar o principe da patria a titulo de completar a sua educação na Inglaterra, França e Hespanha, entendiam que o podiam fazer sem consultar o pai e ainda menos o interessado. Á leitura dos debates mais de uma vez a colera incendiou certamente o rosto do mancebo. Os constituintes não contentes de affirmarem com arrogancia impertinente a auctoridade das côrtes sobre o successor da corôa[151] mortificaram-lhe o amor proprio com assoalhar a penuria de sua instrucção. Houve revelações indiscretas. «Quando eu sahi em agosto do anno passado do Brasil, o principe real entre a falta de outros conhecimentos, não sabia falar linguas: começava a falar francês com a princêsa, mas era porque esta senhora não tinha tanta facilidade em falar noutra lingua como nesta e via-se o principe na necessidade de a aprender»[152].

Taes dizeres, que não passaram despercebidos ao animo pundonoroso do principe, explicam até certo ponto a facilidade com que elle perfilhou o descontentamento dos brasileiros contra o congresso.

Estas resoluções vieram a constituir o segundo decreto de 29 de setembro, versando o primeiro sobre a organização dos governos ultramarinos. [132] Promulgados no mesmo dia differençava-os a numeração e a materia. Aquelle trazia o numero 125 e este 124.

Aos 16 de outubro a bancada fluminense adquiriu relêvo com Villela Barbosa, chamado a substituir D. Francisco de Lemos, o qual sómente agora se resolvia a renunciar o mandato. Sem embargo de contar 51 annos, o ex-capitão do corpo de engenheiros, o lente festejado de geometria na academia Real de Marinha, vae trazer aos debates ardor juvenil e enthusiasmo que se fundiram maravilhosamente com a paixão, feita de aggravos e desenganos, que inflamma os compatriotas do norte. Prestou juramento no mesmo dia em que preoccupava Lisboa a chegada do brigue Intriga com quarenta e dous presos politicos remettidos por Luiz do Rego ao poder judiciario da metropole, com o fundamento de promoverem a separação do Brasil. O povo apinhava-se nas galerias e os olhares se não desviavam da representação pernambucana[153].

Approvada a acta da sessão anterior e lidos os officios, entre os quaes figuravam dous de Luiz do Rego―n'um repetia que fôra victima de assassinato e no outro participava haver expedido quarenta e dous dos mais activos fautores da independencia e suspeitos tambem de connivencia n'aquelle attentado, de que escapara milagrosamente―, Ferreira da Silva rompeu o debate com um requerimento no sentido do congresso providenciar immediatamente ácerca dos compatriotas malafortunados. N'um silencio de tumulo Moniz Tavares levanta-se para defender os seus [133] «amados patricios», certo da attenção d'aquelles que restabeleceram os sagrados direitos do homem. Conviveu com todos na intimidade, e os seus mais secretos pensamentos politicos foram-lhe desvendados: assegura ao congresso que são partidarios ardentes do regimen proclamado pela revolução de Portugal que os constituintes estão em via de consolidar. Ninguem em Pernambuco contesta o motivo de sua prisão, tão evidente se mostra. Tomaram parte na revolta de 1817 e, por causa della, apenas ha pouco sahiram dos calabouços da Bahia. Tornados á patria, a população recebeu-os com tantas demonstrações de jubilo que aquelles que haviam cooperado com denuncias e juramentos falsos para a condemnação delles, tomaram-se de terror: se as victimas se resolvessem a lhes pedir contas? Luiz do Rego estava tambem inquieto. Os applausos aos martyres da Liberdade soavam aos ouvidos do pêor dos tyrannos como ameaça e tiravam o somno ao despota. Os sycophantas para escaparem ás responsabilidades legaes do perjurio ou para se acautelarem de represalias legitimas, empregavam novamente a calumnia, reincidindo deste modo no crime. Attribuiram aos patriotas, apenas postos em liberdade, o projecto de trabalhar pela independencia e pela republica, rumores acolhidos com alvoroço por Luiz do Rego. Não tem outra causa a reclusão e os maus tratamentos inflingidos aos seus conterraneos. Cumprindo ao congresso desaggravar as leis conculcadas, requer a soltura dos presos e a nomeação de um magistrado que vá a Pernambuco syndicar dos actos de Luiz do Rego.

Borges Carneiro, com a bella espontaneidade das naturezas generosas, declara que vota pelo [134] livramento immediato por não haver culpa formada. Um constituinte português, porém, aconselha com solemnidade, circumspecção em tão grave conjuntura. Dos accusados uns incorreram na culpa de rebellião e outros promoviam o desmembramento da nação.

Receoso de que, á evocação da independencia, as Côrtes possuidas de panico, atropelem a justiça, Villela Barbosa levantou-se em soccorro da petição de Moniz Tavares. O seu discurso é audaz e eloquente. Participa das angustias dos pernambucanos e propugna os interesses da patria com calor tal, que não deixa de surprehender quando se considera que ha trinta annos se acha longe do Brasil.[154] Pela primeira vez se dirá no congresso que não escapam aos brasileiros as suspeitas de fidelidade do reino americano patenteadas nas côrtes por medidas impoliticas. Não tem outro sentido a remessa recente de tropas ao Rio e a organização desgraçada dos governos ultramarinos, o qual torna os commandos das armas independentes das juntas. Não sabe qual seja a auctoridade de um poder executivo que não dispõe da força para fazer cumprir as suas deliberações. Semelhante proceder é tanto mais injusto que não tem o ultramar transatlantico regateado provas de solidariedade com os irmãos da Europa, já pedindo a constituição portuguêsa, já enviando representantes ás Côrtes. Não contesta a coragem de Luiz do Rego mas como todo o militar que não é dotado senão de bravura, não passa de instrumento bellico, mais proprio, portanto, para os campos [135] de batalha do que para administrar povos. Em 1817 mandaram-se os liberaes á forca e aos ergastulos da Bahia com o fundamento de que eram rebeldes, e agora o despotismo expede-os aos calabouços de Lisboa atulhados num barco, á moda dos negreiros com os escravos africanos, a pretexto de propugnarem a independencia. Miseraveis acossados do pavor de desaffrontas julgaram que nada seria mais efficaz para se desembaraçarem promptamente dos adversarios que os delatar como agentes da desunião da monarchia. «Quero conceder, remata, que naquella provincia alguns opprimidos levantassem na sua desesperação o grito da independencia. Acaso as suas representações, as suas queixas, as suas supplicas foram ouvidas e satisfeitas? Acaso já se lhes arrancou o jugo de ferro? Não certamente. Luiz do Rego ainda lá existe. A liberdade comprimida reage com todos os sentidos e estoura, e todos os caminhos que trilha para se restituir ao seu devido estado, são justos e quando menos desculpaveis. Removam-se do Brasil os despotas e oppressores, e então a voz da independencia, a menor voz, será crime, e crime atrocissimo, como ingratidão para Portugal, a quem devem aquelles povos o ser e ora o maior de todos os bens, a liberdade.»

O congresso resolveu remetter ao governo os documentos referentes á materia, recommendando solicitude pelos «desgraçados presos» e ordenou-lhe mais instaurasse inquerito a respeito da administracção de Luiz do Rego.[155]

Poucos dias depois Lisboa assistiu a um espectaculo [136] extranho e que não mais se reproduziu. Cercados da cavallaria da policia e de oitenta soldados de infanteria atravessaram a cidade, aos rufos dos tambores, os quarenta e dous pernambucanos expedidos por Luiz do Rego[156].

Os debates das Côrtes e a discussão vehemente travada entre o Liberal, que pela penna de Caetano Alberto defendia Luiz do Rego, e o Astro da Lusitania, que pleiteava a causa pernambucana, se não esclareceram pontos de Direito, revelaram que esses homens desfeitos pelas pessimas condições da viagem, durante a qual se alimentaram de carne secca corrupta[157], haviam-se batido pela liberdade no mesmo anno em que no campo de Santa Anna morriam no patibulo os que tinham sonhado varrer o despotismo de Portugal. Haveria conivencia entre a conjuração brasileira e a conjuração portuguêsa? Não se sabe mas é licito suppor que a simples duvida bastou para que os de Lisboa considerassem com sympathia as victimas de Luiz do Rego. De Belém, onde desembarcaram, ao forte de S. Julião, onde se recolheram, atravessaram a pé esses tres kilometros através da consternação dos habitantes apinhados nas janellas e nas calçadas. Lá estavam entre os guardas os poderosos senhores de engenho, os fidalgos de Pernambuco, alguns da mais alta linhagem. Ao revés da nobreza do Reino, punham-se sempre ao lado do povo contra a oppressão, e sacrificaram segurança, bens e familia pela causa da patria. Com o intemerato [137] Luiz Francisco de Paula Cavalcante de Albuquerque, que já em 1801 soffrêra a denuncia de rebelde, se batêra em 1817 pela independencia e a quem os sessenta annos não amorteciam o ardor bellicoso[158], vinham Thomaz Sequeira e Bourbon, que tomaram parte activa na organização do governo provisorio de 1817[159]. Mais que todos sobresahia pela audacia, astucia e fortuna o morgado do Cabo, Francisco Paes Barreto, o futuro marquês do Recife. Creara uma sociedade revolucionaria, a Academia do Paraiso, e para que funccionasse com segurança, julgou que nada havia de mais acertado do que a installar nas dependencias do hospital fundado por sua familia. Informado do levante pernambucano, no dia immediato á explosão, deixa a tranquilidade do vasto solar pelos riscos da guerra, offerecendo-se á junta rebelde com os seus milicianos[160]. Todos os olhares se concentravam, porém, em Sebastião do Rego Barros, o qual contava apenas 18 annos, e acaso sorria divertido com esse passeio através da curiosidade affectuosa de Lisboa. Que mal poderia fazer esta creança? perguntavam as mãis enternecidas. As raparigas, attribuindo-lhe sentimentos heroicos, fixavam-no, seduzidas. Não se illudiam aquellas que enxergavam valor no adolescente. De feito tornado commandante da guarda municipal sob a regencia do grande Feijó, desarmou com arrojo o exercito indisciplinado[161].

[138] As Côrtes e o governo procederam com a maior benignidade em relação aos pernambucanos. O commandante do Castello de S. Julião deu-lhes as melhores acommodações do forte e dispensou-lhes todos os favores compativeis com a reclusão. O ministro da Justiça, para apressar o julgamento, mandou convocar relação extraordinaria[162].

Nada prova com mais eloquencia a incapacidade administrativa de Luiz do Rego e a anarchia do seu governo do que os fundamentos do proprio accordam acerca dos presos. Havia pronuncias sem interrogatorio dos accusados e depoimentos de testemunhas; noutras era evidente a falta de culpabilidade. A prepotencia de Luiz do Rego attingira o delirio no caso do coronel Francisco de Albuquerque e Mello, pronunciado em consequencia de um velho summario, julgado improcedente pela casa da supplicação. O tribunal capitulou de «irregular e odiosa» a detenção do desventurado coronel[163].



CAPITULO VII


SUMMARIO:

Expedição de tropas para Pernambuco.―Argumentação dos regeneradores.―Villela Barbosa.―Attitude extranha dos deputados fluminenses.―Illegitimidade da revolução.―Os deputados do Maranhão.―Debate sobre a junta permanente.―Deputado de Santa Catharina.―Chegam os representantes da Bahia e de Alagoas.―A deputação da Bahia.



Eram accusados os quarenta e dous pernambucanos de diligenciar a separação do Brasil e de cumplicidade no attentado contra Luiz do Rego na noute de 21 de julho. De fallecerem provas de quaesquer dos crimes era de presumir que não havia conjuração para a independencia nem tão pouco para supprimir o governador, e que este fôra victima de uma só vontade[164]. Custa na verdade crer que em cidade pequena, dividida em duas parcialidades que se detestavam mutuamente, houvesse conciliabulos ou manejos que escapassem á vigilancia dos contrarios. Demais, dos fundamentos da sentença [140] sobre os quarenta e dous presos, parece que se não apresentaram contra elles, nem até essas testemunhas inconsistentes que pullulam nas epochas revoltas e de que se valem com avidez os governos, os quaes por suggestão do odio, do interesse ou do medo attribuem a simples coincidencias ou a vagos indicios o caracter de presumpções juridicas. Deviam concluir, portanto, os constituintes portuguêses que os boatos a respeito da existencia de um partido da emancipação politica do Brasil eram assás vagos ou que não passavam de artificios dos seus compatriotas de Pernambuco para enfrentarem com vantagem adversarios mais numerosos e mais activos. Em qualquer das hypotheses não lhes era licito intervirem nos negocios provinciaes sem provocação da junta governativa, orgão das conveniencias dos povos e responsavel da ordem publica, e ainda menos o devia fazer á solicitação de uma das partes. Assim, porém, não succedeu. A assembléa, impressionada sobremaneira com a libertação successiva das colonias hespanholas e recêosa do contagio nos povos visinhos, deixou-se levar por informações naquelle sentido, embora impugnadas energicamente pelos mandatarios da provincia, e aventurou-se ao acto irritante de mandar tropas para Pernambuco.

Na sessão de 18 de outubro discutiu-se o assumpto. Ao revés, porém, do que occorrêra nas sessões de 23 e 25 de agosto a proposito da expedição militar para o Rio, nas quaes houve séria hesitação no seio da representação portuguêsa, esta se mostrou agora perfeitamente accorde. Os que negaram haver a tendencia separatista que D. João VI e a sua comitiva, em chegando, affirmaram lavrar no Brasil, começam a dar-lhe [141] credito e a persuadir-se de que não basta o regimen constitucional para assegurar a integridade do imperio. O proprio Fernandes Thomaz, que acoimara de indiscreto e impolitico o destacamento de soldados do Reino para a America, bandêa-se com os adversarios de ha pouco, sem receio de se desdourar com tão flagrante incoherencia. A perspectiva do desmembramento da monarchia une os portuguêses de crenças mais antagonicas em fileiras compactas que os rudes golpes da bancada pernambucana não alcançam scindir.

Repetem á sociedade os irmãos da Europa que não é permittido contestar a ebulição dos espiritos na capitania de Duarte Coelho. A população divide-se em dous partidos, por egual exaltados, que sahirão a campo para duello de morte á desconfiança mais leve de impotencia da auctoridade para os reduzir. Removido o batalhão do Algarve, conforme determinou a assembléa no sentido dos votos da bancada pernambucana, não restará á junta forças sufficientes para se impôr aos respeito das facções. Asseguram-no correspondencias particulares e petições de lá e de cá, em apoio da informação categorica de Luiz do Rego. O governo que destaca tropas para o Minho á noticia de tumultos, não póde deixar tambem de prover á segurança de Pernambuco, provincia de Portugal. Não são procedentes as prevenções contra os militares europeus, generosos e amigos da liberdade, como testemunha a sua cooperação decisiva na regeneração da mãe patria. Que mal, demais, pódem causar seiscentos ou quatrocentos homens, porque a expedição não será mais avultada, perdidos na população numerosa e energica de Pernambuco? Para dissipar [142] quaesquer apprehensões o congresso determinará que irão exclusivamente apoiar a junta na repressão da anarchia.

Era este o motivo apparente; vae transparecer o pensamento dominante envolvido hypocritamente em protestos de liberalismo e em testemunhos de confiança aos collegas de além-mar. Se o partido da independencia, continuam, exprimisse a vontade geral, as côrtes por amor da liberdade certamente se absteriam de interferir nos negocios do Brasil. Mas não é o caso. Trata-se agora de conter meia duzia de facciosos, porque os deputados americanos affirmam á unanimidade que a sua patria não quer senão se manter unida á velha metropole, governadas as duas secções da monarchia pela mesma constituição.

Importa outrosim lembrar que emquanto os brasileiros não adheriram á causa de Portugal, os poderes publicos systhematicamente se não metteram nas cousas do novo reino. Desde, porém, que manifestaram o empenho de seguir os destinos da mãe patria e protestaram obediencia e fidelidade ao seu parlamento e governo, não pódem esquivar-se as decisões d'estas auctoridades. A Bahia recebeu com enthusiasmo tropas; no Minho foram ellas acolhidas com prazer, não sabem, pois, por que razão os de Pernambuco as vêm com horror.

Os pernambucanos respondem ponto por ponto ao arrazoado, alternando-se com os oradores portuguêses, e a medida que se desvanecem as probabilidades da victoria, augmenta-se-lhes a exaltação. A Borges Carneiro, que encetou os debates, succede Moniz Tavares, sopitando a paixão para que não estoure em demasias de linguagem. Não contesta a emulação de brasileiros [143] com portuguêses mas não é peculiar a Pernambuco nem nova. Lavra em todas as provincias americanas, e nos Estados-Unidos e nas colonias hespanholas as prevenções dos da terra contra os europeus se manifestaram com violencias sanguinolentas de que não ha exemplo no continente brasilico. Em Pernambuco estalaram pela primeira vez em 1810, sopêadas então só vieram a reapparecer em 1817 com facinoras, que, relaxados, por imprudencia, da prisão, bradaram: mata marinheiro! E a despeito de serem punidos immediatamente e de se não renovarem os desacatos contra os da Europa, alguns d'estes, levados de odio ou de terror, votaram ás gehennas os pernambucanos indistinctamente. O tempo e os soffrimentos dos que elles lançaram nos calabouços da Bahia, não lhes amorteceram o rancôr; ao contrario, este cresceu com o mêdo de desforço em recobrando a liberdade as suas victimas. Promovem incessantemente intrigas e boatos malevolos com o intuito de indispôr as auctoridades contra os da terra, mórmente contra os que soffreram ou mostraram e mostram sympathia pela revolução de 1817. Ora quem está mais disposto a prestar ouvidos ás suas informações malditas que os militares de Portugal desembarcados de fresco? Felizes por encontrar compatriotas prestimosos acabam por lhes dar inteira fé e por participar de seus sentimentos. D'ahi resultam juizos preconcebidos que ao menor pretexto occasionam conflictos. Para restituir tranquillidade aos povos é de indeclinavel necessidade não proporcionar á facção odiada por causa de sua perfidia, meios que a tornem arrogante e audaz, e forças portuguêsas são esse meio como inculca a historia do batalhão do Algarve. Pernambuco, [144] além d'isso, excusa tropas, porque as tem em tão grande numero que chegaram a preoccupar a Bahia no acto de sua regeneração. Lá existem tres batalhões de caçadores, um esquadrão de cavallaria e dous corpos de artilheria. Os negociantes de Lisboa que ameaçam retirar os seus fundos da provincia se não forem novos regimentos, nada lá possuem, e os senhores de engenho, Bento José da Costa, a Companhia, os opulentos da terra, emfim, interessados pela ordem, recusaram assignar a petição d'aquelles. Demais, um punhado de negociantes não conhecem melhor as conveniencias de Pernambuco e não representam mais directamente os seus sentimentos do que os seus deputados. Não se allegue que as forças podem servir contra os inimigos de fóra. Não os ha; e caso recresçam, o povo que desalojou os hollandêses installados e fortificados no torrão, agora mais numeroso e mais rico rechassará, sem soccorro os novos invasores[165].

Villela Barbosa, o unico da bancada fluminense, assiste os collegas do norte e os seus golpes deviam ser particularmente dolorosos aos brios militares da mãe patria. Desvenda a philaucia portuguêsa que cria meia duzia de europeus capazes de reduzirem os pernambucanos, e aos que enxergaram em cada soldado lusitano um paladino da honra e da liberdade, desengana-os evocando a matança da Praça do Commercio. Que vão fazer essas tropas da Europa, exclama que se deslustraram no Rio, atacando eleitores inermes reunidos na Bolsa? Renovarão a [145] proeza, porque batalhões fóra do seu paiz, reputam sempre inimigo o territorio em que pisam[166].

Julgada sufficientemente discutida a materia, ia o presidente sujeital-a á votação, quando Moniz Tavares pediu licença para uma reflexão. Lembrava «que o primeiro choque que causou a desunião dos Estados-Unidos, quando estes haviam proclamado á face de Deus e do universo adhesão á metropole, não foi senão pelo principio da metropole mandar-lhes soldados contra a sua vontade».

Moura levanta-se precipitadamente para desfazer o effeito da prophecia a que a voz sombria e lenta[167] de Moniz Tavares deu certamente particular relevo. Não hesita o regenerador fogoso em deturpar a historia no interesse da causa, affirmando que a America inglêsa repellia os batalhões britannicos destinados a protegerem medidas oppressivas. A verdade, a simples verdade é que os Estados-Unidos não perdiam tempo com taes indagações e consideravam acto de hostilidade a remessa de qualquer regimento não sollicitado por elles e se aprestavam a repellil-os com as armas na mão[168].

O congresso resolveu desaggregar dos 1200 destinados ao Rio, um corpo de quatrocentas praças que ficaria em Pernambuco para render o batalhão do Algarve.

[146] Não foi nominal o escrutinio, mas houve na assembléa seguinte declaração de voto dos pernambucanos e Villela Barbosa no sentido de se terem opposto á expedição militar. Se o silencio dos outros fluminenses significa que acompanharam a maioria, não têm excusa. Deviam conhecer as queixas dos seus committentes contra os regimentos reinoes desde a tragedia da madrugada de 21 de abril; deviam conhecer a malquerença reciproca entre as tropas do Reino e os da terra por causa da arrogancia e desdem patenteados pelos officiaes lusitanos aos camaradas do Brasil; deviam saber que se adiavam indefinidamente as revistas para se evitarem recontros dos pés de cabra com os pés de chumbo[169]. Caso não existissem taes factos, caso se não julgasse o Rio desgraçado com ter a soldadesca de Portugal, ante a união formidavel dos constituintes portuguêses, os interesses da defêsa contra o adversario commum levavam-nos a se fundirem com os pernambucanos, tão inquietos com a disposição do congresso de conter os conterraneos pela força. Demais, apoiando-os, estavam com a boa razão. De facto se quatrocentos homens bastavam largamente para acirrar os animos, eram sobremaneira insufficientes para sopêar as explosões nativistas que porventura provocasse a sua presença. Como força policial os dispensava Pernambuco e como agentes de conquista mereciam o desprêzo da velha capitania. Que iam, pois, fazer essas praças senão inflammar os espiritos?

Sob o ponto de vista do Direito Publico propugnavam ainda os pernambucanos os sãos [147] principios. Por mais protestos de constitucionalismo que fizesse Luiz do Rego,[170] não é menos exacto que exercia o governo por delegação d'el-rei, e a este, consoante a doutrina acceita pelos proprios regeneradores, faltava auctoridade para preencher os altos postos da administração sem o concurso das Côrtes. Era, pois, um poder irregular e por isso não devia o congresso tratar com elle, e muito menos attender ao seu pedido de augmento de forças, as quaes arriscavam assegurar-lhe a conservação arbitraria do mando, contra o voto dos representantes da provincia. A boa theoria defendera-a Fernandes Thomaz no debate ácerca dos contingentes militares sollicitados por D. Pedro. Sem a ratificação da junta do Rio, ponderava o preclaro regenerador, não convinha attender á regencia que não é auctoridade regular. A bancada pernambucana batia-se pela applicação d'este principio.

Em 6 de novembro engrossaram a representação americana os mandatarios do Maranhão. Eram dous, o desembargador Joaquim Vieira Belford e José Joaquim Beckman de Caldas. Este substituia o proprietario da cadeira Raymundo de Brito Magalhães e Cunha, cuja saude compromettida não lhe consentia affrontar as descommodidades da travessia. Belford, familiarizado, como todo o juiz, com as infracções de Direito, penetrava no parlamento por brecha rasgada na lei. De feito o regulamento eleitoral vedava a eleição dos funccionarios publicos no circulo de sua actividade. As côrtes, porém, apoiadas em precedentes retumbantes aceitaram o diploma do [148] ministro da relação maranhense contra o voto da commissão de poderes[171].

Vindos de uma provincia mais que nenhuma outra avassallada do elemento português e, por conseguinte, vibrante de enthusiasmo pelo congresso, deviam suprehender-se desagradavelmente com a attitude dos regeneradores nos debates, logo depois instaurados, ácerca da deputação permanente. Inspirados da constituição de Cadix, os redactores do projecto do facto fundamental haviam perfilhado essa concepção politica. Era uma junta de deputados sahidos do Congresso e de sua escolha, a qual, fechadas as côrtes, devia velar pela boa execução dos preceitos constitucionaes e, em casos previstos, convocar extraordinariamente a assembléa. Compol-a-iam tres representantes ultramarinos e tres do Reino sob a presidencia de um setimo membro, sorteado entre um representante do Ultramar e um de Portugal.[172].

A discussão occupou duas dilatadas sessões e pronunciaram-se mais de trinta e cinco discursos. Tão prolongado esforço não versou ácerca da utilidade da instituição nem tão pouco a respeito de suas attribuições senão sobre se convinha estipular que d'ella farião parte os deputados de além-mar. Dos adversarios do projecto uns não admittiam a distribuição por força da lei de cargos publicos entre americanos e europeus, por lobrigarem tendencias federalistas em [149] semelhante conceito[173]. Seriam mais leaes declarando desnudadamente que a egualdade politica pregada em todos os tons, não significava o reconhecimento do direito dos irmãos mais novos occuparem postos na alta administração do imperio. Outros, embuçados na rigidez da doutrina constitucional contemporanea, a qual não consentia a representação dos povos nas commissões e cargos destituidos de funcções legislativas, condemnavam o projecto. Accresce, continuavam, que se em certas occasiões não houver se não ultramarinos capazes de preencher a deputação permanente, vingada a proposta, serião substituidos por europeus e, d'esse modo, privar-se-ia a administração de sujeitos valiosos[174].

Assim o diziam Moura e Fernandes Thomaz. É licito duvidar, porém, de sua sinceridade. Sabiam os magnates da regeneração que continuavam os brasileiros a não figurar no ministerio, e no corpo diplomatico refundido depois da revolução. Deviam lembrar-se de que o Congresso, ainda ha pouco, não incluira um só ultramarino na lista de vinte e quatro nomes sujeitos ao Rei para d'ella escolher os conselheiros de Estado interinos[175]. Mais tarde por occasião de se preencherem os commandos das armas, a [150] nenhum americano caberá o governo militar[176]. Essas preterições, que pela persistencia accusam calculo, jámais mereceram a censura dos regeneradores. Como ousam agora lamentar a sorte dos brasileiros que pelo projecto não terão mais que tres conterraneos na junta permanente?

Os mandatarios do novo reino, através do liberalismo verbal dos corypheus da revolução, percebem que o novo regimen intenta manter pontualmente a tradição egoista e impolitica de reservar para os portuguêses da Europa as culminancias da administração. Desvenda o perfido designio Villela Barbosa no seu estylo peculiar, ouriçado de questões contundentes como cutiladas e que tem a precisão e transparencia dos numeros. «Que inconveniente pode haver em passar o artigo como está redigido? Que mal pode delle resultar ás gerações futuras? Que mal se tem delle seguido aos hespanhoes que primeiro o estabeleceram, para merecer tão renhida e ciosa discussão? Lembra-me que por algumas instancias dos senhores deputados do Ultramar perguntou-se aqui que mais queria o Brasil? Seja-me licito tambem perguntar agora, que mais quer Portugal? Não tem em si o monarcha? Não tem as Côrtes? Não vém tomar nellas assento os representantes do Ultramar com tantos incommodos e perigos? Não se lhes mandam de cá os bispos, os magistrados e os generaes? E ainda se lhes quer disputar palmo a palmo esta pequena egualdade de representação na junta permanente? Nada ha de certo mais mesquinho e [151] illiberal que isto e nada prova mais o contrario daquillo que se pretende inculcar»[177].

Uma vez que o artigo, trasladado da constituição hespanhola e não creado pelos auctores do projecto, determinara tão aturada controversia, rejeital-o seria magoar deliberadamente os brasileiros. Assim o comprehendeu o congresso, ponderadas as assisadas palavras de Pereira do Carmo, Annes de Carvalho, Castello Branco, Macedo e Vasconcellos no sentido do empenho da nação em dissipar as prevenções dos de além mar contra os portuguêses da Europa por causa do zelo com que estes guardavam para si os cargos publicos e da supremacia exercida na America[178]. Annes de Carvalho mais homem de lettras que politico, considerou o negocio com desassombro. Começa por affirmar a conveniencia de não escurecer a realidade. A grande emulação de Portugal com o Brasil, que não é permittido negar, ha de se desenvolver na disputa aos cargos de maior monta. Dissolvidas as Côrtes, nenhum posto poderá hombrear com a junta incumbida da guarda da constituição. Sem os artigos, os ultramarinos que se acham em minoria, ver-se-hão excluidos della, porque os portuguêses conservarão para si funcções tão elevadas[179]. Por sessenta e nove votos contra vinte e seis passou a proposta. Dos brasileiros os fluminenses [152] Ledo e Lemos Brandão, por motivos ignorados, votaram com a minoria[180].

Em 19 de novembro ajuntou-se á bancada americana o padre Lourenço Rodrigues de Andrade, de Santa Catharina. O deputado da provincia pacifica e ponderada, a qual não desperta o interesse dramatico da Historia com os seus negocios domesticos senão pelos commettimentos de extranhos, apresentou-se ás côrtes com simplicidade de rustico. Não passou pela mente do candido varão que alguem pudesse arrogar nome e titulo que lhe não pertencessem. D'ahi a necessidade para a commissão de poderes de acceitar em testemunho da identidade do desmalicioso catharinense provas que não previra a lei eleitoral[181].

Em 15 de dezembro foram reconhecidos os deputados da Bahia e de Alagoas, que acabavam de desembarcar. Representavam esta provincia Manuel Marques Grangeiro, Francisco de Assis Barbosa e Francisco Manuel Martins Ramos.

Eram mandatarios da Bahia Francisco Agostinho Gomes, José Lino Coutinho, Pedro Rodrigues Bandeira, Cypriano José Barata de Almeida, Domingos Borges de Barros, Luiz Paulino de Oliveira Pinto da França, Alexandre Gomes Ferrão e o padre Marcos Antonio de Sousa[182]. A representação não correspondia a população livre da capitania, estimada em 335.961 habitantes. Informara, porém, a junta governativa que por [153] não protrahir o embarque dos eleitos, deixara a nomeação do novo e ultimo deputado á comarca de Jacobina, o qual não poderia comparecer no congresso senão em maio ou junho vindouro[183].

Nenhuma bancada apresentava temperamentos mais varios nem tão profundamente caracterizados. Lino Coutinho que, á seducção do gesto ajuntava o dom supremo da eloquencia, era um d'esses entes privilegiados pelo poder de agradar. As sympathias e amizades que despertava, nunca perdiam o calor dos sentimentos novos e a sua morte afigurar-se-á para todo o sempre aos amigos catastrophe recente. Macedo dirá d'elle evocando impressões velhas de trinta annos. «Não podia haver homem mais insinuante e sympathico; bom e desinteressado, simples, alegre, espirituoso de facilimo accesso e inexcedivel probidade»[184]. Domingos Borges de Barros, na mocidade o amigo de Bocage e Tolentino, o ministro do Brasil a quem coube promover o reconhecimento da nossa independencia pelo governo francês, atravéz das maranhas de uma diplomacia hesitante, era alma generosa, preoccupada com os crimes e desigualdades sociaes, como a escravidão e a incapacidade politica das mulheres[185]. Os feitos dos nossos maiores estudados com amor, acendravam o patriotismo robusto do padre Marcos Antonio. Sobre-excedia a todos em exaltação e combatividade o mais velho, Cypriano Barata que vae attingir sessenta annos[186]. Homem [154] de acção, idealista e mais sensivel que intelligente como succede aos genuinos temperamentos revolucionarios, hostilizará todos os governos, não se conformando a sua alma rectilinea e candida com as deformações dos programmas que as circumstancias impoem á opposição quando galga o poder. Domina a brilhante bancada pela elevação moral e forte cultura o diacono Francisco Agostinho Gomes. Um santo e um sabio. O escrupulo de não vir a ser sacerdote digno, desconvenceu-o de tomar as ordens maiores sem no emtanto o affastar das regras severas da Egreja. Ao revés do que acontece com a generalidade dos homens, era implacavel comsigo mesmo, e a sua indulgencia para com as fragilidades alheias chegava a merecer censura. De sua liberalidade contavam-se casos meritorios, todos relativos á sua grande paixão pelas lettras. Contribuira largamente para o engrandecimento da bibliotheca publica da Bahia, e mais de um mancebo, á sua custa, estudara na Europa. Se promovia d'esse modo a instrucção, não se descuidava de cultivar o proprio espirito. Eram-lhe familiares as boas lettras assim como a economia politica, a mineralogia e a botanica. A modestia e o acanhamento lhe não permittiram dar aos seus conhecimentos a notoriedade a que tinham jús[187]. Nem uma só vez orou nas côrtes mas patenteou nos trabalhos obscuros das commissões documentos do seu culto espirito. Para accentuar a originalidade da phanlange o mais frouxo dos lidadores era soldado, o general Pinto da França.



CAPITULO VIII


SUMMARIO:

Estreia de Barata.―Legitimidade da sua proposta.―Os brasileiros não a defendem com vigor.―Barata retira-a.―Suppressão dos tribunaes do Rio.―A emulação das provincias aproveita aos portuguêses.―Indignação no Rio contra Varella.―Decidir-se-ão no Brasil as revistas das causas ahi julgadas.



No mesmo dia em que tomou assento, Barata «breve de corpo e resoluto de espirito» como se descreve a si proprio[188], propôs em termos laconicos que assumiam a forma de intimativa, a suspensão dos debates ácerca do projecto constitucional até á chegada dos deputados americanos e que então se discutissem novamente os artigos vencidos na ausencia delles[189].

Não pedia nada de extraordinario nem manifestava a presumpção de se não dever organizar a nação sem o concurso dos brasileiros; exigia simplesmente o cumprimento do artigo 21 das Bases, o qual estipulava a obrigatoriedade [156] do pacto social para as populações que o aceitassem por seus legitimos representantes[190]. Ora não se pode adoptar lei sem a examinar, e não ha senão os deputados, no regimen constitucional, que sejam os procuradores legitimos dos povos. Não era, além disso, desarrazoado o preceito para cahir em abandono. Portugal tinha dependencias em todos os continentes e não era licito admittir que os seus representantes, a maior parte dos quaes não haviam sahido da patria, conhecessem as conveniencias dessas variadas terras. As informações tornavam-se particularmente necessarias a respeito do Brasil, tão differente das colonias como da metropole. As possessões da Asia e da Africa jaziam ainda no periodo primitivo do resgate e o português não ousava perder de vista o mar, menos hostil que o interior das terras, temeroso do gentio, numeroso e insubordinado. Vivia acocorado aos pés da auctoridade, sem a qual não resistiria aos assaltos dos naturaes. No Brasil o reinol transformara em cultura as mattas, ajuntando desse modo á posse, resultante da occupação, a propriedade nascida do trabalho. Multiplicavam-se as cidades, desenvolvia-se o commercio e crescia por toda a parte a agricultura. Ahi detestava o colono os representantes do poder publico, violentos e vorazes, que o opprimiam com milicias e com exacções fiscaes.

Da antiga metropole se distinguia o novo reino como nação empobrecida e exigua, encravada em continente de povos fortes e aggressivos, [157] se differença de estado vasto e em progresso que não teme os vizinhos.

Alvoroçaram-se com a proposta os portuguêses e, ou porque enxergassem na forma mais desenvolvida que lhe dera o auctor á segunda leitura signaes de arrependimento, ou porque a não applaudissem os proprios brasileiros, estabeleceram com arrogancia a alternativa: ou discussão immediata do requerimento para que não vinguem as ideias falsas nelles consubstanciadas ou a sua renuncia solemne[191].

Recentemente admittidos no congresso, recêosos de se malquistarem com a maioria, sem a qual nada alcançarião para a patria, e principalmente incertos ácerca dos verdadeiros sentimentos dos irmãos da Europa a respeito da America, os ultramarinos, em verdade, não secundaram o sexagenario. Duvidando, por isso, da legitimidade de sua proposição, Barata defendeu-a frouxamente, ajudado, comtudo, de Borges de Barros, menos hesitante. Sem duvida, ponderou o futuro visconde da Pedra Branca, que se demorará a feitura da carta constitucional com o sujeitar a parte approvada aos ultramarinos; mas não havia outro meio de se fazer uma lei accommodada ás differentes partes da monarchia do que ouvindo o parecer dos representantes, conhecedores das necessidades e desejos dos povos que os mandaram a assembleia. A Bahia, concluiu com os ouvidos ainda cheios das acclamações resoadas nas Côrtes á noticia do comportamento da grande provincia, a Bahia se julga credora de alguma attenção particular á vista de [158] sua adhesão á causa da regeneração social[192].

O delicado poeta não se lembrava de que a gratidão tem memoria curta.

Pinto da França manifestou a tendencia, que se accentuará na prosecução dos debates, de apoiar os portuguêses nas divergencias com os brasileiros, em discurso cheio de enthusiasmo enfadonho por Portugal e pela Bahia, onde não apontam raciocinios ajustados á materia.

Villela Barbosa guardou silencio. A deputação pernambucana não deu signal de vida.

Pinto de Magalhães, Borges Carneiro e Miranda combateram a proposição firmados no artigo difinitivo do projecto da constituição que declarava os deputados representantes da nação e não de determinada provincia[193].

Era preceito formulado em todas as leis constitucionaes esse que os portuguêses acabavam de aceitar. Já antes de votado decidia dos negocios do Brasil na ausencia dos seus mandatarios por suggestão de Fernandes Thomaz. Proclamara-o o astuto regenerador por occasião de rejeitar o emprestimo do banco do Brasil. Condemnava-o, affirmou com segurança, por falta de documentos comprovativos de haver aquelle estabelecimento adiantado ao governo dinheiro para actos de utilidade publica, e não em virtude da ausencia dos delegados da America. Nao havia necessidade delles para a resolução dos negocios da sua terra, porquanto figuravam no parlamento deputados da nação e não deputados de Portugal [159] e do Ultramar[194]. Miranda perfilhou immediatamente o extranho conceito. Moura se serviu delle com exito para não admittir a reabertura da discussão recente sobre a remessa de tropas ao Rio por occasião de tomarem assento no congresso os deputados fluminenses[195].

A maioria não tardando em perceber que a doutrina era assás commoda e fecunda, tal qual a theoria de ser o Brasil provincia de Portugal, para soffrer controversia, adoptou-a como uma das formulas do patriotismo.

Para os que consideram sem paixão o debate e se não impressionam com a magestade de Pinto da França decidindo pelos portuguêses como Jupiter as contendas dos deuses, não é licito contestar a justiça da proposição. Não se podia invocar contra os brasileiros uma disposição que não haviam approvado nem, até, conheciam. Não determinava, aliás, outra cousa o artigo 21 das Bases, compromisso solemne da regeneração com o Ultramar. A razão não suffragava tão pouco semelhante intelligencia da doutrina constitucional. O deputado representa a nação no sentido restricto de não ser elle orgão de nacionalidade differente ou de territorio independente. D'ahi concluir que os mandatarios de uma provincia exprimem os sentimentos do paiz inteiro é incluir a população na categoria dos corpos [160] simples nos quaes uma parcella contem os attributos do todo e é lançar por terra o regimen representativo. Vingada a ideia, tornava-se desnecessario perturbar a existencia do povo com o comparecimento ás urnas, porque uma fracção delle manifestaria as opiniões da universalidade, Para que eleições nas Ilhas, em Angola, no Brasil e no Minho se os habitantes de Lisboa conheciam as necessidades e aspirações do Fayal, do Rio e do Porto?

Os portuguêses versados em direito publico não ignoravam a significação do conceito mas o interpretavam de conformidade com o seu intento de legislar para o Brasil sem dependencia de seus procuradores.

Fernandes Thomaz fez Barata retirar a proposta com lhe prometter que o congresso reconsideraria os artigos approvados na ausencia dos americanos que incorressem na censura delles.

Em consequencia de haver a assembleia deliberado dar outra redacção ao projecto e de ouvir sobre elle mais deputados de alem-mar, a extincção dos tribunaes superiores creados por D. João VI, proposta em setembro, voltou a discussão somente em dezembro. Longe se achava de estar completa a deputação americana mas aos deputados fluminenses interessados no negocio haviam-se ajuntado os da Bahia, considerada no Reino a provincia de mais pêso nos destinos do Brasil.

Por mais mesquinhos e ridiculos que pareçam taes sentimentos em legisladores, não ha duvida de que foi o bairrismo das terras do norte, principalmente da Bahia, e a condescendencia estupida dos do Rio com o despeito das outras provincias por se verem privadas da [161] preeminencia e vantagens que advieram ao torrão fluminente de ter sido a séde da monarchia, que determinaram a solução prompta do negocio, surprehendidos os portuguêses da facilidade com que os irmãos de além-mar se privavam de instituições necessarias[196].

Borges Carneiro fundamentou o projecto com a necessidade de economias demonstrada pelos apuros do Regente[197] e com a circumstancia de não mais achar no Rio a Côrte. «Estes tribunaes fizeram-se para a Côrte, esta acabou em além-mar, acabem-se elles»[198].

Um dos gracejos da época, inventado talvez pelo Correio Brasiliense, era que el-rei, chegado ao Brasil, abrira por desfastio o annuario de Lisboa e copiara a lista das instituições da mãe patria para reproduzir em sua nova capital aquellas que ahi não existiam, sem cogitar das condições differentes da terra e sem corrigir os vicios do organismo administrativo de Portugal. Varella repete agora a facecia, e testemunha desse modo a inconsciencia com que vai rebaixar o berço.

«Estas repartições creadas pelo almanack é justo que acabem pelo almanack. A extincção destes tribunaes é muito precisa, é necessario acabar com estas sanguesugas que tanto têm arruinado a patria»[199].

Não se lhe apresentam outros argumentos, e [162] com semelhante modo de ver a sociedade retrocederia aos tempos primitivos, por que só nelles o homem vive sem instituições que custam dinheiro.

Supprimidos os orgãos superiores da justiça, cessavam funcções que, todavia, não podiam deixar de existir sem grave transtorno das relações sociaes. Decidiu-se, por isso, que as attribuições do desembargo do paço e da mêsa de consciencia, reduzidas ao expediente e aos negocios sobre os quaes se não consultava a Casa da Supplicação ou o governo, passariam a uma junta da relação. A parte contenciosa do Conselho de Fazenda e do Erario, egualmente extinctos ficaria sujeita ao juizo dos Feitos da Relação. A suppressão da Junta do Commercio provocou curto debate. Varella opinou que a devia substituir outra repartição, sem competencia, porém, nas materias contenciosas, que serião affectas á Relação. Ledo não concordou. A junta prestava tantos serviços como a de Lisboa, e nenhuma administração de quem se confiassem as suas attribuições, proveria satisfactoriamente aos interesses multiplos do commercio, da navegação e da agricultura. Borges Carneiro ponderou que era tardia a observação, porque o congresso já approvara a abolição de todos os tribunaes, sem reserva da junta em questão.

A mêsa de inspecção avocaria a jurisdição della, resguardados desse modo os interesses nacionaes[200].

O projecto que rebaixava o Brasil a provincia de Portugal, é triste dizel-o, não provocou [163] maior opposição que esse timido protesto. A Bahia, que mostrara sentimentos levantados quando no officio de adhesão á causa de Portugal cogitára dos destinos do novo reino, soffria eclipse no seu senso politico. Lino Coutinho, que subscrevera aquelle memoravel documento, tripudiava; as rivalidades mesquinhas de campanario, que exultam nas suas palavras com a perspectiva de triumpho, obscurecem-lhe a intelligencia ao extremo de não perceber que o desbarato das prerogativas do Rio significava a degradação do Brasil. «Assento, perora, que nada haverá de mais justo do que pôr em vigor o projecto em discussão e nivelar a antiga côrte no Rio com todas as mais provincias. Desça do alto gráu de côrte para o de provincia»[201].

Supprimida a Casa da Supplicação, que julgava em gráu de revista, surgia uma difficuldade: onde decidir os feitos dependentes desse recurso? A commissão propunha a Casa da Supplicação de Lisboa. Fernandes Thomaz poucas semanas antes, confessara que achava violento o alvitre, mas que o aceitava por não ferir o melindre das provincias com investir a relação fluminense ou outra qualquer de prerogativa negada aos tribunaes congeneres do Brasil[202]. O debate provou que se não enganava o egregio varão. Pesava tambem aos ultramarinos virem procurar justiça em Lisboa, e como não quizessem attribuir ao Rio preeminencia alguma, entenderam conciliar as conveniencias dando as relações [164] provinciaes o julgamento da revista. Lino Coutinho interveiu no debate com desempeno. «Tratamos de nivelar as provincias do Brasil com o Rio de Janeiro e, portanto, devemos reduzir a Casa da Supplicação a uma relação provincial. A Casa da Supplicação passa a ser uma relação provincial»[203].

O conselho era inapplicavel, porquanto os juizes da revista eram desembargadores do paço e desembargadores do paço não os havia senão no Tribunal do Rio. A paixão dava o resultado imprevisto de tornar um regenerador campeão dos interesses ultramarinos contra os brasileiros. De feito Borges Carneiro ponderando aquella circumstancia, lembrou a conveniencia das revistas continuarem a ser processadas no Rio. Poupavam-se assim aos de além-mar os incommodos e as despêsas de virem com os seus feitos a Lisboa e se assegurava ao reino americano «a independencia (judiciaria) compativel com a união»[204].

Os americanos dominados de zelo ridiculo não prestaram attenção ao alvitre honesto e leal. Venceu que a Casa da Supplicação de Lisboa julgaria os recursos supremos.

No afan de egualar o Rio com as suas irmans, chegaram os ultramarinos ao extremo de conceder a Portugal o que elle não pedia. Assim a commissão julgava necessario deixar subsistir o Supremo Conselho de Guerra. Varella, o deputado fluminense Varella, que inicia a discussão, [165] decide com segurança que siga a sorte dos outros. Lino Coutinho, Belford, Pinto da França levam de vencida os esforços de Faria de Carvalho, um dos auctores do projecto, no sentido da conservação do infeliz tribunal[205].

Em summa o projecto vingou salvo ligeiras modificações e tornou-se o decreto de 11 de janeiro de 1822. Surprêsos deviam ficar os deputados da America, que não enxergavam no acto senão o meio de reconduzir o Rio a simples provincia, quando souberam que, conhecido no Brasil, rematara a indignação do Rio, S. Paulo e Minas contra as Côrtes. Menos cego fora Hipolito. «Deu-se ao Brasil o nome de reino, escreveu, mas ficou isso em apparencia; agora o governo constitucional conservou o nome mas lhe tirou todas as apparencias, abolindo os tribunaes superiores do Rio de Janeiro, de maneira que fez retrogradar o Brasil de sua dignidade de reino que tinha na apparencia, causando assim uma humilhação desnecessaria nos animos daquelles povos, porque, emfim, ninguem ha que se conforme com andar para trás em dignidade, tanto mais que o trazer o povo do Brasil seus recursos a Lisboa, quando dantes os tinha no Rio não é só perder em dignidade mas tambem perder muito em commodidade[206]».

Divulgados no Rio os debates, o povo indignou-se contra Varella a tal ponto que o pobre homem, corrido e desorientado, não mais tomou a palavra nas côrtes, contentando-se com seguir nas votações os proceres da bancada americana. [166] Parece que se procurava justificar com a falta de instrucções da provincia[207].

Supprimido o Supremo Tribunal do Rio, as revistas das causas pleiteadas no novo reino se deverião decidir em Lisboa, consoante a organisação judiciaria da época, a qual conferia o julgamento do derradeiro recurso ao mais alto juizo, e este funccionava na capital do Reino. Os regeneradores, porém, recêando que os ultramarinos se não resignassem facilmente a vir procurar aquelle remedio na Europa, haviam introduzido no projecto da carta constitucional uma innovação na competencia das relações capaz de os acalmar. Prescreveram no artigo 158 que, no tocante ao Brasil, se interporião revistas de seus feitos para as relações de maior numero de ministros. É evidente que se houvessem previsto o bom humor com que os irmãos mais novos acolheram o desbarato das instituições creadas na America por D. João VI, não lhes libertarião a patria de mais essa dependencia para com a antiga metropole.

A disposição, porém, figurava no plano da Constituição, impresso e espalhado aos quatro ventos, e não havia agora destrêza capaz de a supprimir sem provocar reparo.

Posta em discussão a materia em 31 de janeiro, os ultramarinos que se não conformavam com a perspectiva de não possuirem no seu continente todos os recursos judiciaes, valeram-se da monção soffregamente, e Borges Carneiro vem ainda em auxilio d'elles com uma emenda no sentido de não deixar duvida o artigo. Propôz se [167] declarasse que aquellas relações mais numerosas referidas no projecto não serião outras senão as que funccionassem em terras brasilicas. Venceu a proposta sem embargo da opposição de Lino Coutinho, Borges de Barros e Fernandes Thomaz.

Os bahianos com idéas francamente federalistas, julgando cada provincia pequeno reino com organização administrativa distincta, queriam no Brasil tantas relações com a alçada da Casa da Supplicação quantas eram as capitanias. O alvitre não era pratico porque gravava provincias pobres e despovoadas com tribunal numeroso por causa de um recurso que excepcionalmente se apresentaria n'ellas. Fernandes Thomaz não sabendo como impugnar uma proposição que tirava ao Brasil a categoria de provincia de Portugal, invocou a unidade do poder judiciario sem a qual não se tornaria possivel a união, esquecido de que faltara esse vinculo durante a estada d'el-rei na America e nem por isso estiveram separadas as duas secções da monarchia. Opinava para que se discutissem no Reino as revistas do Brasil[208].



CAPITULO IX


SUMMARIO:

Presos da Bahia.―Inanidade do parecer da commissão ácerca dos negocios do Brasil.―Condescendencia dos deputados brasileiros.―Surge no Rio o partido da independencia.



Apenas começado o segundo anno de legislatura, as Côrtes occuparam-se com os negocios do Brasil a proposito de presos expedidos a Lisboa pela junta da Bahia sob a accusação de a haverem tentado depôr. O facto era simples. Em 3 de novembro paisanos e militares acompanhados do presidente e do procurador da Camara, com a bandeira desfraldada, dirigiram-se ao palacio, onde o chefe da municipalidade pediu aos membros do governo se exonerassem por o desejar o povo. Os interpellados, no começo perplexos, cobraram forças com as acclamações que da rua lhes faziam os partidarios, e confiados nos batalhões que com boa sombra penetravam na sala, ordenaram aos adversarios que se fossem embora. Estes, porém, não quiseram sahir sem primeiro deixar por escripto as suas queixas e a justificação de seu acto. A junta sem empenho em ver no papel o que ouvido lhe desagradava, manda-os prender; e são remettidos ao Reino com a nota de rebeldes homens [169] que não empregaram violencia e assás ingenuos ou ignorantes para acreditarem que com a sancção do Senado da Camara podiam fazer e desfazer os governos da provincia[209]. Vieram os infelizes desacompanhados das provas do crime, contra a terminante disposição das Bases que não admittia detenção sem culpa formada, mas para colorir a illegalidade protestava a junta haver entre elles partidarios da independencia. Não havia então melhor recurso para se desembaraçar brutalmente de adversarios, senão com applauso, ao menos sem censura dos poderes publicos da antiga metropole, que os accusar a administração da provincia de velleidades separatistas. Para tão hediondo delicto bastavam tendencias, dispensavam-se actos. Servira-se do expediente Luiz do Rego contra os quarenta e dous pernambucanos; acabara de o imitar a junta paraense contra tres dos seus administrados[210], e ir-lhes-hão na esteira os governos da Parahyba e do Ceará[211].

Faltando aos administradores confiança na justiça da terra, era o meio mais efficaz para intimidar a opposição. A expedição á Europa sobre prolongar a reclusão, fazia-a mais penosa. De feito em custodia na patria os soccorros e confortos da familia e dos amigos attenuavam aos desgraçados os rigores do carcere, ao passo que remettidos a Lisboa, além daquella privação soffriam [170] as descommodidades da travessia aggravadas com as cautelas exercidas pelo commandante a fim de se furtar á responsabilidade da evasão ou do suicidio do accusado. A vigilancia, porém, nem sempre era tão estreita que tolhesse o mal afortunado de pôr termo ao seu desespêro, como aconteceu com o brigadeiro Boccaciari, o qual se afogou no Tejo em ancorando o barco[212].

A commissão de constituição no seu parecer sobre os officios da junta bahiana, vindos juntamente com os accusados, depois de propôr que os documentos fossem submettidos ao poder judiciario, considerou a situação do novo reino. Reconheceu as rivalidades na America entre os naturaes e os europeus, das quaes se valiam homens inquietos para operar o desmembramento da monarchia, e deplorou que a emulação tendesse a generalizar-se com certos actos das Côrtes nos quaes não só o povo senão tambem brasileiros cultos e ricos, enxergavam intuitos de recolonização do reino americano. Para atalhar o mal suggeria a conveniencia de se formular tão depressa quanto possivel o projecto das relações commerciaes entre as duas partes da nação, e estimulou os deputados ultramarinos a proporem á commissão de fazenda a revogação dos impostos mais gravosos ás suas respectivas provincias[213].

Não se pode negar a importancia da questão economica para os povos, mas julgar que mais [171] ou menos tributos acalmarião os brasileiros, era desconhecer ou recusar vêr os motivos do descontentamento; e procurar desfazer o temor de reescravização com o projecto de tarifas arriscava desenvolver a irritação em vez de a moderar.

Por mais favoravel que fosse ao ultramar, no conceito dos portuguêses, a reforma da legislação aduaneira, certamente coarctar-lhe-ia o direito de vender os seus productos onde lhe conviesse e de se abastecer das cousas necessarias nos mercados de sua livre escolha; seria, na melhor das hypotheses a mutilação d'essa liberdade mercantil a que attribuiam os brasileiros o progresso da patria e os lusitanos a ruina da antiga metropole.

As queixas contra certas taxas e a apprehensão da revivescencia do monopolio commercial cediam agora o passo a realidades affrontosas aos brios nacionaes. Clamavam contra o commando das armas e contra as tropas que Portugal lhes mandava, commando e tropas que visavam a assegurar a dominação de um reino sobre o outro com flagrante violação da egualdade politica promettida pela regeneração ao ultramar transatlantico.

Para restaurar a confiança dos irmãos mais novos nas Côrtes, a commissão rematava a série de palliativos com chave de ouro: propunha mais uma proclamação. O alvitre provocou curto debate, ponderando Lino Coutinho que os povos queriam cousas e não palavras. Venceu as resistencias o arcebispo da Bahia com asserto que seria irrisorio se não significasse a ignorancia mais Para restaurar a confiança dos irmãos mais novos nas Côrtes, a commissão rematava a série de palliativos com chave de ouro: propunha mais uma proclamação. O alvitre provocou curto debate, ponderando Lino Coutinho que os povos queriam cousas e não palavras. Venceu as resistencias o arcebispo da Bahia com asserto que seria irrisorio se não significasse a ignorancia mais completa dos novos sentimentos do ultramar. Declarou o illustre transmontano, prelado da Bahia, que mandassem manifesto porquanto sabia [172] que os seus diocesanos acolhiam com lagrimas de gosto as resoluções do Congresso.

Com os magnates da regeneração subscreveram o anodino documento dous brasileiros. Não causa extranheza que Fagundes Varella capaz de alienar a patria por complacencia para com os collegas e a quem os portuguêses não tardaram em premiar a longanimidade infinita, elegendo-o presidente das Côrtes em fevereiro[214], não duvidasse em pôr o nome debaixo desse papel. Mas provoca reparo que um homem energico, sagaz e ao par dos negocios do Brasil, como Borges de Barros, assignasse semelhante peça ridicula. Não está a excusa senão no facto dos ultramarinos chegados de fresco, não pretenderem assumir a attitude dictada pelas conveniencias, sem primeiro conhecer as pessoas com quem lidavam e cujas disposições se não mostravam através do liberalismo entremeado de protestos de amor aos irmãos mais distantes e de cortesias aos presentes. Ao futuro Visconde da Pedra Branca diplomata por indole e affeito ás delicadezas dos salões, mais que a nenhum outro brasileiro devia custar nos primeiros contactos com os collegas da Europa se singularizar delles com ajuntar restricções ou commentarios ao seu voto nos pareceres collectivos. Não é, licito, porém, occultar que a attenuante agora perdia muito de valor, tanto em relação ao egregio bahiano como aos compatriotas. Não se justificavam delongas ou tergiversações perante a irritação crescente contra o Congresso, principalmente por haver surgido no Rio a idéa de emancipação. Merece ser contado [173] o episodio fluminense, tanto mais que póde confirmar a origem absolutista, e não liberal, do movimento ultramarino contra as côrtes, consoante a opinião de Villela Barbosa e dos constituintes portuguêses[215]. O acontecimento começou tambem no theatro S. João, posteriormente S. Pedro de Alcantara, fadado a servir aos principaes successos politicos da epocha. Ahi em fevereiro juraram a futura constituição de Portugal D. João VI e o principe D. Pedro, ahi o regente coagido adoptara as bases constitucionaes e decretara a exoneração do tréfego conde dos Arcos. Na noute de 18 de setembro, no correr do espectaculo, ao qual assistia o principe, irrompeu do camarote do estado maior o grito: viva o principe real nosso senhor! Grande tumulto e agitação da policia. Aberto o inquerito, os do camarote declararam haver partido o brado de pessoa absolutamente desconhecida, a qual ahi viera com recado ao official de serviço. Interrogado este, affirmou não conhecer o portador da mensagem nem ter ouvido o que lhe communicara; a instantaneidade da scena, demais, não lhe permittira prender o sedicioso, soada a exclamação suspeita. Divergiam os pareceres ácerca da significação do grito. Uns o interpretavam como voto de regresso ao absolutismo em virtude da locução―nosso senhor. Outros o attribuiram a reaccionario feroz que despertava a idéa da independencia do Brasil com o intuito de despopularizar as Côrtes, apparelhando desse modo o desbarato do novo regimen. O brado, em verdade, parece não passar de simples manifestação [174] de enthusiasmo de alguns militares sem mira occulta, e o facto da officialidade não revelar o nome de quem o lançou confirma a conjectura.

Se existiam no Reino militares reaccionarios, não os havia no Brasil; aqui, ao revés, os officiaes mostravam-se liberaes e radiantes com a nova ordem de cousas, e ainda aos 24 de agosto tinham festejado o primeiro anniversario da regeneração com baile estrondoso[216]. Muito provavelmente D. Pedro não quis apurar a devassa ou não desvendou o resultado della, receoso de que a simples realidade, vista a effervescencia dos espiritos, não satisfizesse o publico e acirrasse contra as tropas do Reino, mais e mais antipathicas aos da terra, as prevenções dos portuguêses constitucionaes muito numerosos no Rio.

A certeza de que os militares não diziam verdade e o imperfeito do inquerito avigoraram a desconfiança de tramas contra a liberdade do Brasil e a integridade da nação irritando por egual americanos e europeus. Se áquelles não sorria a emancipação com o despotismo, comprehende-se quanto devia affligir aos reinóes a apprehensão de uma mudança, que lhes desmembrava a patria e supprimia o governo liberal. D'ahi a acção magica do poeta desconhecido que aconselhando a independencia com a constituição prefazia o sonho dos brasileiros e dava aos portuguêses uma compensação pelo fraccionamento da monarchia.

Nunca se determinaram com mais lucidez as conveniencias presentes de um povo como n'esta decima sobria.

[175]
Para ser de glorias farto
Inda que não fosse herdeiro
Seja já Pedro Primeiro
Se algum dia ha de ser quarto.
Não é preciso algum parto
De Bernarda, atroador;
Seja nosso Imperador
Com governo liberal
De côrtes, franco e legal,
Mas nunca nosso senhor.

A commoção foi das mais profundas, chegando-se a fixar data para a proclamação da independencia, 12 de outubro[217]. A D. Pedro, absolutamente sincero, no empenho de sustar o movimento, depararam-se resistencias imprevistas. Cumpria remover da intendencia de policia Antonio Luiz Pereira da Cunha «indolente, pouco activo e de pouco amor e interesse pela constituição portuguêsa»[218]. O ministro do Reino não o ousa fazer com mêdo de que estale o levante, em virtude da popularidade do futuro marquês de Inhambupe. O regente lança-lhe em rosto a covardia, e com designio de humilhar o velho servidor manda-o lavrar o decreto da propria exoneração e o da nomeação do seu successor, Francisco José Vieira. Não logram acalmar os animos os novos funccionarios, e D. Pedro resolve a intervir pessoalmente no conflicto com o famoso bando de seis de outubro, o qual desfaz o movimento. Segrega delle os compatriotas com os seus protestos de fidelidade ao regimen [176] em vigor e intimida os brasileiros com ameaça de «guerra crudilissima e desapiedada».

Feliz de haver assegurado a integridade da successão, disposto a defender o rico patrimonio a todo o transe, o regente assignala ao pai: «Tudo o mais está mais acommodado, porque têm mêdo da tropa portuguêsa. Bem dizia eu a V. M. que necessitava de tropa n'este paiz. Espero que não quererão ver a peça do panno, do qual viram a amostra no dia 21 de abril»[219].

O referir-se em tom facêto á matança infame da Praça do Commercio, ao crime de que fôra cumplice senão autor, não abona a indole do principe.

Os constituintes portuguêses não deram ao successo revelador do desenvolvimento do instincto de autonomia a minima importancia, confiados, acaso, nos batalhões europeus, embora proclamassem a cada instante que a reunião se não manteria pela força mas pelo accordo das vontades. Continuaram a discutir o projecto da constituição apresentado em momento em que do ultramar vinham aclamações, como se não se entibiara o enthusiasmo. Nada o prova com mais evidencia que o longo debate, e memoravel por mais de um titulo, ácerca da queixa á Corôa contra os magistrados prevaricadores.



CAPITULO X


SUMMARIO:

A Subserviencia da magistratura.―O jury nas causas crimes e civeis.―A responsabilidade dos magistrados e direito de os suspender; Borges Carneiro; argumentos da maioria; replica dos brasileiros.―Prestam juramento os deputados de S. Paulo.―Antonio Carlos.―Exaltação dos representantes do Brasil.―Vergueiro.―Resultado dos debates.



A desfaçatez com que a magistratura serve ao poder, manifesta-se com evidencia no regimen absoluto ou nas crises revolucionarias. Viola as leis e os costumes, que nas sociedades menos cultas em todos os tempos defendem a honra, a segurança e a propriedade individuaes, para enriquecer mediante confiscos injustos aquelle de quem recebe a subsistencia e o accesso, ou para lhe acalmar as ancias do medo ou as paixões reprovadas, com a morte ou a prisão do adversario ou do critico importuno. Não ha tyranno que commetta crime sem se acautelar com o apparato solemne do julgamento. Interroga-se o réo, inquirem-se testemunhas, ouve-se a defêsa e o magistrado lavra a sentença sob os braços do Divino Crucificado. A verdade é, porém, que o magistrado [178] se não preoccupou com as respostas do indiciado e só cessou de procurar informantes quando se lhe depararam depoimentos consoante os seus intuitos, embora dictados de odio ao accusado ou do interesse de se recommendar o auctor á benevolencia da justiça. Para não fallarmos senão de épocas modernas, o marquês de Pombal e Napoleão não se serviram e o autocrata da Russia não se serve de outro meio, para sob capa de perigo publico se desaggravarem de offensas reaes ou imaginarias. Sem a cumplicidade infernal da magistratura acaso essas terriveis entidades não ouzassem postergar as leis fundamentaes da defêsa proclamadas ha tantos seculos e nunca contestadas. Nesse afan abjecto de agradar aos tyrannos e ás paixões más das multidões, os môços, que são generosos nas escolas quando vivem a expensas da familia, excedem os velhos, dominados da ancia de crear situação. Alexandre Herculano assignala que D. João III no acto de estabelecer a inquisição achou nos juizes novos subserviencia que se lhe não deparou nos ministros encanecidos. Habituando-se a conculcar a Lei no interesse do governo, o juiz acaba por a transgredir a bem de conveniencias particulares, suas ou dos amigos.

Nem os abusos do clero, nem a miseria do Reino, nem a prepotencia dos capitães generaes do Brasil levantam do compacto diario das Côrtes clamor mais intenso e mais geral que as injustiças da judicatura. Representantes de todas as profissões, temperamentos politicos mais antagonicos, accordam na urgencia de reformar a instituição cujos vicios promanam da docilidade ao poder executivo e tambem do enfado de julgar. Em verdade a convicção de que exerce officio [179] temeroso e quasi sagrado pode gerar no magistrado, ao alvorecer da carreira, empenho de acertar, mas o exercicio da profissão com o tempo não tarda em embotar tão nobre sentimento e, o que era outr'ora prazer e honra torna-se, á força de repetição encargo penoso, o qual quanto mais rapidamente cumprido, menos pesa. Não cogita mais da pesquisa demorada da verdade, através da monotonia dos documentos e inquirições, em cousas que lhe não interessam directamente. Como, porém, cumpre ao homem motivo para agir e como lhe fallece a preoccupação da justiça, na qual talvez, já não crê, agora o estimulam as paixões locaes, as sympathias partidarias ou as instancias das partes. Para obviar a esses males, os constituintes com notavel sabedoria estabeleceram o jury para todos os processos. A lucta correu aspera porque os coryféus da revolução, partidarios da instituição nas questões criminaes, não quiseram confiar della os pleitos civeis. Não contestavam que em todos os litigios havia um facto ao qual se devia applicar a lei, mas ponderavam que a determinação desse facto fora da esfera criminal, offerecia difficuldades transcendentes do espirito dos que não estudavam Direito e davam exemplos. Os exemplos, serviam apenas para testemunhar que o temor da reforma perturbava a visão das cousas nesses revolucionarios. Assim disseram que não era facil julgar da validade de um testamento em razão da necessidade de examinar a natureza dos bens testados, a capacidade do testador e as varias formalidades impostas ao acto. De feito havia nesse trabalho pesquisa paciente e sabia para o qual se exigiam conhecimentos de jurisprudencia. Esqueciam, porém, de que semelhante [180] tarefa não competia ao magistrado leigo nem ao juiz letrado mas unicamente á parte interessada na annullação do acto da ultima vontade. Não cabia ao jurado senão resolver, esclarecido pela discussão, ácerca da realidade dos vicios apontados, e fossem quaes fossem serião mais accessiveis á intelligencia do apanhador de cortiça do Alemtejo do que certos casos de premeditação do crime, deixada todavia, ao seu criterio. Se o testamento incorria em nullidade por lhe faltar a assignatura do autor, para o reconhecer não havia necessidade de fazer o curso juridico de Coimbra: bastavam olhos. Se invocavam a demencia do testador, qualquer podia ouvir e guiar-se pelas informações dos peritos.

A preexcellencia do juiz de facto não escapou aos seus defensores. Ponderaram que elle se via obrigado a tomar conhecimento do feito em todas as suas partes, porque na sua presença sob a fiscalização das partes e do publico, faziam-se os interrogatorios, a analyse dos documentos e discussão do pleito.

Os magistrados, ao revés, em consequencia da inclinação do homem a reduzir o seu esforço, não assistiam aos depoimentos, perdendo, por isso, não raro o ensejo de avaliar a sinceridade delles e não os estudavam attentamente nem tão pouco os outros documentos, dos quaes os repelia, aliás, a calligraphia atropelada dos escrivães, contentando-se, para conhecer a questão, com as allegações suspeitas das partes.

D'ahi resultava o descredito do poder judiciario por causa de sentenças contradictorias sobre especies identicas.

A inexperiencia da acção salutar da imprensa fez que aos nossos antepassados não occorresse [181] incentivo energico para o bom exercicio da judicatura, qual deve ser a publicação dos debates forenses. A divulgação pelos jornaes das controversias parlamentares, que estimula o deputado ao estudo das materias e ao cumprimento do Dever, e a egual publicidade dos processos do jury, que promove ao menos o respeito das formalidades da Lei, applicada ás reuniões dos juizes togados porião cobro a muitas negligencias e audacias.

Dos brasileiros presentes n'esta notavel sessão de 9 de janeiro, apenas dous, o desembargador Belford e o general Pinto da França votaram no sentido de se excluirem do civel os juizes de facto. Marcos Antonio, Barata, Moniz Tavares, Villela Barbosa, Borges de Barros, Agostinho Gomes, Lino Coutinho, os astros de primeira grandeza da deputação americana, entenderam que a liberdade e a propriedade dos cidadãos serião efficazmente resguardadas por meia duzia de homens bons tirados ao seu trabalho habitual, os quaes exercerião essas funcções extraordinarias com o fervor e a consciencia pura de neophitos[220]. Afastado das Côrtes por doença, desde 30 de novembro, não tomou parte na discussão Araujo Lima. Não é, contudo, desarrazoado suppôr, á vista de conceitos desfavoraveis emittidos ulteriormente a respeito dos magistrados, que, apesar de seu temperamento essencialmente conservador, votaria com a maioria dos collegas.

Não contentes de lhes diminuir a jurisdicção com o estabelecimento do jury, os constituintes decretaram as responsabilidades dos juizes por [182] erros de Direito e, especialmente por infracções das regras processuaes. Effectivamente era em consequencia da postergação dos preceitos reguladores da prova, que os juizes commettiam ordinariamente abusos e crimes. Quando a tortura não arrancava ao accusado a confissão almejada, firmavam-se em testemunhos suspeitos ou se baseavam em coincidencias ou simples indicios, que não podiam fundamentar a condemnação.

Á relação, ou julgasse em grau de revista por ordem do tribunal supremo ou decidisse appellação de primeira instancia, reconhecida a infracção da lei, competeria mandar submetter a processo os responsaveis d'ella. Outra notavel reforma consistia na acção popular, em virtude da qual era licito a qualquer querellar contra os juizes por suborno, conluio e prevaricação. Esses recursos, porém, offereciam o inconveniente de deixar o accusado no exercicio do cargo até a pronuncia, e temia-se que, sob o imperio do despeito e reputando-se perdido, o indiciado commettesse descommedimentos e vinganças antes da suspensão do officio. Para remover o perigo grandemente provavel no conceito dos constituintes, o projecto constitucional dava o seguinte remedio: conceder ao aggravado o direito de se queixar ao Rei e este, convenientemente informado e ouvido o conselho de Estado, poderia suspender o juiz e ordenar á relação do districto que proseguisse no processo.

Rompeu-se então o accordo entre europeus e americanos manifestado ácerca da organisação do poder judiciario, accordo em apparencia tão estreito que dava a esperança de vingar uma constituição a aprazimento das duas secções da monarchia. A providencia servia em verdade aos [183] de Portugal mas não aproveitava ao novo reino. Os brasileiros preferirião supportar o máu humor e os desconcertos de juiz em perigo de perder o officio a se expôr ás descommodidades e despesas da travessia para propugnarem em Lisboa o recurso á Corôa. Barata deu o rebate ao patriotismo dos collegas. «A denuncia, disse, sae do Ultramar para Portugal, volta ao ponto de partida para as necessarias informações, as quaes serão protrahidas indefinidamente em virtude dos embaraços oppostos pelo querelado e torna a Portugal para o exame perante o conselho de Estado. Accrescente-se a isso a raridade dos correios e o tempo da viagem e não haverá exagero em suppôr que mediará entre a queixa e a suspensão mais de um anno. Não faltará ao magistrado, portanto, occasião para tropelias, frustra-se o intento do projecto, que é alliviar promptamente os povos do máu juiz e priva-se a America de direito inestimavel fruido pelos portuguêses da Europa. E conclue: Sou muito impertinente sobre estas cousas dos desembargadores do Brasil porque realmente quem tem feito esta revolução, são os crimes dos desembargadores. No Brasil os povos tomaram as armas por ver o estado em que o tinham posto».

Dos regeneradores Borges Carneiro era incontestavelmente quem testemunhava maior deferencia aos irmãos de além-mar e julgava o Brasil outra cousa que provincia de Portugal. Considerara impolitico inniciar-se a discussão do projecto constitucional na ausencia dos deputatados americanos[221], e ainda ha pouco declarara [184] que, salvo attribuições legislativas e certas prerogativas do executivo, o ultramar americano devia possuir todos os meios de governo. Não se desmentiram agora as suas boas disposições, interveiu, conciliador, propondo que na America recebesse a queixa a relação encarregada de conceder revista. A maioria dos portuguêses, alguns doutrinarios intransigentes e quasi todos dispostos a não perderem ensejo de affirmar a supremacia do velho reino sobre o novo, recusaram o alvitre.

Freire que não admittia differença entre o Brasil e Angola ou Macau[222], Trigoso, o subtil Trigoso, o mais notavel dos conservadores pela intelligencia e instrucção consoante o historiographo das Côrtes Geraes[223] e Moura que sujeitava os povos á constituição e não esta áquelles, foram os principaes e mais brilhantes campeões da causa portuguêsa. Não é licito, ponderaram, dizer que se priva o Brasil de um direito simplesmente porque a distancia torna mais lenta a sua manifestação. Se o americano se queixa por precisar de tempo mais ou menos longo para se desaggravar do mau juiz, tambem podem protestar contra o projecto não só os portuguêses da Africa, da Asia e das ilhas senão os das provincias de Portugal afastadas de Lisboa. N'uma vasta monarchia as commodidades nascidas do recurso ao governo se attenuam á medida que os interessados se desviam da capital, onde se concentram as auctoridades supremas.

É uma d'essas fatalidades determinadas pela [185] natureza das cousas a que os homens devem resignar-se.

Supposto, continuaram, se queira conceder ou á certas relações, como lembrou Borges Carneiro, ou a administração provincial, consoante o alvitre de Villela Barbosa, a faculdade de suspender o magistrado prevaricador ainda não pronunciado, difficuldades ponderosas não o permittem.

O tribunal que já decide revistas e julga appellações da primeira instancia, não pode receber a denuncia, suspender o ministro e prival-o em seguida do cargo por força da pronuncia sem que venhamos a dar ao magistrado um só juizo quando o mais obscuro dos mortaes tem a garantia de duas jurisdicções: o juiz subalterno e a relação para quem recorre da decisão daquelle. Não convem, egualmente investir a junta governativa de semelhante attribuição, porque exerce tão grande autoridade que só a independencia do poder judiciario tolherá as suas velleidades de tyrannia contra os administrados. Quantos magistrados serão assás heroicos para proteger o cidadão em conflicto com os governantes quando se acham na dependencia destes?

Demais, remataram, importava conservar intactas as funcções privativas da corôa e nenhuma dellas deve ser mais intangivel ao legislador, cioso de assegurar a imparcialidade da justiça, que o formidavel direito de suspender os magistrados por simples denuncia.

Borges Carneiro, Castello Branco e os brasileiros rebateram victoriosamente essa argumentação. Ninguem, porém, excedeu ao grande jurisconsulto, que expiou na torre de S. Julião, onde [186] morreu, o seu amor da liberdade[224], na lucidez da exposição, na copia das razões e na analyse dos textos constitucionaes. Não havia, replicaram, na apresentação da queixa ás relações o vicio apontado. Esses tribunaes compondo-se de differentes juntas, esta julgaria a denuncia, aquella a suspenção, outra decretaria a pronuncia e aquell'outra sentenciaria em gráu de appellação. O culpado não estava, por conseguinte, sujeito a um só julgador, vantagem de que não fruía o cidadão, pronunciado e condemnado pelo mesmo magistrado. Importava, álem disso, considerar que mais previniria o animo dos juizes da queixa o recurso emanado d'el-rei, em virtude de sua ponderosa autoridade, do que procedente dos collegas.

No empenho do restabelecer o predominio da antiga metropole, a maioria não trepidara em invocar theorias e preceitos repellidos pelo pacto social. Os seus adversarios restauraram a verdadeira doutrina com nitidez. Perante as disposições constitucionaes, proseguiram, a faculdade de suspender os magistrados não fazia parte das prerogativas da Corôa, visto que não figurava no artigo que as descrevia, e não se podia, no silencio da lei, reconhecer ao monarcha privilegios sem lançar por terra o principio que a soberania reside na nação e não no principe. Accrescia, porém, que a Constituição não somente lhe não outorgava semelhante poder senão que lh'a denegava mui positivamente, incluindo entre as cousas prohibidas ao monarcha o direito de suspender os magistrados, salvo casos especiaes. A restricção não contrariava a interpretação, pois [187] significava apenas que em casos previstos a sociedade abdicava em favor do rei aquelle poder.

A maioria desorientada recorreu então á theoria de haver funcções proprias do soberano, que elle não podia, por conseguinte, delegar e isto por não haver outra entidade impeccavel como elle. Não offerecia mais consistencia que os outros esse argumento, e Araujo Lima pulverizou-o sem esforço. O rei, explicou, não era impeccavel mas simplesmente irresponsavel, e esse attributo lhe não provinha da perfeição negada aos outros mortaes mas unicamente da maneira por que exercia o poder. Não sendo licito ao monarcha agir senão por via dos secretarios de estado, a constituição fazia os ministros responderem pelos actos da corôa. Não sabia, continuou, como se falava em attribuições delegaveis e não delegaveis, quando ainda se não estatuira no pacto social semelhante distincção. Tratem, porém, as Côrtes a materia ou reduzindo os direitos reaes susceptiveis de delegação e multiplicando os não delegaveis ou fazendo o inverso, certamente não perderão de vista que o poder executivo como os poderes legislativo e judiciario creados no interesse dos povos, têm a jurisdicção que lhes quer dar a sociedade. Assim numa nação o rei delegará certos privilegios e não o fará em outra, porque não o exige a utilidade social.

Para o fim de demonstrar que havia direitos exclusivos da realeza, os portuguêses commetteram o desazo de apresentar como exemplo o indulto. Ao monarcha sómente competia agraciar os criminosos ou salvando a vida dos condemnados á pena ultima ou diminuindo os annos de carcere ou, até, não permittindo a execução da [188] sentença. Villela Barbosa interveio com vivacidade para lamentar a sorte dos compatriotas, privados do perdão por se acharem longe do rei e advertiu quanto era impolitico sanccionar desegualdades entre irmãos.

Villela respondia a Trigoso mas antes de Trigoso falar suspendera-se o debate, iniciado na véspera, para o juramento e entrada dos deputados de S. Paulo, Antonio Carlos, Vergueiro e Feijó.

Antonio Carlos, o mais novo dos Andrades, completava a trindade gloriosa que offerece á Historia o exemplo, talvez unico, de tres irmãos influirem simultaneamente, com acção, embora desigual mas sempre notavel, sobre os destinos da patria, evocando desse modo a lenda heroica dos tres Horacios. José Bonifacio, o mais velho, depois de haver dado fama europeia á sciencia portuguêsa com trabalhos de mineralogia, tornado ao Brasil, indemnizava-o do abandono em que o deixara por largos annos, dedicando-se á causa publica com enthusiasmo juvenil. Assumira a direcção de sua provincia e promovêra a creação da junta governativa, da qual aceitara a vice-presidencia. O irmão Martins Francisco era um dos membros mais proeminentes da nova administração e tinha a seu cargo a gestão da fazenda publica. D. Pedro escreveu ao pai que se devia o socêgo da provincia a José Bonifacio[225].

Além do lustre do nome, Antonio Carlos trazia á bancada brasileira o prestigio pessoal nascido da constancia e grandeza d'alma com [189] que supportara a reclusão na Bahia. Por causa da desditosa revolução pernambucana que tolerara, o ex-ouvidor de Olinda jazêra num dos ergastulos da velha capitania e delle acabara de sahir. Desbaratado o governo rebelde nos primeiros dias de junho de 1817, entregara-se voluntariamente a justiça, e sómente na derradeira semana de novembro do anno seguinte, soffreu o primeiro interrogatorio. Não deixa de surprehender a vitalidade que então manifestou esse homem que ha dezesete mêses vivia de ferros aos pés e ao pescoço em calabouço, no qual se não penetrava sem luz no decurso do dia[226]. As fortes lições de Seneca, o qual parece haver sido um dos seus autores favoritos, acaso, contribuiram para esse resultado.

O principio que o homem verdadeiramente livre só teme o julgamento da razão pronunciado no tribunal da consciencia, e o desprezo dos soffrimentos e da morte pregado pelo estoicismo, que animou tantos romanos illustres a affrontarem com impavidez o despotismo imperial, deviam apparecer a Antonio Carlos, ardente e orgulhoso, como as regras compativeis com a sua situação. Ou inspiração da doutrina philosophica que gerou mais heroes ou acto espontaneo do seu espirito, o futuro deputado da constituinte portuguêsa revelou-se em todo o caso capaz de hombrear com os discipulos do Portico pela coragem e magnifica tranquillidade. Verberou a negligencia do capitão general Montenegro e a covardia de seus officiaes por occasião de estalar o levante de 1817, sem cogitar do effeito de [190] suas palavras no animo dessas personagens, naturalmente inclinadas a estimularem a justiça contra aquelles que lhes haviam inflingido capitulação vergonhosa. Invectivou com violencia contra as testemunhas pertencentes ao pequeno commercio português «mixto de tendeiros, grumêtes, chatins e traficantes, nos quaes a mentira e o perjurio são um jogo de uso diario para os mais sordidos fins do mais insignificante lucro»[227]; pequeno commercio que formava a força dos capitães generaes, o côro que applaudia os actos de rigor contra os da terra. Constrangido a ser um dos conselheiros da junta revolucionaria, fallou sem rancôr da insurreição e dos seus chefes, como se delles não lhe viesse damno. Justifica, até, a revolta, e refere-se ao padre João Ribeiro e a Domingos Martins em termos nos quaes a sympathia tem mais parte do que o resentimento. Melhoradas mais tarde as condições dos presos com a suppressão das cadêas e com a faculdade de se reunirem em sala clara, transforma o carcere em escola. Ensina aos consortes linguas vivas e desperta-lhes o gosto da philosophia com a leitura de Seneca[228]. Em tendo amigos no governo do Rio, os sentenciados logravam o livramento com a condição de o solicitarem. Ninguem se achava em 1819 em melhor situação para alcançar o indulto que Antonio Carlos. José Bonifacio chegara ao Rio cheio de gloria, e sobre ser altamente conceituado do monarcha, o qual lhe offerecêra a reitoria da universidade [191] em projecto[229], tratava familiarmente o poderoso ministro Thomaz Antonio[230].

Recusara, todavia, o altivo condemnado a requerer graça ao rei, porque o homem só se devia humilhar perante Deus[231]. As idéas liberaes e a coragem alliadas á solida instrucção deram-lhe então luzimento que se irradiou por todo o Brasil. S. Paulo, que se singularizou das provincias com dar aos seus representantes programma politico, recebeu com jubilo o filho, cujo valor á prova do infortunio assegurava a defeza energica de suas aspirações. Restituido á liberdade com a aclamação do regimen constitucional, foi em agosto eleito deputado ás Côrtes. Não era desconhecido aos constituintes portuguêses por haver cursado as aulas de Coimbra com a geração que agora dirigia os destinos de Portugal e pela participação no levante pernambucano, o qual interessara particularmente ao velho reino em consequencia de haver explodido no mesmo anno da conjuração do nobre Gomes Freire.

As sympathias, porém, nascidas na mocidade e que houvessem gerado os seus tormentos, achavam-se grandemente attenuadas em razão de duas circumstancias. O irmão José Bonifacio com submetter a junta de S. Paulo ao governo do Rio contrariava o intento dos regeneradores de sujeitar as antigas capitanias aos poderes publicos de Portugal, e ninguem ignorava tambem os planos com que chegava ao Congresso, revelados [192] pelo principe. De feito ao despedir-se do regente, protestara que se esforçaria por haver a maior egualdade de direitos e vantagens entre os portuguêses de um e outro hemispherio a começar pela representação nas Côrtes, onde deviam figurar tantos deputados do Brasil como de Portugal[232].

A sympathia de uns, a prevenção de outros, a curiosidade de todos explicam o movimento de attenção no recinto e nas galerias quando depois de Villela Barbosa tomou a palavra.

Resumiu a argumentação juridica de Borges Carneiro, e com exemplos da Inglaterra, onde o rei delega as suas principaes attribuições aos governadores da Escossia e da Irlanda, demonstrou que os poderes confiados pela soberania nacional á corôa se transmittiam todas as vêzes que o exigia a utilidade publica. Se até ahi não correspondera á espectativa geral, por que não fazia mais que renovar argumentos alheios, galvanizou a assembléa com o final da oração.

«A respeito de se dizer, conclue, que os povos apesar de gozarem os mesmos direitos não hão de ter todos as mesmas commodidades, digo que se isto assim fosse, a nossa união não duraria um mês. Os povos do Brasil são tão portuguêses como os povos de Portugal e por isso hão de ter eguaes direitos. Emquanto a força dura, dura a obrigação de obedecer.

A força de Portugal ha de durar muito pouco, e cada dia ha de ser menor, uma vez que se não adoptem medidas proficuas e os brasileiros não tenham eguaes commodidades. [193] Voto, por conseguinte, para que se conceda ás juntas governativas o direito de suspender os magistrados.»

Pela primeira vez surgia, resoluta e não sem arrogancia, a ameaça de desunião em breve tempo, caso os portuguêses da Europa negassem aos do Brasil vantagens de que viessem a fruír. As fortes palavras estimularam os brasileiros, que se lançaram ao debate com energia que não haviam manifestado na sessão precedente. Lino Coutinho, a quem o calor da batalha despertava o bom humor, disse que Portugal com dar á America direitos de que ella se não podia valer, lembrava a cegonha offerecendo á raposa comida em frascos. A raposa não podendo introduzir o focinho no gargalo estreito e longo das garrafas, foi obrigado a deixar semelhante companhia para não morrer de fome.

Para o extremado Barata, o despojar o Brasil de autoridade capaz de suspender os juizes, era a morte da união.

«Que quer dizer, exclama Villela Barbosa, a junta da provincia sujeita só ao governo de Portugal, a junta da fazenda sujeita só ao governo de Portugal, o commandante das armas sujeito só ao governo de Portugal e ultimamente os magistrados sujeitos só ao governo de Portugal? Falemos claro: não vejo nisto senão aquella celebre maxima de Machiavel: divide et impera.»

Evocou-se o passado. Desde o primeiro governo geral do Brasil, observou Marcos Antonio, se reconheceu a necessidade de armar o representante d'el-rei do direito em questão para conter promptamente os desmandos da magistratura. Ainda em 1797 el-rei autorizava D. Fernando José de Portugal, o futuro marquês de Aguiar, a [194] suspender, no interesse publico, os juizes. Como despojar a sociedade de vantagem tradicional sem lançar sementes fecundas de descontentamento?

A despeito do ardor com que os nossos antepassados se empenharam na discussão, a despeito de considerarem os magistrados mais damnosos que as pestes do Egypto, enganar-se-ia quem julgasse que elles viam na faculdade de suspender os magistrados delegada ao Brasil a condição necessaria á boa distribuição da justiça. Apresentava-se-lhes o debate em si mesmo assás secundario para occupar tres sessões. A responsabilidade do poder judiciario provocada pelo aggravado ou por qualquer cidadão e tornada effectiva pela pronuncia, bastava para prevenir os desmandos do ministro indigno. O temer que este, uma vez querellado se julgasse perdido e commettesse novos desconcertos, era suppôr que na magistratura não existiam senão doudos. Um funccionario em perigo de decaír do emprego, tanto por amor proprio como pela necessidade de acautelar a existencia, preoccupa-se tão sómente em se defender, e exercer o officio com novo zêlo para não subministrar armas aos accusadores ou desaffectos. Ninguem contestava fossem os julgadores despoticos e violentos, como asseguravam varões ponderados do quilate de Araujo Lima e Marcos Antonio[233]; e despoticas e violentas eram todas as autoridades. Agora, porém, que se esperava entrar no regimen do Direito e da Justiça e que havia a disposição de estabelecer a responsabilidade dos cargos, salvo [195] a realeza, certamente os juizes, sob a influencia da nova atmosphera moral e do temor, exercerião com mais honra as suas temerosas funcções. Não o ignoravam os brasileiros; attribuiram, todavia, ao projecto importancia excepcional, por que enxergavam nelle mais uma prova de pretenderem as Côrtes dar ao novo reino posição subalterna na monarchia.

Vergueiro considerou a questão sob o verdadeiro aspecto. Era português como o padre Domingos da Conceição e o desembargador Segurado, os unicos mandatarios do ultramar americano nascidos na metropole. Formado em Direito, passara no começo do seculo para S. Paulo a fim de exercer advocacia. Sorriu-lhe a fortuna, e agora lavrador em Piracicaba projectava encetar o trabalho livre nas terras que lhe trouxera a espôsa, quando a ruina do velho regimen attrahiu-o á capital da provincia e o fez tomar parte nos successos politicos que então se desenrolaram. Por occasião de se elegerem os deputados, José Bonifacio, que o tinha por collega na junta, disse-lhe com lealdade e modestia:

«Não terá o meu voto, porque precisamos aqui de seu auxilio para a reconstituição da nossa patria».

A capitania, porém, foi de sentir diverso, alcançando a conveniencia para o Brasil de representantes esforçados nas Côrtes.

O negocio antolhava-se ao deputado paulista prematuro e de somenos valia. Sem a determinação das bases da união, advertiu, não se deviam resolver pontos particulares sob pena de se malbaratar tempo com cousas secundarias e, acaso, inuteis. «O Brasil está prompto a ligar-se a Portugal mas não segundo a marcha que leva o Congresso».

[196] Feria não só a questão no amago senão ainda declarava que o Brasil, na realidade separado, vinha tratar das condições da união. Nunca os sentimentos do novo reino se haviam manifestado nas Côrtes com tanta nudez e simplicidade e por voz menos suspeita.

Em vez de perguntar a causa do descontentamento ou de pedir que expuzesse o commum sentir do ultramar americano, a maioria suffocou a discussão chamando á ordem o orador, sem embargo dos protestos vehementes de Villela Barbosa, ancioso por que os portuguêses ouvissem de um português os votos do Brasil. Fernandes Thomaz com o máu humor que habitualmente lhe geravam as reclamações dos ultramarinos, combateu-os com a ironia, arrancando por isso, replica vivaz de Villela Barbosa, a qual o obrigou a justificar-se.

Passando-se a votação, que não foi nominal, o congresso manteve o projecto, do qual resultava que não haveria em além-mar auctoridade com attribuição de suspender os magistrados[234].



CAPITULO XI


SUMMARIO:

As instrucções dos deputados de S. Paulo.―A preoccupação do Congresso em confundir o Brasil com as possessões ultramarinas.―A representação da Parahyba do Norte.



A attitude resoluta dos mandatarios de S. Paulo promanava não só da sua indole combativa senão tambem das instrucções recebidas do governo da mesma provincia. Empenhada em conhecer o sentir do povo para melhor o servir, a junta paulista julgara avisadamente que nada haveria de mais acertado do que ouvir as camaras municipaes. Pediu-lhes informação de suas conveniencias locaes e perguntou-lhes quaes eram, ao seu parecer, as providencias uteis ao Brasil e as appropriadas a cimentarem a união do reino americano com a metropole. Estribada nas memorias e apontamentos das municipalidades, organizou o famoso regimento para os deputados, o qual constituia vasto programma politico. Entre esses pareceres tornou-se memoravel o alvitre ousado e simples da vereação de Itú: os procuradores do povo paulista deviam promover a emancipação do Brasil[235]. Nenhum outro municipio [198] cogitou de semelhante hypothese, tão geral era o desejo de manter inteira a nação.

Constam as instrucções de tres partes. Occupa-se a primeira dos interesses communs do imperio luso-brasileiro. Cumpre aos representantes propugnarem a indivisibilidade da monarchia, e a egualdade politica entre dous reinos e fixarem previamente a séde da realeza a qual será alternadamente o Brasil e Portugal. Regularão o commercio externo e interno conciliando as conveniencias reciprocas sem tolher a liberdade de nenhum dos estados. Haverá um thesouro da união para a guerra, a dotação da familia real e outras despêsas de caracter geral, para o qual contribuirão proporcionalmente ás suas rendas publicas as duas secções do imperio. Os povos da Europa e da America terão nas Côrtes o mesmo numero de mandatarios.

No segundo capitulo refere-se o regimento unicamente ao Brasil. Fixadas as attribuições e poderes que lhe resultam da categoria de reino e determinados os direitos e deveres impostos pela união, os mandatarios promoverão o estabelecimento de um governo geral ou regencia no Brasil com auctoridade sobre as juntas provinciaes. Quando o monarcha e o parlamento estanciarem em Portugal, preencherá a regencia o principe herdeiro. Importa investir o regente de poderes para a demarcação das nossas fronteiras e dos limites das provincias. Não devem esquecer os constituintes de providenciar ácerca da catechese dos indios bem como sobre a condição da gente servil, já deligenciando a emancipação gradual, já tolhendo os senhores que tratem os captivos como «brutos animaes».

Outro ponto que deve merecer o desvelo [199] dos deputados é o ensino. Multipliquem desassombradamente as escolas primarias e installem em cada provincia brasileira, aulas praticas de medicina, cirurgia, veterinaria, mathematicas elementares, physica, chimica, botanica, horticultura, mineralogia e zoologia. Conviria a creação de uma universidade. Para não expôr a capital do Brasil aos ataques dos extrangeiros, seria util transplantal-a para o interior, em terra san e fertil, cortada de rio navegavel. Urge reformar a lei das sesmarias no sentido de favorecer o povoamento do sólo.

A respeito dos interesses da capitania que constituem a ultima parte do regimento, rezam as instrucções que os deputados colherão nas lembranças e petições das camaras municipaes o modo de melhor proverem o bem «desta bella e leal provincia de S. Paulo»[236].

Não sabemos quem lavrou este notavel documento assignado pela commissão composta do presidente e vice-presidente da junta paulista, isto é, João Carlos Oeynhausen e José Bonifacio, e Manuel Rodrigues Jordão; em todo o caso é licito suppôr que n'elle teve influencia decisiva José Bonifacio, a figura mais prestigiosa do Brasil contemporaneo, o organizador do governo de S. Paulo. Mostra-se, aliás, na peça a garra do leão. Quer antes de tudo saber onde começa e acaba a patria, para o que urge fixar-lhe as fronteiras. Determinados os limites, importa saneal-a pela civilização do gentio e pela emancipação progressiva dos escravos. Depois convem diffundir [200] largamente o ensino porque «não ha povo livre sem moralidade e instrucção».

Não consente differença politica entre Brasil e Portugal; é um reino que falla a outro reino e não se apresentam unidos senão porque os governam o mesmo rei e o mesmo parlamento e os representam no exterior o mesmo corpo diplomatico. Fóra d'ahi, a liberdade mais completa, cada um terá o seu thesouro, a sua administração e o seu ensino.

Semelhante concepção contradizia as idéas dominantes nas Côrtes. Para os constituintes portuguêses o titulo de reino reconhecido solemnemente á America lusitana não tinha mais sentido que egual designação apposta ao Algarve nos papeis officiaes,[237] a qual na realidade não distinguia essa bella região, sob o ponto de vista politico, das outras provincias de Portugal. Não passava de qualificação honorifica, não envolvia prerogativas nem vantagens.

Não consideravam ou fingiam não considerar os irmãos mais velhos que o facto da outra parte da monarchia conter em seio todos os tribunaes judiciarios e administrativos, e de trazer abertos ás nações os seus portos, privilegios de que não gozava o Algarve, davam-lhe, uma graduação que não tinha essa provincia e que não podia ser outra que a do reino unido a Portugal. O Congresso, porém, não só não o queria discriminar do reino do Algarve senão ainda que o nivelava com as outras possessões portuguêsas. Freire, como assignalámos, por occasião de se discutir a composição da junta permanente declarou, [201] sem levantar protestos que não descobria o motivo porque se deviam conceder mais direitos aos brasileiros do que aos portuguêses da Asia e Africa. Semelhante disposição não era exclusivo de Freire; existia no recesso das almas dos exaltados e dos moderados. Assim o projecto constitucional feito por Moura, Castello Branco, Annes de Carvalho, Fernandes Thomaz e outras grandes figuras do liberalismo, não nomeava o Brasil senão por necessidade indeclinavel e o incluia no ultramar, confundido com as colonias asiaticas e africanas. Designado por acaso a proposito do recurso de revista[238], as Côrtes, provocadas pelo suave Trigoso, corrigiram com açodamento o descuido capaz de persuadir aos do reino americano que lhes assistia primazia sobre os habitantes de Moçambique ou Goa[239]. A deputação permanente e o conselho de estado terião tantos portuguêses quantos ultramarinos, consoante a constituição; d'ahi resultaria, attenta a disposição incontestavel de molestar o Brasil, ser licito excluir d'aquelles corpos os seus filhos em proveito dos naturaes das outras terras de além-mar sem infringir a leis. Se semelhantes resoluções não testemunham o designio de recolonizar o reino americano, não sabemos que mais cumpria fazer o Congresso, para o reduzir á condição das outras dependencias de Portugal.

Não sabemos o effeito nas Côrtes d'aquellas instrucções que miravam vincular as duas partes [202] da monarchia pela federação, repellida com vehemencia da maioria. Em apparencia, foi nullo. De facto tornado publico o regimento dos paulistas em 6 de março[240], o parlamento continuou a discutir o projecto da constituição sem modificar as suas idéas sobre o ultramar transatlantico. Julgou-o talvez, parto de facciosos ou acreditou que em consequencia do bairrismo, as provincias não adheririão a um programma que, com estabelecer no sul a capital do imperio, consagrava d'esse modo a sua preeminencia sobre o norte. Aos deputados brasileiros, porém, alargou-lhes o horisonte politico, mostrando que a patria se não limitava ao torrão do nascimento mas se estendia muito ao longe por essa vasta região trilhada dos bandeirantes, onde se fallava a mesma lingua e regada do mesmo sangue nos conflictos com o gentio e com o extrangeiro invasor.

Em quatro de fevereiro entrou no Congresso Francisco Xavier Monteiro da França representando a Parahyba, o qual foi ahi documento vivo da fraternidade de sua provincia com Pernambuco. A proximidade e as relações continuas com a capitania de Duarte Coelho, por onde se lhe escoavam, aliás, os productos destinados a exportação, levaram, em verdade, a modesta região a participar a bôa e má fortuna dos vizinhos insubmissos a jugo. Tomara-se de enthusiasmo pelo levante de 1817, e a não ser o berço da revolta, nenhuma mais que ella soffreu as consequencias da loucura pernambucana na hora da expiação imposta pelo vencedor. Se sete patriotas [203] do territorio revolto morreram então no patibulo, a forca estrangulou cinco sonhadores parahybanos entre os quaes José Peregrino de Carvalho com vinte annos apenas. Nem por isso os rudes senhores de engenho deixaram de amar os proximos imprudentes. Por occasião de se acclamar o novo regimen governava-os o coronel Rosado, o qual, á imitação de Luiz do Rego, não renunciou então o mandato.

Parece, porém, que com semelhante proceder não irritou os administrados, como persuade a tranquillidade relativa da provincia em conjunctura de tanto desassocego por todo o Brasil. Em 26 de agosto effectuaram-se as eleições para deputados em Côrtes e com Franca foram nomeados o vigario Virgilio Rodrigues Campello e dr. Francisco de Arruda Camara e como substituto o padre José da Costa Cirne. Aquelles, porem, que residiam no interior, por motivos ignorados, não embarcaram com Franca, e os successos politicos desdobrando-se no sentido da independencia, jámais vieram tomar conta de suas cadeiras no Congresso nem pediram excusas do cargo, pelo que o substituto chegado a Lisboa com Franca só pôde exercer o mandato em 15 de julho, depois de feita a constituição, convencidas as Côrtes de que Arruda e Campello não queriam occupar o posto[241]. O coronel Rosado aguardava com segurança a organização definitiva dos governos ultramarinos, dependente do Congresso, para resignar o poder, quando a sua resolução em soccorrer Luiz do Rego contra os [204] rebeldes de Goyana, alienou-lhe o apoio da opinião a ponto de ter que abandonar precipitadamente as funcções[242].

Se faltava a Monteiro da Franca desembaraço para tomar parte nas discussões e até para fazer propostas, sobrava-lhe intelligencia para conhecer as conveniencias da patria e energia para seguir sem desfallecimento os que as defendiam.



CAPITULO XII


SUMMARIO:

Confraternidade dos Brasileiros e portuguêses fóra dos negocios do Brasil.―O liberalismo dos americanos.―Proposta de Borges de Barros ácerca da composição do Supremo Tribunal.―Borges de Barros propõe o adiamento do projecto de administração provincial.―Moura.―A questão do juramento.―Vergueiro.―Insinceridade dos portuguêses na interpretação do juramento prestado pelos povos do Brasil.



Vencidos na materia que interessava, directamente ao seu paiz, os brasileiros não se mostravam mortificados, continuavam a discutir os negocios da monarchia com isenção de animo, dando d'esse modo testemunho de que se consideravam mandatarios da nação e não representantes de uma de suas partes. Não havia mais partido português nem partido brasileiro, confraternizados europeus e americanos. Vergueiro ia com uns para a direita e Barata para a esquerda com outros, como se o desvelo pelo reino não houvera ha pouco fundido n'uma só vontade o bahiano ardente e o paulista ponderado. Lino Coutinho, Villela Barbosa, Antonio Carlos e Barata [206] avantajavam-se aos da bancada ultramarina na parte que tomavam nos debates de ordem geral, e neste grupo cabia talvez o primado a Lino Coutinho. Não havia assumpto fechado ao seu espirito lucido e penetrante; eram-lhe familiares as questões seccas de finanças e contabilidade assim como materias complicadas de direito constitucional em que se procura assegurar a ordem sem comprometter a liberdade individual. O que carecterizava o liberalismo dos brasileiros era o temor invencivel de abusos por parte de qualquer dos tres grandes poderes do organismo social, mormente dos magistrados; ao passo que os portuguêses pretendiam principalmente acautelar os povos dos descommedimentos do rei ou dos secretarios de estado.

Assim pensavam os da America, não porque reputassem os seus juizes mais detestaveis que os de Portugal, senão porque presentiam com notavel intuição que a responsabilidade dos agentes do poder judiciario, na qual confiavam os ingenuos regeneradores, não se tornando effectiva senão excepcionalmente, não passava de garantia illusoria da honesta distribuição da justiça. Os pernambucanos, salvo Araujo Lima, os bahianos e fluminenses, presentes nas Côrtes no acto de se resolver o assumpto, queriam juizes temporarios e eleitos pelo povo[243]. Allegavam estes homens perspicazes que a nomeação feita pelo governo gerava a subserviencia ao poder, e a vitaliciedade, com lhes garantir o cargo, gerava [207] nos magistrados a negligencia dos deveres profissionaes. Não era tão sómente da magistratura e do poder executivo que receavam os brasileiros violencias contra a segurança dos cidadãos; o zelo pela liberdade levantava-lhes nos animos sérias prevenções contra os representantes da nação. Assim opinavam que se não decretasse o estado de sitio sem o apoio dos dous terços da camara e exclusivamente nos casos de sedição manifesta ou de invasão extrangeira. Á mingua de taes clausulas, ponderavam, o parlamento sob a influencia dos governos ou das facções concederia ao ministerio o direito de suspender as garantias individuaes afim de se desfazer de adversarios incommodos a pretexto de conspiração[244].

Havia tres semanas que reinava a mais perfeita harmonia entre os portuguêses de um e outro hemispherio e neste tempo Lino Coutinho se assignalara pela defêsa da constituição, contra os corypheus da regeneração, não admittindo que o brigadeiro Sepulveda exercesse cumulativamente o commando militar da Extremadura e as funcções de deputado[245]. Mas a concordia não podia durar sempre desde que os irmãos mais velhos intentavam conservar os foros e a primogenitura no regimen da egualdade.

Rompeu-a Borges de Barros em 4 de março propondo houvesse no Supremo Tribunal tantos brasileiros quantos lusitanos.

Se o mais alto juizo se distinguira das jurisdicções [208] subalternas tão somente por lhe caber o julgamento das revistas, não se justificaria a proposta, porquanto os ultramarinos não tinham necessidade de vir a Portugal buscar um recurso, de que dispunham as suas relações. O orgão superior da justiça, porém conhecendo das infracções de Direito commettidas pelos juizes e secretarios de estado, devia-se temer que magistrados europeus não sanccionassem a responsabilidade de desembargador português em serviço no ultramar de que se queixassem os americanos, e devia-se recêar ainda mais que actos dos ministros damnosos ao Brasil mas uteis á antiga metropole, escapassem á censura de um tribunal dominado de elemento europeu. Havía, contudo, uma reflexão capaz de dissipar a apprehensão de além-mar. O poder executivo escolhia os membros da suprema judicatura da lista organizada pelo conselho de Estado, e como neste havia o mesmo numero de americanos e portuguêses, não corrião risco de preterição os magistrados ultramarinos. A advertencia era assás ponderosa e, até, chegou a influir em Villela Barbosa, tão solidario com os collegas da bancada e promotor tenaz das conveniencias da patria, para seguir a opinião da maioria. Não deixou, porém, de ser notado que os brasileiros chamados ao Conselho de Estado pertencerião muito provavelmente á classe dos que exerciam funcções publicas em Portugal ou ahi viviam nas secretarias ou na privança dos ministros e acabavam, por isso, mais se interessando pelo Reino do que pelo Brasil. Em todo o caso o argumento devia ceder á conveniencia de reduzir os motivos de descontentamento contra as Côrtes, que perdiam incessantemente terreno na sympathia de além-mar. [209] Os brasileiros que entravam nas mais eminentes corporações politicas quaes a deputação permanente e o Conselho de Estado, não podiam regularmente ser excluidos da culminancia do poder judiciario. Vergueiro, que se não comprazia na tribuna, contentou-se com dizer estas palavras justissimas: «O meu voto seria que por ora se supprimisse esta questão, porque se ella se decide contra o Brasil, de certo o escandalizará; e se se decide a favor pouco aproveitará: eu creio que a base da união são os interesses reciprocos dos dous reinos, o mais que não for isto, é escrever na areia».

A maioria repelliu a proposta de Borges de Barros[246].

Uma das cousas que surprehendiam os brasileiros e, até, lhes feriam o melindre era a idéa dominante no Congresso de não haver necessidade dos ultramarinos para a feitura da constituição. Os deputados representando a nação, proclamavam com entono os portuguêses, desde que se achavam reunidos em numero sufficiente para a sessão, era-lhes licito legislarem para qualquer parte do imperio, por importante que fosse, sem dependencia dos mandatarios della. Barata e Basto intentaram desbaratar semelhante principio. Mas Basto não o contestou com pertinacia[247] e Barata desistiu do designio por haver alcançado do presidente do congresso, de Fernandes Thomaz e de outros regeneradores a declaração formal de que os artigos relativos ao Brasil, presentes [210] os brasileiros, serião modificados consoante os seus desejos.[248] Isto que não passava de simples promessa não satisfazia aos americanos e, por outro lado, não lhes convinha sujeitarem á votação a controversia em virtude da certeza da derrota: eram apenas trinta e só do continente europeu havia cem deputados. D'ahi resultava a necessidade de agirem com destreza nos negocios da patria e Borges de Barros vai servir-se della com exito. De todos os brasileiros era quem mais se deliciava no viver das salas, e ahi se lhe desvendando a parte formidavel do orgulho nos actos humanos, reconheceu quanto era a fraca a razão para vencer as resistencias com raizes no amor proprio. Ao entrar em discussão o titulo VI do projecto de constituição relativo á organização dos governos provinciaes pediu o adiamento até que estivessem na assembléa dous terços da deputação americana. Queria a presença dos ultramarinos, explicou, não para a validade das resoluções das Côrtes mas simplesmente para que estes pudessem ter conhecimento das necessidades das provincias, as quaes se individualizavam pela differença de clima, de costumes e de cultura. Era meio habil de frustar a applicação de um principio que não podiam os americanos demolir com o pêso dos votos. A despeito da opposição de Fernandes Thomaz, o adversario mais sagaz e mais obstinado dos brasileiros, o Congresso annuiu á proposta resolvendo discutir o assumpto depois de approvados todos os outros artigos constitucionaes.

Tinha motivo para se desvanecer com a [211] victoria o fino diplomata. O adiamento do negocio tendia nada menos que a revêr o decreto 29 de setembro considerado pelos portuguêses como o instrumento mais efficaz de dominação do Brasil pela mãe patria. Nos derradeiros dias do Congresso não haveria certamente bastantes americanos para contrabalançar nas votações a influencia europeia, mas o seu numero seria maior que actualmente, e ajudados dos conflictos que a execução do decreto fazia prever por causa da agitação crescente dos animos, não era desarrazoado suppôr que os brasileiros alcançassem da maioria concessões valiosas na reforma da lei.

No correr do debate surgiu uma questão que merece referencia por se haver d'ahi em diante renovado nos desaccordos irreductiveis dos portuguêses e brasileiros. Defendendo a proposta de Borges de Barros, Antonio Carlos affirmou a necessidade de informações a respeito das provincias «as quaes devem influir na modificação de algumas decisões, aliás lançariamos a esmo decisões, de que ao depois seria mister recuar com desar, ou teimando nellas arriscar o socego do Brasil. É já muito o que se tem feito sem o preciso conhecimento local evitemos para o futuro tantos embaraços».[249].

Estas palavras, que se limitavam a reproduzir conceitos do autor da proposição, deram logar á intervenção de Moura. Era o mais arrogante e o mais insolente dos constituintes. Não lhe faltava talento e illustração ajudados de preexcellentes dotes oratorios mas tinha a preoccupação [212] do effeito, e como a aggressão e a violencia encontram sempre applausos, não hesitava em as empregar em apostrophes declamatorias ou na allusão pessoal. Concordava na proposta para o fim de se acolherem noticias completas das conveniencias das capitanias mas não a admittia, caso os da America entendessem que sem a assistencia delles não eram legitimas as resoluções do Congresso. «Eu observei que affectadamente o snr. Andrade, disse com tanto desafogo quanta falsidade, se esforçou em mostrar a grande falta que havia nas Côrtes de deputados brasileiros. Desejava eu que o illustre deputado se fizesse entender, e ennunciasse com mais clareza se elle julga que a falta destes deputados pode ter influencia na legalidade das decisões que aqui se tomaram, desejaria debater este principio visto que a admittir-se tal principio viria acontecer que tanto importava faltar uma deputação numerosa ou menos numerosa, um individuo só que faltasse poderia annullar as decisões que aqui se tomassem, absurdo incalculavelmente perigoso, de que poderia derivar a queda do systhema. Portanto é preciso que falemos muito claro e francamente nesta materia»[250].

Antonio Carlos, que, saido do inferno do carcere para responder aos interrogatorios da famosa alçada da conjuração pernambucana, não perdia o aprumo perante o feroz desembargador Bernardo Teixeira de Carvalho, não era homem para se intimidar deante de Moura. «O nobre deputado lançou-me a luva, não a recuso apanhar, e com a franquêsa do meu caracter, responder-lhe-ei».

[213] Se este exordio communicou á assembléa e ás galerias arripio de anciedade com a perspectiva de escandalo, foram desenganadas. O egregio paulista, dotado de excepcional imperio sobre si mesmo, subtrahiu-se ao terreno ardente da recriminação pessoal, para se limitar a expor com nitidez e imparcialidade as queixas do Brasil contra as Côrtes. Declarou que estas violaram a regra salutar de Direito Publico, que prescreve a presença de dous terços da representação nacional nos debates de magnitude, iniciando o exame do projecto de organização da monarchia com numero reduzido de deputados. «Não esperar pelos mandatarios do Brasil não será empurrar aos povos sem tom nem som e á queima roupa uma constituição, em que não tinham votado?»

Os brasileiros exigindo voltassem á discussão os artigos constitucionaes vencidos na sua ausencia, não faziam senão pedir o cumprimento do artigo 21 das Bases, no qual se estipulava que o pacto social os não obrigaria sem prévia approvação d'elles. Os constituintes portuguêses, continuou, não se justificam da violação d'esse compromisso allegando que, jurando a constituição futura, os ultramarinos haviam antecipadamente acceito o contracto social que as côrtes organizassem e renunciado, por conseguinte, o direito de o discutir.

Surgiu então pela primeira vez a questão do juramento do contracto social por vir, prestado pelas capitanias, á medida que adheriam á causa de Portugal. Não houve materia mais debatida no parlamento e forneceu aos regeneradores pretexto para atirarem aos irmãos mais novos, quando se revoltavam contra as providencias humilhantes ou violentas decretadas contra o ultramar, a injuria [214] vehemente de perjuros. Vamos, por isso, tratar o assumpto com certa individuação e não tornaremos a elle.

Os povos do Brasil, argumentavam os lusitanos, protestando solemnemente acceitar a reorganização que as Côrtes déssem a monarquia, implicitamente attribuiram ao congresso o poder de legislar para elles e de antemão approvaram as suas resoluções. Se houvessem jurado a constituição no presupposto de que collaborarião n'ella por via de seus representantes, não se esquecerião de incluir na procuração d'estes a clausula de que os artigos votados e por votar não terião validade ao ultramar sem a sancção d'elles. Ora tal condição não figura nos poderes dos deputados nem até nos dos delegados de S. Paulo, que trouxeram, instrucções assás minuciosas, e sabiam, ao deixarem a patria, que havia disposições constitucionaes já approvadas.

Não havia argumentação que menos se conciliava com a razão e com os factos. Considerado em si mesmo e com as circumstancias que o rodeavam, o juramento significava justamente o contrario do que pretendiam os portuguêses. De feito, ao mesmo tempo que os americanos adheriam á constituição por elaborar, cogitavam das eleições, de mandar deputados ao Congresso. Não revelava semelhante providencia que o novo reino fazia questão de cooperar na lei fundamental?

O ultramar americano jurara na realidade a constituição, que os seus commissarios iam criar de companhia com os irmãos da Europa; e deixara de estipular condição nos mandatos a respeito das resoluções legislativas que estivessem acceitas, quando os seus deputados entrassem no [215] parlamento, porque o famoso artigo das Bases, conhecidas no Brasil antes das eleições, lhes assegurava o direito de se pronunciarem ácerca d'ellas.

O allegar que os representantes do Brasil, por força do juramento dos povos, compareciam na assembleia tão sómente para approvar o pacto social, era desconhecer absolutamente a natureza do mandato politico, livre e independente, e attribuir aos deputados o caracter de enviados diplomaticos, que assignam convenios resolvidos pela nação.

Se não coubera outra funcção aos representantes de além-mar, andaria com mais acerto o Brasil não os enviando a Lisboa, porque as Camaras municipaes sanccionarião a Lei sem despêsa alguma.

Dos brasileiros que intervieram no debate nenhum provavelmente produziu mais effeito que Vergueiro. Não tinha o brilho, repassado de graça, de Lino Coutinho, a impetuosidade de Antonio Carlos, a sobriedade elegante de Borges de Barros ou eloquencia nervosa de Villela Barbosa. Era espirito lucido e pratico, e se esmerava em dizer a verdade sem rebuço mas sem arreganho. Não se espraiou em reflexões ácerca do Direito Publico; considerou unicamente os factos, e tirou d'elles conclusões em phrases carregadas de bom senso, e nas quaes se espelhava a sua alma forte e nobre. O juramento em relação a cousas futuras, disse, não passa de promessa que o Direito não suffraga. A Moral não dá tão pouco a esse acto a força que lhe nega a jurisprudencia.

Ninguem jura espontaneamente sujeitar-se ás resoluções alheias, senão na esperança de melhorar de condição, e caso reconheça que a outra [216] parte em vez de corresponder á sua espectativa, contrasta-lhe as conveniencias, é-lhe licito subtrahir-se aos effeitos da promessa. Que tem feito o congresso? Depois do juramento, o Brasil deixou de ser a séde da monarquia e, o que surprehende, vai perder o poder, que enfeixava todas as provincias. A suppressão da Regencia, que ameaça a tranquillidade publica de além-mar, revela ás Côrtes a conveniencia de ouvirem os brasileiros por não commetter desacertos funestos á união. «O Brasil quer a união, proseguiu o illustre transmontano, e desde o principio proclamou-a; e até por não excitar desconfiança deixou de exigir cautelas e prestou todos os actos de adhesão á causa commum, entendendo que os illustres representantes de Portugal não abusarião d'esta confiança para lhes impôr um jugo pesado»[251].

O incidente pôde d'esta vez acabar sem produzir exaltação nos animos.

Moura mostrou-se grandemente surprêso da intelligencia dada ao juramento por Antonio Carlos. «Ou estou sonhando ou não sei se o illustre deputado falla sério no que diz». Assim começou a sua replica ao paulista. Talvez fosse sincero. Os homens tendem irresistivelmente a dar aos factos a significação accommodada aos seus interesses ou affectos. Devemos todavia acceitar com extrema circumspecção esse julgamento favoravel ao notavel regenerador e aos consortes. Na verdade se fora o juramento a causa por que regularam os negocios do Brasil sem os seus representantes, invocal-o-iam todas as vezes que se [217] levantasse em algum dos seus compatriotas o escrupulo de discutir semelhante materia, ausentes os ultramarinos. Assim, porem, não succedia; para removerem as susceptibilidades, para cohenestarem a sua impolitica se lhes não deparava outro argumento que a theoria de Fernandes Thomaz: os deputados representando a nação, representam qualquer de suas partes e por conseguinte os europeus podiam legislar para a America, desassistidos dos seus deputados.

Se andassem de boa fé os regeneradores, render-se-ião á significação do juramento, formulada agora pelos brasileiros com argumentos irrefutaveis. Não o fizeram; ao contrario, á medida que reconheciam a sua impotencia para reduzir o ultramar, serviam-se com mais frequencia do sophisma com o duplo fim de excusarem os seus desacertos e de attrahirem o odio do povo ignaro contra os collegas dissidentes.



CAPITULO XIII


SUMMARIO:

Como o Brasil acolheu os decretos das Côrtes.―Desacertos de José Maria de Moura.―Protestos dos brasileiros, e proposta de Villela Barbosa sobre o commando das armas.―Effervescencia dos animos no Rio de Janeiro.―Commissão especial dos negocios politicos do Brasil.―Informação de Silvestre Pinheiro.―O parecer da commissão especial.―O officio da junta de S. Paulo.



Em março começaram a chegar ao Congresso noticias do acolhimento do Brasil ás resoluções legislativas. Vieram as primeiras de Pernambuco, onde em 24 de dezembro entraram a fundear embarcações com tropas de Portugal. José Xavier Bressane Leite, commandante da flotilha, que trazia ordens do governo de Lisboa, ignoradas da junta, abriu conflicto com esta, ciosa da dignidade de suas funcções. Na verdade o expedir um official de marinha com instrucções particulares a respeito de seu desembarque e de seu comportamento em terra sem dar dellas conhecimento á administração provincial, significava menoscabo da primeira auctoridade do logar e a quem competia a inspecção dos portos. Ao [219] mesmo tempo que se molestava desse modo a susceptibilidade do governo local, o commandante das armas com desembarcar á frente das tropas, como general em territorio conquistado, sobresaltou o pundonor patriotico dos pernambucanos. Era elle o brigadeiro José Maria de Moura, sujeito sem atilamento e que de suas funcções não conhecia senão o apparato. Ignorava os alvarás que regulavam a competencia dos governadores das armas em vigor ha mais de cem annos[252] e ainda menos alcançava quanto lhe cumpria ser circunspecto e conciliador no exercicio de cargo que os da terra consideravam usurpado á junta governativa. Mandou prender individuos sujeitos á justiça civil e não militar[253], e arvorou-se em informante das cousas politicas da capitania perante as Côrtes[254]. O mesmo correio que trouxe a participação de Moura de haver chegado ao Recife, foi portador de um officio da junta de Pernambuco no qual pedia a retirada das novas tropas a bem da tranquilidade publica. Lino, Barata, Antonio Carlos e Pinto da França exprobaram a attitude do official de marinha e do governador militar, e assignalaram o descontentamento do Brasil inteiro por não estar o commando das armas sujeito ao poder executivo provincial. Moniz Tavares propôs a restituição ao Reino dos batalhões expedidos ao Rio, Pernambuco e Bahia, cuja presença irritava os [220] povos e lhes acirrava a desconfiança de que o congresso intentava a todo o transe, e até pela força, manter os decretos malsinados na America[255]. Villela Barbosa, que não fazia parte das Côrtes no acto de se discutir a constituição dos governos ultramarinos, e que fôra o primeiro a protestar contra a independencia do commando das armas e da administração fiscal para com as juntas locaes, voltou á materia com mais energia e novo desenvolvimento. Não podia comprehender como a junta gereria os negocios provinciaes sem dispor da força para assegurar o cumprimento de suas resoluções, e sem ter o manejo das rendas publicas para custear as despesas e fiscalizar a arrecadação dos tributos. Não admittia tão pouco se tirassem do exercito de Portugal officiaes para o governo militar do Brasil. Era desnecessario, prejudicial, injurioso e impolitico. «Desnecessario, porque ali temos officiaes benemeritos, prejudicial pela avultada despêsa que faz o thesouro com a ida daquelles governadores; injurioso, porque pode parecer que se duvida da aptidão ou fidelidade dos militares brasileiros e impolitico porque arrisca de os desgostar».

Acabou requerendo que os commandantes das armas das provincias do Brasil fossem destacados do exercito do novo reino, e que tantos elles como os gestores da fazenda publica e todas as autoridades ficassem na dependencia immediata das juntas governativas[256].

Os desatinos do commandante, que inaugurava [221] o regimen juntamente com o clamor dos povos e de seus representantes, fizeram os portuguêses temer que tivesse a instituição os inconvenientes previstos pelos brasileiros, e mostraram-se, por isso, dispostos a submetter o negocio a novo exame, abrindo immediatamente debate sobre a proposta do deputado fluminense. Mal começara, porém, a discussão, foi adiada em consequencia do panico da assembléa com a noticia de graves successos no Rio. Communicava o regente que a divulgação do decreto de 29 de setembro com ordenar o seu regresso a Portugal, inflammara os animos brasileiros e portuguêses. Organizavam-se representações na capital, em S. Paulo e em Minas no sentido de sua permanencia na terra.

Nas ruas ouviram-se phrases irreverentes e resolutas «se a constituição é fazer-nos mal, leve o diabo tal cousa...» Ou «o principe parte e declaramo-nos independentes, ou fica e continuaremos unidos e assumimos a responsabilidade da inexecução das ordens das Côrtes»[257].

Pereira do Carmo, um dos raros portuguêses que procuravam acautelar os interesses dos brasileiros e resguardar o seu melindre, lembra o estabelecimento de uma commissão permanente incumbida dos negocios do Brasil. Não se pode mais, disse, fechar os olhos á gravidade da situação do novo reino, e nas Côrtes não ha assumpto que sobreleve a esse em importancia. Guerreiro, o honesto guerreiro, outro liberal português inclinado a satisfazer os votos dos [222] collegas americanos, abundou nas mesmas idéas e pleiteou a causa do ultramar com palavras judiciosas. Para a apreciação dos sentimentos de além-mar, observou, devemos evocar os nossos soffrimentos durante a estada da familia real no Rio de Janeiro, os povos acostumados a terem junto de si os recursos necessarios não se sujeitam a procural-os á muitas leguas.

Da facção adiantada do liberalismo só Borges Carneiro e Castello Branco, os quaes não reputavam o Brasil simples provincia de Portugal, intervieram no debate. Borges Carneiro triumphava. A victoria, porém, se não o desvanece porque descortina nos acontecimentos o desmembramento da monarchia, doloroso ao seu patriotismo, anima-o a exprimir o seu pensamento com arrojo qual nunca tivera, em razão do respeito que lhe inspira, o adversario ferrenho do reino americano, Fernandes Thomaz.

«Em verdade, notou, querer em tudo medir o Brasil por aquillo que se resolver para a Europa é incoherente e muito errado; e querendo nós ter aquelle longinquo continente na mesma dependencia de Lisboa em que della estão as provincias europeias, não faremos mais que relaxar os vinculos quando o queremos segurar: é apertar a corda até que estale»[258].

O congresso decidiu se instituisse uma junta de doze deputados americanos e europeus.

A eleição da mêsa renovava-se todos os mêses, e a votação attribuira a presidencia em março a Fagundes Varella. Na qualidade de presidente coube ao fluminense designar os membros da [223] commissão, e para que dessem promptamente remedio ás perturbações do novo reino, foram elles dispensados de comparecer ás sessões do congresso. Constituiam a commissão da parte dos portuguêses, Trigoso, Pereira do Carmo, Moura, Borges Carneiro, Annes de Carvalho e Guerreiro; e do lado ultramarino, Antonio Carlos, Ledo, Pinto da França, Almeida e Castro, Belford e Grangeiro[259]. Eram, pois, representadas nella as capitanias com mandatarios nas Côrtes, salvo Parahyba, cuja solidariedade com Pernambuco induzia, aliás, a acreditar que Monteiro da França subscreveria o parecer de Almeida e Castro. Dos lusitanos todos haviam mostrado tendencias favoraveis ao Brasil, mas se os protestos de respeito á vontade dos povos os graduassem na confiança dos collegas americanos, Moura occuparia nella o primeiro logar. De feito o brilhante regenerador não perdia ensejo de proclamar o direito da sociedade de se governar a seu inteiro aprazimento, mas ajuntava que esse direito pertencia á maioria, e a maioria, ao seu parecer, era aquelles que estavam em desaccordo com os representantes do novo reino.

A commissão não se poupou a diligencias para exprimir juizo com conhecimento do assumpto. Não contente de ouvir os deputados do Brasil presentes nas Côrtes, consultou os ministros da marinha e de extrangeiros e o desembargador Pedro Alvares Diniz[260]. Fôra este magistrado o secretario de estado demittido por [224] D. Pedro por se haver recusado exonerar o intendente de Policia Pereira da Cunha, por occasião dos acontecimentos do Rio occorridos em outubro, como narrámos. Não alcançamos saber as informações prestadas pelo titular da pasta da Marinha Joaquim José Monteiro Torres, o qual exercia em Portugal o posto de que o investira no Rio a acclamação popular no memoravel de 26 de fevereiro e pelo desembargador.

Resta-nos sómente o parecer do ministro das relações exteriores, o nosso conhecido Silvestre Pinheiro, o qual teve o cuidado de trasladar para o papel o seu depoimento verbal. O grande publicista proscreve a idéa de se reputar o Brasil provincia de Portugal. É na realidade um reino pelo grau de cultura de seus habitantes e não pode ser governado senão por leis e magistrados, como a Europa, e não por auctoridades despoticas.

No interesse da unidade da direcção, sem a qual não vinga a ordem, aconselha a subordinação dos governadores militares e dos gestores da fazenda ás juntas. Devem, até, estas nomear os commandantes da força armada. Se esses alvitres affligiram os lusos, o ministro refrigerou-lhes o animo com o que disse ácerca da divisão portuguêsa commandada por Jorge de Avilez. Assegurava, firmado em factos incontrastaveis e no conhecimento das cousas e homens do Brasil, adquirido em doze annos de residencia, que nem os regimentos da terra nem as milicias jamais se defrontarião com os batalhões do Reino, illimitadamente devotados ás Côrtes. É eminentemente provavel, ponderou, que os regimentos lusitanos ou ameaçando pegar das armas ou pegando realmente dellas, tenham posto Sua Alteza Real [225] na necessidade de executar as decisões do congresso, e isto com vivacidade irritados com a vehemencia da representação da junta paulista[261].

A commissão não demorou em apresentar o seu relatorio. Não maravilha que, attento o desejo da união, tão forte num como noutro hemispherio, os portuguêses e brasileiros, ante a imminencia do desmembramento, se mostrassem conciliadores, transigissem ácerca de pontos nos quaes pareciam ainda ha pouco irreductiveis; não deixa, porém, de ser curioso se manifeste desde então a differença do espirito politico entre os parentes. Ao passo que os irmãos mais velhos contentam-se com satisfações moraes e com salvar principios, os mais novos largam mão de aquelles em troca de vantagens reaes e immediatas. Concordam estes com excusar as Côrtes de terem legislado para o Brasil sem elles e acceitam a intelligencia que ellas davam a adhesão solemne do ultramar á constituição por fazer; em compensação, porém, conseguem a dependencia tão almejada do governo militar e da mêsa da fazenda para com as juntas provinciaes. Outra conquista de vulto é o estabelecimento de uma ou duas delegações do poder executivo para não faltarem aos da America as commodidades e beneficios de que gozavam os portuguêses por terem comsigo o rei. Os europeus que recentemente recusavam ás auctoridades de além-mar a faculdade de suspender os magistrados, a pretexto de se não delegarem funcções privativas da corôa, acabavam, pois, por assentir que houvesse na America quem exercesse não uma attribuição [226] da realeza mas todos os seus privilegios compativeis com a integridade do imperio. Os brasileiros alcançaram outra providencia valiosa: D. Pedro ficaria no Brasil até á organização da monarchia. Eram vantagens consideraveis, e que se não achavam obscurecidas com a clausula de ficar ao arbitrio do governo de Lisboa a remoção para a patria das tropas portuguêsas que estanciavam no ultramar, porquanto com a subordinação do commando das armas á administração provincial tornavam-se menos arrogantes e provocadores os reinoes. Das questões que então preoccupavam os fluminenses nenhuma era mais antiga e apaixonava mais todas as classes, do que a situação critica do banco do Brasil, em consequencia de haver faltado escandalosamente ao seu compromisso o erario publico.

Devia o governo a esse estabelecimento vinte milhões de cruzados, que D. João VI, ao deixar a America estava disposto a solver mediante emprestimo a contrahir na Europa com garantia hypothecaria de parte dos rendimentos aduaneiros do Rio, Bahia, Pernambuco e Maranhão, e o conselheiro J. R. Pereira de Almeida se trasladou para a Europa com a tarefa de realizar a transacção[262]. Informada a regencia do Reino de sua missão, definida no decreto de 23 de março, não a quiz sanccionar sem previamente ouvir o Congresso. Mais por ciume das attribuições legislativas, do que por interesse pelos ultramarinos, os regeneradores cassaram o acto do ministerio de D. João VI, com o fundamento de fallecerem provas de ter servido o [227] desembolso do banco ás necessidades publicas[263]. Que o dinheiro fosse para os validos ou para a familia real, pouco importava ás classes laboriosas da America, aterradas com a diminuição progressiva de suas economias representadas nas notas bancarias em continua depreciação, e aos capitalistas brasileiros sobresaltados com a incerteza de rehaverem os seus saldos confiados ao instituto de credito. A verdade era que a somma sahindo para os cofres publicos, respondiam estes regularmente pela divida e não podiam os pobres tabaréos, portadores das cedulas, nem os credores e accionistas do banco soffrer as consequencias da applicação criminosa do emprestimo. Pereira do Carmo e Ledo[264] desde muito trabalhavam por fazer vingar esse acto de justiça e de conveniencia politica sem nada alcançarem. Aconselhou-o agora a commissão propondo fosse julgada publica a divida do thesouro e se providenciasse ácerca dos meios de a saldar[265].

Não tinham ainda os commissarios apresentado o seu relatorio, quando lhes foram submettidas duas cartas do Regente e o memoravel officio da junta de S. Paulo de 24 de dezembro de 1821[266]. Visto o progresso do movimento contra os decretos a respeito das administrações [228] ultramarinas e do seu regresso a Europa, D. Pedro temia não os poder cumprir, e ao mesmo tempo mandava a representação que lhe dirigira o executivo de S. Paulo, para que o monarcha e o congresso se inteirassem dos sentimentos daquelles povos, sentimentos em via de se propagarem a outros com rapidez fulminante.

O Governo paulista, do qual era vice-presidente José Bonifacio, descortinando através dos decretos de 29 de setembro a resolução do congresso de reconduzir o Brasil á condição de colonia, aconselhava ao principe, de accordo com os patriotas do Rio e até provocado por elles[267], em termos vehementes, desobediencia áquelles actos legislativos a fim de evitar o desconjuntamento do imperio.

O alvitre era extremado mas fora delle não havia mais que representar aos poderes de Portugal a conveniencia da revogação de suas determinações inquietadoras. O tempo limitado de que dispunha, porque se devia eleger a junta governativa do Rio aos dez de fevereiro e o principe partiria logo depois, e o temor de que a divisão auxiliadora, assás forte e absolutamente dedicada ás côrtes, empregasse uma de suas violencias costumeiras para que se cumprissem as ordens do Reino, persuadiram a José Bonifacio, conhecedor da tactica militar, que um ataque imprevisto com lançar a perturbação nas fileiras adversas assegurava aos patriotas mais probalidades de exito de que conferencias e o direito de petição. Que diz o officio da junta de S. Paulo? Accusa a assembléa constituinte de haver violado o artigo [229] 21 das Bases, legislando para o reino americano sem esperar a deputação ultramarina. Julga criminoso o decreto a respeito das juntas provinciaes, porque parcella o Brasil em estados secundarios. Indigna-se contra a extincção projectada dos tribunaes, a qual collocará os brasileiros em posição desfavoravel relativamente aos portuguêses da Europa que tém á mão todos os meios de defêsa. «Irão agora, exclama, depois de acostumados por doze annos a recursos promptos a soffrer outra vez como vis colonos as delongas e trapaças dos juizos de Lisboa, através de duas mil leguas do oceano, onde os suspiros dos vexados perdem todo o alento e esperança?» A medida que mais o exacerba, é a suppressão do poder executivo no Brasil, a qual tirando a unidade do commando das tropas esparsas nas capitanias, tolhe o se servir dellas com vantagem contra os inimigos externos ou «contra as facções que procurem atacar a segurança publica e a união reciproca das provincias». Não contente de inflammar os animos dos da terra, desperta contra as Côrtes, entre os proprios portuguêses, prevenções novas e acirra velhas antipathias. A uns proclama que ellas malbaratam o patrimonio nacional «com despedaçar o Brasil em mil retalhos»; e excita os reaccionarios de Portugal e da quinta de S. Christovão dizendo que roubaram «o logar-tenencia concedida por el-rei a seu filho.» Onde, porém, se mostra o paulista eminentemente destro é no angariar o apoio de D. Pedro.

Convem ao regente ficar no Brasil, considera, a bem da integridade da monarchia e da prosperidade de Portugal, e para não perder a dignidade de homem e de principe, tornando-se [230] «escravo de meia duzia de desorganizadores» Esporeia desse modo os brios e o instincto batalhador do mancebo fogoso, e as suas palavras que inculcam interesse carinhoso pelo pundonor do successor da corôa, velam o empenho do illustre varão de salvaguardar a integridade do reino americano[268].

Em Lisboa o effeito do officio não foi menos estrondoso do que no Brasil, comquanto de natureza mui differente. Alli gerara o enthusiasmo, enfeixava as resistencias e lhes dava um chefe na pessoa do proprio herdeiro do throno; e em Portugal a impressão bifurcava-se em medo da separação n'uns, e em indignação n'outros contra a audacia dos paulistas, indignação manifestada com vehemencia na imprensa e no Congresso. No Diario do Governo chegou-se a escrever que o Reino só tinha que lucrar com se desprender do Brasil, o qual lhe custava dinheiro, gente e ingratidão. Na assembléa o clamor se não levantou á leitura do documento, e a commissão tentara fugir á tempestade entrevista, não alludindo ao officio no relatorio. Apenas, porém, se tornara este conhecido, Freire instou pela reparação da lacuna com alvoroço dos regeneradores. A commissão sem se intimidar com a opposição mais que provavel do grupo proeminente do parlamento, pela bocca de Guerreiro requereu déssem-lhe tempo para emittir juizo sobre a materia afim de averiguar se os signatarios do documento aggressivo fallavam em nome individual, ou exprimiam a vontade da provincia; porque [231] no primeiro caso não seria desarrazoada a punição dos delinquentes, e no segundo devia-se adoptar alvitre diverso em virtude da impossibilidade de processar um povo. Dos membros da commissão houve dous que não subscreveram essa proposta. Não o fez Antonio Carlos por se considerar suspeito para julgar um acto da lavra do irmão. Moura deu o voto em separado. Entendia ser urgente a discussão do negocio, tanto mais que não haveria informações ulteriores capazes de tornar inoffensivo um papel evidentemente sedicioso.

Os brasileiros e os portuguêses reprovavam á uma voz os termos desabridos do officio. Aquelles, porém, em hypothese alguma admittiam a eventualidade de castigos a homens que eram orgãos da provincia, e previam a explosão de descontentamento, caso o Congresso em qualquer tempo os quizesse molestar por esse acto. A maioria dos portuguêses apoiaram a commissão e advertiram que restituida a tranquillidade aos animos com as reformas propostas, se offereceria então magnifico ensejo aos poderes publicos de Portugal para se desaggravarem dos rebeldes de S. Paulo, sem risco de desmembramento da monarchia. Os corypheus da regeneração, dominados de orgulho, não podiam conceber que as gentes ultramarinas pensassem de modo differente delles, e asseguravam, por isso, sem sombra de prova aliás, que os de S. Paulo não manifestavam na representação senão seus sentimentos individuaes[269]. Para influirem nos adversarios [232] procuraram o concurso das ruas e dos gremios, excitando o sentimentalismo das turbas irresponsaveis. Xavier Monteiro bradou que urgia salvar a dignidade nacional, embora se perdessem dez Brasis. Moura, espumante de raiva, rugia como um possesso contra os «trêze infames de S. Paulo» que assignaram o officio. A figura mais eminente da revolução, aquelle que era o responsavel dos decretos perturbadores do novo reino, interveiu no debate com clara visão do futuro. Consoante os contemporaneos[270], entre as faculdades do robusto engenho de Fernandes Thomaz sobresaia a perspicacia. Através de factos despercebidos ou sem significação apparente, elle alcançava o verdadeiro sentido das cousas. Antes de nenhum outro reconhecêra que, sob tranquilidade externa, Portugal, trabalhado por descontentamento latente, se achava maduro para mudança de regimen. Organizou com esse intuito uma associação o synedrio, attrahindo-lhe a ella representantes de diversas classes, e a despeito da vigilancia de uma policia singularmente activa, da miseria, e do terror gerado com a repressão barbara da conjuração de Gomes Freire, miseria e temor que determinam traições, ultimou o emprehendimento com exito memoravel. Sem duvida que o favoreceram as circunstancias, mas se lhe não pode contestar sagacidade na escolha dos apaniguados e na designação do momento do levante. A este espirito tão destro quanto atilado não escapou que para indemnizar Portugal do desprestigio e das perdas provenientes da estada da familia real no Brasil, não bastava a trasladação [233] da côrte para a Europa. Isto que satisfazia a vaidade de alguns e as conveniencias de Lisboa, não dava alento ás fabricas de algodão e de lans em deperecimento.

Desajudadas de tarifas privilegiadas no Brasil, fugiam á concorrencia com os productos de outras terras europeias e não sabiam onde escoar as suas mercadorias defeituosas e caras. Importava, pois, assegurar a edependencia do ultramar para com a metropole, a fim de resguardar os interesses dos industriaes e commerciantes, os quaes com os diplomados das universidades constituiam o nervo da regeneração. O astuto revolucionario num traço de genio descobriu a fórmula ideal, ao primeiro contacto dos brasileiros e portuguêses nas Côrtes, reputando as capitanias outras tantas provincias de Portugal[271]. Com ella realizava a egualdade entre as duas secções da monarchia promettida nos manifestos da revolução e reservava na realidade ao Reino todas as vantagens. Começava por enfraquecer a antiga colonia. De facto as suas provincias tornadas dependentes como o Algarve e o Minho do Governo de Lisboa, ficavam sem cimento entre si e, por conseguinte, offerecerião resistencias parciaes e inefficazes á oppressão do Reino e até habilitava este a fazer marchar as irmans do mesmo continente contra a capitania rebelde. Não teria mais a metropole na America contra si um vasto imperio mas pequenos estados. A este magnifico resultado accresceria a restauração mais ou menos velada do monopolio commercial. Na verdade pareceria extranho lançar imposição [234] ás mercadorias das provincias portuguêsas da Europa que penetrassem nas provincias portuguêsas da America so porque entre ellas havia o mar. Os generos e artefactos nacionaes transitarião livremente por todas as terras da monarchia, e os productos extrangeiros fortemente tributados na America como o eram em Portugal cederião o campo aos similares do Reino.

A condição essencial para a realização do projecto magnifico era a obediencia formal dos ultramarinos ás resoluções das Côrtes. Comprehendeu-o o revolucionario e ante o protesto energico do Brasil austral procurou dar ao lance o unico desfecho, embora extremado e impolitico, compativel com a ganancia e philaucia intransigentes da metropole. Ou S. Paulo, disse, estava em condições de manter o seu proposito ou não. N'um caso devia o governo fazer cumprir as leis e na outra hypothese, importava Portugal conformar-se com a separação: «passe o snr. Brasil muito bem, que nós cá cuidaremos de nossa vida»[272]. A phrase commoveu a assembleia e escandalizou os periodicos e os gremios.

Se não havia outra solução do negocio que o desmembramento, fôra melhor deixar dormir nos archivos o officio paulista.

Desde, porém, que o não quizeram os radicaes, urgia remediar a imprudencia com o alvitre dos moderados no sentido de retardar a commissão o seu parecer, esperançada acaso de cobrir a representação com esquecimento bemfazejo.

[235] Prevendo então a impossibilidade da união, Fernandes Thomaz, todavia, se não mostrou mais atilado do que Pereira do Carmo, o qual lobrigou na separação a perda dos fructos da revolução. Desconjuntada a nação, ponderou, era licito aos adversarios do novo regimen dizerem com apparencia de razão: «No tempo do despotismo tão calumniado se conservou inteira a monarchia, chegou a decantada liberdade constitucional e de repente se fez em pedaços o imperio lusitano»[273].

Sem se intimidarem com o aspecto hostil do publico, os brasileiros tomaram parte no debate com vigor. Todos unanimemente reprovaram as demasias de estylo do officio, protestaram contra a desunião e não admittiram a eventualidade de processo contra os signatarios da representação. A Bahia, que se desligara do Brasil, pela voz de um dos seus mais dignos filhos, reata a solidariedade com os irmãos do Sul, e Borges de Barros prova que os largos ocios de homem rico não lhe entibiam as faculdades viris. Sem artificios de linguagem, protesta que subscreve as queixas da junta de S. Paulo. «Torno a dizer, adverte, que o Brasil tem direitos que reclamar e tem que se oppôr a varias resoluções já sanccionadas por este congresso, e assim o declaro para que em todo o tempo tenham logar as suas reclamações quando as haja de fazer»[274].

Araujo Lima, o futuro regente do Imperio, reconhece o descontentamento do Brasil e faz [236] d'elle responsavel o Congresso por não attender ás informações dos representantes da America. As Côrtes não devem cogitar de punir a junta paulista a fim de evitar conflagração que não lograrão domar. E pergunta com ironia: «Quaes são os soccorros que mandaria Portugal ao Brasil?»[275].

De todos os americanos nenhum provocou maior movimento de attenção de que o deputado de S. Paulo sobrinho de José Bonifacio. Chamava-se Antonio Manuel da Silva Bueno e fora eleito como primeiro substituto. Com quanto viesse com Vergueiro e Antonio Carlos, não tomara assento senão aos 25 de fevereiro, reconhecida a impossibilidade de Francisco de Paula Sousa e Mello vir ás Côrtes, em consequencia de velha enfermidade aggravada no começo do anno[276].

Era a primeira vez que falava e provou que não desluzia a mais brilhante bancada. O seu discurso simples e commedido encerra um argumento forte do desejo de união que lavra em S. Paulo. O facto da junta, allega, fazer questão de conservar na regencia o principe real patentêa o empenho de não emancipar o Brasil. Ninguem mais que D. Pedro assegura a integridade da monarchia, em virtude do interesse de não reduzir os estados, dos quaes virá a ser chefe na qualidade de herdeiro da Corôa. Adivinha-se a commoção na sua voz quando se refere a José Bonifacio. Lembra que este não admittia reconciliação [237] com os francêses installados violentamente no Reino, e organizou o batalhão academico de Coimbra para expulsar o invasor[277].

O suave padre Marcos Antonio, deputado da Bahia, apparece no debate de modo tocante. Perante as paixões desencadêadas folheia as paginas graves da Historia. Evoca feitos assignalados da provincia agora rebelde, e mostra os seus filhos através de passos arriscados descobrindo os esconderijos do ouro e da esmeralda, e um delles recusando a Corôa por não faltar á fidelidade a D. João IV. Não é licito ao congresso perseguir os descendentes de taes servidores da patria[278].

Não podia deixar de intervir na defêsa da junta quem fora o collega dos aggredidos, e Vergueiro, que nunca se esquivou ao cumprimento do dever e ás leis da honra, vai fazel-o com a lealdade que o distingue. A administração de S. Paulo, disse, escolhida livremente pelo povo e que conhece os sentimentos das camaras municipaes, a quem consultou sobre as necessidades da provincia e do Brasil, não falou por si mas por seus concidadãos. Isto é tão indubitavel como o descontentamento actual do ultramar. «Todas as provincias, informa o honesto transmontano, amavam as resoluções do congresso, por isso que o congresso tivera a delicadeza de dizer que não legislava para o Brasil senão para o Reino. Quando se fizeram as bases da constituição se declarou expressamente numa dellas que a constituição só obrigava a Portugal e que [238] obrigaria ao Brasil quando fosse approvada pelos representantes de suas provincias. Neste estado de cousas o espirito de união era uniforme por toda a parte; não deve admirar que logo que o congresso sahiu desta linha e passou a legislar para o Brasil, que houvesse uma indignação geral naquellas provincias... É até um facto que se não pode negar»[279].

Presentindo que a assembléa se inclinava a perfilhar a opinião dos moderados, os radicaes tentaram estimular as paixões reclamando a leitura do officio, a pretexto que uns se não lembravam delle, e outros se não achavam presentes á sessão em que fôra publicado. Ninguem podia esquecer e ainda menos ignorar um documento reproduzido no Diario do Governo, commentado pela imprensa e que constituia o thema dominante das conversas. O parlamento teve o bom senso de repelir o manejo e auctorizou a commissão a apresentar o seu relatorio sobre o acto da junta de S. Paulo, quando pudesse formar juizo a respeito dos sentimentos do Brasil austral.[280]

Os brasileiros votaram com a maioria não sem terem declarado que se não oppunham á leitura da representação.

Antonio Carlos que alcançara dispensa de membro da commissão em sendo submettido a esta o officio paulista, em consequencia de figurarem nella parentes proximos seus, levado do mesmo escrupulo não descerrou os labios no [239] correr da discussão, o qual occupou duas sessões nem, até, concorreu ao escrutinio. Nada prova melhor o empenho dos brasileiros em cooperarem para a concordia que esse procedimento do fogoso paulista. Não lhe faltava coragem e eloquencia, e amava os irmãos, injuriados desapiedadamente, de envolta com a junta, por Moura e outros energumenos. Prefiriu, todavia recalcar no fundo da alma a indignação, gerada pelos doestos violentos contra os entes queridos, a atear com a sua intervenção um incendio capaz de comprometter a união, o interesse capital dos deputados brasileiros.

Escriptores ha que arrastados do desejo, de tirar ás Côrtes a responsabilidade da separação, contestam a sinceridade dos representantes americanos e enxergam em todos os seus actos e palavras uma successão ininterrompida de perfidias[281]. Chegam a referir um facto assombroso. Dizem que, conhecida a effervescencia de além-mar, alguns constituintes portuguêses dos mais influentes, reunidos no mêado de março em casa de Antonio Carlos, onde se achavam outros deputados brasileiros, declararam que no caso da America pretender a independencia, podiam accordar sobre as bases d'ella, para que se operasse sem desharmonia da familia. Os do Brasil repelliram com vehemencia a proposta, não querendo ouvir fallar em desunião. Affirma o historiographo que os ultramarinos assim responderam porque anhelavam separação violenta capaz de gerar odios[282]. Com dispensar commentarios a insensatez da interpretação, [240] limitar-nos-emos a considerar a narrativa. O mexerico politico, que a paixão partidaria promove, nunca se ostentou com mais irreflexão. Não nos dando o nome dos regeneradores nem mencionando as suas fontes de informação, o escriptor supprimiu os meios accommodados á averiguação de um facto, que, rejeitado da boa razão e dos documentos conhecidos, não podia ser exposto sem provas. É inadmissivel que os portuguêses tão sollicitos em mandarem tropas ao Rio e a Pernambuco, ao mais vago rumor de agitação separatista, contra os votos dos deputados d'esses povos, fizessem semelhante proposição. Como admittir o desmembramento voluntario da nação por parte d'aquelles que lhe deviam zelar a integridade? Porque offerecerião tal dadiva ao Brasil que então lh'a não pedia?

Supposto houvesse proposta tão inacreditavel, os brasileiros não podiam deixar de a recusar: traziam mandato de assentar as bases da união e não para promover a emancipação da patria[283]. Affirmavam-no a cada passo nas sessões, e lhes não era licito outra linguagem sem se pôrem em contradicção com a aspiração universal do Brasil. A junta de S. Paulo, o senado da Camara do Rio, o Reverbero constitucional[284] a folha politica contemporanea de mais pêso na opinião, propugnavam a integridade da nação. Ora, quando os chefes do movimento, que sobresaltava as Côrtes e Portugal, não formulavam senão esse programma, não podiam os mandatarios [241] do Brasil divergirem delle sem faltar aos conselhos da prudencia, do patriotismo.

Não procede tão pouco a allegação que os deputados e os corpos administrativos do reino americano estavam de cumplicidade com D. Pedro para a scisão do imperio. O regente aceitou a independencia forçado das circumstancias, e nem podia ser de outro modo porque ninguem espontaneamente e sem vantagem malbarata o seu patrimonio. Porque razão havia de voluntariamente contribuir para a reducção de seus futuros estados? Aquella connivencia significaria, demais, que houve no Brasil uma conjuração vasta e nunca divulgada, cousa sem exemplo. O facto é mais simples, e a verdade se encontra nos assertos dos brasileiros nas Côrtes.

O partido da independencia, que apparecêra em Pernambuco em 1817 e tinha adeptos por todo o Brasil mas sem ligação entre si, perdêra a sua razão de existencia com a proclamação do regimen constitucional, e com a promessa solemne da regeneração de não estabelecer differença entre Portugal e Brasil. Os ultramarinos entenderam então que, salvo o rei, os magistrados e autoridades serião da terra, que terião leis feitas por seus deputados e que a união lhes não daria encargos differentes do que imporia á mãe patria. Não tardou o desengano. O projecto de constituição no qual se reputavam provincias de Portugal as antigas capitanias começou a patentear-lhes quão profunda era a divergencia com os irmãos da Europa sobre o modo de comprehender as relações entre os dous povos, e outras resoluções das côrtes os persuadiam que em vez da egualdade nos direitos e interesses [242] tornarião á dependencia do Reino. Á capital portuguêsa virião os do Brasil procurar recursos contra a oppressão do Fisco e os desmandos da magistratura; de Lisboa partirião os juizes, as autoridades, os beneficios ecclesiasticos, e ahi estaria o commando supremo das forças insuladas na vastidão do Brasil, com que se difficultaria a defêsa contra o extrangeiro audaz e o restabelecimento da ordem nas provincias, conturbadas por commoções intestinas. Ao gaudio e confiança dos primeiros tempos succedeu a irritação em muitos, e em todos a apprehensão de que Portugal intentava insidiosamente restaurar o regimen colonial, temor que os prudentes procuravam dissipar estribados nas Bases.

Em verdade desde que se não applicassem ao Brasil as disposições constitucionaes sem o consentimento dos seus deputados, era licito esperar que, mediante a intervenção destes, a assembléa constituinte decretasse novas resoluções ao gosto dos povos ultramarinos[285]. Comprehende-se, portanto, o clamor de revolta que levantou no Brasil o dar-lhe congresso leis sem aguardar os seus representantes ou contra os votos dos poucos que nelle assistiam.

Ao passo que o parlamento alienava as sympathias de além-mar, molestava o melindre de D. Pedro com a ordem de regressar a Europa, a fim de, conforme os debates, completar a sua educação politica. Era o reconhecimento formal da ignorancia do principe. Sem apoio no povo nem na regencia, os decretos das côrtes ficavam ao desamparo no Brasil.



CAPITULO XIV


SUMMARIO:

O empenho de Portugal em reformar as pautas da alfandega.―A commissão de commercio.―O privilegio de navegação e a marinha portuguêsa.―Parecer conciliador dos brasileiros.―Fernandes Thomaz.―Injustiça do projecto ácerca dos productos agricolas.―A industria do Brasil e de Portugal.―O projecto fecha o Brasil ás nações amigas.―Os brasileiros não o acceitam.―Devolve-se o projecto á commissão para ser revisto.―Fernandes Pinheiro assigna o novo projecto.―O artigo incriminado reapparece intacto.―É restituido á commissão para ser emendado.



Restituida a Côrte á Europa não havia para os portuguêses negocio de maior monta que a reforma do regimen aduaneiro da monarchia. Empobrecida com a lei de 28 de janeiro de 1808 que facultara á concorrencia internacional os mercados do Brasil, e atrophiada por tres seculos de monopolio e parasitismo, a industria de Portugal não alcançara em treze annos energia para supplantar o inglês, odiado, ignorante da [244] lingua e dos usos da terra mas que offerecia aos americanos artigos bons e baratos.

Não desviava Portugal os olhos de além-mar, sem saber, todavia, como cobrar a preponderancia antiga, quando a regeneração e o regresso d'el-rei induziram-n'o a esperar que entre tantas mudanças, haveria logar para a realização do seu sonho. Mal se abriu o Congresso um dos seus membros, e não dos menores, declarou a conveniencia da união com o Brasil para o desenvolvimento economico do Reino[286], e acclamado no ultramar o regimen constitucional, os constituintes não exergaram na integridade da monarchia mais que uma fonte de beneficios materiaes para a velha metropole[287]. D'ahi por diante a visão do declinio d'esta se desfez á esperança do renascimento por via do trato com o reino ultramarino. Ninguem sabia das condições do novo plano mercantil, mas á medida que os irmãos mais velhos exultavam com a ideia da reforma das tarifas, os do outro lado do Atlantico, em minoria nas Côrtes, tomavam-se de pavor e perguntavam-se a si mesmos se não tinham razão aquelles que na Bahia, Pernambuco, S. Paulo, Minas e Rio attribuiam ao Congresso a intenção de os reduzir a colonos. Nada interessa tanto o homem como a subsistencia. Ora dizer que Portugal com os seus decretos apparelhava o terreno para a resurreição do monopolio secular, era ameaçar o operario, o agricultor e o commerciante de vender mal o seu trabalho e productos [245] e de comprar caro os baetões da Beira e a lençaria de Alcobaça, desdenhados depois que conheceram as fazendas superiores das fabricas britannicas. Tornou-se unanime o clamor da America, e n'elle os protestos dos interesses em perigo avantajaram-se á voz das aspirações politicas desenganadas. Para o extinguir entendeu a commissão especial dos negocios politicos do Brasil que nada havia mais efficaz do que o estudo immediato do projecto commercial[288].

Na commissão que elaborou o projecto de 15 de março havia dous brasileiros da Bahia, Bandeira e Pinto da França. Este propendia a harmonizar as conveniencias das duas secções do imperio em vantagem da Europa, e aquelle que não fallava nem fazia proposta sómente agora dava occasião de se formar juizo de seu espirito. Com elles trabalharam quatro europeus, e todos tinham a boa nota de se não recommendarem á admiração dos gremios[289], e um d'elles, Braamcamp, acompanhou a minoria corajosa que acceitava duas camaras.

O projecto começava por se valer do conceito de ser o Brasil provincia de Portugal, para considerar de cabotagem o trafego entre os portos da nação atravez do oceano e concluia, por isso, que se conduzissem as marcadorias de um o outro continente em navios de construcção e propriedade portuguêsa. Surgia, porém, uma questão preliminar; dispunha a monarchia de vasos sufficientes ás necessidades dos povos ultramarinos?

[246] De ha muito a marinha, que no meado do seculo XVI desfraldava as quinas por todos os mares, perdera o esplendor, mas agora se afundava no abysmo da miseria[290]. Falleciam-lhe barcos de guerra, em virtude da penuria do thesouro não permittir a renovação dos que se estragaram, ou desappareciam no fundo das aguas, e as raras embarcações mercantes, escapadas por milagre á pirataria, apodreciam nos ancoradouros, incapazes de disputar os carregamentos de ultramar aos forasteiros, por causa de encargos impostos pela rotina administrativa ao levantarem ferro[291]. Sujeitar o Brasil a se servir dos transportes do Reino era aggravar os seus generos com fretes excessivos, e acaso retardar o seu progresso attrahindo para o commercio maritimo, tornado altamente remunerador, capitaes destinados primativamente ao desbravamento das florestas e ao amanho das terras. Ferreira Borges e Guerreiro não admittiam, por isso, se vedasse absolutamente a navegação aos extranhos, e alvitraram que por meio de tributos sobre os alienigenas se habilitasse a marinha nacional a entrar em competencia com elles.

Os americanos, salvo Villela Barbosa e Pinto da França, partidarios da proposta, perfilharam essa opinião moderada, sem embargo de privar a patria da livre concorrencia internacional, da qual colhiam todas as vantagens e de sobrecarregar os fructos de ultramar com despesas desnecessarias. [247] O proprio Barata não pensou de modo differente, e reconheceu, pela primeira vez, a nenhuma influencia dos brasileiros nas decisões legislativas a respeito de sua terra. Começa então a apparecer nos seus discursos a feição de se despicar do menospreço da maioria, com encarecer a patria e deprimir desapiédadamente a antiga metropole. As figuras primaciaes da regeneração trouxeram ao debate todo pêso do seu prestigio, e as côrtes subscreveram o artigo em todo o rigor. Em acto continuo á votação, um dos autores do projecto. Luiz Monteiro, abalado pela discussão, receou não bastarem as naus portuguêsas para o serviço do ultramar, e lembrou a conveniencia de ser licito a este em certos casos ou mediante determinadas condições, valer-se dos navios de fóra. Fernandes Thomaz appressou-se em lhe remover o escrupulo com auctoridade, allegando que, por se tratar de simples lei e não de preceito constitucional, se lhe não tornaria difficil dar remedio na occasião.[292] Não ignorava o orgulhoso regenerador que a modificação ou creação de uma lei percorre os mesmos tramites lentos e que, no transcurso d'elles, se exporião os da America a damnos irreparaveis. D'isso, porém, não cogitava, comtanto que se salvaguardassem de modo inilludivel os interesses da nação, os quaes, ao seu parecer, não eram outros que os do Reino.

Sacrificava tambem a proposta as conveniencias da America com a obrigar a consumir o vinho, vinagre e sal da mãe patria, proscriptos [248] dos mercados de além-mar os productos similares extrangeiros. Verdade é que tambem Portugal não receberia assucar, tabaco e café e cacau senão do Brasil. Isto, porém, que á primeira vista parecia justa compensação, realmente o não era. Ao passo que as vinhas francêsas e hespanholas concorriam vantajosamente com os vinhedos do Douro[293], a natureza do solo, o clima, a qualidade da canna, e o trabalho escravo asseguravam ao Brasil para o seu principal artigo de exportação, o assucar, preeminencia nos mercados que lh'a não disputavam as colonias de Inglaterra, de França e de Hespanha[294]. O que tornava tambem o contracto notavelmente desegual, é que proporcionava á antiga metropole meio de collocar approximadamente a metade de sua exportação de vinhos, emquanto que ao Brasil não garantia a venda senão de oito por cento de seu assucar. Das duzentas mil caixas produzida pelo reino transatlantico, a secção europeia da monarchia absorvia em media somente dezesseis mil.[295] Os brasileiros, todavia, inclinaram-se a aceitar a clausula lesiva com a reserva de não ser absoluta a prohibição. Entendiam que, tributada com rigor a competencia extrangeira, protegia-se a agricultura indigena e não se tirava ao consumidor o recurso de se abastecer fora nos annos de escassez de vinho em Portugal ou de assucar no Brasil. Não vingou o [249] intento, e a maioria ainda sanccionou a disposição sem mudança substancial[296].

A proposta não acautellava melhor os interesses industriaes de alem-mar. Parece extranho que se refira a industria do Brasil n'esse periodo, limitada, como era, ao cortume e a tecedura do algodão por processos rudimentares. A commissão alludira, comtudo, a ella, disposta a protegel-a permittindo que entrassem em Portugal, isentos de impostos, os seus modestos productos, em troca porem, exigia reciprocidade para os artefactos portuguêses. Era zombar dos brasileiros semelhante proposição, apresentada, além d'isso, como penhor de generosidade e desvelo da mãe patria. A courama do ultramar, disputada pelos extrangeiros, excusava estimulo para ter escoamento, e o Reino precisava d'ella para as suas fabricas de sapatos, malas e arreios[297]. Não havia tão pouco favor em franquear aos mercados de Portugal os tecidos de Minas, insufficientes para o consumo local e que, caros e de qualidade inferior, cediam a qualquer competencia, como eram vencidos os do reino pela fabricação extrangeira. O projecto, porém, não só não amparava mas tendia a destruir a nascente manufactura ultramarina, deixando entrar ao abrigo de contribuições a lençaria portuguêsa, sujeita então ao imposto de 15%. Não cuidem que os ultramarinos achariam compensação ao desbarato de suas fiações na excellencia dos pannos do Reino, [250] que os iam cobrir. Portugal tinha a industria que póde existir n'um paiz sem carvão de pedra e habituado a trocar os seus artefactos com povos que não commerciavam com europeus. Fabricava mal e fabricava caro, houvesse ou não em casa a materia prima[298].

Fernandes Thomaz assignalara o atraso das manufacturas «apesar do que os nossos naturaes dizem e com quem não nos devemos illudir»[299].

Para favorecer esses industriaes negligentes, obrigava o projecto aos brasileiros usarem mercadorias inferiores e adquiridas mais caro do que pagavam as semelhantes de Inglaterra, consideradas então sem rivaes no mundo. Mas de todos os inconvenientes da proposta nenhum se avantajava ao seu effeito desastroso nas rendas publicas do ultramar. As taxas aduaneiras constituiam a principal fonte de receita, e entre ellas tinham parte conspicua os direitos sobre a importação de fazendas. Na situação angustiosa do erario brasileiro, a qual servira de pretexto para a extincção dos tribunaes superiores do Rio, renunciar a uma contribuição antiga, bem acceita dos povos e que certamente se não substituiria sem provocar novas queixas geraes, bastaria para testemunhar o menospreço com que se tratavam os interesses de uma parte da monarchia; mas os portuguezes aggravaram a negligencia não cogitando de preencher o vacuo do thesouro de além-mar. Verberada a injustiça do artigo por Lino Coutinho e Antonio Carlos, este acabou, [251] todavia, por subscrevel-o generosamente com a clausula de vigorar até 1825. Então expiraria o tratado de commercio com a Inglaterra, de 1810, e gravados fortemente os productos britannicos, e de outras partes, virião as mercadorias do Reino a pagar 15% com que se acautelarião os interesses das alfandegas ultramarinas. Assim resolveu o Congresso[300].

Como se não bastassem essas disposições eminentemente damnosas ao Brasil, a commissão quis attender ao commercio da antiga metropole, desconsolado com a perda do privilegio de distribuir os productos brasileiros aos mercados do mundo, privilegio mais rendoso que as suas industrias[301]. Revogar francamente o decreto de 28 de janeiro de 1808, considerado o agente poderoso do progresso de além-mar, alienaria as derradeiras sympathias do novo reino pelas côrtes; e, por outra parte não satisfazer a mercancia de Portugal, que na união não divisara mais que as suas conveniencias, arriscava esfriar o zelo pela regeneração dos influentes traficantes do Porto e de Lisboa. A commissão intentou atravessar o passo escabroso por via de combinação de taxas no presupposto ingenuo de não serem os deputados da America mais sagazes que os seus collegas Bandeira e Pinto da França. Propunha pagassem os generos americanos exportados em navios nacionaes um por cento e levados por barcos extrangeiros seis por cento, salvo o algodão obrigado a dez por cento.

[252] Até ahi excusava-se a providencia com côr de protecção á marinha nacional, sem embargo de estancar as receitas de além-mar. Zefirino dos Santos, que patenteou na discussão intelligencia e saber, advertiu que vingada a proposta, a renda fiscal resultante somente da exportação do algodão, tributado approximadamente em 15% desceria a zero, porque seria expedido o importante producto em navios portuguêses e o um por cento a que estaria sujeito, mal custearia o serviço aduaneiro. Onde, porém, a commissão se mostrou sem pejo e confirmou plenamente o temor de recolonisação que sobresaltava o Brasil inteiro, foi na disposição immediata, na qual facultava aos alienigenas carregarem os seus navios nos portos de Portugal mediante dous por cento, aquellas mercadorias que procuradas no paiz de producção soffrerião á sahida o imposto de seis a dez por cento. Era afugentar puramente e simplesmente o europeu da outra secção da monarchia. De feito se não aventuraria á travessia longa e perigosa para buscar cousas offerecidas em seu continente com menores encargos; e se não as procurava na America, tambem lá não mandaria os seus artefactos, porque não queria fazer o pessimo negocio de trazer sem carga a sua embarcação. Portugal tornava-se, por conseguinte, o emporio do commercio da monarchia, resuscitava-se o monopolio sem se fecharem os portos da antiga colonia ás nações amigas. Borges de Barros, Zefirino dos Santos e Antonio Carlos desvendaram os intuitos da commissão. «Os brasileiros, disse o fogoso paulista, tem os precisos conhecimentos dos seus verdadeiros interesses, estão muito adiantados em civilização e cultura para serem tratados como selvagens. Elles [253] vêem, e todo o mundo vê, a tendencia occulta desta medida. Portugal viria a ser o deposito unico das producções do Brasil, a elle só concorrerião os extrangeiros a fornecer-se destes productos, e no mercado brasileiro desde então deserto de qualquer outra competencia, dictarião leis os negociantes portuguêses e os seus agentes, e deste modo restabelecer-se-ia indirectamente o odioso exclusivo colonial»[302].

Os autores do projecto desnortêados com a revelação de seus designios e sem meios de destruir a accusação, referiram-se a esta com desdem como se fora cousa indigna de lusitanos sacrificar ao torrão natal as conveniencias de além-mar, Zefirino dos Santos desmacarou-lhes o arreganho de altivez e de liberalismo com ler o relatorio da commissão extra-parlamentar, constituida dos negociantes mais notaveis do reino e que servira de base á proposta, «Se conseguirmos, rezava, em virtude das providencias sujeitas ao soberano congresso sobre o commercio do Brasil que a troca dos productos do mesmo Brasil, Portugal e Algarves pelas manufacturas extrangeiras se verifique em a Praça de Lisboa, alcançamos vantagens mui superiores sem duvida as que poderiamos esperar das fabricas»[303].

A commissão não fôra mais feliz tentando amparar a sua obra com a conveniencia de auxiliar a marinha da nação. O implacavel Zefirino dos Santos retrucou que de facto o projecto promoveria a navegação mas exclusivamente á [254] custa do novo reino, porque os generos portuguêses, quaes o vinho, o sal e a fructa não solviam encargo algum fiscal transportadas para fóra por extrangeiros, e os proprios productos de além-mar saídos de Portugal em vasos extranhos contribuiram tão pouco para o erario, que não era licito considerar protectora a tarifa.

Frustrado o intento machiavelico com os golpes certeiros dos americanos, o congresso deliberou devolver os artigos incriminados á commissão para ella os modificar de accordo com as emendas apresentadas na discussão, entre as quaes sobresaia a de Zefirino dos Santos conciliadora dos interesses de uma e outra parte da nação. Propunha o atilado pernambucano a mesma contribuição sobre generos ultramarinos fossem elles exportados do paiz productor ou reexpedidos da mãe patria[304].

Passava-se isto no mês de julho, e sem embargo do presidente das Côrtes estimular a commissão a apresentar o seu trabalho rectificado[305] ella guardou silencio até 14 de setembro[306]. Assignaram o projecto os mesmos portuguêses que elaboraram a proposta anterior mas por parte do Brasil o não subscreviam agora Bandeira e Pinto da França, que, por doentes fallaram ás sessões havia alguns dias: substituia os Fernandes Pinheiro, mandatario de S. Paulo com assento no congresso desde 27 de abril.

Era um espirito grave e culto, e acabara de [255] se salientar superiormente nos agitados debates ácerca da evacuação militar de Montevideu. Este precedente induzia a acreditar que os interesses da America terião solicito patrono. Infelizmente, porém, os collegas da commissão, ou por méra coincidencia ou por calculo, submetteram o novo trabalho á assignatura do douto varão, quando o preoccupava um dos negocios que mais apaixonaram a bancada americana. Em verdade n'esse mesmo dia 14 de setembro, o egregio paulista declarava o seu proposito de não jurar a constituição em desaccordo flagrante com as aspirações do novo reino. D'ahi resultou que Fernandes Pinheiro veiu a pôr o seu nome no documento que tendia recolonizar a patria; porque por mais extraordinaria que seja a cousa nos annaes parlamentares, a negregada disposição devolvida á commissão para ser alterada de conformidade com as emendas e advertencias apresentadas no debate, resurgiu intacta nas Côrtes. Já ahi não vinham Antonio Carlos, Barata, Lino Coutinho, Borges de Barros e Ferreira da Silva, que tomaram parte nas discussões precedentes, e os poucos brasileiros, que assistiam a essas derradeiras sessões, se haviam desinteressado dos trabalhos legislativos, mais e mais convencidos da imminencia da separação. Nem por isso deixou a proposta insolente de soffrer duro assalto de Zeferino dos Santos, secundado vigorosamente por Castro e Silva, deputado por Ceará no Congresso desde 8 de maio. Os portuguêses não queriam renunciar o intento, e entre elles nenhum se avantajou em tenacidade e ousadia a Ferreira Borges, um dos próceres da regeneração. Manhoso e com interesses no commercio, na qualidade de secretario da Companhia do Alto [256] Douro[307] lembrou-se, a despeito do conhecimento dos negocios do Brasil, patentêado na segurança presumpçosa com que resolvia as questões mais intrincadas de além-mar, de que havia cousas simples que ignorava, e estas não eram outras senão as taxas aduaneiras dos generos americanos sahidos em barcos extrangeiros. Opinava, por isso, pela conservação das tarifas estabelecidas até melhor conhecimento da materia. Os brasileiros se não deixaram commover com esses testemunhos de modestia e de zelo pelo bem publico, e repelliram com vivacidade o alvitre matreiro tendente a reservar exclusivamente a Portugal o trafico com o ultramar. De feito mantidos direitos em vigor e o que acabava de ser approvado, os de fóra não levarião algodão do Brasil sem dar 15% á alfandega, ao passo que os portuguêses não pagarião mais que um por cento. Não atravessarião, pois, o Atlantico em busca de um producto offerecido em Lisboa alliviado de tão gravosa contribuição. Apesar de nova intervenção de Ferreira Borges, apoiado por Soares Franco, as côrtes devolveram ainda outra vez o projecto á commissão a fim de o redigir de conformidade com as idéas de Ferreira Borges e Zeferino dos Santos[308]. Eram conceitos antagonicos que a commissão jámais lograria conciliar. Sabia-o o Congresso mas não ousava pronunciar-se no sentido da aspiração portuguêsa com receio de levante geral por todo o Brasil, e não se manifestava o favor d'este por não desgostar os mercadores do Reino com lhes arrancar [257] a esperança de rehaver o suspirado monopolio, justamente quando tomava vulto o descontentamento contra a regeneração.

Não mais se discutiu o negocio nas Côrtes. Não é, porem desarrazoado suppor, visto o empenho ardente do Reino, que o parlamento acabaria por sanccionar a odiosa medida, se os successos do Brasil o não houvessem levado á independencia.



CAPITULO XV


SUMMARIO:

Noticias do Rio.―Insultos aos partidarios de D. Pedro.―Antonio Carlos.―Effervescencia da assembléa.―Os portuguêses não censuram as tribunas.―Alguns deputados de S. Paulo e da Bahia resolvem não vir ás Côrtes.―Antonio Carlos renuncia ao mandato.―O congresso convida os brasileiros melindrados a tomarem os seus logares.―Projecto de Feijó.―Impressão nas Côrtes.―Attitude de Moura.



Apenas encetada a discussão do projecto das relações commerciaes, veio ao congresso a nova de graves successos occorridos no Rio de Janeiro. A junta de S. Paulo, como vimos, representara ao principe a conveniencia de não attender ao decreto que o revocava á Europa, e paulistas, mineiros e fluminenses cuidavam fazer petições analogas. A assemblêa, o governo, Portugal inteiro confiava, porém, que os regimentos portuguêses destacados em além-mar, enthusiastas da regeneração, frustarião os desejos do Brasil meridional compellindo D. Pedro a obedecer á resolução legislativa. Ora na sessão de 15 de abril soube-se por via de Jorge de Avillez, commandante [259] da divisão auxiliadora, que não só o regente decidira ficar na America mas tambem que elle e os seus soldados haviam, para evitar os horrores da guerra civil, desertado a capital brasileira pela Praia Grande, de onde tomarião a caminho da Europa, em chegando os batalhões que os deviam render. Antolha-se-lhe, contudo, incerto que pudessem aguardar essas tropas por causa da insistencia de D. Pedro para que embarcassem immediatamente. Queixava-se tambem o general de que a despeito dos seus protestos, o herdeiro da corôa desfazia os regimentos do Reino com dar illegalmente baixas a todas as praças que lh'as requeriam.[309]

Era um golpe profundo no prestigio das Côrtes; e á indignação resultante do menoscabo de suas determinações accrescia a impotencia de reagir, attenta a defficiencia dos recursos militares e economicos da metropole para crear naquella parte do ultramar poderoso nucleo de resistencia. Comprehende-se, pois, a exaltação, a raiva crescente do povo, apinhado nas galerias, e nas constituintes, os quaes através dos officios enxergavam o exercito lusitano recuar perante as milicias «frades armados, clerigos e cidadãos» sob os risos de mofa e um diluvio de injurias. Finda a leitura desses documentos, Borges Carneiro, o menos proprio para orar em tal conjuntura, em consequencia do temperamento ardente e impulsivo, requereu o exame da representação de S. Paulo de 24 de dezembro, e a exhibição dos papeis relativos a Montevideu com o intuito de pôr ás ordens do governo as forças portuguêsas [260] destacadas na Banda Oriental para com ellas castigar os rebeldes; não porém, sem ter previamente injuriado do modo mais desabrido os partidarios de D. Pedro. «Eram homens depravados e ladrões que roubaram sempre a nação»[310]. Nesse partido figuravam parentes e amigos dos deputados paulistas e pela primeira vez um brasileiro occupava o cargo de ministro, José Bonifacio. Dizia o pessimista Correio Brasiliente que era principalmente esta novidade que irritava os irmãos mais velhos. Com José Bonifacio estava no conselho da regencia na qualidade de gestor da fazenda publica, Caetano Pinto de Miranda Montenegro, o integro quanto molla capitão general de Pernambuco por occasião de revolta de 1817. Era licito a um irmão deixar sem resposta semelhantes conceitos? Antonio Carlos capitulou-os de calumniosos e affirmou que os actuaes collaboradores do principe real e os fautores do movimento politico do sul brasileiro não cediam em probidade a nenhum dos membros da assembléa. Não pôde continuar suffocado por gritos, «á ordem» e protestos vehemente do recinto, e por insultos e ameaças vomitadas das tribunas.[311] Restabelecido o silencio, proseguiu estimulado pela borrasca, com voz sonora e vibrante, relevada por gesticulação sobria e grave.[312] Apesar dos sussurros, aliás despreziveis [261] das galerias não teme repetir que em inteireza moral, nenhum deputado vence a qualquer dos parciaes conspicuos de D. Pedro. Desafia que lhe apontem um desfallecimento da honra na vida longa dos ministros do reino e da fazenda.

O congresso, em vez de verberar o procedimento insolito dos espectadores, aos quaes o presidente nem intimou o silencio, de algum modo o applaudiu pela boca de Fernandes Thomaz.

O congresso declarou o egregio varão a Antonio Carlos, disposto a abandonar o mandato por causa das insolencias do publico, que lhe tiravam a isenção de animo, o congresso não podia responder pelos actos do povo nas galerias, povo, aliás, o mais socegado da Europa[313], como se não tivessem as assembléas meios de cohibir os desmandos dos assistentes.

Os ultramarinos mostraram-se grandemente magoados com a attitude dos collegas europeus perante os descommedimentos das tribunas. Muitos faltaram ás reuniões subsequentes e Barata, Agostinho Gomes, Feijó e Bueno persuadidos de que lhes fallecia liberdade para a defêsa dos interesses da patria, solicitaram escusa para não comparecer no congresso, emquanto perdurasse em Lisboa a exaltação dos animos[314]. Antonio Carlos, em carta ao Diario do Governo dada á publicidade, affirmou determinadamente que deixava de ser deputado da nação[315].

[262] O pacato Fernandes Pinheiro, que assistia á discussão da tribuna, e devia prestar juramento no dia immediato, retirou o seu diploma da commissão de poderes «duvidando fazer parte de um congresso que injuriava a um membro seu, como o havia sido o meu collega por S. Paulo»[316]. Villela Barbosa confirmou o desrespeito dos espectadores e disse que os mandatarios do Brasil soffrião insultos nas ruas e em pasquins e cartas anonymas[317]. Sousa Monteiro, a despeito de os desestimar, reconhece que a populaça se excedeu contra elles[318]. Não é licito, pois, contestar que os do novo reino padeceram vexames senão perigo. Assim devia ser, pois que os successos do Brasil attrahiam o odio do povo, e na effervescencia dos espiritos não faltarião certamente energumenos que lançando á conta dos mandatarios americanos aquelles acontecimentos, julgavam desaggravar o resentimento nacional com doestos contra os suppostos responsaveis.

Diz La Rochefoucauld que sempre temos energia e resignação para supportar os males alheios. Podiam repetil-o agora os do Brasil aos deputados europeus que não sentiam a indignação purpurear-lhes o rosto á increpação de perjuros e ingratos atirada contra elles. De feito, os regeneradores não acharam motivo para censurar as tribunas, onde, disseram, não houvera mais que simples sussurro, com que se não deviam incommodar os collegas de além-mar. E valeram-se da opportunidade para entôar louvores [263] ao povo. Fernandes Thomaz, que recebia das galerias, dos clubs, de Portugal testemunhos de sympathia e admiração, podia ser insensivel a uma ou outra injuria esporadica. Aconselhou aos brasileiros imitassem a sua philosophia sorridente perante as affrontas, e a proposito observou com bom humor: «Ainda hontem fui pintado ao pé de uma forca, a subir pela escada acima. Verdade é que eu não parecia nada com o que lá estava pintado»[319].

O Congresso não acceitou a excusa dos bahianos e paulistas, allegando que sómente a impossibilidade physica justificava o não comparecimento dos deputados ás sessões, e quanto a Antonio Carlos declarou não ser licito ao representante da nação renunciar o mandato. Rogava a todos viessem tomar os seus postos[320]. Acquiesceram. No correr do debate os portuguêses não duvidaram attribuir o gesto dos ultramarinos ao terror, terror panico,[321] e com isso ainda mais affrontaram os collegas. Contra semelhante arguição reagiu do modo mais atrevido que comportava a situação um dos accusados, e este foi um padre. Era o primeiro discurso de Feijó nas Côrtes.

Vamos apresental-o em substancia por exprimir o caracter resoluto e intrepido do estadista que licenciou mais tarde o exercito brasileiro tornado bando de facciosos. Arredara-se, disse, [264] até agora da tribuna não tanto por lhe faltar eloquencia e lhe sobejar acanhamento, senão por haver reconhecido que a sua voz se perderia na assembléa, dominada por ideias contrarias ás de S. Paulo e, acaso, de todo o Brasil. Apenas tomara assento, formulou uma moção com o fim de conhecer as disposições das Côrtes ácerca de certos negocios do Brasil. Submetteu-a ao secretario para que a lesse em sessão. Excusou-se este com o fundamento que o chamarião á ordem. Como lhe falleciam talento, eloquencia e prestigio para fazer medrar a proposta, deixou de a apresentar e contentou-se d'ahi por diante com votar conforme a sua consciencia.

Em virtude dos tumultos occorridos na sessão de 15, communicou á assembléa a sua resolução de não comparecer a ella até que o tempo acalmasse os animos excitados com as cousas da America. Insultados pelo povo aqui e em toda a parte sem que as Côrtes e o governo deligenciem refrear taes attentados, os mandatarios do novo reino, principalmente os de S. Paulo, não guardam a serenidade indispensavel ao exercicio livre e justo de seus direitos. Como ousa o Congresso contestar aquellas affrontas feitas aqui dentro, nas ruas, reproduzidas em pamphletos? Como se aventura a julgar as queixas dos representantes do Brasil sem inquerito, sem forma de processo? Não o salteou o mêdo na sessão ruidosa, e se não peja de confessar que lhe conhece as angustias, por as haver experimentado. «O valor e coragem consistem em vencer o temor quando convém encarar o perigo: parece-me tambem que os terei quando chegar a occasião». Como lhe asseguram ser licito apresentar a sua opinião, vai submetter á ponderação das Côrtes um projecto [265] accommodado ás circumstancias presentes do Brasil a fim de tolher a explosão imminente de guerra intestina. Importa, porém, antes considerar o aspecto do reino ultramarino. Na realidade as provincias estão independentes entre si, e qualquer d'ellas tem governo autonomo, e tão legitimo, porque partiu de sua livre escolha, como o que se deu a si mesmo Portugal em 15 de setembro. Não ha, por conseguinte, mandatarios do Brasil, os americanos n'este recinto representam exclusivamente as provincias que os elegeram; e como nenhum povo tem o direito de impôr a outro as suas instituições propõe:

O reconhecimento da independencia das antigas capitanias até a publicação da lei constitucional;

O pacto social obrigará sómente aquelles povos que pela maioria de seus representantes o approvarem;

Sem requerimento das juntas, o Congresso não mandará batalhões ás terras de além-mar;

Compete aos governos provinciaes remover as tropas portuguêsas julgadas desnecessarias ou perigosas, e sem a sua sancção não terão vigor nos limites de sua jurisdicção os actos do governo de Lisboa.

Quando as occorrencias do Brasil exacerbavam os animos, como prenuncios de separação, e moviam contra os da America a cólera da metropole, levantar-se um dos representantes da provincia rebelde para, em vez dos protestos habituaes de união, convir na independencia, era a maior das audacias. Quem suppuzesse, porém, que Feijó não intentava senão alardear coragem, mostraria desconhecer o seu caracter grave e destituido da preoccupação do effeito. Era elle [266] resoluto e notavelmente intrepido, como testemunham mais de um acto de sua agitada vida politica, entre os quaes sobresahe o desejo de abolir o celibato clerical, a mais extraordinaria das reformas aventadas por estadista brasileiro. Grandemente inquieto com o malestar do Brasil por causa dos decretos das Côrtes votados contra o alvitre dos deputados da America, afigurou-se-lhe que para conseguir do Congresso a revogação d'aquellas resoluções e tornar d'óra avante decisivo o voto dos ultramarinos nas cousas da patria, não havia senão uma medida, e esta era a consagração da autonomia absoluta das provincias, tanto mais que com isso se não fazia mais que reconhecer a realidade.

As provincias julgavam-se, de feito, independentes mas entendiam ligar-se a Portugal por laços de sua escolha, que eram a constituição feita nas Côrtes de conformidade com os mandatarios dos povos transatlanticos. Feijó obedecia a este sentimento e repellia a separação definitiva, de que aliás não cogitavam o seu mandato, a bancada americana e os fautores do movimento de S. Paulo, Minas e Rio.

A proposta esteve a pique de provocar tumultos. Se em alguns constituintes renovou o empenho de acudir aos desejos da America, quanto permittisse a integridade da monarchia[322], pareceu a outros provocação insolente que a provincia detestada atirava pela boca de um padre, o seu mais humilde representante, aos brios de nação.

Moura assim o sentiu. Depois de haver concordado [267] com o presidente ácerca da remessa do projecto á commissão especial dos negocios do Brazil, julgou de extrema urgencia a discussão das cousas da America «principalmente das medidas que se hão de adoptar para punir os que verdadeiramente sejam rebeldes, devemos tratar da representação de S. Paulo, isto em primeiro logar»[323]. Cuidava, por ventura, o arrogante regenerador que desse modo intimidava Feijó e atalhava nos brasileiros as tendencias para proposições revolucionarias.

Mandado á commissão a especial proposta, Feijó concordou fosse examinada depois de outras materias em estudo na mesma commissão[324]. Não mais, porém, se falou d'ella, afundada no esquecimento de envolta com outras proposições.



CAPITULO XVI


SUMMARIO:

Os deputados do Pará, Goyaz e Espirito Santo.―D. Romualdo de Sousa Coelho.―Desembargador Segurado.―Hostilidades contra o Brasil.―A questão de Montevideu.―Fernandes Pinheiro.―O congresso não admitte o despejo militar da Banda Oriental.―Opinião singular de Segurado.―Incidente Barata.―Irritação com as noticias do Rio.―O governo resolve mandar tropas ao Brasil.―Odio dos americanos do norte aos regimentos da metropole.―A deputação do Ceará.―Os regeneradores querem reduzir o Brasil pelas armas.―Felicitações de Jorge de Avillez ao congresso.―As Côrtes approvam o acto do governo.―Resolução de Borges de Barros.



No correr de abril fizeram-se representar nas Côrtes, Pará por D. Rumualdo de Souza Coelho,[325] Espirito Santo pelo Dr. João Fortunato [269] Ramos dos Santos[326] e Goyaz, comarca das Duas Barras pelo desembargador Joaquim Theotonio Segurado[327]. O deputado paraense que acabara de ser investido do episcopado de sua provincia, recebeu sem desvanecimento a honrosa incumbencia de collaborar na constituição da monarchia. Foi o bispo por excellencia attento aos severos preceitos do concilio Tridentino, que se inspirára, para os compôr, na vida dos pastores primitivos. Desvelava-se pela pobreza e pelos infelizes, promovia a criação de bons sacerdotes, e ninguem mais do que elle na extensa diocese cumpriu o encargo da visitação, sempre duro mas penosissimo em terras escassamente povoadas e sem gasalhados, cobertas de florestas mortiferas ou cortadas de rios com passos perigosos. Com elle fôra eleito em 19 de dezembro 1812, Francisco de Souza Moreira, o qual, por motivos que não alcançamos, só compareceu nas côrtes em 2 de julho. Devia substituil-os Joaquim Clemente da Silva Pombo, que não teve occasião de o fazer. Apenas entrado no parlamento, o virtuoso prelado confessou com simplicidade enternecedora a sua penuria, porquanto a junta do Pará negligenciara de prover ás suas despêsas de viagem e de estada em Lisboa[328], como aliás, fizeram muitos governos do ultramar ou por falta de recursos, ou, o que é mais provavel, por lhes fallecer tempo para cuidarem de [270] outra cousa que não conter as ambições desabrolhadas com a regeneração. Em taes casos, consoante a determinação das Côrtes, competia ao erario da monarchia subministrar ao representante da nação o subsidio estipulado de 4$800 reis por dia. Não se procedeu de modo diverso com o insigne sacerdote[329].

O mandatario do Espirito Santo, eleito na Victoria aos 20 de setembro de 1821 juntamente com o substituto o bacharel José Bernardino Pereira de Almeida Baptista exercia o magisterio na universidade de Coimbra[330]. Todos esses deputados eram naturaes da provincia que representavam, salvo o desembargador Segurado que nascêra no Alemtejo, mas residia em Goyaz ha mais de sete annos, praso necessario para os de fora receberem poderes politicos da terra de seu domicilio[331]. Exercendo na capitania a judicatura desde ao menos 1809 em que fôra despachado ouvidor da nova comarca de S. João das Duas Barras, cuja séde se transferira ulteriormente para a Barra da Palma, o alemtejano lograra a confiança do mais prestadío capitão general da vasta zona central, D. Francisco de Mascarenhas, e, mais administrador que jurista, se empenhára com próspero resultado em dotar a região de melhoramentos de monta. Promovêra a navegação do Tocantins, com que favoneara grandemente [271] as populações ribeirinhas, abrindo-lhes o mercado do Pará, onde permutavam os seus productos mais vantajosamente, em virtude da differença de distancia, do que com a Bahia e S. Paulo, como faziam anteriormente; e despertara o gosto pela agricultura lucrativa e moralizadora em detrimento da pesquisa e mineração do ouro, aleatorias e as mais das vezes corruptoras. Não surprehende, pois, que acclamado em Goyaz o novo regimen, os eleitores, que nos periodos de exaltação patriotica antepõem os interesses da collectividade aos calculos de ambição pessoal ou ás paixões mesquinhas, escolhessem para deputado aquelle que se desvelara pelo bem publico, supposto não fosse seu conterraneo. Com Segurado fora eleito outro benemerito da terra, o conego Luiz Antonio da Silva e na qualidade de supplente Placido Moreira de Carvalho[332] com domicilio no Pará. Apparece, todavia, o ouvidor nas Côrtes como representante da comarca de S. João das Duas Barras e é seu substituto Lucio Luiz Lisboa. A explicação do facto está na agitação politica que, em seguida á queda do despotismo lavrou por todo o Brasil, e não poupou a miseranda capitania, em caminho, contudo, de emergir da penuria resultante do exgottamento dos veios de ouro e da procura sem fructo de novas minas. De feito, proclamada a causa de Portugal, os goyanos não se conformaram com aguardar a constituição que haviam jurado para terem o governo de sua eleição, e á semelhança de S. Paulo e outras terras intentaram substituir o capitão general por uma junta ou agregar-lhe [272] collaboradores de sua nomeação. Não o conseguindo era razão da resistencia do governador Manuel Ignacio de Sampaio apoiado com efficacia nas forças militares, os patriotas abandonaram a capital, uns constrangidos da autoridade e outros livremente, mas todos concordes em estabelecerem a administração na parte septentrional da capitania. Theotonio Segurado, emprehendedor e querido, pôs-se á frente do movimento insurreccional, e na comarca da Palma, de sua jurisdicção, promoveu a criação da junta provisional, da qual se tornou presidente.

Feitas as eleições e escolhido representante do districto não hesitou em aceitar o encargo com mira de alcançar das Côrtes o fraccionamento de Goyaz em duas provincias, uma ao norte, outra ao sul[333], de conformidade com os seus committentes. O prestigio de que gozava na capitania, qual nenhum outro deputado tinha perante o seu eleitorado, e a circumstancia de ser português, que nos levaram a occupar com individuação dos antecedentes do prestante alemtejano, nos induzem tambem a notar os seus gestos nas Côrtes perante os negocios da America.

Esses tres mandatarios vinham encontrar os regeneradores e o governo de Lisboa dispostos a domarem o Brasil pela força, uma vez que resistia aos decretos da metropole e expulsava do seu seio os regimentos do Reino. No Rio a divisão auxiliadora continuava a teimar em não sahir da terra, sem que a rendessem novas tropas enviadas de Portugal, mas em Pernambuco os [273] batalhões recentemente desembarcados com José Maria de Moura se aprestavam a volver á Europa, coagidos do Povo. O primeiro acto de hostilidade foi a prohibição por via do consul de Portugal em Londres de se exportarem armas e munições de guerra para além-mar. Assignala-o o correio Brasiliense e ao mesmo tempo que zomba da providencia, empregada outróra sem exito pela Hespanha contra as suas possessões revoltadas, com solicitude pelos compatriotas lhes indica a composição da polvora[334] Vergueiro requer explicação ao Governo de semelhante medida capaz de irritar o novo reino com a desconfiança de que o intentam bloquear[335]. E o congresso em vez de pedir simplesmente informação ao governo, trata o requerimento como se fôra projecto de lei, não deixando por isso duvida ácerca de sua connivencia com o executivo.

Não bastava, porém, difficultar aos da America a acquisição de armas para que fossem cumpridos os decretos das Côrtes; urgia subjugal-os e isto se não alcançaria senão pela força. Os regeneradores tiveram então uma idéa diabolica. Estava por esse tempo em Montevideu a flor do exercito lusitano que varrêra da peninsula os regimentos temerosos de Napoleão. Eram os voluntarios reaes, e chamara-os D. João VI ao Brasil para com elle se assenhorear da Banda Oriental, que, dominada da anarchia nascida da lucta dos partidos pelo poder, não podia offerecer resistencia á invasão, solicitada, aliás, [274] por uma parcialidade, que julgava não existir outro meio de dar tranquillidade a patria do que a encorporar na nação portuguêsa. O monarcha saíu com o intento, a pretexto da insurreição determinar frequentes incursões em seus dominios de Artigas para se por ao abrigo dos adversarios. Após varios episodios, o estado oriental reconheceu a soberania da corôa portuguêsa e, até, chegou, como as provincias brasileiras, a eleger deputado para as Côrtes de Lisboa, retido, porém, no Rio pelo regente, então em conflicto com o poder legislativo da nação. A titulo da occupação contrariar os principios de justiça proclamados pela regeneração mas na realidade para não exacerbar a Hespanha, que não desistia de seus direitos metropolitanos e, principalmente, para habilitar o governo a submetter promptamente a opposição do Brasil commissão diplomatica constituida de Moura, Fernandes Thomaz, Xavier Monteiro, Miranda e outros liberaes, afoitou-se a propôr a evacuação de Montevideu e que o exercito português ficasse á disposição do poder executivo para lhe dar «o ulterior destino que julgar conveniente».

Certamente que a boa razão não suffraga a dominação de paiz vizinho por ferverem n'elle discordias. Em taes occasiões prescreve a justiça que a nação limitrophe se acautele de irrupções provaveis em seu territorio por meio de regimentos distribuidos na raia, e mais tarde exija do vizinho indemnização dos damnos e perdas que lhe occasionaram as suas luctas domesticas. Mas além da justiça não passar de idéal assás vago e sem applicação entre as collectividades e os individuos, a tomada de Montevideu de algum modo se justificava. Os seus primeiros habitadores [275] haviam sido portuguêses, persuadidos de que os limites meridionaes do Brasil ficavam na margem septentrional do Prata, e por mais de dous seculos persistiu nos seus descendentes essa pretenção, impugnada, todavia, pelos hespanhoes. D'ahi procedeu controversia ardente e não raro sanguinolenta, que, convenios successivos, em consequencia de redacção pouco precisa, não vingaram dirimir, até que o tratado de 1777 attribuiu a Hespanha a propriedade das duas margens do rio. Altamente irritados com esse accordo, os portuguêses da America valeram-se com diligencia do rompimento das hostilidades, em 1801 entre as duas metropoles, para o rasgar, e começaram a sua marcha triumphante para o sul com o fim de restabelecer a demarcação primitiva.

A reconciliação de Portugal e Hespanha não fez os brasileiros largarem mão do proposito. Allegavam agora que as commoções intestinas dos estados platinos com trazerem em sobresalto os moradores da fronteira do Rio Grande, os contragiam a procurar um ponto estrategico para conterem as guerrilhas turbulentas, e esse não era outro que a margem esquerda do Prata. D. João VI algum tempo hesitante, senão contrario á emprêsa, adoptou-a com enthusiasmo, sendo informado de que o tratado de paz geral de 1814 o mandava restituir a Guyana aos francêses sem compensação, e que o congresso de Vienna não cogitava de devolver a Portugal Olivença, retida pela Hespanha. O menos bellicoso dos monarchas resolveu então se desaggravar na America da injustiça e menoscabo das grandes potencias, desde que se não podia desforçar dellas na Europa. Mandou vir cinco mil [276] homens aguerridos do seu exercito e os collocou no extremo sul do Brasil sob o commando do general Lecor.[336] A presença dessas tropas disciplinadas, o desejo de socego por parte da população, a crença de algumas personagens conspicuas que a sujeição ao vizinho mais poderoso restauraria a ordem na patria e tambem o suborno dos chefes de algumas facções, determinaram a Banda Oriental a encorporar-se na monarchia portuguêsa por acto de 31 de julho de 1821. Aquillo, pois, que no começo não passava de conquista insidiosa tornava-se por esse documento annexação livre, que devia escapar á censura dos liberaes e punha D. João VI em boa attitude perante a Hespanha, a Inglaterra e a França, que viam com desprazer o alargamento dos dominios do soberano português.

Os brasileiros reprovaram com energia o alvitre da commissão diplomatica, o qual, como vimos tendia a lhes tirar a fronteira cobiçada ha seculos com as armas nas mãos e agora readquirida sem derramento de sangue. Invocaram a posse primitiva sanccionada por differentes convenios, a caducidade do tratado de 1777 em consequencia da guerra de Hespanha com Portugal em 1801 e mais que tudo se firmaram no auto da encorporação. Não concebiam que a Hespanha se pudesse magoar com a annexação, porquanto os estados platinos absolutamente autonomos eram livres de se associar consoante as suas conveniencias. Desfaziam o argumento dos regeneradores baseado na miseria do thesouro [277] de Portugal com a proposta de assumir o Brasil o encargo da occupação, tanto mais que já carregavam os paulistas a parte mais dura da emprêsa, que era a defensão das fronteiras. Batidos em todos os pontos, os magnates da regeneração acabaram zombando do empenho dos brasileiros em ter por limites aguas navegaveis. Replicou-lhes com desdem o barão de Mollelos, militar experimentado, que semelhante parvoice não merecia refutação. O congresso depois de porfiados debates não acceitou o parecer de Fernandes Thomaz, de Moura, da commissão diplomatica, em summa, não porque os successos do Brasil o persuadissem da conveniencia de attender aos americanos nos negocios da sua patria mas por outros motivos. Dos constituintes uns não ousavam contrariar o soberano em cousa tão do seu coração e outros pretendiam servir-se em tempo da occupação para futuras transacções com os hespanhoes ou com outro povo no interesse exclusivo de Portugal.[337]

Estreou então nas côrtes Fernandes Pinheiro deputado por S. Paulo, que prestara juramento aos 27 de abril[338]. Ha mais tempo devêra tomar assento, não o fizera, contudo, porque assistindo á sessão tempestuosa de 15 de abril, intimidara-se a termos de hesitar em fazer parte de uma assembléa hostil aos collegas de deputação. Trouxe para a bancada cooperação valiosa, demonstrada nesses debates em discurso que merecêra do Correio Brasiliense o mais bello elogio[339]. [278] Infelizmente, como se colherá da prosecução da narrativa, faltava-lhe a energia e a resolução que caracterizavam a bancada paulista.

Dos mandatarios de além-mar se singularizou pelo voto o desembargador Segurado, aconselhando o abandono prompto de Montevideu antes que fossemos forçados a evacual-a vergonhosamente[340]. Os acontecimentos consagraram a previsão do alemtejano, mas não deixa de causar mossa que um representante da America désse semelhante aviso que tendia a por á disposição da metropole forças destinadas a reduzir os brasileiros. Seria tão inimigo da independencia, que tambem entrevira[341], a ponto de a querer suffocar pelas armas? Custa crel-o. Provavelmente não cogitara daquelle effeito do parecer da commissão diplomatica, e suppunha que, decretado o despejo da Banda Oriental, se frustraria o intento infernal da regeneração com a ordem de regresso ao Reino dos voluntarios reaes.

A sessão de 30 de abril se não assignalou somente pela questão de Montevideu mas tambem por incidente que deu a Barata mais renome que os seus discursos de áspera ironia, que as suas convicções extremadas, que a Sentinella da Liberdade[342] e que a sua prisão politica: Barata aggrediu Pinto da França.

O episodio mereceria apenas rapida menção se não repercutira com estrondo no Brasil e não andara associado ao nome do famoso bahiano [279] como o documento mais eloquente de seu fervor patriotico. Naquella reunião receberam-se no congresso officios de Madeira expondo as occorrencias da Bahia no acto de tomar posse do commando das armas. A municipalidade, apoiada em representação de mais de quatrocentos cidadãos, protestou contra a nomeação do official português e pedia continuasse no posto o brigadeiro Manuel Pedro de Freitas Guimarães, natural do Brasil e muito querido. A junta governativa, não ousando desatar a difficuldade, chamou em conselho as autoridades, os membros proeminentes do clero, e as personagens conspicuas da terra para resolverem o negocio que inquietava a cidade. Depois de longa discussão, protrahida até a madrugada, a assembléa entendeu dirimir a pendencia confiando o cargo disputado a uma commissão presidida por Madeira e da qual farião parte Manuel Pedro e mais cinco officiaes, dous escolhidos pelo militar português e dous pelo seu rival brasileiro. A sorte designaria o setimo membro do governo militar. Dizia Madeira que aceitara o alvitre, apesar da reluctancia de seus subordinados em consentir fosse frustrada uma carta regia por outro poder que não as Côrtes. Divulgada semelhante resolução, os soldados da terra acommetteram o quartel português, pelo que as tropas do Reino sahiram a repellir os aggressores e a lhes sitiar o forte. Restrugiu o canhão de parte a parte, mas em menos de 24 horas, rendidas as fortalezas e dispersos os batalhões brasileiros, com a fuga de uns e o desarmamento de outros, Madeira restaurava a ordem e assumia o commando contra a determinação da assembléa. Assim rezavam os officios.

[280] Aos brasileiros não causou surprêsa a opposição movida contra a escolha de Madeira, desestimado na terra desde a acclamação do nosso regimen. Aconselhara nesse dia ao capitão general conde da Palma resistencia ao movimento liberal, e se não fôra a audacia e destreza do brigadeiro Manuel Pedro não se faria sem sangue e tão promptamente a adhesão da Bahia á causa de Portugal. Não era o unico acto que desluzia o official do Reino no conceito publico. Ignorante, estupido e singularmente credulo, esteve a pique aos 12 de julho de lançar os reinoes contra os indigenas, em consequencia de o ameaçarem de assassinato em carta anonyma. A escolha de semelhante homem com preterição de Manoel Pedro de patente superior e empossado no cargo desde 10 de fevereiro por assenso dos povos, conculcava as conveniencias politicas, affrontava o sentimento publico e por isso determinara a revolta. Pinto da França concordava rigorosamente com os collegas ácerca do desacerto da nomeação, e até o declarara aos ministros da marinha e de extrangeiros em uma das reuniões da commissão dos negocios do Brasil[343], divergia porém, dos amigos no tocante a Manuel Pedro. Sem contestar os seus serviços valiosos prestados á causa liberal, não o julgava idoneo para o cargo nas circunstancias actuaes, por lhe regatearem confiança as classes conservadoras[344].

Encerrado o debate com a resolução de se [281] submetterem ao governo os officios de Madeira, Barata, que se conservara mudo, saíu do recinto, e num dos corredores topou um grupo que discorria sobre o acontecimento da Bahia. Nelle estava Pinto da França a exprobar Manuel Pedro por se haver recusado entregar o commando militar a Madeira regularmente provido. Assim o queria a disciplina. Barata, o idealista Barata a quem leis sem espirito de justiça não passavam de abuso de poder, e não deviam ser respeitadas, explodiu acerbamente contra o collega. Trocaram-se injurias e os contendores resolveram desaffrontar-se por meio das armas. No alto da escada, porém, o sexagenario, no paroxysmo da colera, atirou o adversario pelos degráus abaixo[346]. Attribuir-lhe a intenção de maltratar perfidamente o contrario, é desconhecer a força irresistivel das naturezas violentas e impulsivas, as quaes se não compadecem com a premeditação e estouram com a inconsciencia da polvora ao contacto do fogo. Nas Côrtes, onde ainda se não dera episodio egual, a occorrencia tomou proporções exageradas. A commissão de policia e a commissão de regimento interno pronunciaram-se severamente contra o férvido ancião, propondo a ultima a sua exclusão da assembléa até que a justiça ordinaria julgasse o crime[347]. Lino Coutinho e Antonio Carlos impugnavam o parecer por applicar pena sem devassa e prevenir, por conseguinte, o animo dos juizes. [282] Quem era o delinquente? perguntavam com o intuito de crear confusão no interesse do collega querido. Borges Carneiro com argumentos juridicos ponderosos vem-lhes em auxilio, e as Côrtes subscreveram o seu alvitre, que era sujeitar o caso a um tribunal de deputados consoante o regimento interno do congresso[348]. Neste meio tempo correu voz de duello entre os adversarios, e Feijó aterrado supplicou a intervenção do parlamento para os acalmar[349]. Não consta dos annaes a decisão do tribunal, que chegou todavia, a se constituir em 25 de junho[350]. O restabelecimento de Pinto da França, ferido no rosto e contundido em outras partes, a acção anesthesica do tempo sobre a sensibilidade moral, os successos graves do Brasil e talvez, a intervenção generosa do aggredido, fizeram os julgadores não exercer o mandato. Barata que se excusava de não comparecer nas Côrtes, em 20 de junho voltou a tomar parte nos trabalhos legislativos significando desse modo que, se não considerava morto o incidente, ao menos já lhe não temia as consequencias para o seu mandato.

Não cessavam de resoar na alma dos regeneradores as palavras estonteadoras de Madeira lidas em 30 de abril. «Se V. M. quer conservar esta parte da monarchia, precisam-se mais tropas... É tambem de primeira necessidade que existam sempre aqui algumas embarcações de [283] guerra. Mediante taes providencias terei a felicidade de conservar nesta parte do mundo a indivisibilidade da monarchia portuguêsa».

Negado pelas côrtes o despejo de Montevideu, que permittiria reforçar a guarnição da Bahia com tres mil e quinhentos voluntarios reaes, não havia outro meio de corresponder á sollicitude do commandante das armas senão desfalcando o exercito do Reino. Era, porém, este tão minguado que não soffreria reducção sem perigo para a patria, principalmente agora que se toldavam os horisontes politicos da Peninsula. A reacção emergia na Hespanha animada da Santa Alliança, e em Lisboa fôra decretada por um mês a suspensão das garantias individuaes por melhor se acautelar a ordem contra os absolutistas[351]. Nisto divulgaram-se aos nove de maio os successos do Rio que demonstravam a disposição do ultramar de se constituir sem dependencia do parlamento.

José Bonifacio ministro dos negocios do Reino e extrangeiros aconselhava a D. Pedro a criação de um conselho de procuradores eleitos pelas provincias com o duplo fim de restabelecer a auctoridade da regencia sobre todo o Brasil e de prover ás necessidades geraes da antiga colonia e ás particulares das capitanias. Como se não bastara tão pungente menoscabo do poder legislativo do Reino, o principe communicava a situação desesperada da divisão auxiliadora, que, acantoada em Nictheroy ou havia de tomar aos [284] 5 de fevereiro o caminho da Europa, que o povo lhe apontava com arrogancia, ou morrer de fome[352].

Houve indignação por toda a Lisboa, e o governo tratou de servir Madeira, que desaffrontava galhardamente os brios do velho Portugal nos dominios revôltos, sem se preoccupar com o descalabro do thesouro e do exercito. Publicaram-se editaes convidando os proprietarios de navios a fazerem propostas para o transporte de tropas para a Bahia.

Nada irrita mais uma colonia em discussão com a mãe patria do que esta trancar o debate com expedição militar. É a forma mais brutal do despotismo e rebaixa o povo á condição de escravo que não póde pleitêar os seus interesses com o senhor. Os individuos determinados julgam-se em taes conjunturas com direito ás represalias mais extremadas. Os americanos do Norte proeminentes legitimavam o assassinio não só d'aquelle que pedia batalhões ao governo britannico, mas ainda dos pobres soldados inglêses em serviço na America[353]. No Brasil, seja dito de passagem, as cousas não chegaram a esse ponto: nunca um brasileiro de valor intellectual ou social auctorizou violencias sanguinolentas contra os reinoes.

Inquietaram-se os bahianos com a resolução do governo, e requereram ás Côrtes fizessem o ministro sustar a expedição para serem ouvidos [285] sobre ella os mandatarios da America. Todos os pernambucanos, salvo Malaquias impedido, todos os paulistas e os unicos representantes da Parahyba, Espirito Santo e Santa Catharina, o alagoano Martins Ramos, o fluminense Villela e o goyano Segurado se empenharam em assignar aquelle documento em testemunho de solidariedade das suas provincias com a Bahia. O Maranhão (Beckman e Belford) e o Pará (D. Romualdo) não accudiram ao appello.

Houve, porém, uma terra vizinha, sem commercio e sem minas, conhecida da metropole tão sómente por suas calamidades que revelou não ser esse sentir commum ao Brasil septentrional e se associou aos irmãos do Centro[354]. Era o Ceará. No primeiro decendio de maio haviam entrado no congresso os seus representantes Antonio José Moreira, Manuel do Nascimento Castro e Silva, Manuel Filippe Gonçalves e José Martiniano de Alencar. O ultimo era o primeiro substituto e occupou a cadeira de José Ignacio Gomes Parente, que, em razão de enfermidade chronica aggravada recentemente, desistira do cargo apenas eleito[355]. Pedro José da Costa Barros, outro deputado, que se achava no Rio de Janeiro no momento da eleição, deixou-se ahi ficar sem que jamais lhe preenchesse o logar o segundo supplente Manuel Pacheco Pimentel. Era notorio o liberalismo do padre Moreira e de Castro e Silva. Aquelle mostrára sympathia pela revolta pernambucana de 1817, e este promovêra [286] o juramento das bases da constituição e o estabelecimento da junta governativa vencendo a reluctancia do capitão general Francisco Alberto Rubim[356]. Nos serviços á liberdade, porém, ninguem se avantajava á Alencar. Ainda menor e estudante em Olinda quando estalou o levante Pernambuco, alcançou, todavia, dos chefes rebeldes a missão de fazer proselytos na villa do Crato, terra de seu nascimento. Preso immediatamente e transferido para as masmorras da Bahia, juntamente com a mãe, ahi expiára duramente a sua imprudencia juvenil[357].

Julgado urgente o requerimento dos bahianos, nessa mesma noute em conselho demorado reuniram-se os brasileiros em casa de Lino Coutinho para determinar a orientação do debate[358]. No dia immediato instaurou-se a discussão, não sem surprêsa dos ultramarinos, que, attentos os usos do parlamento, não pensavam se iniciasse tão promptamente o exame da proposta. O motivo da diligencia não podia ser outro senão a anciedade do povo de Lisboa por conhecer a solução do negocio. Os clubs e as lojas do Chiado regozijavam-se, em verdade, com o acto do governo e verião com prazer o exercito inteiro de Portugal escoar-se para a America afim de, sob o commando de Madeira, restabelecer ahi o prestigio da metropole. Coube primeiro a palavra a Lino Coutinho.

[287] Não acerta, disse, com o motivo de expedição militar contra provincia que não está em revolta. A Bahia presta adhesão ao regimen constitucional com o fervor dos primeiros tempos e não cogita de se separar da monarchia. O que ahi occorreu não passa de briga entre dous militares, Madeira e Manuel Pedro. Este não queria largar mão do commando das armas, que exercia provisoriamente, mas com applauso de todos, e aquelle investido do mesmo posto pelo governo de Lisboa, tratou de se apoderar delle, e conseguiu-o pela violencia. Para desfazer a disputa cumpre prudencia e não armas; e porem-se batalhões ao serviço de um dos adversarios revela a parcialidade de Portugal e vai accirrar o descontentamento de outra parte, tanto mais que o Brasil não quer tropas europeias. Devolveu-as Pernambuco, e o Rio acaba de as fazer sahir. Se corre perigo a integridade da monarchia, não é a força armada que restabelecerá a confiança, como judiciosamente assignalou o principe regente, o principal interessado na união. De mais, que valeram os regimentos britannicos e hespanhoes quando os Estados Unidos e Buenos Ayres resolveram emancipar-se? Não contestava competir ao governo, em consequencia de ser o responsavel pela tranquillidade publica, a disposição da força armada; mas semelhante poder não é de natureza especial para escapar á fiscalização do congresso.

A esse discurso moderado e prudente Moura respondeu com o desabrimento de tribuno saborêado do vulgacho. Desvenda o pensamento hediondo da regeneração, que é tornar a Bahia o acampamento de Portugal de onde se irradiarão as hostes contra os povos recalcitrantes aos decretos das Côrtes. Fala com desdem da população [288] do Brasil, inclinada á anarchia em consequencia de a constituirem «negros, mulatos, brancos creoulos e brancos europeus»... «A heterogeneidade destas castas põe paixões diversas em effervescencia, e esta agitação não pode ser contida nos seus respectivos deveres senão pela força, e a força indigena não é capaz de os conter: é sim antes capaz de promover as mesmas desavenças porque se compõe dos mesmos elementos». Era difficil a esse liberal ardente que pregava sem cessar o direito dos povos de se governarem a seu gosto, conciliar a doutrina com a defesa de um acto que presuppunha o desconhecimento formal daquelle direito. Esfalfou-se, por isso em explicar que approvava a expedição, não por ser elle contrario á independencia, mas porque esta contrariava a opinião dominante em além-mar. Podia-se-lhe responder que não havia necessidade de batalhões, e batalhões europeus, para reduzir semelhante minoria; mas Araujo Lima teve uma replica fulminante. O respeito da vontade geral da America, ponderou, que persuadia o brilhante regenerador a impugnar a facção separatista, devia agora pol-o ao lado dos brasileiros; porquanto se havia em além-mar um sentimento unanime e formulado com nitidez, era a aversão aos regimentos da metropole. Delles todos se queixavam, Pernambuco e Rio repelliram-nos com as armas; e no entanto qual era a attitude do Moura? Promover e animar essas expedições negregadas.

Castello Branco, muito prolixo e mellifluo, se surprehendia da apprehensão inspirada aos americanos pelas tropas do Reino possuidas do mais fervente liberalismo. Os brasileiros advertiram que os militares portuguêses que merecem [289] louvor das cidades da metropole para onde são transferidos, destacados ao ultramar, presumem que se acham entre povos inferiores ou conquistados; tornam-se altaneiros e a cada passo molestam o melindre dos camaradas da terra. Resentidos, estes não deixam escapar ensejo de reagir, e d'ahi conflictos mais ou menos cruentos. Não são isto assertos da imaginativa. Onde não ha forças portuguêsas domina a tranquillidade; Pará, Maranhão, Ceará e Rio Grande do Sul que as não tiveram, vivem em paz. Em Pernambuco a retirada do batalhão do Algarve e do general Luiz do Rego restituiu á provincia socego, de que se achava privada havia tantos annos. Está fresca na memoria de todos a carnificina da Praça do Commercio fluminense pela divisão auxiliadora.

Na Bahia os regimentos lusitanos não procedem de modo diverso. Iniciaram os seus feitos matando a abbadessa do convento da Lapa, venerada pela prelazia, virtudes e edade, e vão servir ao general Madeira, detestado dos povos, mal visto da Camara, cuja auctoridade desconheceu por haver assumido o commando sem préviamente submetter ao «cumpra» d'ella o seu titulo de nomeação.

Importa notar que Madeira com dispersar os batalhões indigenas e se apoderar dos arsenaes, annullou os adversarios e pode, portanto, encarar o futuro com desassombro sem necessidade de reforço, gravoso, aliás, ás finanças depauperadas da provincia[359].

O debate proseguiu no dia immediato precedido [290] de incidente que lhe deu novo estimulo. Jorge de Avilez receoso de incorrer na censura do monarcha, em consequencia do conflicto com o regente, procurou seduzir as Côrtes com cumprimentos férvidos. O presidente devia archivar simplesmente o documento, mas os regeneradores exaltados não consentiam que o parlamento acolhesse sem expressão de gaudio as demonstrações de estima de official determinado a guardar os decretos legislativos com a espada. Os brasileiros e outros constituintes perfilhavam o voto de Guerreiro: como D. Pedro accusava Avillez, emquanto este se não justificasse perante os tribunaes, não era licito ás Côrtes exprimirem o sentimento com que ouviram as suas congratulações. Antonio Carlos falou com lucidez e independencia. «Este congresso não commetteu a execução das suas ordens ao general Avillez; commetteu-as ao governo, e este ao seu delegado. Se o delegado obrou mal, ao delegado cumpre responder, e não ao general tomar contas ao delegado; aliás adeus, governo: ás duas por tres estava tudo perdido. O principe regente ha de responder, ha de se lhe pedir contas de sua conducta».

Venceu o alvitre de Guerreiro, depois de militares deputados terem considerado suspeito de indisciplina o comportamento do commandante da divisão auxiliadora. Mostrou a discussão que a divergencia do Pará e Maranhão com as outras provincias se acentuava mais e mais. De feito o bispo do Pará e Beckman, do Maranhão, acompanharam, não sabemos por que motivo, os energumenos radiantes com o gesto do general[360].

[291] Irritados com a derrota, os regeneradores se empenharam na discussão da vespera com maior vehemencia. Encetou agora o debate Borges Carneiro, que procurou avigorar a sua popularidade, abalada nos gremios e nas ruas, em virtude da disposição generosa anterior de attender aos desejos do ultramar, com as violencias habituaes de Moura. Como este, o luminoso regenerador lamentou a exiguidade das forças destinadas ao Brasil; pedia que fossem para a Bahia ao menos dous mil e seiscentos homens que, reunidos aos 1.400 existentes na provincia, constituirião exercito assás poderoso para conter as facções; mas, e nisto divergia dos consortes, queria a expedição acompanhada de resoluções a favor da America. «Mostre-se ao Brasil, exclamou todavia com estouvamento, que o não queremos avassalar como os antigos despotas: porém contra os faciosos e rebeldes, mostre-se que ainda temos cão de fila ou leão tal, que se o soltarmos ha de os trazer a obdecer ás Côrtes, ao Rei, e ás authoridades constituidas no Brasil por aquellas e por este».

Do longo discurso de Borges Carneiro nada commoveu mais os brasileiros que esse trecho, e os proceres da deputação entenderam que não devia passar despercebido. «Advirto o illustre deputado, bradou Villela Barbosa, que ali tambem se sabe açaimar cães; que nas veias dos brasileiros tambem gira sangue português e que já hoje ali se não hão de receber leis com o arcabuz no rosto». Lino Coutinho exclamou: «Contra os cães atiraremos onças e tigres.»

Ninguem, porém, ultrapassou em violencia e audacia Antonio Carlos: «Declaro que o Brasil não está em estado de temer as fatuas ameaças [292] com que o pretendeu intimidar o snr. Borges Carneiro: para cães de fila ha lá em abundancia páu, ferro e bala, e nem nos podem assustar cães de fila aos quaes fizeram fugir dentadas de simples cães gozos.»

Referia-se á divisão auxiliadora recuando deante das milicias mal armadas.

Ninguem contesta ao poder executivo, incumbido de assegurar a paz publica, a faculdade de destacar regimentos para os pontos em convulsão, sem necessidade de consultar ás Côrtes, mas tambem ninguem nega ao Congresso o direito de fiscalizar os actos do governo, e entre estes nenhum avulta ao emprego da força armada. Despojal-o desta attribuição a fim de evitar a confusão dos poderes, envolve diminuição moral da assemblêa nacional, pois que a reduz a julgar faltas e não a prevenil-as. Assim pensavam os brasileiros, e se surprehendiam dos escrupulos dos constituintes que a cada passo invadiam a esphera de acção do executivo. Lembraram muito a proposito do caso recente do provimento da corregedoria do Lamego, que occupara uma longa sessão. Se ha assumpto, diziam, de alçada administrativa é a nomeação de funccionarios e se ha materia secundaria para as Côrtes é a designação de magistrado para cidade de terceira ordem. Quando se quer discutir uma providencia governamental prenhe de effeitos funestos, o parlamento entra-se de respeito religioso pela divisão dos poderes e procura trancar o debate.

Havia, demais, uma circumstancia a favor da doutrina dos brasileiros. A commissão dos negocios politicos do Brasil propuzera se não mandassem tropas ás provincias americanas sem que as pedissem as suas juntas governativas, e a Bahia [293] não as havia sollicitado. Não fóra ainda submettida á discussão a proposta; um governo, porém, prudente não devia encontrar uma medida formulada por commissão importante das Côrtes. Trigoso, moderado e circumspecto, e por isso suspeito aos regeneradores, comprehendeu a importancia do argumento mas sem coragem para se oppôr a um acto administrativo considerado patriotico, ao mesmo passo que o justificou quiz saber se o conselho de estado fôra ouvido ácerca d'elle e qual o ministro que assumia a responsabilidade da medida. Não teve resposta.

Não era licito attribuir o descontentamento da America ao espirito de revolta sem provar que este existia independentemente dos decretos recentes. Não o fizeram os regeneradores; limitaram-se a proclamar que as bases da Constituição declaradoras dos direitos e vantagens dos cidadãos eram communs ao Brasil e ao Reino, e não perderam o ensejo de fazer os protestos habituaes de amor aos povos ultramarinos.

Moura, porém, teve a lealdade de affirmar que jámais consentiria exercesse a regencia da antiga colonia o successor da Corôa. Não havia, comtudo, medida pleiteada com mais calor no Brasil meridional que essa. Os brasileiros, receosos de comprometterem a causa com questão descabida e irritante, se não preoccuparam della mas responderam com vigor ás generalidades. As bases da Constituição, retorquiram, causaram na verdade prazer ao Brasil com assegurar a egualdade mais perfeita de direitos aos portuguêses de um e outro lado do Atlantico, principalmente com prometter que as Côrtes não legislarião para o ultramar sem o concurso de seus mandatarios. [294] O Congresso, porém, não guardou o compromisso solemne. Organizou os governos provinciaes, supprimiu os tribunaes do Rio e determinou o regresso do principe na ausencia da maioria da deputação brasileira, isto é, reformou completamente a administração do reino americano sem audiencia dos interessados. Allega agora que constituindo o governo das provincias como decretou, não fez mais que sanccionar o systema estabelecido pelos mesmos povos no acto de acclamarem o regimen constitucional. Ha todavia, uma differença profunda entre a administração creada pela provincia e a imposta pelo parlamento. Naquella a junta exercia auctoridade suprema sobre a fazenda, o exercito, sobre todas as repartições, ao passo que o Congresso quebrou a unidade salutar do governo tornando o commando das armas e a mêsa da fazenda independentes do executivo provincial. É contra o enfraquecimento extremo do poder local eleito directamente pelo povo e contra a sua impotencia perante os descommedimentos do governador militar e os abusos do fisco e do erario, subordinados immediatamente e exclusivamente á metropole, que clamam os brasileiros, esbulhados de seus direitos.

Com os decretos das Côrtes a situação politica dos ultramarinos peiorou, não só em comparação com o que as provincias criaram, senão tambem relativamente ás vantagens que lhes resultavam do regimen colonial. Então nas capitanias promoviam-se postos até a patente de major; o capitão general e a junta da fazenda preenchiam cargos civis e os bispos por via de commissão examinadora creavam parochos e vigarios. Hoje os accessos de qualquer categoria [295] sahem do ministerio, de Lisboa; os pretendentes aos empregos publicos, civis ou ecclesiasticos, devem vir buscar a nomeação em Portugal, por que são obrigados a concursos, realizaveis somente na capital da metropole.

Os regeneradores, que, na sessão precedente haviam allegado que por falta de disciplina os batalhões brasileiros se não achavam em termos de reduzir as facções, agora mais exaltados duvidavam de sua coragem. Foi ainda Moura o imprudente, assignalando que duas companhias de Madeira desarmaram um regimento. No Brasil pode haver facciosos como os ha em Portugal, redarguiu Villela Barbosa, mas para as soffrear, bastam as forças da terra, de cujo valor dão testemunho o batalhão do Algarve e a divisão auxiliadora que não ousaram defrontar-se com ellas. São factos que em sua forte simplicidade vencem a eloquencia dos que as intentam vilipendiar neste recinto.

Os oradores não fazendo mais que repetir os argumentos, o presidente julgou encerrado o debate depois de falar Xavier Monteiro, um dos mais resolutos constituintes, que patenteou o designio da regeneração de congregar na Bahia exercito assás forte para resguardar o norte da desobediencia ás Côrtes, em progresso no sul do novo reino. Por 80 votos contra 43 ou 44[361], o congresso resolveu rejeitar a proposta bahiana, que pedia ao governo não fizesse a expedição sem ouvir os mandatarios de além-mar[362]. Salvo [296] Malaquias, de Pernambuco, enfermo e Barata impedido, compareceram ás duas sessões memoraveis todos os deputados da America; mas desgraçadamente houve tres dissidentes. D. Romualdo, Beckman e Lemos Brandão bandearam-se com os portuguêses[363]. Calaram as razões do seu acto; facil é, todavia, atinar com a causa do comportamento dos dous primeiros. O Pará e o Maranhão que representavam, se haviam tornado dependencias de Portugal, e não do Brasil, desde 1624 por ser a navegação para o Sul, contrariada de constante vento léste e das correntes maritimas, lenta e penosa. Os seus habitantes vinham, pois, procurar os recursos judiciaes e administrativos em Lisboa em vez de os buscar na séde do governo geral da America portuguêsa, como praticavam as outras capitanias. Demais, ao passo que em todas as mais provincias estava em decrescimento a influencia dos reinoes, ella mantinha-se naquella parte decisiva nos negocios publicos e na opinião. Timoratos e conservadores, o bispo e Beckman não ousavam reagir contra a tradição secular do berço nem contra o partido dominante nella, e entendiam faltar á fé do mandato se associassem aos seus compatriotas do sul contra os lusitanos. A explicação do voto de Lemos Brandão não se acha em factos externos mas na nullidade absoluta do «bom homem da roça» como o designa com piedade repassada de desdem o seu contemporaneo Vasconcellos Drummond.

Acompanharam os deputados do Brasil seis ou sete constituintes portuguêses, dos quaes conhecemos tres por haverem declarado o voto. [297] São elles Corrêa de Seabra e Osorio Cabral, deputados da Beira, e Peixoto, do Minho. Nenhum delles era regenerador. Tirante Fernandes Thomaz, doente, tomaram parte no debate as figuras proeminentes do lado português, quaes Moura, Borges Carneiro, Castello Branco, Pereira do Carmo e Trigoso, e os astros de primeira grandeza da bancada brasileira, Antonio Carlos, Lino Coutinho, Villela Barbosa, Borges de Barros, Araujo Lima, Moniz Tavares e Marcos Antonio, o sabio, consoante D. Romualdo de Seixas. Se dos oradores de Portugal occupou o primeiro plano no debate Moura, ninguem excedeu a Lino Coutinho na copia dos argumentos e dos factos justificativos das queixas do Brasil contra as Côrtes, os batalhões do Reino e os commandantes das armas e ninguem orou com eloquencia tão vigorosa, tão commovente e tão captivante.

Nunca os brasileiros se haviam manifestado com egual conformidade de sentimentos e nunca manifestaram maior empenho em conquistar a assembléa. Mostraram-se destros e condescendentes e não foram aggressivos senão em defêsa.

Conhecida a votação, Borges de Barros, muito commovido por antever os soffrimentos do berço com o reforço do elemento oppressor, e desenganado das Côrtes, declarou que o seu comparecimento ás sessões de ora avante era o mais duro sacrificio que lhe impunha o mandato[364]. De feito não mais fez propostas, as bellas propostas reveladoras do nobre sonho de ver a patria transformada na mais invejavel morada dos homens pela instrucção, liberdade e [298] justiça e só excepcionalmente interveio nos debates. Os collegas adheriram tambem a essa resolução, consoante o accordo estabelecido na reunião em casa de Lino Coutinho[365]. Não tardaram porém, em a pospôr, aconselhados da boa razão, que não suffraga semelhante concepção do cargo, a despeito do reparo justissimo do Correio Brasiliense: «Os deputados do Brasil de nada servem senão de testemunhar os insultos feitos ao seu paiz, porque o seu pequeno numero os deixa sem influencia e só por acaso apparece alguma cousa em que a justiça do Brasil seja contemplada»[366].

Lisboa acclamou com jubilo a determinação do Congresso. Em honra da mentalidade portuguêsa importa dizer que o mais notavel jornalista da épocha não participou do enthusiasmo geral. Não só profligou a expedição, senão tambem propôs a revocação á metropole de todos os militares destacados no reino ultramarino, e capitulou de grande erro politico a união pela força[367].

Resulta com evidencia dos debates, dizemol-o com mágua, que se a mãe patria não expediu forças avultadas contra os da America, devemol-o não ao liberalismo das Côrtes e do povo de Lisboa nem á supposta brandura dos irmãos mais velhos, mas unicamente ao vazio do erario, em atrazo ha mais de um anno com os vencimentos dos funccionarios.



CAPITULO XVII


SUMMARIO:

Embarque da divisão auxiliadora.―O desfecho da expedição de F. Maximiliano de Sousa.―A convocação do conselho de estado.―Votos dos governos do Rio, de Pernambuco e de Minas e da camara do Rio.―Necessidade de assembléa legislativa no Brasil.―Effeito nas Côrtes das cartas de D. Pedro.―Vão estas á commissão especial.―Moura oppõe-se a que as Côrtes recebam uma representação da junta de S. Paulo.―Os brasileiros pedem a responsabilidade do ministro e de Madeira.―O parecer da commissão de constituição.―Perdão aos degredados da revolução de 1817.―Triumpho de Fernandes Thomaz.―Novos membros da commissão especial.―Voto em separado de Moura, de Ledo, Pinto da França, de Almeida Castro e de Vergueiro.―Anciedade de Lisboa.―Borges Carneiro.―Bueno.―Moura e o juramento das Bases.―Castello Branco.―Vergueiro.―Guerreiro.―Antonio Carlos.―Serpa Machado.―Corrêa de Seabra.―Alencar.―Barata.―Lino [300] Coutinho.―É approvado o parecer da commissão sem alteração capital.



Resolvida a remessa de tropas para a Bahia, os constituintes portuguêses querendo inculcar que entendiam reger a America não só com a força, proposeram se creasse uma commissão de deputados brasileiros com o encargo de formular os artigos da constituição relativos ao novo reino[368]. Apenas nomeada, soaram novas do ultramar que desnortearam o Congresso. A divisão auxiliadora fôra mais uma vez vencida, pois não lograra demorar-se no Brasil até á chegada do regimento provisorio que a devia render. D. Pedro alcançando que Jorge de Avillez mirava aguardar esses oitocentos soldados para com elles avassalar a cidade e constrangel-a a observar os decretos das côrtes, intimou-lhe a sahir barra fóra com os seus homens sob pena de os considerar inimigos e os anniquillar entre os fogos de terra e de mar. Partido afinal aos 15 de fevereiro o exercito lusitano, o regente entrou a reorganizar o novo reino. Foi o seu primeiro acto o decreto de 19 de fevereiro assignado por José Bonifacio na qualidade de ministro do Reino. Creava a nova resolução um conselho de procuradores geraes das provincias, nomeados pelos eleitores de parochia reunidos nas cabeças de comarca com as seguintes attribuições:

Responder ás consultas que lhe fossem submettidas pelo regente ou informar sobre os projectos relativos á administração geral e provincial;

[301] Propôr as medidas mais convenientes á federação luso-brasilica, ao Brasil e as suas provincias.

Por cada quatro deputados em Côrtes a provincia designaria um procurador mas nenhuma provincia teria mais de tres procuradores.[369]. Assistia ás Camaras Municipaes em vereação geral e extraordinaria o direito de revogar o mandato, aliás indefenido, dos conselheiros.

Semelhante acto julgado exotico por Antonio Carlos[370] e que tinha o defeito de deixar sem procuradores as terras que davam menos de quatro deputados, não deslustra, contudo, o espirito de José Bonifacio. Urgia firmar a todo o custo no Brasil inteiro a auctoridade de D. Pedro, desconhecida pelas juntas, para salvar a integridade do novo reino, e não havia meio mais habil para attingir esse resultado que mostrar o principe desvelo pelos povos com os ouvir ácerca de seus interesses. O decreto, como inculcam os seus fundamentos, tambem visava apparelhar a nação para o governo constitucional, repugnando a intelligencia disciplinada do egregio paulista fazel-a passar do despotismo ao regimen representativo sem preparo, e este não podia ser senão a deliberação em commum dos representantes a respeito das necessidades das suas provincias e o contacto delles com a administração suprema.

O activo governo do Rio tratou em seguida [302] de se acautelar contra o desembarque das tropas de Portugal, as quaes por esse tempo deviam sulcar as aguas americanas, determinando a junta de Pernambuco que á passagem dellas, notificasse ao commandante a resolução da regencia de as não receber e ao mesmo passo não deixasse de as prover promptamente de refrescos para tornarem sem perda de tempo a Europa[371]. A flotilha já havia levantado ferro do littoral pernambucano e proseguia na sua rota. Aos nove de março surgiu na ilha Rasa. D. Pedro apressou-se a recebel-a em armas, e da fortaleza de Santa Cruz partiu a ameaça de bombardeio, caso tentasse penetrar na bahia.

Convidados a comparecerem no paço imperial o chefe naval e o coronel do regimento, ahi souberam de D. Pedro que os desatinos da divisão auxiliadora a tal extremo de indignação haviam levado os animos, que elle os não toleraria na capital sem conhecer dos seus intentos[372]. Ou por prudencia ou por convicção de não poder a esquadrilha forçar a barra, que a estrategia por longos annos considerou efficazmente defendida com os canhões de Santa Cruz, os officiaes protestaram por escripto obedecer ao Regente e não intervir nos negocios politicos[373]. A declaração tranquillizou os espiritos e permittiu aos officiaes munirem-se com segurança de provisões para o regresso. D. Pedro escreveu triumphante ao pai: «A obediencia dos commandantes fez com que [303] os laços que uniam o Brasil a Portugal, que eram de fio de retrós podre, se reforçassem com amor cordial á mãi patria»[374]. Resguardados da expedição, entendeu o conselho da regencia indemnizar-se do sobresalto que ella lhe causara, e D. Pedro teve um alvitre que divertiu os deputados brasileiros e exasperou os regeneradores. Encorporou na armada da America a fragata Real Carolina, uma das joias da flotilha, e attrahiu ao exercito do Brasil 394 praças das forças expedicionarias com reduzir o serviço militar a tres annos. E o principe que de tudo dava conta ao pai disse com gravidade: «Dou parte a V. M. como é meu dever, que uma grande parte da soldadesca do regimento provisorio passou por sua mui livre vontade para os corpos do exercito deste reino, e egualmente participo que eu não quis que official algum passasse a fim de não corromperem os soldados e poder manter a união do Brasil com Portugal.» Mais de uma vantagem enxergava D. Pedro nesse acto. Fortificava a malicia da terra com guerreiros provados, os quaes, concluido o curto engajamento, se tornarião colonos uteis, e testemunhava não haver no Brasil antipathia ao português senão aos corpos arregimentados[375].

Com essas informações, havia concorrentemente outras que definiam o espirito publico da America. O governo de Minas, pelo seu vice-presidente, em discurso ao regente, e a junta de Pernambuco e a camara do Rio em officios ás [304] Côrtes, applaudiam a resolução de D. Pedro de ficar no Brasil a bem da cohesão das provincias americanas e da integridade da monarchia, e representavam contra o decreto de 29 de setembro que desligava das juntas o commando das armas e a inspecção da fazenda para os subordinar ao poder executivo de Lisboa. Instaram pela conservação do regimento provincial, qual os povos haviam creado até que a constituição regulasse a materia, ouvidos todos os deputados do Brasil[376].

Num ponto o governo pernambucano se afastava da municipalidade fluminense e da administração de Minas: repellia a constituição do conselho de estado acolhida com alvoroço por estas autoridades. Assim procedia por se lhe afigurar que esse acto invadia as attribuições das Côrtes e d'el-rei, que os povos juraram acatar e por temer que aquelle corpo se convertesse em instrumento docil do governo do Rio, visto que não deliberarião os procuradores senão convocados pela regencia. Presidia a junta de Pernambuco Gervasio Pires Ferreira liberal hesitante como todos os homens ricos, que temem damno aos seus bens das transformações sociaes. O respeito, porém, agora invocado, ao poder legislativo não merecia fé emanado de quem acabára de expulsar as tropas enviadas de Lisboa e se mostrava determinado a não cumprir os decretos das mesmas côrtes; em verdade não passava de argumento especioso para rejeitar uma instituição que não assegurava a liberdade individual contra os abusos do poder. Mas se a tibieza de Pires Ferreira lhe não permittia indicar o que só era [305] capaz de conter uma autoridade que emancipada do Congresso de Lisboa, ficava sem freio, fizeram-no José Clemente Pereira, do Rio, e José Teixeira da Fonseca Vasconcellos, de Minas. Ambos resolutamente ponderaram a necessidade de se chamarem côrtes legislativas no novo reino, e o primeiro declarou mui terminantemente que sem ellas o Brasil não teria parte na soberania da nação portuguêsa[377].

Não faltavam, por conseguinte, aos constituintes europeus indicações do pensamento do Brasil e homens dotados do mais elementar senso politico se sentirião felizes com ter á mão meios de reduzir o descontentamento inquietador de uma parte importante da monarchia sem effusão de sangue e sem fraccionamento do imperio. Os regeneradores, porém, tinham mais orgulho que razão. Nesses documentos enxergaram tão sómente os termos desabridos de D. Pedro contra as Côrtes, e Borges Carneiro definiu com justêza a agitação dos legisladores em seguida á leitura das cartas e officios da America, ao exclamar: «havemos de ouvir á calada injurias, e injurias feitas por um rapaz á nação representada n'este recinto sacrosanto?»

Restabelecido o silencio, abriu-se discussão sobre o destino das cartas do principe, em consequencia de Guerreiro por escrupulo entender conveniente dirigil-as a outra commissão que não a especial dos negocios politicos do Brasil. O congresso sujeitou-as á mesma commissão, sem aceitar, todavia, o alvitre estupendo de Castello [306] Branco no sentido de se declarar o parlamento em sessão permanente até que fosse apresentado o parecer sobre a correspondencia de D. Pedro.

Conhecida a representação da junta de S. Paulo, os regeneradores anceavam por se desaggravar da autoridade que condemnava a sua politica ultramarina, e entendiam que não era licito ao Congresso desvelar-se pela antiga colonia sem primeiro se pronunciar a respeito d'aquelle officio audaz. Protrahiram, por isso, a discussão do sabio parecer lavrado em 18 de março pela commissão especial creada para providenciar com urgencia ácerca da irritação do Brasil por causa dos decretos de 29 de setembro, discussão que regularmente se devia instaurar na derradeira semana de março. Serviram-se com avidez da excitação do Congresso para saciar o despeito. Como indignavam aos portuguêses os termos asperos de D. Pedro contra as Côrtes―as Côrtes facciosas, escrevera―parece que os corypheus da regeneração se levantariam na assembléa revôlta mais para fulminar a D. Pedro que aos paulistas. Mas Moura era um farçante: teve o despejo de negar a responsabilidade do principe na agitação do ultramar e de attribuir esta exclusivamente ao governo de S. Paulo. «Portanto, rematou, é preciso que a commissão hoje mesmo se reuna e hoje mesmo formule o seu juizo sobre a representação de S. Paulo»[378].

A commissão, porém, não deu o parecer no mesmo dia nem na semana immediata, e a demora se não acalmou o impetuoso regenerador, tão pouco attenuou a combatividade dos americanos. [307] A junta paulista pedira ao Congresso, por via dos deputados da mesma provincia, a revogação dos negregados decretos de 29 de setembro. Era uso nas Côrtes receberem-se todos os officios e mensagens, uns com agrado, outros com menção honrosa, ess'outros sem declaração alguma, mas não havia precedente de repellir o congresso qualquer representação. Moura, todavia, aconselhou ao parlamento recusasse acolhida ao requerimento, e desta maneira o apostolo do constitucionalismo negara a uma autoridade o direito de petição que a lei fundamental outorgava aos individuos e ás collectividades. Não valia a pena debate sobre materia de interesse tão secundario, e Antonio Carlos, que formulára os votos da junta de S. Paulo, assentiu com o presidente em consubstanciar os desejos de sua provincia em proposta assignada por elle e pelos collegas de deputação, conciliados assim os sentimentos da facção dominante com o respeito apparente da constituição[379]. Se o paulista cedeu agora, não tardou em mostrar que o fazia por outro motivo que desfallecimento da energia. De feito na mesma sessão requereu a responsabilidade do ministro da guerra e de Madeira; daquelle por não haver referendado a carta régia que designava o commandante das armas, e d'este por ter assumido o commando sem legalisar o titulo de nomeação. Com elle assignaram a petição quinze brasileiros. Os motivos allegados justificavam plenamente nos termos da lei[379] a formação da culpa, mas os accusadores se não firmaram em documentos comprobatorios. A [308] commissão parlamentar a quem foi affecto o negocio, da qual faziam parte Moura e outros regeneradores de menor tomo, valeu-se habilmente da omissão para declarar que não emittiria juizo sobre elle emquanto os autores da denuncia a não robustecessem com provas.[380] Era suffocar a querella. De feito só investigações na secretaria da guerra de Lisboa e do commando das armas da Bahia subministrarião provas do delicto; mas desde que os liberaes se negavam a constranger Candido Xavier e Madeira a taes diligencias, era loucura crer que os denunciados acudissem ao empenho dos accusadores. Comprehenderam-no os brasileiros, e não impugnaram o parecer dictado pela paixão politica, a qual determinara o encarceramento do conde dos Arcos por allegações vagas, e recusava agora reconhecer a procedencia de accusação precisa por não entibiar a energia do homem que lutava pelos foros da metropole.

Os regeneradores cogitaram immediatamente de desfazer o desgosto dos irmãos mais novos por causa daquelle parecer. Não eram ferozes, e se não houvessem empregado contra o ultramar uma politica de violencias, resultante do despeito e não da indole, certamente entreterião nos americanos, que lhes deviam a liberdade, gratidão fertil e duradoura, com os seus multiplos actos de clemencia. A acclamação do regimen constitucional na Bahia e em Pernambuco soltara todos os encarcerados em consequencia da insurreição pernambucana de 1817 salvo José Marianno de Albuquerque e Pedro da Silva Pedroso, condemnados a degredo perpetuo na ilha de Momulgão [309] da costa asiatica, ou porque repugnasse á consciencia popular estender o perdão a homens, que, nos conflictos civis, matam sem excusa, ou porque os sentenciados já não estivessem no Brasil. Em abril se achavam nos calabouços do castello de Lisboa com escala para o exilio infamante, e o pernambucano Ferreira da Silva, que solicitara o indulto delles, alcançara não seguissem viagem sem ordem das côrtes.[381]. Se se podia discutir o crime do capitão José Marianno, que, a pretexto de defender o sogro, o famoso Leão Coroado, assassinara o brigadeiro Barbosa, seu superior e protector, ninguem se alargava a attenuar o comportamento de Pedroso. Moniz Tavares, deputado de Pernambuco e historiador favoravel áquella insurreição, pela qual, aliás, soffréra, fala com horror desse consorte feroz que arrancava os desertores da prisão, para os fuzilar sem processo, e que justificava o frenesi de matar com o desproposito de se alimentarem de sangue as revoluções[382]. O congresso, porém, por comprazer aos collegas de alem-mar, não pesou as responsabilidades de um e outro delinquente, concedendo-lhes o perdão pleno, tal qual requeriam os pernambucanos e desejavam os brasileiros, que, possuidos de sympathia pela revolução illuminada do mais puro idealismo e da generosidade mais vasta, não quiseram attentar na figura sinistra e singular de Pedroso[383].

[310] Apresentaram-se afinal os pareceres da commissão especial e da commissão incumbida de formular os artigos da constituição concernentes ao ultramar. Freire propôs se examinasse primeiramente o relatorio que alvitrava a responsabilidade criminal da junta de S. Paulo, allegando a urgencia de se declarar aos povos do Brasil que deviam obediencia ás Côrtes e não ao Regente[384]. Presidia a assembléa Gouvêa Durão, que até agora nas votações se não singularizara da facção regeneradora mas que se affastou della na conjuntura, disposto a protrahir o debate sobre o malsinado officio. Repugnava-lhe começasse o congresso a se desvelar pelo Brasil, revoltado com os decretos de 29 de setembro, punindo justamente o governo que não fizera mais que interpretar os sentimentos do povo; parecia-lhe que antes de tudo se devia attenuar ou remover a causa do descontentamento e em seguida deliberar ácerca do acto de S. Paulo. Distribuir de outro modo os trabalhos legislativos mostrava, na verdade, que as Côrtes eram mais solicitas em attender ao seu amor proprio que promover a tranquillidade da nação. A despeito da insistencia de Freire e da hesitação da mêsa, a maioria em um rasgo de energia esclarecida, resolveu iniciar a discussão dos negocios de além-mar pelo projecto de sua organização[385]. Tratou-se delle na assembléa de 26 de junho, mas não proseguiu na sessão immediata como prescrevia o bom senso, porque o bom senso, em [311] politica, faltava absolutamente aos regeneradores. De feito, Moura e Fernandes Thomaz declararam com vehemencia não ser licito adiar por mais tempo o exame das resoluções do governo paulista sem rebaixamento das Côrtes. O energumeno Moura previu até effusão de sangue caso não fosse desaggravada immediatamente a soberania da nação dos insultos da administração de S. Paulo[386]. O presidente, desajudado agora da maioria, que se intimidara com a vozearia dos gremios e das ruas, acquiesceu, determinando para o dia seguinte a discussão exigida.

Não constituiu dos menores triumphos de Fernandes Thomaz o facto de se não haver discutido em fins de março o parecer da commissão especial[387]. Lembra-se o nosso leitor que, em virtude das cartas de D. Pedro communicando a opposição determinada do Rio, S. Paulo e Minas ao seu regresso a Europa, nomeara-se uma commissão dos negocios politicos do Brasil com o encargo de estudar os meios convenientes a reduzir o descontentamento do ultramar, e recorda-se mais que por essa occasião tiveram as Côrtes noticia da representação de S. Paulo. A commissão ao mesmo passo que propôs um complexo de providencias no sentido, em geral, dos votos dos americanos, declarou que por agora não podia formular juizo sobre o officio do governo paulista, porque não sabia se este falava em nome proprio ou exprimia os sentimentos dos seus administrados. O congresso deferiu aos seus desejos, sem embargo das protestações [312] energicas dos radicaes, que propugnavam a responsabilidade criminal immediata dos autores da representação, porque, allegavam, nada poderia sobrevir capaz de tirar o cunho de rebeldia estampado no mesmo documento. Fernandes Thomaz era orador notavelmente laconico, mas na conjuncção se demorou na tribuna e fez um dos seus maiores discursos. Julgava desacerto de tomo o Congresso alterar resolução recente, qual a organização das juntas ultramarinas, por causa de cartas particulares e papeis sem credito, e aconselhava a commissão não reformasse os decretos de 29 de setembro sem averiguações minuciosas ácerca do espirito publico do Brasil. Concluia o revolucionario declarando que esta materia e a decisão sobre o officio de S. Paulo sendo questões connexas, não consentiam discussão distincta[388]. Guerreiro adoptou o alvitre, e lentamente proseguiu na diligencia de colher informações a respeito da America. Ouviu commerciantes em contacto com ella[389], e não houve individuo de marca desembarcado de fresco da antiga colonia que não comparecesse no Congresso para dar á commissão o seu juizo sobre o estado politico do reino ultramarino. De todos esses depoimentos nenhum certamente causou maior alvoroço nos delegados portuguéses que o de Caula, o ex-ministro de D. Pedro, apeado do poder em janeiro, em consequencia dos successos do Rio. Affirmou com a auctoridade de sua alta patente militar que nada mais facil do [313] que a conquista do Rio[390]. Não sabemos se este general e os outros informantes criam facil impôr ao Brasil os decretos odiados de 29 de setembro, mas o que está acima de toda a prova é que Fernandes Thomaz continuava a defender aquellas resoluções, e entendia não dever o Congresso discutir a reforma da administração de além-mar, sem se pronunciar ácerca do officio de S. Paulo. E assim fez a commissão no seu novo relatorio apresentado em 10 de junho.

Continuavam a trabalhar nella portuguêses e brasileiros, e aquelles eram os mesmos que em 18 de março aconselhavam o Congresso satisfizesse aos desejos do ultramar. Do lado dos americanos, porém, houvera modificação. Vergueiro substituira Antonio Carlos, que se dera por suspeito para julgar a administração de sua provincia[391] e ficou vago o logar de Belford, do Maranhão, arredado ultimamente do parlamento por motivo de saude[392]. Sem embargo de conter a nova proposta allegações em parte conhecidas, vamos reproduzil-a nos pontos capitaes. Começa por analysar minuciosamente a representação da junta de S. Paulo, a quem considera a principal autora do movimento do Brasil meridional contra a organização dos governos ultramarinos, a extincção dos tribunaes e o regresso do principe. Não cabe ao Congresso, pondera, a responsabilidade da criação das juntas senão aos proprios brasileiros, os quaes as nomearam, [314] e no acto de adhesão á causa de Portugal, renderam preito e homenagem ás Côrtes, recusando obediencia ao regente. A assemblêa não fez mais que sanccionar o voto popular e lhe não era licito obrar de modo differente sem affrontar a opinião. Os tribunaes do Rio, que prestavam serviço á monarchia absoluta como orgãos consultivos do soberano, tornam-se desnecessarios no regimen constitucional, que attribue aos representantes do povo a direcção suprema dos negocios publicos. De todos os decretos verberados no Brasil, continuava, nenhum se justifica mais cabalmente que aquelle mandando volver a Europa o principe. Desde que as juntas provinciaes não reconheciam a sua auctoridade e o deixavam sem recursos para prover ás necessidades do Estado, não podia decorosamente permanecer no Brasil. Reconhecia-o, aliás, o proprio D. Pedro, que em 17 de julho escrevia a el-rei. «Espero que V. M. me faça a honra de mandar apresentar esta minha carta ás Côrtes para que de commum accordo com V. M. dêm as providencias tão necessarias a este reino, de que fiquei regente e hoje sou capitão general, porque governo só a provincia, e assim assento que qualquer junta o poderia fazer, para que V. M. se não degrade a si, tendo o seu herdeiro como governador de uma provincia só».

Declarando a commissão que o Congresso julgava interpretar a vontade dos povos com aquellas resoluções, parecia concludente que, vistas as representações de Minas, S. Paulo, Pernambuco e Rio não consentirem duvida ácerca dos sentimentos das provincias, propuzesse ella, reconhecido o erro, a alteração dos decretos de [315] accordo com os votos expressos agora com clareza. A commissão, porém, tinha outra preoccupação que a tranquillidade de uma parte da monarchia, e não cogitava senão de affirmar o poder das Côrtes e de as desfarçar daquelles que menos cabavam a sua auctoridade. Começa por ordenar a installação immediata das juntas quaes as creava o decreto 29 de setembro. Lançada esta provocação aos ultramarinos, acirra-lhes o descontentamento com mandar submetter a processo os magistrados de S. Paulo que haviam protestado contra as resoluções do Parlamento.

Eram elles: os membros do governo que assignaram o famoso officio de 24 de dezembro[393]; os signatarios do discurso ao regente proferido em 26 de janeiro[394] e o bispo D. Matheus, que subscreveu a representação do clero[395]. Propõe mais a responsabilidade dos ministros de D. Pedro por haverem convocado os procuradores das provincias. A respeito da ficada de D. Pedro no Brasil, solicitada pelos povos, opinava a commissão para que o principe se demorasse ahi até á publicação da carta constitucional. Governaria, porém, com sujeição ao [316] poder legislativo e a El-rei, assistido de secretarios de estado, designados pelo soberano.

Na faina de trazer á obediencia os povos de álem-mar, não se esqueceu a commissão de Minas Geraes. Mandou abrir inquerito ácerca da detença de seus representantes em comparecerem nas Côrtes. De ha muito haviam sido eleitos, mas os que estavam na America não partiam, e os que estanciavam em Portugal não podiam entrar no congresso por falta de diploma. Explicavam aquelles que não virião occupar os seus logares na representação nacional sem conhecerem as determinações definitivas da assembléa constituinte a respeito do Brasil[396]. Emquanto, porém, a antiga metropole se não pronunciava, a junta da grande provincia, rica e culta, não só guardava os titulos de nomeação dos deputados dispostos a entrarem no Congresso, quaes José Eloy Ottoni, residente em Lisboa[397] e o desembargador da Relação do Maranhão Francisco de Paulo Pereira Duarte[398], mas ainda agia com desembaraço de governo autonomo. Promovia [317] militares e cogitava de reformar o systhema fiscal e, até, de cunhar moeda, e completava esses actos de soberania com a determinação de se não cumprirem nas terras de sua jurisdicção as leis e decretos de Portugal sem o seu beneplacito[399]. Transpira por isso ironia desses fortes mineiros a solicitação ao Congresso para approvar a creação recente de um corpo de tropas, o batalhão constitucional de caçadores, determinada justamente por causa dos successos politicos do Rio[400].

Dos portuguêses houve um que não concordou com o parecer da commissão, e este foi Moura. O amor da justiça e a rigidez de principios, assoalhados com voz de trovão, manifestaram-se propondo a exoneração de D. Pedro da regencia e a responsabilidade criminal de seus subordinados. Era inverter os preceitos de Direito que na graduação dos delinquentes antepõem os superiores herarchicos aos subalternos. Não podendo justificar o extranho voto com a inviolabilidade do successor da corôa, allegação contraproducente e não sanccionada pela constituição, o fogoso liberal invocou a sua mocidade, a qual não era, todavia, tão verde que lhe servisse de excusa. D. Pedro transpuséra 23 annos e não ha jurisprudencia que considere esta edade attenuante da responsabilidade.

Dos brasileiros apenas o alagoano Grangeiro subscreveu sem restricções o relatorio. Não lhe determinando o voto razões politicas nem conveniencias pessoaes, não o seria facil explicar se [318] não existira a pusillanimidade, que nos homens se disfarça com o instincto de conservação ou com a prudencia. Grangeiro tinha a singularidade de a apresentar em toda a nudez, sem jactancia nem reserva. Assignara o parecer de 18 de março e agora subscrevia esse diametralmente opposto, porque assim o desejava a maioria e Grangeiro não ousava afastar-se da maioria.

Ledo e Pinto da França entendiam que a commissão devia fazer indagar quem animara as auctoridades de S. Paulo a empregarem expressões insultuosas contra as Côrtes. Assim se exprimindo não pretendiam, contudo, insinuar, como parece, que D. Pedro soprara a José Bonifacio a conveniencia de usar de linguagem desabrida: o presupposto repugna á cortesania do bahiano e a sisudeza do fluminense; intentavam simplesmente suffocar o negocio por meio de providencia capaz de acalmar a opinião de Lisboa sem expor o congresso a serios conflictos com o Brasil.

O pernambucano Almeida e Castro mostrou-se mais resoluto que esses compatriotas. Attendeu tão somente ao empenho da commissão em punir e, sem contestar a acrimonia do documento em questão, ponderou com acerto que o congresso se não devia occupar com representações que lhe não eram dirigidas, e que procederia com bom senso e generosidade mandando-as recolher simplesmente ao archivo.

Vergueiro desenvolveu as razões por que não concordava com os lusitanos, e o seu parecer é notavel documento de lealdade e patriotismo.

Apesar de vehemencia de linguagem, adverte o illustre transmontano, com que os documentos sujeitos á commissão reclamam contra os decretos [319] de 29 de setembro, em todos se manifesta de modo irrecusavel o empenho de manter intacta a vasta monarchia. É este o ponto que deve merecer o desvelo do congresso. Se no fervor das paixões pronunciaram-se phrases violentas, ao poder judiciario compete determinar e graduar a responsabilidade dos seus autores, e não ás Côrtes, que têm por tarefa principal assegurar a união e prover á felicidade dos povos com leis justas e accomodadas ás differentes terras. A irritação do Brasil, que agora explode, se prende a causas remotas. Gerou-a o facto do congresso legislar para o reino americano na ausencia de seus mandatarios, e o projecto da constituição que o apresentava «reduzido á provincia de Portugal». Contiveram, porém, os ultramarinos o resentimento na esperança de que a assembléa, exclarecida pelos deputados do Brasil, sem cuja sancção não era licito dar cumprimento a disposição alguma relativa ao ultramar por força do artigo 21 das Bases, modificaria os seus actos de conformidade com as aspirações do imperio americano. Pouco durou, porém, a illusão acalentadora. De feito, a poucos passos cuidou a assembléa de executar a lei dos governos de além-mar, com nomear os commandantes das armas e ordenar o regresso immediato do principe D. Pedro. Ao mesmo tempo, por conseguinte, que esbulhava as juntas da administração militar e da fazenda, da qual se achavam investidas pelos povos desde a acclamação do novo regimen, despojava o Brasil da unica autoridade capaz de lhe assegurar as vantagens resultantes da permanencia del-rei no Rio de Janeiro e em risco de se perderem com a trasladação da séde da monarchia para a Europa.

[320] A desconfiança de que havia nas côrtes um partido disposto a restaurar o regimen colonial, tomou corpo naquelles povos, e os animos mais extremados proclamaram que sem a separação o Brasil não poderia defender os seus foros. Que cumpria fazer aos cidadãos amigos da patria em tão grave conjuntura, senão se oppôrem aos actos inconciliaveis com a integridade da nação? É o sentimento que domina todas as representações.

Propala-se aqui que os povos do Brasil e, até os de S. Paulo, Minas e Rio não perfilham as idéas do conselho da regencia. «É um erro de facto que pode ter consequencias fataes». Desfaz-se á luz dos documentos presentes á commissão e de muitos successos referidos na imprensa do Rio e confirmados em cartas particulares. O povo em armas para resistir ás velleidades de opposição por parte de Avillez, a organização de clubs á chegada dos decretos e a harmonia dos portuguêses com os brasileiros demonstram cabalmente o commum sentir do Rio. Em Minas prevalece a mesma opinião, como testemunham a deputação da junta do governo, as representações de muitas camaras entre si distantes, os offerecimentos especiaes de alguns cidadãos e o soccorro de tropa.

A junta de Pernambuco, ao agradecer ao principe a sua resolução de ficar no Brasil, «louva o patriotismo de seus caros irmãos de S. Paulo». Onde, porém, se patentêa com mais energia e enthusiasmo a solidariedade do povo com o governo é na terra de Amador Bueno. As suas tropas com singular rapidez chegam ao Rio, vencendo distancia longa e caminhos ásperos; as mãis dão os filhos ao exercito sem outras lagrimas que as da commoção de contribuirem [321] para a salvaguarda da dignidade da patria; uma subscripção popular cobre de prompto as despêzas da expedição, e quarenta mancebos das familias principaes se offerecem espontaneamente para a guarda do principe.

Em virtude de correspondencias particulares e de outras informações, não é temerario conjecturar que sobresalta as demais partes do reino americano o mesmo temor de recolonização. E aos olhos dos povos não ha mais evidentes testemunhas desse designio sinistro do que os commandantes das armas dependentes de Portugal e as expedições militares. Urge a bem da união remover taes instituições e tropas, consideradas agentes de oppressão.

As noticias vindas da America, que contestavam a importancia do movimento contra as Côrtes, não devem influir em nossas deliberações. Promanam da parcialidade europeia sem interesses estaveis na terra e animada de rivalidades tão mesquinhas quanto violentas com os brasileiros. Demais, está em decressimento, e é tão pouco numerosa que nem com o auxilio de batalhões do Reino logrará o triumpho de seus votos.

Atravessamos a conjuncção mais grave de nossa historia e della resultará a união ou o desmembramento. «Só a generosidade, a franqueza e a tranquilla prudencia podem-nos conduzir á primeira, e todos os outros caminhos vão dar ao segundo». Do emprego da força a mãe patria acolherá porventura algumas vantagens, mas demasiado tenues para assegurarem a obediencia do filho e assás importantes para germinarem odio inextinguivel na familia. Não devemos tão pouco cuidar de punir as auctoridades [322] paulistas que se descommediram nas representações ao regente, porque os nossos actos de desaffronta correm risco de não attingir os responsaveis, resguardados pela sympathia popular: os povos não entregarão á justiça os defensores dos seus foros.

Importa não perder de vista o elevado conceito que o Brasil forma de si mesmo, conceito nascido de grandeza do territorio, da fertílidade do solo, de sua população livre, tão grande como a de Portugal, e de seu progresso. Não se curvará, pois, deante do reino europeu: «quer ser seu egual».

Firmado nessas considerações, entende que, emquanto as disposições constitucionaes referentes ao Brasil não forem sanccionadas por seus deputados, no interesse da integridade da monarchia cumpre decretar:

A continuação da regencia do reino americano com o principe herdeiro;

Salvo o Rio de Janeiro, as provincias serão administradas por juntas responsaveis aos poderes publicos de Portugal;

Todas as auctoridades das provincias estarão na dependencia do governo local;

Sem requerimento do Regente ou das juntas, Portugal não mandará tropas ás antigas capitanias;

Sem o cumpra-se da regencia ou dos governos provinciaes não se executarão no Brasil os decretos das Côrtes.

Assim se exprimiu Vergueiro.

Ao revés dos europeus que cataram minuciosamente nos papeis publicos elementos de culpabilidades dos magistrados de S. Paulo, desprezados os votos do Brasil, o transmontano [323] procurou descobrir, através da violencia das expressões, os sentimentos da America para os attender. Ao seu parecer, Portugal, falto de meios para compellir á obediencia os povos de além-mar, nada tinha que fazer de mais acertado do que acolher as suas resoluções, até as mais ousadas, a fim de não levar o descontentamento ao extremo da independencia.

Lembrara-se por isso de incluir na sua proposta o ultimo artigo, que não figurava no parecer de 13 de março. A exemplo da junta de Minas, o conselho da regencia decidira em 21 de fevereiro não mandar cumprir os decretos do Reino sem a approvação do principe D. Pedro[401]. Era um acto attentatorio da auctoridade soberana da metropole, mas com o qual se devia conformar o Congresso porque, acaso tentasse reagir, lhe inflingiria a America humilhação mais funda com a victoria de sua rebeldia.

O empenho de evitar a scisão da monarchia transparece nesse documento com evidencia luminosa. Tinham-no, aliás, todos os deputados do Brasil mas em nenhum se revestia da feição commovente que apresentava em Vergueiro. Araujo Lima, Moniz Tavares, Lino Coutinho, Barata, Antonio Carlos, os mandatarios da America sem excepção repelliam o desmembramento, receosos, principalmente, de que gerasse conflictos entre brasileiros e reinoes; no transmontano a esse temor accrescia a magua de se tornar extrangeiro á terra de seu nascimento ou á de seus filhos[402]. [324] Esta circunstancia, que fazia carinhoso o seu esforço pela união, mais que a brandura do seu temperamento contribuiu para que não houvesse em seus discursos as impaciencias aggressivas da generalidade dos ultramarinos e os sarcasmos de Barata.

Opprimia Lisboa grave commoção com arripios de terror do futuro em 27 de junho, marcado para o exame do relatorio da commissão. Aos menos atilados não escapava que estavam em jogo as Côrtes, a integridade do imperio e a successão da corôa[403].

Se a anciedade pelos debates era profunda no povo, se não manifestava nos deputados transatlanticos com egual intensidade. Viram-se mais claros na sua bancada no correr dessa prolongada discussão do que ordinariamente nas sessões consagradas aos negocios importantes do Brasil. Desinteressavam-se das Côrtes os ultramarinos, e Antonio Carlos e Barata declararam que falavam por dever, e não com a esperança de modificar a resolução do congresso de approvar o parecer da commissão. Isto, contudo, não impediu de ser rude a peleja. Iniciou-a Borges Carneiro, e o seu discurso, vista a sua indole impulsiva e honesta, revela-nos a impressão gerada no publico pelo relatorio da commissão. O bom senso simples da multidão não se conformava com um julgamento mais severo com os inferiores do que para com o chefe. Todos se haviam rebellado contra os decretos; ao passo, porém, que se mandava submetter aquelles a processo apenas se extranhava o comportamento [325] de D. Pedro, que acolhera com alvoroço a desobediencia de seus subalternos em vez de a atalhar. Na humilhação tão dolorosa ao pundonor nacional por que passára a divisão auxiliadora, ninguem sabia a parte de José Bonifacio e da junta de S. Paulo mas em todos estava presente o papel do successor da corôa, exposto por Jorge de Avillez. Era patente a insolencia do governo paulista contra as Côrtes, mas não o era menos o descommedimento do Regente e se cabia a um delles excusa, não a podia pretender o principe. Os officios de S. Paulo se não dirigiam ao poder legislativo, e aos seus signatarios era licito allegarem que, caso previssem o destino de suas queixas, as exporião em linguagem menos aggressiva. D. Pedro não podia invocar essa attenuante, porque recommendava ao pae submettesse ao parlamento as suas cartas injuriosas. Que justiça era essa que a uns processava e ao principal responsavel nem lhe tirava o posto de confiança de que fora investido pelo rei e pelo Congresso, e de que se servia sem lustre para o soberano e em damno da vontade nacional?

Borges Carneiro sentindo a necessidade de satisfazer de algum modo ao reparo publico, insta com as Côrtes para que censurem a D. Pedro com mais energia do que propõe a commissão, e insinua a conveniencia de o ameaçar com a perda da corôa, se não mudar de attitude perante os poderes publicos do Reino. Reconhece, todavia, que a responsabilidade dos actos reprovados do principe cabe principalmente á junta de S. Paulo, porque foi depois de conhecer a representação deste governo provincial, que se revoltou o Regente contra a assembléa constituinte [326] e se descommediu com os batalhões europeus. Parece que Borges Carneiro devia concluir pela revocação a Portugal de D. Pedro, não o fez: opina para que se conserve no Rio, até a carta constitucional providenciar sobre a organização definitiva do ultramar, o qual com assegurar áquelles povos a liberdade os persuadirá da desnecessidade de terem em seu seio o herdeiro da corôa para se preservarem da reconducção ao regimen colonial[404].

Succedeu-lhe Bueno, deputado por S. Paulo e sobrinho de José Bonifacio. Impugnou coubesse a iniciativa dos acontecimentos a sua provincia com argumento irrefragavel da chronologia. O officio de S. Paulo não chegou ao Rio senão em 1 de janeiro e já em 29 de dezembro o povo fluminense representára energicamente contra o regresso do principe. Como, pois, se ousa dizer que José Bonifacio promoveu a revolta contra os decretos de 29 de setembro e o intentam processar por isso?[405]

Moura que tomou em seguida a palavra fez um discurso grandemente applaudido da maioria. Empenhou-se em provar que, ao revés das allegações dos brasileiros, os constituintes portuguêses não violaram o compromisso solemne estipulado nas bases com legislarem para o Brasil na ausencia de seus deputados. Rezava o artigo 21 invocado pelos ultramarinos: Sómente á nação pertence fazer a sua constituição ou lei fundamental. Esta lei fundamental obrigará por ora sómente aos portuguêses residentes nos reinos de [327] Portugal e Algarves, que estão legalmente representados nas presentes Côrtes. Quanto aos que residem nas outras tres partes, ella se lhes tornará commum, logo que por seus legitimos representantes declarem ser esta a sua vontade. Consoante o sophista, a lei fundamental de que se tratava eram as Bases, e como estas haviam sido approvadas pelos povos, os seus mandatarios deviam forçosamente acceital-as, e tambem acceitar a carta constitucional que não passava de desenvolvimento d'ellas. Embora a constituição expuzesse materias summariadas nas Bases nem por isso eram a mesma cousa, e nada o provava melhor que a discussão demorada do pacto social a despeito de sanccionados de ha muito os seus fundamentos pelos deputados.

Admittir-se que já se houvessem pronunciado os habitantes da America, e com elles os seus mandatarios, sobre esses debates, que agora occupavam os constituintes portuguêses, não era absurdo senão perfidia, pois que visava o apparente erro de entendimento sujeitar uma parte da monarchia a outra.

O maior defeito, porém, d'essa argumentação consistia em se não applicar ella á hypothese. De feito os brasileiros não clamavam agora contra as Bases nem contra preceito algum constitucional, levantavam-se contra a ordem do regresso do principe e a reorganisação das juntas decretados na ausencia de seus deputados. Se os portuguêses negavam aos ultramarinos, em consequencia do juramento das Bases, o direito de recusar a constituição que lhes quizessem dar, não haviam ainda declarado que na formação das leis ordinarias, quaes as resoluções citadas de setembro, se dispensava tambem o [328] seu concurso apezar do artigo 24 das Bases[406].

Sem attenção ao alibi em favor da junta de S. Paulo, allegado por Bueno, alibi que não cogitou de contrariar, Moura espraiou-se em mostrar pela analyse da correspondencia de D. Pedro, quanto mudara depois que recebera o officio de 24 de dezembro, para concluir que não havia outro responsavel das demasias do principe que o governo paulista. Não poupou insultos a José Bonifacio, e como se não conhecia em energumenos, porque o era, acoimou de energumeno ao grande paulista.

Vergueiro no seu parecer em separado, e Bueno no discurso advertiram que as Côrtes não podiam julgar a responsabilidade criminal dos paulistas sem se arrogarem attribuições da justiça. Nem Borges Carneiro nem Moura se referiram a objecção ponderosa. Castello Branco, que depois de Moura subiu a tribuna, não foi feliz na tentativa de a desfazer. Concordou que em verdade o Congresso usurpava funcções judiciaes mas que o fazia por não haver ainda constituição. As Bases consagravam, todavia, a divisão dos poderes e não deixa de ser comico que para firmar o regimen constitucional, um dos seus apostolos comece por postergar um dos seus preceitos fundamentaes[407].

[329] Depois de haver um constituinte português desenvolvido o pensamento commum aos regeneradores de pretender o governo do Rio resuscitar o despotismo no ultramar[408], coube a Vergueiro falar. Limitou-se em discurso sobrio a reproduzir os fundamentos do seu voto, insistindo em certos pontos que não haviam sido impugnados pelos adversarios. Repetiu que a commissão exorbitára do mandato com definir responsabilidades juridicas e apontou a incoherencia do congresso recusando-se ha pouco mais de um mês a suspender a expedição militar para a Bahia por não invadir a jurisdicção do poder executivo e inclinando-se agora a exercer a judicatura. «Qualificar delictos e designar culpados não pode caber nas attribuições das côrtes, pertence ao poder judiciario precedidas as averiguações necessarias». Assignala que quem primeiro suggeriu ao regente a conveniencia de não cumprir as resoluções legislativas foi o povo do Rio por meio de representação publica assignada por mais de oito mil pessoas, e não S. Paulo, como assevera maliciosamente a commissão para colher ahi reos de desobediencia. A commissão, como dissemos, propunha fossem submettidos a julgamento os secretarios de estado do regente por causa do decreto de 16 de fevereiro, que convocava em assembléa consultiva os procuradores das provincias. Vergueiro dotado de idéal de justiça que não aureolava os regeneradores, disse a proposito: «Não me opporei a que se faça effectiva a responsabilidade dos ministros do Rio nem de outro algum empregado; mas no que [330] não posso convir é na desegualdade proposta: exigir a responsabilidade dos ministros e a não exigir do principe, a quem nenhuma lei faz inviolavel, repugna com a egualdade da lei: Voto portanto que havendo culpados respondam todos»[409].

Encerrou a sessão o illustre Guerreiro com longo discurso. Dentre os portuguêses nenhum o avantajava no desejo e no esforço de estabelecer o novo regimen com a egualdade politica mais perfeita para os dous reinos. Justificava o desprazer dos ultramarinos com a perda da séde da monarchia, que se viam assim privados de recursos promptos contra os abusos das autoridades[410], e reconhecia a legitimidade das suas queixas contra a reorganização das juntas provinciaes[411]. Quando Moura e outros energumenos em 23 de maio pelejavam para se assignalar na acta haverem sido recebidos com agrado as congratulações de Jorge de Avillez, considerado o defensor das côrtes no Rio, oppôs-se corajosamente a essa menção por pêsar sobre o general a imputação de indisciplina lançada pelo regente. No diuturno debate a respeito das relações commerciaes de Portugal com o Brasil, no qual os constituintes portuguêses sob a apparencia de reciprocidade de vantagens e concessões, não attendiam á porfia senão os interesses da metropole, o seu papel foi dos mais apagados.

A todos esses motivos de respeito e sympathia á sua memoria para os que estudam o nosso passado, accrescia-a sua urbanidade para [331] com a minoria, a qual o singularizava dos regeneradores. Por ardente que fosse a discussão, jamais a sua palavra molestou os ultramarinos com a insinuação perfida, a impertinencia rasteira ou a grosseria atroadora. Infelizmente se não pôde subtrahir á paixão que lavrava por Lisboa inteira e não divergiu do sentir de Moura. Procurou, todavia, responder ás duas objecções graves de Bueno e Vergueiro. Declarou lealmente haver outros criminosos que as autoridades de S. Paulo, mas que por prudencia não convinha ao governo alargar o numero dos querelados; e reconheceu outrosim ter nascido no Rio o movimento contra as côrtes. Ahi, porém, a opposição não ultrapassou o direito de petição consagrado pela doutrina constitucional, ao passo que José Bonifacio e os consortes pronunciaram-se quaes verdadeiros rebeldes, e como foram os primeiros que se manifestaram com esse caracter, deviam soffrer o rigor da lei. Não era possivel provar que a commissão com indicar criminosos á justiça e não admittir execução da sentença sem ouvir o congresso não se apoderava de funcções do poder judicial. Tentou-o, contudo, Guerreiro affirmando que se não dava a confusão de attribuições porque a commissão não designava a lei violada nem a pena. A defêsa não era digna de esclarecido constituinte, verdade é que o tachygrapho o põe ao abrigo da critica com notar que reproduziu mal o seu discurso, mutilando alguns periodos e omittindo outros. Em todo o caso se não pode negar a menos que se não mude o sentido das palavras que a commissão com julgar delinquentes certos adversarios dos decretos de setembro e não admittindo que a Justiça perseguisse outros, desviava-se de sua [332] jurisdicção legislativa para invadir a esphera de acção de um outro orgão do Estado.

Disse mais que os brasileiros eram livres de aceitar ou repellir o regimen de Portugal, mas desde que lhe prestaram adhesão com os protestos de obdiencia ás Côrtes e com o juramento da constituição que ellas fizessem, subscreveram um pacto, ao qual não podiam faltar sem incorrer na censura do Direito. Até ahi essa argumentação, interpretada em termos habeis, era aceitavel mas desde que o illustre regenerador á lembrança de uma questão de Feijó, formulada na famosa proposta definiu a submissão a que se achavam obrigados os do Brasil, avançou proposição temeraria e justificativa do despotismo asiático. Reconhecendo a auctoridade do Congresso, perguntára Feijó, se as provincias ficavam sujeitas a uma obdiencia céga e passiva? «Por obediencia céga entendo eu, explicou Guerreiro, aquella que obriga obrar á força, e a esta nunca se está obrigado; mas obediencia passiva é commum a todos e a esta obediencia está sujeito todo o Brasil. E porque está sujeito? Porque elle assim o quiz»[412].

No dia immediato proseguiu a discussão, e depois de Moniz Tavares, como convinha a um padre, aconselhar o esquecimento das expressões injuriosas dos documentos, levantou-se Antonio Carlos. Nas sessões de maio quando Moura e os exaltados clamavam que o Congresso não devia providenciar o respeito do Brasil sem previamente deliberar sobre o famoso officio de S. Paulo, não foi das menores surprêsas o silencio de Antonio Carlos ante os insultos vomitados contra José Bonifacio. Os que esperavam que a sua paciencia se não conteria mais ás insolencias, renovadas agora com vehemencia, extrema, [333] tiveram novo desengano: o orador paulista deixou a cargo dos accusados a repulsa dos doestos para não inflammar os debates, dos quaes, ao seu parecer, dependia a integridade da monarchia. Analysados o discurso do vice-presidente de Minas e o officio da junta de Pernambuco ao principe, nos quaes se reproduziam as expressões do governo de S. Paulo consideradas offensivas e de manifesta rebeldia, concluiu que eram criminosos uns como os outros e que com reduzir a commissão o numero dos culpados podia fazer politica mas commettia a injustiça mais repellente, a injustiça nascida da pusillanimidade. Não atinava com a distincção entre obediencia cega e passiva, porque na especie considerava os qualificativos synonymos. Sabia, porém, que o novo reino adoptando o regimen constitucional, virtualmente reconhecia não admittir leis que não fossem aceitas por seus mandatarios. Se pelo facto de haver jurado as Bases e a constituição futura renunciou áquelle direito como pretende a maioria, então já não existe para a America o systhema representativo e «façam-se duas secções uma de povo que obedece e outra de povo que manda. O povo do Brasil quando jurou as Bases, jurou pela bondade de sua doutrina, jurou o Congresso composto de deputados brasileiros e europeus; não podia jurar de outro modo e se tão estupido foi, que o fez de outra sorte, então o juramento não é valido: não é contracto bilateral que se não possa desfazer sem consentimento de ambos». Vingado o parecer da commissão que intentava restabelecer no novo reino a influencia das Côrtes por meio da força, era de temer, ao contrario, novo desprestigio do poder legislativo, porquanto o Brasil não entregaria [334] os defensores de seus direitos á justiça e, por outra parte, medidas de rigor arriscavam promover a independencia, de que não cogitavam as auctoridades brasileiras. «O Brasil não é mais que um irmão desconfiado do irmão mais velho, um irmão que se queixa; e será modo de abafar as suas queixas, irrital-o? Acho mais coherente quando se está em estado de irritação, não usar de remedios heroicos; não é o cauterio que cura chagas velhas; são applicações balsamicas e estas requeiro eu.» Como todos os brasileiros, votava pela rejeição do «parecer»[413].

A este discurso moderado respondeu com ataque pessoal Ferreira Borges, e, allucinado da paixão, reputou José Bonifacio despota por haver relaxado da prisão como intendente de policia do Porto, juizes accusados de serviços aos francêses na invasão. Não podemos deixar de produzir a bella resposta de Antonio Carlos na sessão seguinte: «Justo Deus em que tempo estou! É despotismo escutar a humanidade! É despotismo salvar as victimas das injustas prevenções de uma plebe brutal e furiosa! Bemfaseja providencia que vigias sobre os destinos da nação portuguêsa! Tu, que espero e creio, conservarás a integridade d'este imperio apesar dos encontrados empuxões da inexperiencia, da ignorancia presumpçosa e da mesquinha rivalidade, permitte que se entre o clangor das armas, no silencio das leis, no meio das convulsões da anarquia, houver de se insinuar alguma arbitrariedade e poder discrecionario, seja este sempre disposto, como foi o grande despota José Bonifacio, a [335] desopprimir afflictos, a arredar da garganta da desgraça a espada do resentimento, a arrancar emfim ás fauces ensanguentadas da vingança as victimas que ella já saboreava»[414].

O debate proseguiu repetidos os argumentos em todas as fórmas. Alternadamente com Gyrão, Trigoso, Freire, Serpa Machado, Corrêa de Seabra e Fernandes Thomaz fallaram Vergueiro, Antonio Carlos, Lino Coutinho e Barata. Salvo Serpa Machado e Corrêa de Seabra que alvitravam a rejeição do parecer, todos os constituintes portuguêses se mostravam partidarios de severidade contra as auctoridades de S. Paulo. Serpa Machado julgava absurdo que, vista a fermentação do Brasil com os decretos de 29 de setembro, a commissão propuzesse a conservação delles e formação de culpa a homens, que haviam interpretado o sentimento dos povos[415]. Correia de Seabra singularizou-se dando ao juramento da constituição futura e ao artigo 21 das Bases a intelligencia acceita no ultramar[416].

O decreto de 16 de fevereiro que creava a assembléa de procuradores geraes das provincias com o simples voto consultivo, era o grande argumento apresentado pelos portuguêses das tendencias reaccionarias de José Bonifacio e do principe. Os brasileiros contestavam o conceito, e explicavam aquelle acto como meio de informação de que se ia servir a regencia para governar tão vasto imperio a aprazimento geral, e ajuntavam que se com elle intentasse o ministerio [336] do Rio restaurar o despotismo, não resistiria ao clamor da opinião. Antonio Carlos chegou a affirmar que mataria José Bonifacio se lhe descobrisse intenções sinistras contra a liberdade. Alencar, em excellente discurso, previu com acerto o sossôbro d'aquelle decreto[417].

Barata que, por causa do incidente com Pinto da França andara affastado do parlamento e acabava de tomar o seu posto, orou com bom humor e audacia. Não apresenta argumentos novos, mas velhas razões expostas pelo bahiano têm sabor pela malicia de duende com que as sazona a juventude perpetua do sexagenario. Zomba de Moura que propunha o embarque immediato do principe. «Diz o seu parecer que S. A. deve regressar já e já e que a sua delegação deve cessar immediatamente: hoc opus, dic labor est. Minhas opiniões, snr. Presidente, são mui differentes: estou persuadido de que S. A. só voltará por sua vontade e não ha meios para o forçar. Supponhamos que o mandam vir e que elle diz: não quero. Que se lhe ha de fazer? Eu não vejo remedio. Supponhamos que se põem as cousas em figura de rompimento. S. A. é môço ardente, fogoso e prompto para tudo e além disso ha de ter algum lisongeiro que o estimule e que sopre o veneno da lisonja, dizendo-lhe: Senhor, Vossa Alteza não deve ir; aqui póde ser muito grande e nada lhe falta, e talvez em Lisboa não lhe vão bem os negocios, etc., etc., e S. A. teima e não volta. Que fará o Congresso? Supponhamos que mande uma esquadra, a naú D. João VI, a fragata D. Pedro e outras embarcações; neste caso S. A. [337] mandará contra ellas a naú Martinho de Freitas, a fragata União e mais quatro. Eis aqui uma guerra civil começada entre as duas partes da nação. A S. A., snr. Presidente, nada falta; tem soldados, tem marujos inglêses, francêses e americanos, dinheiro e soccorro de braço forte[418] e ainda tem outros meios que eu de proposito não explico»[419].

Os meios que não declarava eram os exercitos da triplice alliança para desbaratarem as Côrtes, os quaes já ameaçavam a Peninsula. No final de sua oração já não sorria o bahiano. «Se este parecer da commissão for approvado e chegar ao Brasil na forma em que se acha, será o grito de alarme, será um tambor tocando a rebate e chamando as armas por toda a parte. Se tal succede, estamos perdidos, e que fazemos nós brasileiros? Nada mais nos restará senão chamarmos a Deus e a nação por testemunhas: cobrir-nos de lucto, pedirmos os nossos passaportes e irmos defender a nossa patria.»

Fernandes Thomaz interveio na discussão com o azedume habitual com que se referira aos negocios da America e teve o despêjo de se mostrar surprezo da attitude do Brasil contra as Côrtes, porque assistia aos seus deputados o direito de providenciar ácerca dos interesses de álem-mar. «Quem dera aos americanos do norte, ponderou, que se lhes concedesse representação no Congresso; talvez se não levantassem».

Lino Coutinho doente e com licença por [338] trinta dias, interrompeu o tratamento para acudir á ultima sessão. Ao contrario de Borges de Barros que julgava innutil o exercicio de procuração que não produzia fructo, o grande orador bahiano entendia que a inanidade do esforço não justificava o abandono da lucta pelo deputado. Era, aliás, a unica intelligencia do mandato consagrada pela moral, que prescreve o cumprimento do dever sem considerar o successo, dependente da vontade alheia.

De que valem os mandatarios da America se não são ouvidos nos negocios de sua patria? respondeu a Fernandes Thomaz. Clamaram contra o desbarato dos tribunaes, a nomeação de Madeira, a remessa de tropas e a falta de delegação do poder executivo. «De nada disto se fez caso, e tudo foi decidido como bem pareceu aos deputados da Europa e o Brasil apesar de ter aqui uma parte de seus representantes, vê-se hoje despojado de algumas vantagens que tinha no tempo do antigo despotismo colonial»[420]. Poderia ajuntar o orador, que mais sagazes do que os seus visinhos do sul, os americanos do norte nunca pretenderam fazer parte do parlamento britannico, persuadidos de que em virtude da inferioridade numerica de sua representação, jamais thriumpharião as conveniencias de sua patria hostilizadas pelos inglêses[421].

Era o terceiro dia de discussão e a materia estava exgottada. Passou-se á votação e a maioria ainda uma vez desattendeu ás informações e desejos dos collegas americanos, approvando sem mudança substancial o parecer da commissão. O [339] principe permaneceria no Brasil até a publicação da carta constitucional, governando com sujeição aos poderes publicos de Lisboa as provincias que actualmente lhe prestavam obediencia. Declararam nullo o decreto de 16 de fevereiro e mandaram responsabilizar o ministerio do Rio não só por aquelle acto senão por todos os outros que envolvessem abuso de poder. Decretaram o julgamento da junta de S. Paulo por causa do officio de 24 de dezembro e dos quatro signatarios do discurso ao Regente, proferido em 26 de janeiro, mas a sentença, consoante a proposta da commissão, não seria cumprida sem autorização das Côrtes[422].

O Congresso não tinha duvida a respeito da execução pontual de suas ordens. Estava convencido de que D. Pedro, informado pelos debates que nova desobediencia o exporia á perda do throno, aceitaria os secretarios de estado que el-rei lhe aprouvesse dar e trataria de instaurar o processo dos ministros de sua livre escolha e da junta de S. Paulo, deligenciando ao mesmo tempo os preparativos de seu regresso á patria. Não o acreditavam os deputados da America, mas esses, no conceito dos collegas europeus, ignoravam a verdade, ou a fingiam ignorar porque eram cumplices dos partidarios da independencia. A verdade, sabiam-na os ministros da regencia demittidos por D. Pedro e chegados ha pouco a Lisboa e sabiam-na outras pessoas vindas recentemente de além-mar e os commerciantes em relações com o nosso reino.



CAPITULO XVIII


SUMMARIO:

Commissão incumbida de apresentar os artigos addicionaes á Constituição relativos ao Brasil.―Difficuldade de accordo entre os brasileiros.―A impressão dos regeneradores.―Objecções contra a proposta.―A verdadeira causa da opposição do congresso.―Defêsa dos brasileiros e a sua disposição conciliadora.―Opiniões sobre o Brasil de Borges Carneiro, Gyrão e Guerreiro.―Divergencia de Silvestre Pinheiro.―Descontentamento dos brasileiros.―Consideração judiciosa de Sarmento.―Não é submettida á discussão a primeira parte do projecto.―Tomam assento F. de Sousa Moreira, do Pará, e J. R. da Costa Aguiar de S. Paulo.―Discussão da ultima parte da proposta.―Conveniencia de ser o successor da Corôa o agente do poder executivo.―Opposição de Moura.―Incidente.―Tendencia da assembléa a multiplicar os delegados do poder executivo.―Versatilidade dos regeneradores.―Desalento de Antonio Carlos.―O congresso [341] decide que o principe real não será jamais delegado del-rei e manda a commissão organizar novo parecer.



Todas as vezes que os regeneradores inflingiam derrota aos brasileiros, cuidavam immediatamente de os indemnizar do desprazer com acto de clemencia a favor dos presos politicos remettidos de além-mar ou com qualquer manifestação de desvelo pela antiga colonia. Votada a expedição militar para a Bahia, appareceu o gesto habitual. Em requerimento solemne pelo numero dos signatarios, ao mesmo passo que deligenciavam a conclusão do pacto social, propunham se nomeasse uma commissão composta de deputados brasileiros com a tarefa de apresentar sem perda de tempo «as addicções e alterações que julgar necessarias para que a constituição portuguêsa possa fazer a felicidade de ambos os hemispherios»[423].

Aceito o alvitre, o presidente incumbiu desse trabalho a Antonio Carlos, Lino Coutinho, Araujo Lima, Villela Barbosa e Fernandes Pinheiro[424], os quaes aos 17 de junho apresentaram o fructo de seus estudos. Começa a commissão por declarar que o regimen centralizador se não accommoda a reinos, separados pela vastidão do oceano, e com necessidades distinctas por causa da diversidade de clima, de costumes, de producção e da natureza do trabalho. Portugal e Brasil exigem legislaturas separadas. Nellas tratarão os [342] deputados das conveniencias locaes e de promover o desenvolvimento interno da região. Mas como ha interesses communs ás duas secções da monarchia, haveria tambem Côrtes geraes compostas de cincoenta representantes, vinte e cinco de cada reino, nomeadas por aquellas legislaturas com as seguintes attribuições: regular as relações politicas e commerciaes com os povos extranhos; legislar sobre o exercito e a marinha de guerra, e prover á defêsa da nação; determinar a moeda, pêsos e medidas e estabelecer os orçamentos geraes da monarchia. Além destes poderes meramente legislativos cabia-lhes uma funcção judiciaria de summa importancia: julgar á luz da união se os actos do congresso português ou brasileiro contrastavam o bem geral da nação ou o bem particular do reino irmão. No caso affirmativo, as Côrtes os suspenderião, e na outra hypothese, os sanccionarião para que entrassem definitivamente em vigor.

Tudo quanto não coubesse á assembléa federal e fosse do interesse exclusivo de qualquer dos reinos, como a organização do ensino, da policia e do trabalho dependeria das legislaturas especiaes do Brasil e de Portugal. As provincias da Asia e da Africa portuguêsa serião representadas na assembléa do reino em que se quisessem encorporar.

Creava mais o projecto uma delegação do poder executivo no ultramar americano, ampla e permanente, a qual agiria através do territorio por propostos de sua nomeação e sob sua immediata dependencia, e seria actualmente exercida pelo successor da corôa, e ulteriormente por qualquer membro da familia real, e na falta d'este por uma regencia. Á excepção dos bispados e [343] dos cargos do Supremo Tribunal de Justiça que o governo de Lisboa devia preencher, escolhendo, porém, os titulares entre tres nomes submettidos pelo vice-rei, assistia a este eleger todos os magistrados e funccionarios debaixo da responsabilidade do secretario de estado em cuja repartição iam servir. Era vedado ao regente: praticar qualquer acto de politica internacional, declarar guerra offensiva e conceder titulos em recompensa de serviços[425].

Não nascêra semelhante plano da imaginativa de seus auctores; achava-se consubstanciado no regimento dos deputados de S. Paulo, e o vice-presidente de Minas e a camara municipal do Rio, alludindo á conveniencia de haver no Brasil poder legislativo, inculcavam não comprehender a união com outro regimen que a federação. Não foi dos menores triumphos da commissão apresentar a proposta sem voto divergente e apoiada pela deputação americana. Villela Barbosa hesitara em a subscrever, mas não sabemos quaes os motivos de sua reluctancia[426], e brasileiros extremados queriam assembléa legislativa em cada provincia[427].

O projecto, que estabelecia a unica organização compativel com a integridade da monarchia, porque punha os dous reinos no mesmo pé de egualdade politica, promettida pelos manifestos da regeneração, teve o dom de exasperar [344] os portuguêses. «Não é possivel que o sangue deixe de ferver nas veias dos lusitanos perante um projecto que não ousa qualificar em consideração dos seus auctores». Assim começa Gyrão, o primeiro que sobe a tribuna; e nesse tom de exaltação phrenetica rugiram quasi todos os oradores da maioria, que enxergavam na proposta independencia mascarada. Como, porém, não bastava berrar nem gesticular, e o decoro da assembléa não admittia a rejeição dos artigos sem argumentos, allegaram que os artigos se oppunham ás Bases approvadas solemnemente por todos os povos da monarchia.

Os principios fundamentaes da carta constitucional, diziam uns, declaram que não ha senão uma camara formada pelos representantes da nação; ora, consoante o projecto haverá, além das Côrtes Geraes, legislatura em cada um dos reinos, constituida exclusivamente de deputados do Brasil ou de Portugal. Acceito o plano, opinavam outros, as Côrtes lançarião por terra a instituição de uma só camara consagrada recentemente após longa e porfiada discussão. De feito desde que houvesse côrtes geraes e côrtes particulares e que áquellas coubesse a faculdade de acceitar ou repellir decisões d'estas, não ha negar que existirião dous congressos legislando sobre o mesmo objecto. Ainda posto de parte este vicio substancial, concordavam todos, o projecto por trazer em si o germen da independencia do novo reino, incorre na reprovação do patriotismo. Não sendo permittido contestar a existencia no Brasil de um partido da separação, deve-se temer a sua victoria nas eleições.

«No primeiro dia que se juntarem oitenta deputados em um ponto d'aquelle paiz, será este [345] o dia que acabará a união com Portugal e não quero tomar sobre mim tão grande responsabilidade»[428]. Quem assim se exprimia era Moura, aquelle mesmo que proclamava adherir á independencia do Brasil em sendo reclamada pela maioria dos seus naturaes. O medo do desmembramento era a razão unica por que os portuguêses não consentiam parlamento no ultramar; e todos os argumentos baseados nas infracções do pacto social não passavam de pretextos para estrangular no nascedouro a proposta. Moura declarou que se em verdade fôra ella o meio de garantir a união, não hesitaria em a subscrever[429].

Impugnaram os brasileiros de modo irrecusavel as objecções. Não se deve perder de vista, ponderavam, que as Bases concernem toda a monarchia espalhada nas varias partes do mundo e que o parecer considera Portugal e Brasil individualmente. Na nação não haverá senão um corpo legislativo e este será as Côrtes Geraes; as Côrtes especiaes terão esphera de acção limitada ao territorio português da Europa e ao territorio português da America e não assumirão nenhuma das attribuições do Congresso Nacional. As bases não prohibem legislaturas particulares a cada reino. De accordo com ellas continuarão a competir ao parlamento da nação o approvar tratados de alliança, de commercio e subsidios e o determinar o valor da moeda. O projecto, pois, em vez de contrariar as disposicções juradas, reconhece-as rigorosamente e apenas investe as Côrtes Geraes de novo encargo: rejeitar as leis [346] promulgadas no Brasil ou em Portugal offensivas do bem geral ou damnosas ao reino irmão. Neste caso ellas não legislam, julgam; e semelhante funcção, porém, podia ser confiada ao Supremo Tribunal ou ao Conselho de Estado. Cumpre darem-se assembléas legislativas ao Brasil não porque aquelles povos as pedem, senão tambem para fiscalizarem o delegado do executivo, o qual, com dispor de auctoridade formidavel, abusará necessariamente se não for contido por uma corporação emanada do povo[430]. Os regeneradores reconheceram o valor do argumento, e entenderam alguns que para enfraquecer tal poder bastava se creassem tantos agentes del-rei quantas eram as capitanias. Os brasileiros repelliram a lembrança com calor mas nenhum delles o fez com mais eloquencia do que Lino Coutinho. «Longe, longe de nós semelhante idéa desorganizadora da unidade brasiliense. O Brasil é um reino bem como Portugal; elle é indivisivel, e desgraçado daquelles que tentam contra a sua categoria e grandeza, desmembrando as suas provincias para anniquillar o que tão liberalmente lhe foi concedido pelo immortal D. João VI, baseado em seu desenvolvimento politico e em suas riquezas naturaes. Jamais como deputado do Brasil consentirei em tão feio attentado: o nosso paiz ha de reviver ou morrer com dignidade de um reino unico e indivisivel»[431]. Contrastava esta linguagem com os conceitos do egregio bahiano chegando ao Congresso. [347] Então a emulação de sua provincia com o Rio, feito capital da antiga colonia, levara-o a declarar que as capitanias eram reinos distinctos, a fim de cada uma ter organização completa que dispensasse de procurar recursos e receber ordens da cidade fluminense. Devia-se a transformação bemfazeja aos deputados paulistas, secundados da voz prestigiosa de José Bonifacio pregando a união.

Não comprehendiam tão pouco os deputados americanos como os regeneradores pretendiam negar a sua patria legislatura, e ao mesmo tempo se achavam dispostos a lhe conceder um ou mais delegados do monarcha, quando o texto das Bases era tão imperativo numa materia como na outra. Diziam ellas: o poder legislativo reside nas Côrtes, o poder executivo está com o rei. Como interpretar taxativamente aquella proposição e dar a esta significação ampla perante a uniformidade absoluta da redacção? Tanto mais se deve extranhar a explicação litteral dada ao preceito acerca do poder legislativo, que se não conforma com a realidade, a qual mostra outras corporações que as Côrtes, creando leis. Já as fazem as Camaras Municipaes, pois as suas posturas são na essencia actos legislativos, embora com efficacia somente em determinadas porções do territorio nacional. Os do Brasil aceitavam, concluiam os seus mandatarios, quaesquer modificações ao projecto comtanto que lhes não recuse o Congresso legislatura, e satisfazendo-os os constituintes portuguêses, em vez de promoverem a independencia, dilatal-a-ão para todo o sempre, por não convir a America affrontar o desmembramento, quando com a união se compadecem os seus interesses e aspirações.

Nada queriam ouvir os europeus, e procuravam [348] esmorecer os brasileiros, allegando os perigos para o ultramar da sua emancipação politica, consequencia certa e proxima do projecto. Borges Carneiro fez certamente sorrir os collegas de além-mar, sabedores da condição desgraçada da mãe patria, com a confissão candida de não poder o Brasil progredir sem o concurso de Portugal[432]. O ineffavel Gyrão previu a renovação da tragedia de S. Domingos, a matança dos brancos pelos negros, caso o novo reino se desligasse[433]. No conceito de Guerreiro, o titulo de reino não dava ao Brasil as prerogativas provenientes dessa graduação politica, não passava de mera honraria; e pelo atraso intellectual, o ultramar continuava a ser colonia e incapaz de se governar a si mesmo. «Não me posso persuadir, dizia afoutamente, que haja ali bastantes pessoas aptas para todos os ramos da administração publica»[434].

Era a idéa corrente dos que não haviam frequentado a America portuguêsa, e como se ajustava á philaucia e conveniencias da metropole, adquirira no congresso a força de axioma mathematico, inaccessivel, á refutação. Silvestre Pinheiro, que servira doze annos em além-mar, e com o qual não hombreava Guerreiro nem nenhum constituinte na cultura e na agudeza da intelligencia, acabára comtudo de declarar que elevando o Brasil a reino, el-rei não fizera senão reconhecer ter attingido a antiga colonia aquelle gráu de civilização que reclama o governo por leis e magistrados, e não por dictadores e providencias [349] de momento[435]. Era tambem leviano o temor de faltar entre os naturaes da America administradores habeis, por que o progresso intellectual do novo reino se manifestava com evidencia na pluralidade de seus filhos eminentes nas lettras, a termos de assignalar um escriptor moderno: brasileiros eram na maxima parte os sabios e litteratos portuguêses de então[436].

O ardor aggressivo e a má fé da maioria com persuadirem aos brasileiros da improficuidade de seus esforços, não os deixaram empregar na defêsa do parecer a tenacidade ordinaria. De feito ao passo que do lado português se succediam os oradores tomados do delirio do verbo, da bancada americana não falaram por assim dizer senão os autores do projecto; e Araujo Lima, um delles, enojado da feição miseranda do debate, no qual os regeneradores alternavam o sophisma com vituperios contra o Brasil, arrependeu-se de haver pedido a palavra[437].

Tres portuguêses mostraram-se favoraveis ao novo reino. Peixoto e Corréa de Seabra julgaram conveniente conceder-lhe mais de uma assembléa, vista a vastidão do territorio, sem o que os deputados serião obrigados a viagens longas e dispendiosas[438]. Era tambem um meio de dividir a antiga colonia.

Sarmento foi o terceiro. Receando que pelo facto de haver nascido no Brasil, os collegas da [350] Europa o considerassem levado de outro sentimento que a justiça, começa por affirmar que na infancia deixara a terra de seu nascimento por Portugal, onde creara relações e affectos que atam o homem á sociedade.

Adverte judiciosamente que o imperio ultramarino muito desprendido de Portugal desde que possuira em seu seio a familia real e foi elevado a reino, manifestara-se, todavia, resoluto a estreitar a união, acclamado o regimen constitucional. Devia-se aproveitar este impulso imprevisto para se lançarem os alicerces de uma vasta monarchia, e para isso cumpria attender as aspirações dos irmãos mais novos, formuladas pelos seus orgãos legitimos, que erão os deputados da America. Supposto não admittisse o projecto tal qual, preferindo ver em além-mar um corpo consultivo em vez de legislatura, propunha fosse elle submettido á discussão[439]. Não o quis o congresso, que por forte maioria declarou não dever occupar a attenção dos constituintes o capitulo da proposta referente á creação de poder legislativo no Brasil[440].

Era tratar com menoscabo a representação de parte notavel da monarchia, e por isso a mor parte de seus membros não compareceram á derradeira sessão. Apenas treze brasileiros concorreram ao escrutinio. O bispo do Pará, Grangeiro e Lemos Brandão votaram com a maioria[441].

[351] Por esse tempo tomaram assento Francisco de Sousa Moreira, do Pará[442] e o desembargador José Ricardo da Costa Aguiar de S. Paulo[443]. O ultimo parente dos Andradas, que apenas installado interviera no debate com energia e intelligencia, completava harmonicamente a mais notavel deputação da America. Nenhum deputado porém, foi recebido com mais gosto dos compatriotas que Sousa Moreira, não pelo auxilio que lhe podia prestar a sua palavra mas por causa de suas convicções. O comportamento de D. Romualdo em desaccordo continuo com os collegas da America e a attitude da junta do Pará, persuadiam aos portuguêses que na vasta provincia não havia senão um partido e que esse defendia a sua sujeição incondicional ás Côrtes e ao governo de Portugal e repellia a regencia do Rio. Desenganou-os Sousa Moreira, testemunhando que no extremo norte não faltavam brasileiros solidarios com os compatricios do sul. O seu primeiro acto na assembléa é um protesto contra a instituição em vigor do commando das armas, e, ao revés do bispo do Pará, queria assembléa legislativa no Brasil.

Entrou-se em seguida no exame da outra parte da proposta que estabelecia a delegação do poder executivo no Brasil. Segundo ella não haveria ahi mais que um delegado, e este seria o successor da corôa, em sua falta um varão da casa reinante. Na hypothese, porém, de não existir [352] na familia real sujeito capaz de preencher tão subidas funcções, confiar-se-ia a direcção suprema dos negocios de além-mar a uma regencia. Já dissemos que os brasileiros não consentiam outra pessoa que principe real no governo de sua terra, porque ninguem mais do que elle tinha interesse na integridade da monarchia, e não queriam tambem senão um unico agente do executivo. Mais de um delegado além de consagrar o desmembramento administrativo do novo reino, que punha em contingencia a sua unidade politica, abria campo a conflictos de competencia entre os governos, enfraquecia a auctoridade perante os ataques do extrangeiro e, até, ante a insubordinação de uma ou mais provincias.

Discordavam em todos os pontos os portuguêses com singular intransigencia. Reputavam a delegação exercida pelo principe herdeiro altamente perigosa para o amor proprio nacional, e Moura investiu contra a proposição com energia e magnifica eloquencia. «E se vós, illustres representantes da America, exclamou o fogoso tribuno, recorreis muitas vezes á opinião geral do Brasil para fundardes nella as vossas opiniões dentro deste Congresso, sabei que deste modo pensa Portugal inteiro, e que nós, os representantes europeus, iriamos manifestamente contra a opinião universal de todos os nossos constituintes, se subscrevessemos ou se incautamente conviessemos em que o principe ficasse na America para nos ser negado, quando o direito de successão o chamasse para vir sentar-se no throno, que nasceu nesta parte da monarchia. Se vos não convem a união deste modo, deveis fallar claro, podeis abandonar este posto, quando quizerdes; deixae de ser co-legisladores comnosco: [353] as bençãos do céo se entornem sobre o vosso afortunado paiz; sejamos amigos, mas com tal dependencia não queremos união»[444].

Não havia outro sentimento nos deputados portuguêses e na sua patria, mas ninguem o formulou com egual precisão e violencia.

Pires Ferreira, de Pernambuco, com simplicidade e bom senso respondeu a esse arremesso oratorio. Os brasileiros nunca occultaram a razão por que pretendiam o principe herdeiro na regencia e a tem sem rebuço e á saciedade proclamado. Não sabem quem melhor que o successor da corôa possa promover a união, em virtude do interesse de manter inteira a herança. Quanto ao receio de que morto o soberano, elle se deixe ficar na America e por conseguinte para lá volva novamente a côrte, é absolutamente vão em virtude da carta constitucional que fixa no velho reino a residencia do monarcha. Se, porém, a constituição não hade ser cumprida, não vale a pena malbaratar tempo em a fazer[445].

A deputação de S. Paulo, Agostinho Gomes e Barata accudiram á provocação de Moura. Na sessão immediata Vergueiro em nome de todos leu uma moção que terminava com a seguinte alternativa: ou o Congresso reprova as phrases de Moura como injustas e injuriosas ao Brasil, declarando que este tem tanto direito como o reino á séde da monarchia ou permitte aos signatarios do requerimento darem por findo o seu mandato[446].

[354] Não podia haver attitude mais digna nem resposta mais cabal aos que enxergavam dobrez nas palavras de paz, nos protestos de união dos ultramarinos.

O Congresso suffocou a questão, reservando o debate para segunda leitura da proposta, a qual nunca se realizou.

Da demonstração magistral do parecer no sentido da necessidade de legislatura no Brasil para fiscalizar e conter a regencia, sem o que commetteria abusos e se transformaria em tyrannia, valeram-se com açodamento os lusitanos para propor a divisão do governo da antiga colonia. Desde que o interesse da união, ponderavam, não consentia congresso no ultramar, não existia senão um expediente para reduzir ahi o poder do representante del-rei: multiplicar as delegações. Demais, com tal providencia attendia-se á commodidade dos povos, que terião mais perto de si a autoridade suprema para o provimento de seus recursos, o desaggravo de suas queixas. Borges Carneiro chegou a lembrar que fossem tantos os regentes quantas eram as provincias[447]. A maioria a despeito de lhe servir o alvitre, não o ousou adoptar com receio de exacerbar a suspeita dos americanos de que as Côrtes miravam avassallar a sua patria por via do fraccionamento da delegação, e inclinava-se a crear dous centros do executivo, um com séde no Rio para as provincias meridionaes e outra na Bahia central. O Pará e o Maranhão, em consequencia de lhes ser mais facil o trato com a Europa do que com aquellas terras do novo reino, ficarião sujeitas ao [355] governo de Portugal. Não constituia isto, aliás, innovação, visto que esses povos no periodo colonial não despendiam da administração brasileira, e além disso, assim o desejavam D. Romualdo, e Backman, um dos deputados do Maranhão[448].

Os regeneradores fallaram á solta, desinteressados os brasileiros do projecto desde que o mutilaram não admittindo assembléa legislativa em além-mar. Disseram-no Antonio Carlos e Lino Coutinho em orações curtas. Este tentou ainda mortificar os portuguêses assignalando a sua versatilidade. Ha poucos mêses proclamavam repugnar á natureza indivisivel do poder executivo, consagrada nas Bases, que elle fosse delegado, e agora porfiavam em multiplicar os representantes do monarcha. Antonio Carlos, desenganado de dissipar as prevenções espessas do Congresso contra os irmãos mais novos e possuido de desalento, protestou renunciar para todo o sempre á palavra e ao voto[449]. Protestos, porém, logo abandonados por inconciliaveis com a sua indole batalhadora.

As Côrtes resolveram, por grande numero de votos, que o principe real não exerceria a delegação no Brasil, e nada decidiram sobre o numero das regencias, mandando a commissão apresentar outro parecer[450].



CAPITULO XIX


SUMMARIO:

D. Pedro resolve convocar Côrtes.―Discussão do projecto de 18 de março.―Entram no Congresso os deputados substitutos de Piauhy e da Parahyba.―O principal motivo da opposição das provincias ao decreto de setembro.―Debate sobre o art. 5.º



Mal acabava o Congresso de decidir com arrogancia que não tomava em consideração a proposta creando legislaturas no Brasil por attentatorias da integridade da monarchia, que D. Pedro o fulminava com contradicta humilhante. Justamente por manter a união dos dous reinos, importava estabelecer entre elles egualdade politica mais completa, e esta não poderia existir sem se outorgarem ao ultramar americano côrtes particulares, quaes pediam os seus deputados. O atilado mancebo estava, portanto, determinado a convocal-as no Rio ainda contra a vontade da assembléa constituinte[451].

Nada exprimia de modo mais evidente a uniformidade de vistas entre os povos e os seus procuradores que essa noticia, e demonstrava [357] melhor o erro daquelles que apregoavam no parlamento que os collegas da America não representavam a opinião de sua terra. Parece, por conseguinte, que a lição devia abrir os olhos aos peores cegos e os convencer da necessidade de attenderem nos negocios de além-mar aos seus mandatarios. Os regeneradores, porém, não entendiam governar a outra secção da monarchia consoante a vontade dos seus naturaes mas segundo os impulsos do seu amor proprio e os interesses materiaes da metropole expressos no restabelecimento mais ou menos disfarçado do monopolio mercantil; e uns e outros se não accommodavam com regimen que não fosse a supremacia indiscutivel da mãe patria sobre as antigas colonias.

Não hesitaram, por isso, em menosprezar a pretenção manifestada com unanimidade no Brasil inteiro de ser o commando das armas sujeito ás juntas provinciaes.

A materia fazia parte do projecto 232, apresentado em 18 de março pela commissão especial constituida de europeus e americanos. Devêra entrar em discussão apenas submettida ao parlamento, mas como a parcialidade exaltada das Côrtes não queria tratar das cousas de além-mar sem que o Congresso primeiro considerasse rebeldes José Bonifacio e outros adversarios dos decretos de 29 de setembro, a commissão condescendeu com Fernandes Thomaz e outros regeneradores de pêso. Mandadas submetter a processo as auctoridades de S. Paulo em 1 de julho, na sessão immediata o congresso entrou a examinar o relatorio de 18 de março.

Compendiadas em outra parte as providencias nelle suggeridas, apenas lembraremos que a [358] commissão, salvo a remoção do Brasil das tropas europeias solicitada pelos ultramarinos, attendia a todos os mais desejos do novo reino[452]. Assim propunha a permanencia de D. Pedro na America, conforme acabara de ser decretada, a extincção dos tribunaes a juizo do Regente e o reembolso ao Banco do Brasil. O ultramar americano teria uma ou mais delegações do poder executivo. O que, porém, no projecto agradava sobremaneira aos brasileiros era a subordinação da mêsa da fazenda e do commando das armas ás juntas governativas. Os chefes da força armada virião a fazer parte das administrações provinciaes com votos, porém, tão sómente nas materias de sua jurisdicção. Era esse, aliás, o parecer de Silvestre Pinheiro, ministro dos negocios extrangeiros, ouvido sobre o negocio, mas o preclaro estadista ia mais longe: opinava que ao governo local devia competir a nomeação do commandante das armas.

A commissão rejeitou o conselho, recêosa de tirar ao poder executivo da metropole a influencia que lhe resultaria de ter um official de sua escolha na testa dos regimentos do Brasil.

Decretado que o regente supprimiria os tribunaes do Rio como e quando lhe conviesse e que a junta da fazenda seria presidida por um dos membros do governo da provincia[453], o congresso resolveu tratar do commando das armas após vehemente opposição dos próceres da revolução. Entendiam uns que como os artigos addicionaes em estudo não deixarião de attribuir [359] aos delegados do poder executivo auctoridade sobre o exercito, não valia a pena estabelecer reforma provisoria, mandava a prudencia se conservassem as cousas taes quaes até a organisação definitiva do Brasil. Entendiam outros ser indecoroso ao parlamento legislar para povos que não observavam as suas determinações[454].

Nem uns nem outros falavam com sinceridade. Os regeneradores não podiam, em verdade, discutir a proposta senão para a condemnarem, porquanto Madeira protestava abandonar o posto, na hypothese do poder militar ficar dependente da auctoridade civil. Ora, como só na Bahia se exercia com efficacia a acção das Côrtes, não era licito a estas adoptarem uma reforma que as deixaria ao abandono na America e desbarataria o sonho daquelles, e eram numerosos, que enxergavam no official português o restaurador glorioso da influencia da metropole por todo o reino ultramarino. Por outra parte, o projecto, divulgado em além-mar, fazendo antever a reparação das queixas dos brasileiros, não o podia repellir a assembléa sem estimular o descontentamento contra a mãi patria. Sobravam, pois, razões aos portuguêses para não ventilarem a materia. Comprehenderam-no os deputados americanos, e alcançaram tambem que, tratado o negocio, eram por demais tenues as probabilidades de solução consentanea com os seus desejos. Insistiram, todavia, com ardor pela discussão, porque por vaga que fosse a esperança de desopprimir a grande provincia da presença de Madeira, era uma esperança, e não deviam esses [360] lidadores tenazes abrir mão do que a gerava. Villela Barbosa, os bravos deputados do Ceará, os paulistas e Araujo Lima aconchegaram-se aos bahianos, reclamando o exame do artigo.

Per essa epoca entraram nas Côrtes os padres José da Costa Cirne e Domingos da Conceição, representantes substitutos da Parahyba e do Piauhy. Ultimara-se a constituição em 12 de julho, e como urgia que a assignassem o maior numero de deputados, o Congresso não quis por mais tempo aguardar os mandatarios da Parahyba, o dr. Francisco de Arruda Camara e o vigario Virginio Rodrigues Campello que, eleitos com Monteiro da França, deixavam-se, comtudo, ficar em Pernambuco[455], e os do Piauhy, Ovidio Saraiva de Carvalho, domiciado no Rio, e Miguel de Sousa Borges Leal[456]. Se deste corria noticia de se achar em viagem para o Reino, presumia-se que aquelle sob a influencia dos acontecimentos do Brasil meridional não se apartaria de sua residencia. As Côrtes convidaram, pois, os substitutos dessas deputações retardatarias, os quaes eram os sacerdotes referidos, a tomarem assento[457]. Já nos occupamos em outra parte da representação da Parahyba. No Piauhy a acclamação do novo regimen operou-se sem abalo, e aos 30 de outubro realizaram-se as eleições. O substituto agora installado era português como Segurado e Vergueiro mas os não egualava no amor da [361] terra adoptiva. Tão intenso, porém, se mostrava a grita contra o decreto 124 de 29 de setembro, que Domingos da Conceição tomou parte no debate com a vehemencia dos brasileiros mais resolutos.

«Adiar este artigo, exclamou o sacerdote com energia que não mais se reproduziu, adiar este artigo é lançar polvora e applicar toda a lenha para incendiar o Brasil»[458].

Barata, pequenino e intrepido, levantou-se irado, despojada a sua eloquencia da ironia e malicia habituaes. O assumpto não soffria protelação por causa da anciedade com que o Brasil aguardava o seu desenlace. Importava, demais, aos deputados de além-mar conhecerem o voto da assembléa, para tomarem posição perante a carta constitucional, porque caso as juntas não guardassem os poderes, de que foram investidas pelos povos, os brasileiros não a sanccionarão com o seu nome.

Surgia pela primeira vez a formidavel questão da assignatura da constituição pela America.

«Se o parecer for adiado e as desordens continuarem no Brasil, rematou o bahiano, já declaro que não assigno a constituição, e desde agora protesto que emquanto existir na Bahia um europeu de farda com bayoneta ou espada, não assigno a constituição porque me julgo coacto e em guerra».[459].

Succedeu-lhe Costa Aguiar, de S. Paulo. Em verdade, declarou, a organização dos governos [362] ultramarinos estava dependente do que a constituição decretasse, mas agora se não cogitavam de providencias definitivas senão de revogar um acto provisorio, qual a resolução de 29 de setembro. Se estivessem em jogo os interesses do Brasil meridional, continuou com lealdade, julgaria desassisado providenciar o Congresso ácerca delles porquanto corria perigo de ser desobedecido. Tratava-se, porém, de attender ás provincias do Norte, tranquillas e doceis, e que, até, haviam requerido contra a actual constituição do commando das armas.

As Côrtes resolveram tratar do assumpto na sessão seguinte.

Sem embargo da opposição que o decreto 124 encontrou em S. Paulo[460] e em Minas[461], foi mais a circumstancia de caber a direcção da força armada aos officiaes portuguêses do que ser ella independente das juntas, que o fez considerar no Brasil instrumento de oppressão ao serviço da mãi patria. José Bonifacio e Teixeira de Vasconcellos arriscavam não formar proselytos, quando clamavam que os governadores militares subordinados ao poder executivo da metropole eram proconsules, resurgiam os capitães generaes, se o ministerio e as Côrtes não nomeassem officiaes europeus para o commando dos regimentos ultramarinos. Ninguem attribuiria, em verdade, a um militar brasileiro intuitos de molestar [363] os compatricios no interesse da preeminencia de Portugal. O acto de 29 de setembro determinando que assumiria a gestão militar das provincias administradas recentemente por governadores e capitães generaes o general mais antigo, e nas outras a patente mais graduada até coronel, sem indicar a nacionalidade, entendêra o Brasil que exerceria o posto o general ou o coronel que se achasse na capitania, fôsse europeu ou americano. Sem duvida que a discussão deixara entrever ser idéa dos constituintes portuguêses tornar aquelle cargo privativo dos seus conterraneos mas como isso não constava do decreto, podia-se acreditar que semelhante conceito não merecêra a sancção das Côrtes.

As provincias do Norte acolheram, por isso, não só sem desconfiança mas com alvoroço a resolução legislativa. As juntas eleitas e os novos commandantes apressaram-se em communicar á assembléa constituinte a tranquillidade dos povos e em lhe protestar fidelidade[462]. Se por acaso em alguma parte, como aconteceu na Parahyba[463] o acto das côrtes não teve cumprimento rigoroso, não foi porque repugnasse aos moradores a independencia do chefe militar para com a autoridade civil, senão porque as tropas indisciplinadas recusavam obediencia ao official investido, pela lei, do commando. Até Pernambuco[464] e a sua vizinha meridional mostraram-se satisfeitos com [364] a reforma: o general Manuel Pedro que tomara a direcção das forças da Bahia por portaria do ministro da marinha, lisongeado da confiança do Reino, communica estar tranquilla a provincia e sempre animada «dos mais energicos sentimentos de amor á constituição e á união dos tres reinos»[465].

Quando, porém, se tornou conhecida a portaria de 9 de dezembro que investia da administração militar das provincias ultramarinas aos naturaes do Reino, excluidos systhematicamente os brasileiros, estes se escandalizaram, confirmando a previsão do atilado Hippolyto da Costa[466]. Apenas os novos titulares desembarcavam, as juntas que até então se haviam mostrado accordes com os chefes do exercito, já não podiam tolerar os recem-chegados. Consideravam com prevenções esses representantes da mãe patria, que na realidade evocavam os antigos capitães generaes, de memoria detestada, porquanto não responderião pelos abusos do poder senão ao governo distante de Lisboa; e o official português, de outra parte, orgulhoso de sua origem e julgando-se por isso superior aos povos que vinha reger, não sabia ou não podia desfazer a desconfiança geral já nas relações com a auctoridade civil, já no contacto com os moradores. Mal desembarcava o commandante das armas, o primeiro correio trazia á Europa queixas das juntas e das camaras contra elle. O proprio Pará, onde o elemento reinol preponderava como em nenhum outro ponto do Brasil, e cujo governo era submisso ás [365] Côrtes, não pôde deixar de representar contra José Maria de Moura por tratar com menosprezo o poder civil[467].

Salvo Villela Barbosa que precedentemente reputara altamente injurioso á officialidade brasileira o preteriram-na do commando das tropas ultramarinas, os deputados brasileiros não encaravam o assumpto sob esse aspecto irritante, mas á luz do Direito publico que não consente o poder executivo sem a disposição da força armada. Nem outro foi o ponto de vista do representante fluminense no debate instaurado em 22 de julho.

A discussão em 22 de julho correu tão breve quão animada e com escassa assistencia dos americanos. Encetou-a o arrebatado Girão que previu o exterminio dos portuguêses pelos brasileiros, caso os governadores militares fossem dependentes das juntas. Não acreditava tão pouco que o congresso fosse assás temerario para decretar uma providencia que entregaria a Bahia aos facciosos, perdendo desse modo Portugal o ultimo baluarte que lhe restava na America, graças ao valor de Medeira e aos sacrificios de gente e de dinheiro, da patria, despovoada e pobre.

Borges Carneiro estava allucinado. Attribuiu a D. Pedro a intenção sinistra de attrahir a Portugal os exercitos da Santa Alliança, adversarios da liberdade dos povos, por vestir á moda austriaca a sua guarda de honra. Convencido tambem do que o ministerio do Rio cogitava de se apoderar das colonias das Asia e da Africa, aconselhara a expedição de um vaso de guerra a [366] Angola e de quatro ou cinco mil praças ao Brasil. O general proclamaria ás provincias «offerecendo em uma das mãos a constituição e os decretos liberaes das Côrtes e com a outra lhes apontaria a possibilidade de bloquear qualquer ponto rebelde, de punir uma cidade sublevada e de fechar em Africa a fonte da industria e cultura do Brasil».

Falou em seguida Antonio Carlos, cuja posição por haver assignado o parecer se tornara difficil. A proposta em questão fôra formulada com o intuito de conciliar os constituintes de um e outro hemispherio. Os portuguêses transigiram sobre assumptos em que até então se haviam mostrado intolerantes, e os brasileiros corresponderam condignamente a esse empenho de congraçamento. Um dos pontos de mais difficil accordo fôra justamente esse commando das armas. Os europeus recusavam sujeital-o ás juntas com receio de perderem toda a autoridade sobre o reino americano, em razão de não terem influencia nos governos provinciaes, eleitos pelo povo; e os ultramarinos não queriam saber da independencia dos chefes militares para com o poder civil provincial, por que sem acção sobre a força armada, elle se tornara fraco e até exposto a ser annullado pelas tropas, no caso de conflicto com o seu commandante. Irritava, demais, os povos que no acto da acclamação do novo regimen haviam investido da gestão militar a administração da provincia que lh'o arrebatassem as Côrtes; parecia-lhes isso usurpação, abuso do poder. Para resolver a difficuldade os commissarios brasileiros e portuguêses assentiram que o governo local teria acção sobre o exercito, mas que o chefe deste seria membro da junta com [367] voto, todavia, tão sómente nos negocios militares. Conhecido no Brasil o projecto, por esta e outras clausulas desagradou aos exaltados, que não admittiam fizesse um reino em cousas de sua organização interna concessões a um egual senão inferior, e Antonio Carlos confessou ulteriormente, aliás sem resentimento, que a sua condescendencia para com os europeus o despopularizara na patria[468]. Por outra parte, em consequencia dos recentes successos do ultramar, o parlamento já não estava disposto a transigir sobre o assumpto. Antonio Carlos entendeu, contudo não deixar ao desamparo a proposta, impugnada tanto pelos europeus como pelos brasileiros. Se aquelles rejeitavam a subordinação do commando das armas ás juntas, estes não admittiam que o chefe militar fizesse parte do governo. Villela Barbosa, major do exercito e lente da escola naval, poucos dias antes a commettêra com vigor o artigo. A sua intelligencia luminosa e o seu subido patriotismo se não compadeciam com o espirito de classe, tacanho e funesto, e o insigne fluminense se expressou de modo a ser renegado dos camaradas de hoje. Propugnava a dependencia absoluta do exercito para com a autoridade civil, porque não admittia a intervenção dos soldados nos negocios da republica. Temia «o orgulho e capricho militar». Oppunha-se, rematou, a que o chefe das tropas tivesse assento nas juntas, embora fosse ouvido nas materias de sua jurisdicção mas nunca influindo com a sua presença e votos nas deliberações do governo.

Antonio Carlos não cogitou de responder [368] aos compatricios, em desaccordo, aliás, com elles sobre uma clausula accidental da proposta e não sobre a sua substancia. Reconhecia que o submetter o commando das armas á administração local, já assás poderosa pela confiança do povo, que a nomeara, parecia investil-a de jurisdicção exorbitante e por isso perigosa. Se não devia, porém, perder de vista que as juntas sendo na realidade o poder executivo provincial não poderia viver destituida de acção sobre o exercito. Não era de temer que abusassem, porquanto respondiam de seus actos ao ministerio da metropole e nenhuma dellas se achava em condições de lhe resistir. Se o Brasil austral em virtude de se oppôr ás resoluções legislativas, não merecia o desvelo das côrtes, as provincias septentrionaes tão solicitas nos seus testemunhos de respeito e obediencia ao congresso, tinham jus a serem ouvidas; ora, ellas clamaram com vehemencia pela adopção parecer. Dizia-se, porém, agora que as attendendo, a assembléa compromettia a segurança da Bahia e a sua influencia nos povos fieis e que o momento, vista a convulsão progressiva do reino americano, se não prestava a politica de paz mas exigia repressão severa. Se Portugal, advertiu, pôde alterar, mudar modificar a forma de seu governo, egual direito tem o Brasil.

D'alli por diante a oração, que não transpusera até agora os limites de eloquencia mediocre, porque Antonio Carlos se não sentia á vontade com repetir argumentos repisados ou porque considerava vão o seu esforço, vai attingir região superior. Combate as expedições militares e pleitêa a causa da Bahia. O trecho é longo; reproduzil-o-emos por constituir um bello [369] documento da coragem e lisura do grande paulista. «...A constituição mutilou a realeza para a accommodar aos direitos e utilidade da nação. Isto que Portugal tem feito é o que o Brasil pode fazer tambem, sem ser taxado de rebelde, e sem que para tolher-lhe o imprescreptivel exercicio da sua liberdade, haja justiça de se lhe mandarem tropas. A mascara de amor e fraternidade não pode mais excusar semelhante comportamento; o véo é mui raro, traz luz por entre elle e a verdade. Não é a presumida independencia que pode justificar a remessa de tropas; ella não existe, nada ha que a prove, nem mesmo o manifesto da camara do Rio a sua Alteza Real; Côrtes especiaes subordinadas ás geraes, delegado do poder executivo sujeito ao chefe supremo da nação não formam elementos de independencia, antes é uma união bem que mais frouxa e complicada, porém a unica possivel. Se o temor de independencia não justifica as medidas de rigor adoptadas, menos as pode justificar o allegado pretexto de salvar os portuguêses europeus da brutal vingança dos brasileiros. O rancor não existe senão em alguns pontos; as provincias do sul que mais energicas tem sido em se oppôr á suspeitada injustiça de Portugal, a nenhum só português tem offendido; Pernambuco mesmo tem respeitado, quanto tem sido possivel, os laços de parentesco, apesar de provocações recentes e dos velhos resentimentos de 1817. A Bahia descansava, no regaço da boa fé e da inabalavel irmandade, quando attentados do mais criminoso dos officiaes portuguêses, como o estampido do trovão, destruiram de um sò golpe a sua até então intacta seguridade: mas que fez ella? Sacrificou a seus irmãos da [370] Europa? Não: antes sangrando por todos os póros, humilhada e insultada, é ella quem soffre mas não tem attentado nem contra a vida nem contra os bens dos seus crueis oppressores: como, pois, mandar novos janizaros para soccorrer a quem opprime e tornar mais pesado o jugo já imposto? É nova generosidade embraçar as armas em favor do oppressor que não precisa auxilio, e ensurdecer-se aos lamentos do opprimido que só demanda justiça?! Mas clamam uns nobres preopinantes, e tem-se neste recinto atturdido a todos com a repetição da mesma linguagem: é para guardar os brasileiros contra os negros que se lhes mandam os batalhões não pedidos, antes detestados. Assombrosa audacia! Terrivel zombaria accrescentada á mais escandalosa oppressão! Tão ignorantes nos acreditam que imaginam recebemos como obsequio insultos e offensas?! Não sabemos nós melhor que ninguem que os escravos não são para temer, que o seu numero é insignificante comparado com o dos livres, e que a doçura da servidão domestica entre nós, tem feito dos nossos escravos antes amigos, do que inimigos? Tudo sabemos, conhecemos as traças com que se pretendem restabelecer as antigas cadêas, e apesar da nossa repugnancia jurámos de antes morrer do que nos sujeitar aos nossos eguaes: não temeremos as borrascas da intempestiva independencia, se de outra sorte nos não pudermos salvar da escuridão. Obre-se com franqueza comnosco, declare-se-nos embora a guerra generosamente, cesse de uma vez a burlesca farça de uma illusoria representação. Até quando hão de inimigos estar sentados entre inimigos? Até quando ha de continuar o vergonhoso commercio de falsidades e [371] enganos, que prodigas entornam linguas de mel, ao mesmo tempo que o coração está ensopado do mais refinado fél. Declare-se emfim a guerra abertamente: deputados haverá, e eu sou um d'elles, que preferirão a manejar inutilmente a imbelle lingua o lançar-se nas fileiras dos seus irmãos, e morrer nellas repulsando a injusta aggressão de qualquer parte que ella venha»[469].

Depois do primeiro orador da bancada americana subiu á tribuna o mais eloquente dos portuguéses, Moura. Fora um dos signatarios do parecer mas não teve embaraço em o repellir allegando a mudança da situação. Em março todas as juntas acatavam as ordens das Côrtes e do governo, e agora imperava no ultramar a anarquia. «A junta de S. Paulo desobedece, injuria e até nega a authoridade do Congresso; a de Minas legisla; a de Pernambuco obedece numas cousas e desobedece noutras, a da Bahia faz raciocinios; a do Maranhão hesita, e a camara do Rio reclama a independencia: e é porventura no meio de tão vacillantes opiniões que havemos de arriscar as ordens do governo a serem desobedecidas e mallogrados os projectos que tendem assegurar a tranquillidade daquelle paiz? Não é já tempo de subscrevermos semelhante concessão?».

Segundo Moura o designio de recolonizar o Brasil imputado ao congresso não passava de tactica dos fautores da independencia para inflamarem os animos contra a metropole no sentido de sua aspiração, porquanto a carta constitucional que regulava as relações, dos dous povos não [372] concedia a uns direitos negados a outros. Na verdade sob o ponto de vista da segurança e liberdade individuaes assim acontecia: mas affirmar que a America ia achar-se em egualdade politica com o Reino era protervia inqualificavel. Portugal teria comsigo o rei, o ministerio e o parlamento: d'ahi resultaria a vantagem inestimavel da fiscalisação immediata e portanto efficaz do poder executivo pela representação nacional; ao passo que a antiga colonia seria regida por propostos não de sua escolha mas de nomeação de metropole, e isto por deliberação exclusiva dos constituintes europeus. Não se podia dizer com seriedade que o Brasil fosse representado nas Côrtes, visto que os portuguêses em maioria legislavam para elle sem deferencia alguma para com os deputados americanos. Vencia o que elles queriam e não o que propunham os brasileiros. Que differença substancial havia entre o regimen reservado á mais importante secção da monarchia e aquelle applicavel ás colonias da Asia e da Africa? Não receberião todas como o ultramar americano governador da Europa e designado pela mãi patria? Não era isto reduzil-o a condição das dependencias africanas e asiaticas de Portugal e por conseguinte degradal-o da categoria indisputada de reino?

Moura repetiu com os collegas que as tropas portuguêsas preenchiam no Brasil tres fins: conter os independentes, proteger as pessoas e bens dos europeus e guardar os brancos da gente servil. Rematou o seu copioso discurso declarando que mais do que Portugal padeceria o Brasil com a separação. Aquelle não soffreria senão no prestigio politico, e este além de perder a vantagem de pertencer ao systema europeu, fica exposto [373] á ambição de nações poderosas e emprehendedoras e se lançaria «em fragil barco ao mar tempestuoso e embravecido da anarquia e das convulsões populares».

Costa Aguiar, ha pouco installado no parlamento, não perdêra provavelmente a esperança de rectificar o juizo dos portuguêses acerca dos negocios do Brasil. De feito não havia outra razão para intervir no debate, do qual se affastaram desilludidos os brasileiros mais pugnazes, quem não representava a Bahia nem subscrevêra o projecto. De todos os successos da America nenhum sobresaltava presentemente mais os regeneradores do que a nova dignidade do regente. Acclamado defensor perpetuo do novo reino pelas tropas e povo, a camara do Rio ao felicital-o em 13 de maio pelo anniversario do monarca, pediu-lhe acceitasse aquelle titulo em signal de sua resolução de não abandonar o Brasil. D. Pedro acquiesceu com bizarria. Exasperados com essa investidura, que lhes burlava o intento de ter em Portugal o successor da corôa, os portuguêses acommettiam com violencia aos ultramarinos a titulo de pretenderem estes o despedaçamento da patria.

Costa Aguiar começou tentando desfazer essa apprehensão. A municipalidade, disse, com aquelle requerimento não cogitava de proclamar rei o regente nem de desunir a nação, mas simplesmente queria pôr o novo reino ao abrigo de convulsões, que resultariam necessariamente da ausencia de D. Pedro. Era, ao contrario, uma medida para salvaguardar a integridade da monarchia e acceita com enthusiasmo por todas as provincias. «O que os brasileiros querem é ter os mesmos direitos e em tudo ser equiparados [374] aos povos de Portugal. Muito embora se possa dizer que ha dissidencia de idéas politicas nas terras do sul, porque em verdade ellas pensam de modo differente do que aqui se quer, por forma alguma, porém, semelhante diversidade de pensar deve ser denominada independencia, por que ha grande differença entre uma e outra cousa».

A escravatura no reino americano, prosegue, não é assás numerosa comparativamente aos brancos para gerar temor de se reproduzir ahi a tragedia de S. Domingos. Na Bahia, que contém a maior população negra, ha um escravo para tres homens livres e em outras partes a proporção varia de um para cinco e oito. Se em além-mar ninguem teme a gente servil, não ha razão para o Reino se despojar de seus soldados com o fim de a conter. O facto, continua, de reinar em Pernambuco harmonia entre o chefe militar e a administração civil quando por toda a parte subsiste entre elles discordia persuade que a instituição, presuppondo nos que exercem esses cargos qualidades excepcionaes, se não accommoda á indole commum dos homens. No Pará a junta geria os negocios publicos a contento geral e sem conflicto entre os seus membros ou com outras auctoridades, quando á chegada de Moura os horisontes politicos se turvaram. Este general invade a cada passo attribuições alheias e menoscaba o poder provincial.

Aceita, pois, o projecto na parte que subordina o exercito ao governo local mas não admitte que o commandante da força armada faça parte, por direito, da junta, supposto tenha voto nos negocios do seu ministerio. O mandato d'aquelles administradores vigorando por dous [375] annos e sendo sem prazo a commissão militar, os eleitos do povo ficariam de alguma fórma na dependencia do chefe das tropas, por causa do receio que, finda a sua missão, o collega militar que continuava no poder, os molestasse ou os não servisse. Propunha, rematou, que os commandantes votassem nas materias de sua jurisdicção discutidas pela junta mas que não fossem membros natos d'ella.

Os levianos têm sempre alguma cousa que dizer, e por isso Miranda, o mais leviano dos homens, galgou a tribuna com desempeno. Era um d'esses espiritos singulares que não vendo senão o reverso da realidade, proporcionarião a estadista sagaz modo seguro de se recommendar ao louvor da historia: não teria mais que seguir a direcção opposta á apontada por elles. Começa por affirmar que os deputados da America se cansavam em vão por illudir o Congresso com os protestos de não haver no Brasil partidarios da independencia, e insinua que surprehenderam a boa fé dos portugueses que collaboraram no parecer. Não o intimidam as facções do reino americano incapazes de resistencia ás armas da metropole, no presupposto do poder executivo obrar com vigor, tanto mais que, dominado em geral de sympathia ao Congresso, o Brasil acolhe com alegria os regimentos europeus. Apesar, porém, de sua confiança na fidelidade dos povos de além-mar, recêando adoptem as juntas a maneira de pensar do governo do Rio, reprova a proposta.

Melindrado com a imputação de perfidia irrogada aos representantes americanos, Antonio Carlos apenas Miranda acabara de fallar, exigiu do offensor desaffronta. Presidia a assembléa [376] Gouvêa Durão, circunspecto e conciliador, e que até ha pouco se não mostrara hostil aos ultramarinos. Os negocios, porém, haviam inflammado os animos a termos de se tornar suspeito ao patriotismo lusitano quem procedia sem injustiça para com os irmãos mais novos. O presidente não descortinou, por isso, injuria nas palavras do compatriota, allegando que se exprimira genericamente. Antonio Carlos retrucou com escandalo da assembléa: «Eu pela minha parte digo com toda a franqueza que a minha opinião será sempre o da minha provincia; se o Brasil quiser a separação e independencia julgo dever religioso para mim adoptar o que elle seguir».

Uns suspeitavam, outros estavam certos de que a revolta de D. Pedro contra as Côrtes, tendia a desbaratar o regimen. Entre estes figurava Fernandes Thomaz[470]. Parece, pois, que os reaccionarios, os corcundas como lhes chamavam os regeneradores, deviam esforçar-se por enfraquecer a authoridade do poder legislativo no Brasil. Os corcundas, porém, eram portuguêses e os portuguêses queriam maiormente manter sob o jugo do Reino o ultramar. Havia, contudo, differença entre os liberaes e conservadores nas referencias aos brasileiros: aquelles molestavam com frequencia os irmãos mais novos, e os ultimos na defesa da preeminencia da mãi patria se não serviam de termos aggressivos. Não havia corcunda mais corcunda que o barão de Mollelos, e no entanto o projecto em discussão não teve nunca adversario mais antigo nem mais tenaz. Aos seus argumentos perfilhados agora pelos [377] corypheus da revolução, ajuntou na presente sessão uma consideração nova. Declarou que o segredo das operações militares constituindo um dos elementos do exito dellas, subordinado o commando das armas ás juntas, corria risco de ser divulgado com antecipação o movimento das tropas e quaesquer planos de estrategia.

Barata fez um longo discurso, desordenado e violento, mas que certamente colheu applausos na patria indignada com a metropole. O exordio evoca o seu primeiro contacto com a representação nacional em 17 de dezembro. Lembra que em consequencia das Bases declararem obrigatorias para o Brasil as disposições constitucionaes approvadas por seus mandatarios, propusera então que se não discutisse o pacto social na ausencia dos americanos. Não o quiseram attender, allegando que com representarem os deputados a nação, assistia a maioria, fosse constituida de europeus ou ultramarinos, o direito de legislar para qualquer parte da monarchia sem dependencia dos seus mandatarios directos. Como extranhasse semelhante comprehensão do Direito Publico e insistisse no seu requerimento, o presidente, de accordo com os regeneradores, protestou que, finda a carta constitucional, se trataria de organizar o novo reino a aprazimento dos brasileiros.

Este começo rigorosamente verdadeiro, pois que se estribava nas actas do parlamento, devia magoar os constituintes, que, na effervescencia das paixões, não houvessem perdido o sentimento da honra. Infelizmente Barata, ou por temperamento ou porque os brasileiros falavam agora mais para os patricios distantes do que para as Côrtes, [378] surdas ás suas vozes, trocou esse terreno solido pelo vago das generalidades. É todavia, interessante o seu discurso. Combatido o projecto segundo o pensamento dominante da bancada americana, disse que os ultramarinos formando minoria não tinham esperança de triumphar nas decisões legislativas. «Mas que successo pode ter o meu discurso, quando os illustres membros são mais de cem, e nos brasileiros trinta ou quarenta, que, á excepção de poucos, os mais são taes e quaes e nada valem. (Alguns deputados gritam á ordem! e o orador continuou). Falo com os meus amigos e companheiros, não offendo a ninguem, estou na ordem».

Talvez na esperança de que as demasias do bahiano irritassem os compatriotas a termos de crear dissidencia avultada na deputação da America, os portuguêses, em reconhecendo que elle se dirigia aos compatricios, não mais o interromperam. Barata, que formava singular conceito da amizade, pois, entendia que os amigos eram feitos para ouvir impertinencias, acaso por descobrir a manobra, não proseguiu na digressão inflammavel e voltou ao assumpto com vigor. O empenho de desfazer nos lusitanos a apprehensão do desmembramento da monarchia em ordem a alcançar a sujeição das armas ás juntas, induziu Barata a encarecer o amor da integridade nacional. «O Brasil não se quer separar de Portugal, desde que os seus deputados aqui chegaram, tém procurado a união: eu mesmo tenho falado sempre com a maior sinceridade e enthusiasmo; mas o Congresso é incredulo; pois eu affirmo que Portugal se não ha de separar do Brasil, por que o Brasil não quer; o Brasil ha de lançar-lhe arpéus com que o ha de unir e [379] prender a si; e ainda haverá quem diga que o Brasil aspira á desunião?»

Semelhante linguagem quando os acontecimentos do novo reino o arrastavam para a independencia, não exprimia o pensamento do liberal mais exaltado da bancada ultramarina. Nem Antonio Carlos, Lino Coutinho, Moniz Tavares, Alencar, nenhum dos mais ardentes da deputação se expressaria nesses termos, mais proprios de reinol fanatico. A falta, porém, é venial, por não envolver perfidia. Barata anciava por alliviar a patria de Medeira e não cuidava de promover a independencia, dando á junta a disposição da força armada.

Encerrou o debate Fernandes Thomaz. Ninguem ignorava a sua opinião sobre o negocio. Quando os regeneradores propendiam a sanccionar o parecer, o astuto constituinte que o não approvava, recommendou o adiamento a titulo de se aguardarem novas informações mas na realidade esperançado de recrescerem occorrencias capazes de modificar a disposição da assembléa. Ainda desta vez não falhou a sua sagacidade. O liberal que fizera a revolução em sua patria, negava peremptoriamente aos da America o direito de se governarem a seu gosto, e baseado na intelligencia cavillosa da formula,―os deputados representam a nação,―descoberta por elle, alcançara annullar a deputação da America e entregar a sorte do Brasil aos europeus. O propugnador mais habil e mais tenaz da dependencia do Brasil para com o Reino combateu o artigo com brevidade. Sujeito o governo militar ás juntas, disse, será mistér mandar com o decreto navios que tragam as tropas lusitanas destacadas no ultramar. Se não houvera mais que [380] essa consideração não mereceria referencia o seu discurso; mas contém cousa mais grave, e que justifica a aversão dos brasileiros aos militares do Reino. Acredita, advertiu, não haver official deste lado do Atlantico que se submetta ás juntas provinciaes. Moura falara no mesmo sentido, attenuando, porém, com artificios de linguagem o que poderia haver no conceito de offensivo ao amor proprio dos brasileiros e não com a nudez brutal da philaucia metropolitana do revolucionario. A allusão a esse sentimento estupido, desacompanhada de censura, era sanccionar a arrogancia aggressiva desses soldados, da qual se queixavam os povos do Brasil. Não bastava esse commum sentir da officialidade europeia para que um prudente estadista a desviasse do Brasil? Rematou o seu discurso alvitrando se não alterasse com medidas provisorias o que devia ser corrigido definitivamente pela carta constitucional. «Está para se acabar a constituição com a sua addição para o Brasil: diz-se aos brasileiros: aqui está o pacto social, se o quereis, muito bem; se não, tratai da vossa vida, que nós trataremos da nossa».

Enganar-se-ia, porém, quem o julgasse inclinado a reger o ultramar pela persuasão. Mais bem informado da miseria financeira da patria do que Miranda, Gyrão, Borges Carneiro e outros sabia perfeitamente que a situação do erario não comportava expedições militares assás importantes para serem efficazes, e por isso cuidou de estimular o clero, o commercio e os capitalistas com exemplos de civismo, colhidos na historia nacional, a proporcionarem recursos ao governo. O clero, o commercio e os argentarios, que assistiram impassiveis ás difficuldades e angustias [381] do Thesouro por occasião de se enviarem a Bahia seiscentas praças, não acudiram á suggestão, persuadidos talvez da inanidade dos sacrificios. O artigo foi rejeitado, e não sabemos quaes os brasileiros, se os houve, que acompanharam a maioria, por não ter sido nominal a votação.

Com o intuito de desembaraçar a Bahia de Madeira, Alencar, propôs em seguida se removessem para outras provincias os commandantes em conflicto com as juntas. O congresso suffocou o negocio reservando a discussão para a segunda leitura do requerimento[471].

Em testemunho de sua politica energica, publicaram-se no dia immediato os decretos declarando temporaria a permanencia de D. Pedro no ultramar, mandando processar as autoridades de S. Paulo e annullando o acto do governo do Rio, que convocara os procuradores das provincias brasileiras[472].



CAPITULO XX


SUMMARIO:

Os novos artigos addicionaes.―Indifferença dos brasileiros.―Os portuguêses querem mais de uma delegação no Brasil.―Guerreiro.―Voto manhoso do Congresso.―José da Costa Cirne presta juramento.―Padre Virginio Rodrigues Campello.―Manuel Felix De Véras, deputado do Sertão de Pernambuco.―A representação do Rio Grande do Norte.―Montenegro.―Resoluções hostis contra o Brasil.―Proclamação.



Os brasileiros eminentes que haviam formulado o parecer de 17 de junho, condemnado com violencia, pela maioria, abstiveram-se quasi unanimemente de collaborar no novo projecto, convencidos de que nenhum outro plano de governo do Brasil satisfaria esses povos, ou molestados com os doestos nascidos do calor do debate. O brando Fernandes Pinheiro, aggravado com as injurias de Moura, sollicitou com lagrimas na voz, excusa da commissão[473]. Regeitaram-lh'a, [383] mas o sensivel deputado não se determinou a trabalhar nella, no que o imitaram Antonio Carlos, Lino Coutinho e Araujo Lima. Ou porque assignasse o primeiro relatorio mais por comprazer a estes do que por convicção espontanea[474]. ou porque a sua dependencia do governo português, em razão de leccionar na escola de Marinha de Lisboa o obrigasse á deferencia para com as Côrtes, Villela Barbosa foi o unico dos signatarios do projecto repellido, que se conformou com a ordem do Congresso á commissão para apresentar outro trabalho. Não enxergue o leitor em nossa conjectura o intento de desluzir o caracter do eximio lente de geometria. Sobejam nos annaes das côrtes provas de solidariedade estreita do fluminense com os collegas mais estrenuos na defêsa da causa do Brasil e exemplos de altivez e patriotismo.

Para o demonstrar basta lembrar que antes de soar com estrepito no Congresso o clamor da America contra o famigerado decreto sobre a organisação dos governos ultramarinos, o futuro marquês de Paranaguá o verberara com vehemencia nunca excedida, desvendando os intuitos de recolonização que n'elle se escondiam[475]. O emprego publico podia leval-o a certas attenções para com o governo e o parlamento, mas por causa d'elle não comprometteu jámais a sua honra ou as conveniencias sacrosantas da patria. Por eloquente e subtil orador que fôsse o interesse, Villela Barbosa tinha a intelligencia assás vasta [384] para lhe alcançar os sophismas e o coração assás puro para resistir á sua seducção. Além de Villela subscreveram o novo plano o fluminense Martins Basto, o desembargador Belford, do Maranhão, e Fortunato Ramos do Espirito Santo, os quaes se não hombreavam com aquelle em facundia e illustração, não haviam patenteado desfallecimentos no exercicio do mandato. Fortunato Ramos e Belford, mais que Martins Basto[476] tinham invariavelmente seguido nas votações os principaes da bancada brasileira. Não eram, pois, homens desestimados desta como o bispo do Pará e Beckman, que preferiam submetter as suas provincias, Pará e Maranhão, ao governo da metropole á regencia do Rio; quaes os bahianos Pinto da França e Bandeira, que por leviandade ou servilismo assignaram sem reserva o projecto commercial tendente a tolher o trato da Europa com a antiga colonia, e como o alagoano grangeiro, signatario do parecer que condemnava José Bonifacio e outros defensores da dignidade e interesses da patria. A despeito de não condemnarem em todas as suas partes o novo projecto e do apreço em que tinham os seus auctores, as figuras primaciaes da representação ultramarina não tomaram parte na discussão, salvo Antonio Carlos, o mais pugnaz dos americanos, persuadidos de que a sorte do Brasil não dependia mais das Côrtes. De feito já corria voz que o regente chamara os representantes do Brasil em assembléa legislativa e que Pernambuco com o enthusiasmo tradicional com que [385] servia as idéas liberaes, adherira ao movimento do Rio e expedira emissarios ao Norte para propugnarem a boa causa. Os deputados pernambucanos que, reconhecidas as prevenções das Côrtes contra a antiga colonia, começavam a faltar ás sessões, e deixaram absolutamente de as frequentar depois do voto de 22 de julho no sentido de permanecer o commando das armas independente das juntas, nem agora, que se ia discutir projecto de tão alta importancia para o ultramar, julgaram conveniente quebrar o proposito.

Mais de um deputado português perfilhava tambem a idéa de que as Côrtes já não governavam o Brasil. Gyrão propôs o adiamento do debate, grandemente desconsolado com o estado economico da patria por não comportar expedição de dez mil homens armados de «syllogismos de aço» a fim de convencer os de além-mar de que os parentes os não intentavam reduzir a colonos[477]; e o abbade de Medrões ponderou que só uma esquadra os reconduziria á obediencia e que a acompanharia de bom grado. Antonio Carlos redargiu ao caritativo religioso que essa armada não podia ter capellão mais digno. O Congresso, porém, entendendo que se não devia desinteressar da antiga colonia emquanto houvesse algumas provincias fieis, encetou a discussão.

A assembléa ao repellir os primeiros artigos addicionaes, determinara que o novo projecto estabeleceria uma ou mais delegações, investidas em authoridade collectiva ou singular, mas nunca [386] no successor da corôa ou em qualquer membro da familia real.

A commissão, preoccupada com assegurar a integridade do reino ultramarino, propôz a creação de um só centro do poder executivo com o titulo de regencia. Comporião a regencia sete membros nomeados pelo monarcha entre as pessoas que as provincias lhe houvessem indigitado; porque cada provincia no acto de eleger a junta, escolheria tambem o seu candidato para o governo supremo. Os regentes designarião um dos collegas para dirigir os seus trabalhos assim como o vice-presidente, e serião assistidos de tres secretarios de estado tirados por el-rei da lista proposta pela regencia. A cargo dos secretarios ficarião os negocios ecclesiasticos e da justiça, do reino e da fazenda, e os da marinha e da guerra.

Todos esses funccionarios responderião de seus actos perante o governo da metropole. Era vedado á delegação: preencher os arcebispados e bispados; prover os cargos do Supremo Tribunal e os postos elevados do exercito desde tenente general, praticar actos de politica externa e conceder titulos honorificos[478].

Os portuguêses não quiseram saber de uma unica regencia com o fundamento de não satisfazer os intuitos da delegação. Esta fora admittida a fim de facilitar aos habitantes do ultramar a interposição de recursos para a authoridade suprema; ora um só representante del-rei, embora com séde no ponto mais central do paiz, em virtude da extensão do territorio e das difficuldades [387] de communicação, não approveitaria aos povos distantes. A bem da commodidade geral devia haver ao menos dous centros do poder executivo, um no Rio com jurisdicção sobre as provincias austraes e outro talvez na Bahia para as provincias do centro e do norte[479]. Alguns propunham além das duas regencias, que o Brasil septentrional desde o cabo S. Roque se tornasse sujeito a Portugal[480].

Do estabelecimento de dous governos não resultaria, ao seu parecer, a mutilação do Brasil, porque ambos emanavam da mesma fonte, enfeixavam-se no poder executivo. De mais, «se desligamos de Portugal esse centro do poder executivo, não o havemos de desligar no Brasil para o bem dos seus habitantes?»

Era Serpa Machado, quem assim se exprimia. Não é possivel precisar até que ponto lhe interessavam as vantagens dos brasileiros mas se não pode contestar que o desmembramento da delegação não divergia na essencia de conceito seu expresso precedentemente. Confessara elle em 29 de junho não haver meio mais apropriado ao enfraquecimento do Brasil perante as Côrtes, que lhe dar tantas regencias quantas eram as capitanias.

Os brasileiros contradiziam semelhante modo de ver por se não conformar com a vontade do reino americano manifestado em cartas, em jornaes e sobretudo nas representações das juntas e [388] das municipalidades[481]. Sobre as conveniencias particulares prevalece o interesse supremo, que é manter um unico agente do poder executivo, a fim de evitar conflictos de jurisdicção e de assegurar a unidade do commando das forças brasileiras, sem a qual se compromette a defêsa contra o extrangeiro e a reducção das revoltas domesticas. De feito no caso de duas regencias, as tropas de uma não passam á disposição da outra sem consentimento daquella, e como não está na natureza dar cousas que a authoridade se enfraqueça scientemente, ao governo solicitado se deparará pretexto para não servir ao visinho, tanto mais que lhe é licito adduzir a necessidade de se acautelar contra o contagio da insurreição ou contra a surprêsa do inimigo. Para obviar a este inconveniente, tornar-se-á mister supprir as delegações com exercitos assáz fortes. Gravar-se-hão, porém, deste modo as finanças do novo reino, e não será o unico augmento da despêsa que gerará a dualidade do governo. Convirá em verdade, que em cada regencia se achem todos os recursos administrativos e judiciarios e não ha razão para que se negue a uma o que se dispensa a outra.

Muito devia affligir a esses lidadores incomparaveis que, estimulados senão esclarecidos por José Bonifacio, reputavam o elemento essencial da importancia futura do Brasil a sua integridade territorial, a attitude extranha do bispo do Pará e Beckman, os quaes haviam manifestado anteriormente o desejo de sujeitar as suas respectivas provincias a Portugal de preferencia ao governo [389] do novo reino. D. Romualdo parece, todavia, ter abandonado aquelle alvitre, porque propugnava agora a creação no Brasil de duas delegações por assim o querer a sua provincia. Antonio Carlos advertiu-lhe com acerto que confundia administração com governo. Devia haver tantas administrações locaes quantas as provincias, mas todas subordinadas a um só poder supremo a bem da ordem e indivisibilidade do Brasil.

Havendo os povos do reino americano formulado a sua vontade nesse sentido, não era licito aos seus mandatarios affastarem-se della. Se por acaso, porém, alguma provincia se recusava a submetter á regencia para ficar na dependencia de Lisboa, devia declaral-o sem rebuço. «Se o Pará quer ser desmembrado do Brasil, diga-o claro». O cearense Castro e Silva começa por invocar contra o bom do prelado o Evangelho: «todo o reino dividido será assolado. Nem o bispo do Pará nem qualquer representante americano, prosegue, podem aceitar duas delegações sem trahirem o mandato, porque os deputados do Brasil não trouxeram poderes para a mutilação da patria. A separação de qualquer provincia, vista a gravidade extrema do acto, exige expressão da vontade muito positiva daquella que se intenta desligar das irmans»[482].

Dos portuguêses nenhum interveiu no debate com vistas mais elevadas nem com mais isenção de animo que Guerreiro. A bem do engrandecimento futuro da antiga colonia, ponderou, devemos promover o sentimento da nacionalidade, o [390] qual por assim dizer ainda não existe ahi, tão dominante se revela o espirito provincial, e para o conseguir não ha expediente mais apropriado que submetter aquellas partes a um só agente do poder executivo. D'ahi promanarão sem duvida inconvenientes aos povos que não puderem appellar para a auctoridade central sem viagens longas e penosas. O interesse, porém, attenuará grande parte do mal com a abertura prompta de boas vias de communicação, e o que ainda restar de máu, liberalmente resgata-o a união e a solidariedade das provincias, sem o que o Brasil jámais será nação poderosa. Demais, aquelles povos querem viver debaixo de uma só regencia, como revelam tantos testemunhos. Mas emquanto a séde da delegação se não transfere do Rio para ponto mais central, parece que Pará e Maranhão affeitos a recorreram aos tribunaes de Portugal, devem-se manter dependentes da antiga metropole[483].

Com assignalar que o bairrismo provincial preponderava a termos de não consentir que vingasse o espirito nacional, Guerreiro reconhecia um phenomeno social plenamente averiguado e confirmado pela historia[484]. De feito esta não mostra a solidariedade das provincias nem até perante as incursões extrangeiras. Repellia-as o ponto aggredido, ajudado das regiões limitrophes levadas do instincto de conservação e não de qualquer sentimento de unidade politica. O magnifico enthusiasmo que provocou a guerra do Paraguay [391] attrahindo das terras menos expostas ás violencias do inimigo ás fronteiras do sul numerosos voluntarios, é um facto sem precedente nas guerras hollandêsas e nas invasões francesas. O espirito nacional acordava agora sob o impulso de José Bonifacio, cuja fama incontestada de sabio e de patriota sem mácula, dava a sua palavra uma auctoridade tal que ninguem jámais a possuiu tão grande no Brasil.

O parecer de Guerreiro lograria certamente conciliar as opiniões se, não fôra o facho de esperança, acceso por Madeira, de trazer a Bahia submettida a Portugal e talvez todo o norte. Com uma unica delegação, comprehensiva da Bahia, cessava virtualmente o poder do energico cabo e por conseguinte Portugal vinha a perder o apoio mais solido, que, consoante as apparencias, lhe restava no novo reino. Se bem não soasse nos debates o nome do official português, não escapou a maioria esse temeroso effeito da proposta e por isso a rejeitou absolutamente. Approvou o Congresso houvesse no Brasil uma delegação do poder executivo confiada a regencia collectiva mas que della pudessem ficar independentes algumas provincias e subordinadas ao governo de Lisboa.

Era um voto manhoso. Parecia significar que as terras tinham a faculdade de optar pela delegação ou pelo governo de Lisboa, e a maioria manifestava desse modo respeito á vontade dos povos com o que tingia de justiça o seu gesto. Não era esse, contudo, o pensamento real da regeneração. Aceitava, ou melhor, tolerava a auctoridade substabelecida apenas nas provincias do sul; todas as mais partes que intentassem render preito e homenagem ao governo do Rio, considerava-as [392] rebeldes e, por isso, sujeitas á repressão do Reino[485]. Não proferira, ainda a ultima palavra a astucia mais de saloio que de estadista. No caso, porém, de desbarato de Madeira e de reconhecerem a Bahia, Pará e Maranhão a regencia do sul, os regeneradores, na impotencia de reagir, darião ao texto constitucional a unica interpretação compativel com a lettra delle, para cohonestarem a sua fraqueza com a observancia da lei fundamental.

Os brasileiros se não deixaram embahir, e declararam não aceitar para todas as provincias outra authoridade que o delegado do soberano. Seguiram-nos Guerreiro e mais doze portuguêses D. Romualdo, Beckman, e o padre Domingos da Conceição e Borges Leal, representantes do Piauhy, votaram com a maioria[486].

O projecto, como deixamos dito, determinava o rei escolher os membros da regencia entre os nomes propostos pelo povo. Não se contrariava com tal disposição o systhema constitucional, ponderavam os defensores da proposta, porquanto já o governo tirava certos funccionarios da lista formada pelo conselho de estado vindo indirectamente da eleição popular, porquanto o nomeava a representação nacional.

Certamente, proseguiam, se houvesse em além-mar assembléa legislativa, a commissão não cogitaria de coarctar desse modo a liberdade do soberano. Mas sem aquella guarda dos interesses brasileiros, não havia outro meio de assegurar as [393] conveniencias da administração nem de resguardar os povos de vexações e abusos que confiar delles a indicação dos que os deviam governar. Adoptada, além d'isso, a providencia, os ultramarinos responsaveis da nomeação, se não podiam queixar senão de si mesmos, e não de Portugal, de sorte que se supprimiria poderosa causa de descontentamento contra a mãe patria.

A maioria não concordava. Não era licito, advertia, tirar ao poder executivo que escolhia livremente os seus auxiliares a liberdade de eleger aquelles que mais que nenhuns outros eram delegados immediatos do monarcha. O conselho de estado propunha ao rei magistrados mas esses não representando o poder executivo e sim o poder judiciario, não colhia o argumento por analogia. Não se deviam temer irregularidades ou descommedimentos da regencia, porque a imprensa, livre e independente, não deixaria de clamar contra o máu uso das funcções governativas e, demais, o Congresso de Lisboa, onde havia deputados da America, fiscalizaria com efficacia o governo do Brasil.

Em virtude do respeito religioso que os regeneradores mostravam tributar ás maximas de Direito Publico já não era licito esperar a sancção de um projecto que fazia a delegação do poder executivo dependente do escrutinio popular. Ou porque o sentissem ou porque se interessassem cada menos pela discussão nas Côrtes dos negocios da patria, os americanos defenderam essa parte da proposta ainda mais frouxamente que a primeira. Venceu por formidavel maioria que os membros da regencia serião nomeados pelo rei, ouvido o conselho de estado, e approvaram-se todas as outras clausulas da proposição de somenos [394] importancia com pequenas modificações[487].

Revia-se a constituição e em breve se procederia á sua assignatura. Importava que a subscrevessem os importunos americanos para não mais repisarem que se haviam resolvido os negocios de além-mar sem a presença delles. As Côrtes, por alvitre de Borges Carneiro, entenderam completar as deputações ultramarinas com os substitutos que se achassem em Lisboa e ordenou á commissão de poderes apontasse os brasileiros em condições de occupar as cadeiras vazias pela ausencia sem excusa dos proprietarios. Não havia mais que o padre José da Costa Cirne[488] supplente da representação de Parahyba. Chegara ao Reino em fevereiro com Monteiro da Franca, mas lhe não deram posse por haver informação que o dr. Arruda Camara e o vigario Rodrigues Campello, deputados proprietarios, estabelecidos no interior da provincia não tardarião em partir[489]. Desde, porém, de abril não mais houve noticia d'elles. Bem avisado andou o Congresso com investir Cirne do mandato aos 15 de julho, pois Arruda Camara jámais compareceu nem enviou diploma julgando inutil senão ridicula a sua presença em conselho que não attendia aos votos da patria; e o padre Virginio Rodrigues Campello, desembarcado em Lisboa no mêado [395] de Agosto, nunca se apresentou nas Côrtes a despeito de sollicitado com instancia[490], por não jurar o pacto social que não convinha ao reino ultramarino.

Aos 16 de agosto prestou juramento Manuel Felix De Veras, representante do interior de Pernambuco. Para accelerar a eleição Luiz do Rego determinara considerar provincia distincta a vasta comarca do Sertão; e em 6 de dezembro na villa de Garunhuns o povo designou seus deputados em côrtes Theodoro Cordeiro e o vigario Seraphim de Souza Pereira e supplente Manuel Felix De Veras[491]. Não se ouviu mais fallar de Theodoro Cordeiro, que nem apresentou o seu diploma, e o vigario falleceu antes de verificados os seus poderes.

Amazonas, que nesse tempo era a capitania de S. José do Rio Negro dependente do Grão Pará, elegeu a 14 de janeiro de 1822 na Barra de Nossa Senhora da Conceição de Manáus procurador José Cavalcanti de Albuquerque e substituto João Lopes da Cunha. Aos 29 de agosto tomou posse o substituto com a condição de se retirar em comparecendo o deputado proprietario[492].

Se os constituintes portuguêses se não conformaram com a ausencia acintosa dos mandatarios de Minas, comprehende-se quanto se irritarião com a attitude da representação do Rio Grande e do Norte. A pequena provincia nomeara a 8 de [396] dezembro deputados Affonso de Albuquerque Maranhão e Antonio de Albuquerque Montenegro e substituto Gonçalo Borges de Andrade. O primeiro e o supplente não vieram ao Reino mas Montenegro que cogitara de entrar no Congresso, pois apenas desembarcado em Lisboa lhe submetteu o diploma, mudou de resolução em conhecendo as disposições dos regeneradores para com o reino ultramarino e não acudiu ás ordens da assembléa para vir occupar a sua cadeira[493].

A attitude do padre Campello e de Albuquerque Montenegro Moura honra sobremaneira a energia e patriotismo desses modestos deputados que passam no fundo da Historia. De feito succediam-se nas Côrtes a breves intervallos medidas contra o ultramar. Acabavam ellas de auctorizar um emprestimo de quatro mil contos para consolidar a divida fluctuante e custêar emprêsas militares contra a America. «Todos sabem, dizia a commissão de fazenda, que a posição de Portugal ácerca das provincias ultramarinas é violenta e exige sacrificios extraordinarios»[494]. Seguiu-lhe disposição mais temerosa. O governo alcançara finalmente a faculdade de transportar para onde lhe conviesse os tres mil e seiscentos voluntarios reaes em serviço na Banda Oriental a pretexto de resguardar as tropas mais aguerridas da monarchia da dissolução pela indisciplina. Os brasileiros concordavam com a providencia, tanto mais que bastavam para conter a ordem em Montevideu os regimentos de S. Paulo e do Rio [397] Grande, com a clausula, porém, da divisão portuguêsa volver a Europa, onde poderia ajudar a Hespanha a defender as instituições liberaes ameaçadas pela reacção estribada nos batalhões de Luiz XVIII alinhados ameaçadoramente nos Pyreneus. Os portuguêses recusaram-se a indicar o destino ulterior dos voluntarios reaes a titulo de competir a materia ao poder executivo, gritaram, todavia, com tal vehemencia contra o Brasil que não era licito duvidar da applicação daquelle corpo. Comprehendeu-o Antonio Carlos, e advertiu nobremente que a lealdade e a razão não consentiam declaração de guerra ao reino americano sem préviamente serem excluidos das Côrtes os seus deputados[495].

Antes de se iniciar esta discussão, o Congresso que não abandonava o vêso de alternar a brandura com a violencia não descobrindo o que fazer para acalentar os brasileiros, deu-lhes palavras sonoras na proclamação de 17 de agosto. Não passa, com effeito, de declamação onde as falsidades e os sophismas se acotovelam em tropel. Com desprezo raramente egualado em documentos officiaes ha assertos d'estes. «As Côrtes não pretendem sustentar a união de Portugal com o Brasil pelas armas»... «Os vossos representantes cooperam com actividade e sabedoria para se fazerem na Constituição aquellas addições compativeis com a unidade do poder e do Imperio e que tiverem por fim immediato a geral utilidade»[496].



CAPITULO XXI


SUMMARIO:

Os paulistas querem deixar as Côrtes.―A commissão de constituição estabelece o criterio da adhesão do Brasil á politica da Regencia.―Os bahianos querem sair do Congresso.―Declaração de Fernandes Pinheiro e Castro e Silva―Projecto de Miranda.―Emenda de Xavier Monteiro.―Muitos brasileiros querem differir o juramento da Constituição.―A assignatura da Constituição.―Partida dos paulistas.―Côrtes ordinarias.



Os successos que se desdobravam no Rio e a persuasão de que a voz do Brasil jámais seria attendida dos europeus, aguçavam mais e mais nos paulistas o desejo de deixarem as Côrtes. Rejeitados os primeiros artigos addicionaes, esse empenho assumira em Antonio Carlos a fórma de obsessão. Os portuguêses, todavia, lhe não prestavam attenção, crendo porventura que o grande orador ainda d'esta vez não saíria com o intento, como acontecia habitualmente; porque quando o magoavam os debates, tinha o vêzo de protestar não mais comparecer ás sessões, mas arrastado da indole batalhadora mudava [399] promptamente de resolução. Os proprios regeneradores proporcionaram-lhe monção de expôr o seu designio com firmêza de animo. Discutindo-se a proposta de Xavier Monteiro no sentido de excluir da deputação permanente os procuradores das provincias ultramarinas em revolta contra o poder legislativo, um deputado ponderou que antes de tratar o Congresso de semelhante materia devia lançar de seu seio os representantes d'aquelles povos[497]. Approvou o paulista, e juntamente com Fernandes Pinheiro, Costa Aguiar e Bueno requereu se declarassem nullas as deputações das provincias partidarias de D. Pedro[498]. Consultada a commissão de constituição repelliu a proposta allegando não haver prova de pactuar a população do novo reino com o governo do Rio na desobediencia á legislatura de Portugal. Em breve, porém, se reconhecerião os sentimentos do ultramar, pois que impendiam as eleições decretadas concorrentemente pela regencia do Rio e pelo poder executivo da antiga metropole. As provincias ultramarinas que então mandassem deputados á assembléa brasileira, significavam adhesão a D. Pedro e cassavam virtualmente o mandato dos seus representantes no Congresso português, de sorte que estes regularmente deixariam de pertencer á assembléa de Lisboa[499].

Salvo Xavier Monteiro, os portuguêses interpretando os factos e documentos ao sabor de [400] seus affectos e conveniencias, entendiam á uma voz que D. Pedro não exprimia o espirito publico e que os povos inflingirião formidavel derrota ao seu ministerio não se fazendo representar no parlamento brasileiro mas sim nas Côrtes do Reino. A indole portuguêsa, onde a sensibilidade e o amor proprio dominam a reflexão e a analyse nos negocios da collectividade, nunca se manifestara com egual relêvo. Borges Carneiro baseado em carta particular que affirmava rejeitarem os fluminenses a assembléa, declarou com segurança: O partido do principe não tem importancia alguma; mandem-se militares e almirantes não affeiçoados ao paço e com elles uma alçada para o exercicio da justiça que se restaurara promptamente o respeito aos poderes publicos de Portugal[500].

Diziam-se essas cousas quando já haviam soado no Congresso informações officiaes do enthusiasmo com que os povos acolhiam as resoluções do governo do Rio. Pernambuco, que andava hesitante, adheria sem reserva á regencia[501]; Madeira communicava que as villas mais importantes da Bahia successivamente prestavam homenagem ao principe[502], e desconfiado da propria cidade enchia de patrulhas o paço municipal para que os vereadores não affirmassem solidariedade com os compatriotas do sul[503]. Seguro da opinião publica, D. Pedro affrontava [401] resolutamente as Côrtes. Depois de lhes chamar facciosas, horrorosas e pestiferas, escreve ao pai: «O Brasil ama a V. M., reconhece-o e sempre o reconhecerá como seu rei; foi sectario das malditas Côrtes por desgraça, ou felicidade (problema difficil de se decidir); hoje não só as abomina e detesta mas não lhes obedece nem obedecerá mais, nem eu consentiria tal, o que não é preciso, porque de todo não querem senão leis de sua assembléa constituinte e legislativa, creada por sua livre vontade para lhes fazer uma constituição, que os felicite in eternum se fôr possivel»[504].

O debate tomou duas sessões, e dos brasileiros não oraram mais que Villela Barbosa Antonio Carlos e Borges Leal. Aquelle entendia que excepto a hypothese de declaração formal dos povos recusando fazer parte do Congresso de Lisboa, não deviam os constituintes europeus eliminar do seu gremio os representantes de alem-mar. Se com esse conceito se recommendava a benevolencia dos portuguêses, o illustre fluminense revelou em seguida que a não procurava, e colheu applausos dos brasileiros com dizer que excluidos das Côrtes os mandatarios das terras reputadas dissidentes, devia o poder legislativo consagrar a independencia dellas. «Os povos não são rebanhos de ovelhas, continuou, cuja propriedade pertença a alguem. O Brasil tem tão livre a sua vontade e tanto direito de a manifestar como tem e teve Portugal no famoso dia 24, em que se separou do Brasil. Que se diria se então este, não annuindo ao novo systhema [402] aqui proclamado, como podia não querer annuir, pretendesse obrigar Portugal a permanecer unido contra a sua vontade? Seria o procedimento mais iniquo, e de certo Portugal resistiria com toda a justiça»[505].

Antonio Carlos discorreu magistralmente. Na primeira sessão, ponderou a necessidade de ausentarem os americanos das Côrtes, onde assistiam impotentes á decretação de medidas contra a patria.

Dahi resultavam remoques e doestos reciprocos que azedavam a discussão e compromettiam a integridade da monarchia. «Julgava, pois, que uma pausa a tantos combates seria vantajosa á união que devemos querer, ainda que ora pareça o contrario; julgava que era conforme mesmo ao melindre dos senhores deputados do Brasil e á delicadeza dos senhores deputados de Portugal adoptar esta pausa». Precederam estas palavras outras egualmente dignas de transcripção por indicarem que o desejo, tantas vezes manifestado de deixar o Congresso, não tinha outra causa que a sua sensibilidade apurada. «Ha um não sei que de inexprimivelmente doloroso na sensação que em nós produz a vista dos deputados do Brasil luctando com a indisposição do povo português, insultados, injuriados, e não podendo mesmo á custa de tanto vilipendio salvar a patria afflicta. É preciso que esteja morto de todo o sentimento da dignidade da patria que os viu nascer para poderem supportar tão grandes choques, e tão grandes tormentos»[506]. Na reunião [403] immediata combateu os que concordando com a rebeldia de D. Pedro, contestavam, contudo, que os povos approvassem os actos do governo do Rio. Havia, considerou, um facto assás expressivo da absoluta unidade politica do regente com os seus administrados, e eram os transportes de alegria com que os povos por toda a parte, até na Bahia, acclamavam defensor perpetuo do Brasil o principe que se levantava contra o poder legislativo da nação[507].

Tomada de optimismo invencivel, a maioria approvou o parecer da commissão com o additamento de se não considerarem desmembradas da monarchia as provincias que, em razão da dissidencia com a metropole, viessem a perder a representação na assembléa do Reino[508]. Infelizmente se não encerrou o debate sem uma deserção vergonhosa da bancada brasileira. Borges Leal deputado do Piauhy disse que, visto o juramento de obdiencia ás Côrtes prestado pelos seus conterraneos, só sairia do Congresso por determinação deste.

Reviam-se os derradeiros artigos da constituição, e á medida que se approximava o momento dos deputados a sanccionarem com o seu nome, crescia o malestar na bancada. O astuto Feijó, que desde julho só apparecia no Congresso quando ahi se discutiam propostas dos compatriotas ao ultramar, impetrou em 2 de setembro licença para regressar á patria em busca de allivio aos seus soffrimentos[509]. Na sessão [404] seguinte Barata, a proposito de um protesto da vereação da capital bahiana contra os soldados de Madeira, declarou terminantemente que em razão da guerra de Portugal contra o Brasil, os deputados daquella provincia não podiam continuar nas Côrtes[510]. Poucos dias eram passados, que os bahianos em pêso pela voz de Lino Coutinho requeriam a sua exclusão das Côrtes e que, no caso de indeferimento, os dispensassem de jurar a constituição. Fundamentavam a petição com uma representação da Bahia firmada por mais de mil e quatrocentos cidadãos contra a politica de recolonização do Brasil seguida pelo parlamento e applaudiam as resoluções do ministerio do Rio. Como o Congresso acabava de regeitar a moção dos de S. Paulo com o pretexto de estar D. Pedro, e não o povo de alem-mar, em conflicto com os poderes publicos de Portugal, e provando aquelle documento a perfeita concordancia da regencia com os seus administrados, ao parecer dos bahianos, não podia a assembléa os conservar em seu seio, pois que a rebeldia dos committentes contra a legislatura revogava virtualmente o mandato para a representação nacional[511]. Ainda a commissão não formulara juizo acerca da resolução dos bahianos que Fernandes Pinheiro e Castro e Silva, do Ceará, perfilharam a idêa com argumentos ponderosos. Declararam categoricamente que não assignarião a carta constitucional repellida do reino americano. O Brasil proclamara D. Pedro seu defensor perpetuo e na Constituição elle não [405] passa de delegado temporario e amovivel. No pacto social negaram-se Côrtes a outra parte da monarchia a despeito de pedidas pelos deputados ultramarinos, e agora lá se vai installar assembléa constituinte. Se aceitassem, por conseguinte, a constituição, irião contra os votos dos seus constituintes, faltarião ao mandato. Castro e Silva expressou-se com energia. Enumeradas as queixas do ultramar contra as Côrtes, concluiu que não juraria a carta constitucional senão forçado mas que nesse caso o seu acto não obrigaria aos seus commitentes.

Persistia inalteravel a illusão dos portuguêses Ferreira Borges e Miranda declararam que havião sido precipitados os auctores da proposta: em S. Paulo já se desencadeava a reação contra a politica de José Bonifacio. Fernandes Pinheiro, não sem compaixão por esses estadistas, assignalou a facilidade com que acolhiam noticias agradaveis embora emanadas de desconhecidos[512].

Carlos Costa Aguiar, António Carlos e Bueno subscreveram na sessão seguinte a declaração de Fernandes Pinheiro[513]. Nesse mesmo dia chegava ás Côrtes nova participação de Feijó. Se não fôra o estado de saude, dizia, iria á assembléa apoiar o parecer dos conterraneos, e que a sua consciencia lhe não permittindo jurar a constituição, só o faria «obrigado, violentado e arrastado»[514].

A commissão de constituição condemnou um e outro pedido, allegando não admittir outra [406] prova da rebeldia dos povos que a nomeação de deputados para as Côrtes convocadas na America. Foi-lhe facil contestar que exprimisse a vontade de uma provincia o manifesto de 1:400 cidadãos, tanto mais que fallecia ao documento a condição elementar da authenticidade: o reconhecimento das assignaturas por tabellião. Os fundamentos, porém, da declaração de Fernandes Pinheiro, offereciam resistencia invencivel. Não os podendo combater com a razão, recorreu ao sophisma mais transparente. Proclamou que os ultramarinos por haverem sido regeitados os seus projectos, não tinham mais direito de não jurar a constituição do que quaesquer deputados vencidos na discussão,[515] como se a resolução dos povos de fazer vingar aquelles projectos não tornasse descabida a analogia.

Antes de se discutirem esses relatorios, o parlamento teve de se occupar de um parecer da mesma commissão, provocado por Miranda, que julgava urgente pôrem as Côrtes cobro á insolencia e rebeldia crescentes do Regente.

A commissão que não podia aconselhar expedição de tropas pela miseria do erario, tentou lançar por terra o ministerio do Rio e intimidar a D. Pedro com papeis. Propôs a annullação do acto de 3 de junho que reunia côrtes no reino ultramarino, a responsabilidade dos secretarios de estado, a cessação immediata da regencia e a volta á Europa do Principe no termo de quatro mêses sob pena de perder o direito á corôa. Declarava mais criminosa a obediencia voluntaria de qualquer auctoridade ao governo [407] do Rei e traidor o commandante de forças de terra ou de mar ao seu serviço[516]. Alguns portuguêses[517] apoiados dos brasileiros julgavam inutil um parecer, cujas conclusões notificavam ás auctoridades e povos de além-mar cousas sabidas de que terião conhecimento com a carta constitucional prestes a ser promulgada. A nullidade fulminada á provisão do ministerio do Rio que chamava em conselho os procuradores das provincias, persuadindo aos ultramarinos que devia incorrer na mesma censura o decreto creador de côrtes no Brasil, os demoveria de nomearem representantes para a assembléa sem necessidade de novo aviso, Se os secretarios da regencia por aquella resolução se tornavam passiveis de penas, deviam prever ao menos egual sancção para o ultimo acto, evidentemente mais grave. Determinando-se em julho que, publicada a lei fundamental cessarião as attribuições de D. Pedro, não se fazia mistér revocal-o ao Reino; mas se porventura elle se obstinasse em permanecer no ultramar, ali estava a constituição que lhe punia a desobediencia com a perda do direito de succeder na corôa, para o coagir a volver á patria.

Para que, pois, multiplicar providencias que não avigoravam as que existiam? Na verdade se havia duvida acerca da aceitação do pacto social pela America, era licita maior hesitação a respeito dos novos alvitres propostos pela commissão.

[408] Os proceres da regeneração replicaram que encarar a proposta sob esse aspecto era reduzir-lhe a importancia a termos de a annullar. Não visava o projecto expôr o juizo do congresso acerca de certas decisões da regencia senão desbaratar a propria regencia, que com exercer auctoridade delegada por el-rei illudia a uns e entibiava em todos a resistencia contra os seus actos revolucionarios. Proclamada a insubordinação de D. Pedro e cassado o seu mandato, removiam-se escrupulos e incertezas. Os officiaes de terra e de mar desertarião a causa do rebelde; não poucas juntas e os povos unidos pelo amor da integridade da monarchia e do regimen constitucional assoberbarião os facciosos e turbulentos, aliás activos, porque contavam com a cumplicidade do governo do Rio. «Estou persuadido, bradou Miranda, que apenas este decreto chegar ao seu destino, o governo do principe acabou n'um instante»[518].

Parece que os brasileiros que já nada esperavam do Congresso senão licença para se irem embora e que conheciam a inefficacia das resoluções legislativas contra o Brasil, não se deviam apaixonar por essa questão.

Assim, todavia, não succedeu; bateram-se com o vigor com que impugnaram a expedição militar contra a Bahia. Não acreditavam no regresso do principe, temiam, porém, que os seus adversarios no Brasil com a proposta creassem novas forças. É a preoccupação que os afflige, supposto se mostre de passagem e accessoriamente em seus discursos. Os paulistas, os bahianos, [409] os cearenses e o fluminense Villela Barbosa oraram com intelligencia e denodo. Costa Aguiar e Antonio Carlos mal convalescido, que deixara a cama pela tribuna, declararam que apesar das injurias e ameaças formularião o seu juizo sobre o negocio. Começam os brasileiros por affirmar que, a despeito dos assertos dos regeneradores, estavam convencidos da installação de assembléa constituinte no Brasil em virtude do clamor dos povos pela convocação de côrtes brasileiras. Desfeita por conseguinte a unidade da legislatura, não subsistiria outro vinculo que a sujeição dos dous reinos ao mesmo poder executivo. Ora, o projecto tendia a desatar esse laço com chamar á Europa D. Pedro. No caso d'elle vir, os ultramarinos proclamarião a independencia, recêosos de que as Côrtes os privavam do seu protector, para tornarem effectiva a recolonização do reino americano. O principe, porém, certamente não accudiria ao appello. Acclamado defensor perpetuo do Brasil e aceitando com jubilo o encargo, não faltaria ao compromisso para com gentes que á porfia lhe testemunhavam amor e dedicação, para volver a patria, cujos representantes no parlamento o qualificavam de ignorante, malcreado e rebelde[519]. Dahi resultaria tambem o desmembramento, em virtude de prever a constituição que na hypothese a desobediencia importava na perda do throno de Portugal. Antonio Carlos que punha tanta tenacidade em propugnar a união quanta energia em protestar que seguiria os destinos da patria, fossem quaes fossem, mostrou-se conciliador em extremo.

[410] «Eu queria que se fizesse sentir de uma vez claramente ao snr. D. Pedro de Alcantara que elle passando a convocar côrtes no Brasil, punha em desconfiança a nação portuguêsa, de que elle faz parte, e por consequente poria a nação na dura necessidade de o não reconhecer; que se faça egualmente sentir aos povos do Brasil as verdadeiras intenções de Portugal; que se lhe dê a entender que embora tenha havido alguns descuidos, porque de facto os tem havido, mas que seguramente não é intenção de Portugal escravizar o Brasil e muito menos de o reduzir á miseria. Que sejamos liberaes com esse paiz, que se lhe mandem emissarios fornecidos de poderes ad hoc, a fim de se procurar a união; que sejamos nobres e generosos. Se se puder conseguir a unidade absoluta, bem, não me opponho. E se se não puder conseguir, que não sejamos tão mesquinhos que percamos tudo. Acceitemos a união talvez unica que a natureza comporta; emquanto não estivermos nisto nada faremos; e a não se adoptar, então é necessario usar de força, declarar guerra a povos irmãos mas a declarar-se, é nobre, é generoso despedir os representantes d'esse paiz, porque em verdade os que tiverem brio e dignidade hão-de seguir a causa d'elle»[520].

Nem outras ideias expendia jamais o honesto paulista. Os portuguêses, porém, suspeitavam da sinceridade de suas palavras e levados mais da paixão que do senso politico consideravam orgão do espirito publico da America não os documentos officiaes e os deputados de [411] além-mar, senão alguns commerciantes sófregos do restabelecimento do monopolio mercantil e officiaes partidarios da preeminencia do Reino sobre a antiga colonia que estanciavam ainda na America ou que se finavam de despeito na patria, por haverem sido enxotados de Pernambuco ou do Rio. Não queriam saber de moderação demasiado branda na qualificação de seus actos. Xavier Monteiro, resoluto e sagaz, attribuindo o ardor com que os americanos reprovaram as providencias ao medo de desfallecimento em D. Pedro, entendeu assegurar a efficacia do projecto tornando-o mais aspero e propôs fosse considerada a convocação de Côrtes no Brasil acto de rebellião[521]. Seguiu-se debate assignalado por mais de um incidente. Miranda perfilhou com o enthusiasmo dos irreflectidos a idéa do compatriota, e desconhecendo que os ultramarinos não podiam deixar de defender o principe promotor dos interesses da patria e guarda de seus foros capitulou de adulador a Antonio Carlos. Se havia constituinte a quem não cabia o labéo era justamente aquelle que applaudira a revolução de 1817 e por ella soffrêra. Rebatido por essa forma a increpação, o eximio paulista combateu a emenda por «fechar as portas do bello palacio da união». Barata mostrou temeridade inaudita. No momento nada mais sobresaltava o Reino que a imminencia do desbarato da constituição hespanhola pelas armas de Luiz XVIII ao serviço da Santa alliança, e não havia em Portugal individuos mais detestados que [412] os brasileiros reputados capazes de todos os crimes contra a nação. O fundador e o agente mais activo da confederação dos reis contra os povos era Francisco I da Austria, o sogro do D. Pedro. Exgottados os argumentos, Barata tentou aterrar o congresso, aconselhando-o não exacerbasse o principe, porque no auje da colera podia attrahir contra o regimen os batalhões temerosos do sogro. Á evocação dos exercitos reaccionarios dispersando os regeneradores, as galerias agitaram-se em tumulto infernal e cogitou-se de suspender a sessão. Serenados porém os animos, proseguiu o debate rejeitando-se afinal o additivo de Xavier Monteiro.

O que mais irritava, contudo, os ultramarinos não eram os medidas de repressão em si mesmas senão significarem ellas que os portugueses recusavam ao novo reino o direito de se constituir como lhe conviesse. A primazia, argumentavam, da mãi patria sobre a antiga colonia cessou com a transferencia da Côrte para o Brasil, tornado o centro da monarchia. Então se havia uma parte da nação subalternizada a outra, era a secção europeia. Confessaram-na os revolucionarios no manifesto de 15 de Dezembro. «A idéa do estado de colonia, são palavras textuaes, a que Portugal em realidade se achava reduzido affligia sobremaneira todos os cidadãos que ainda conservavam e pregavam o sentimento da dignidade nacional». Indignado, Portugal fez a revolução de 1820 separou-se formalmente dos outros estados da monarchia, porque já o não governava o delegado del-rei e mudara de regimen, e começou a se reorganizar abandonando inteiramente á sua sorte os irmãos mais novos. Este abandono não provinha de ter em [413] casa bastantes cuidados para se poder occupar das cousas ultramarinas, era voluntario e nascia do desejo de não desgostar o monarcha, que trazia sobre sua immediata auctoridade o novo reino. Que a Europa portuguêsa estava resolvida a proseguir a liberdade sem dependencia dos americanos, prova-o o artigo 21 das Bases, o qual lhes torna obrigatoria a constituição depois que a acceitassem por seus legitimos representantes. Reconhecem, pois, as Côrtes que elles são livres de adoptar ou não a nova organização politica e até de fazer ou não parte da mesma nação. Ao passo, porém, que Portugal calculadamente se desinteressa da America, esta, informada da insurreição de 24 de agosto, acclamava-o e adhere ao seu emprehendimento, persuadida de que a sua graduação, a sua riqueza e progresso, e o auxilio inestimavel que prestava aos portuguêses da Europa desamparando o absolutismo, garantiam-lhe a egualdade politica mais perfeita com a metropole na futura organização politica. Aos desenganos succederam os desenganos, e o Brasil reconhecendo a impotencia de seus deputados na obra da reconstituição social, em razão de serem as suas propostas repellidas systhematicamente pela maioria, chamou a si a incumbencia para o delegar em D. Pedro. O mais poderoso argumento contra o decreto 3 de junho era que D. Pedro convocando Côrtes exorbitava do mandato confiado pelo pai, pois nelle não figurava esse poder. O cearense Alencar desbaratou a objecção e revelou-se dialectico de pulso e sagaz, mostrando assim aos portuguêses que tanto no sul como no centro e norte do reino ultramarino encontravam adversarios terriveis. «O principe, ponderou, não [414] é como suppõe a commissão, auctoridade illegitima e menos se pode dizer rigorosamente que não cabe nas suas attribuições o convocar Côrtes, porque o poder pelo qual elle as convoca, não é aquelle que lhe delegou o seu augusto pai é sim aquelle de que o povo immediatamente o revestiu. Sim, sua Alteza Real como defensor perpetuo do Brasil, podia fazer tudo quanto julgasse capaz de o defender, e se julgou que as Côrtes eram o meio de defêsa, podia e devia convocal-as, tinha para isto o mesmo poder que teve o supremo governo do Reino em 1820: este tinha o poder que lhe havia dado o povo de Portugal e Sua Alteza o poder que lhe deu o povo do Brasil»[522]. Os irmãos mais velhos desnorteados já não acham no arsenal dos argumentos mais que o velho sabre do juramento das Bases, enferrujado e amalgamado. Manejam-no sem pudor. Jurando os ultramarinos a constituição que fizessem as Côrtes de Lisboa, não podem deixar de a cumprir, salvo se são perjuros. Villela Barbosa replicou que perjuravam os portuguêses. Na elaboração da lei fundamental, explicou, conforme a propria constituição deviam ter parte europeus e americanos; ora como não foram senão aquelles que a fizeram, repellidos os votos destes, faltaram ao compromisso sagrado[523].

Alguns portuguêses impugnaram a proposta, temendo que occasionasse a emancipação do reino americano. O Congresso sanccionou-a, persuadido de que se o acto de energia não reduzisse [415] o Brasil e D. Pedro á obdiencia teria ao menos o merito de salvar a dignidade do Reino.

Discutia-se ainda esse conjuncto de medidas contra o Brasil quando dezeseis americanos cogitaram de novo do juramento da carta constitucional. Ao contrario dos bahianos e paulistas, estavam dispostos a subscrever o pacto social mas o queriam fazer depois de conhecida a resolução dos povos ultramarinos de não terem outras côrtes que as de Portugal; e no caso da America annuir á convocação da assemblêa no Rio, ficariam dispensados de jurar a lei fundamental. Se o congresso, alvitram, esperava o resultado das eleições do novo reino para guardar ou despedir os seus representantes, era tambem esse o momento de decidir ácerca da melindrosa questão da assignatura. Subscreveram a petição Villela Barbosa, Allencar e Antonio José Moreira (Ceará), Monteiro da França e Costa Cirne (Parahiba), Assis Barbosa (Alagôas), Lourenço Rodrigues de Andrade (Santa Catharina) e a deputação inteira de Pernambuco sem exceptuar Manoel Felix de Veras, do Sertão[524]. Villela Barbosa fundamentou o requerimento. Justificou demoradamente o resentimento do Brasil com o Congresso por não lhe terem sido satisfeitas as aspirações expostas por seus mandatarios, declarou que a attitude actual destes não decorria da susceptibilidade ferida com as derrotas nos escrutinios como apregoavam os de Portugal. «Não é o nosso voto particular que respeitamos; é o voto das nossas provincias; são as suas representações; emfim é o receio bem fundado de que isto não [416] seja ali aceite». Ao concluir desembaraçou o escrupulo do povo em repellir a lei firmada por seus procuradores, allegando que o nome do deputado na lei fundamental significava tão somente o ter elle feito parte do congresso constituinte e não que a aprovava[525]. Votado o projecto de Miranda, na mesma sessão encetou-se o exame das proposições dos brasileiros ácerca do negocio que os atormentava. Pouco se tratou do requerimento de Villela, reputado impraticavel á primeira vista. Seria em verdade extranho protrahir a entrada em vigor do estatuto constitucional até se averiguar se haveria ou não parlamento no ultramar. Os proprios signitarios da petição renderam-se a esta reflexão judiciosa. Não se illudiam tão pouco a respeito do exito d'ella, e formulando-a não pensavam senão em patentear de modo solemne a sua repugnancia em jurar o novo pacto. Nenhum, e eram dezeseis, se levantou para a defender, e Allencar, o unico d'elles que interveio na discussão, instituida a respeito dos requerimentos dos bahianos e paulistas, cuidou d'estes e não da sua proposição.

Os bahianos e paulistas haviam protestado não jurar expontaneamente a constituição. Apesar de reconhecerem os portuguêses que poucos assumptos tratados no Congresso egualavam a esse em gravidade, não discutiram a pretenção dos ultramarinos com o calor e arrogancia habituaes, tomados de desalento e apprehensão melancolica ácerca dos negocios de além-mar. Repisaram todos a mesma argumentação. Os brasileiros que haviam trazido procuração para fazer [417] o pacto social com os irmãos mais velhos não podiam deixar de o subscrever a pretexto da divergencia de algumas provincias ou de terem sido vencidos na discussão. A lei essencial do regimen representativo sujeitava nos corpos deliberantes a minoria ás decisões do maior numero, e o desaccordo de alguns povos do Brasil com as côrtes não era assás provado para se julgar revogado o mandato de seus representantes.

Os brasileiros aproveitaram o debate para historiar o menoscabo com que os portuguêses acolhiam as suas propostas a respeito do novo reino. Ninguem excedeu na materia Lino Coutinho, que rematou o discurso com estas palavras: «Nós viemos fazer constituição que fôsse util aos nossos constituintes que nos haviam enviado; mas quando se regulam os artigos mais essenciaes e peculiares áquelle continente, quando a parte europeia dicta os artigos addicionaes em menospreço dos que foram apresentados pela commissão de brasileiros nomeados para isso, poderemos nós sem escrupulo assignar uma constituição assim feita? De certo que não. Debalde se diz que nos devemos sujeitar ás leis da maioria; assignando a constituição, ainda que tenhamos sido vencidos; mas isto será bem dito quando se trata de negocio particular em que qualquer deputado emitte seu parecer; mas não quando deputações inteiras do Brasil têm feito suas representações e têm pedido as cousas necessarias e uteis ás provincias a quem pertencem, isto é bem differente, e a lei da maioria não póde achar aqui cabimento algum. Taes são os motivos que me obrigam a manifestar segundo o foro intimo de minha consciencia e segundo a caracter de bom representante, que não posso e [418] nem devo assignar a presente constituição, a qual ainda que a meu vêr, como homem particular, a julgue obra prima de sabedoria e liberalismo, comtudo não a posso julgar admissivel no Brasil, que, segundo o estado em que se acha, a não quer receber sem aquellas emendas e annotações que lhe são convenientes»[526].

Nem todos os bahianos se esprimiam com essa determinação. O delicado Borges de Barros que se remettêra ao silencio, decretada a remessa de tropas para a Bahia, rompeu-o agora para patentear o seu torturante escrupulo de consciencia: quer saber se os brasileiros faltam ao dever e á honra, não jurando o pacto social. O melindre era descabido, porque os ultramarinos não podiam approvar uma lei em desaccordo flagrante com o commum sentir do Brazil. Alencar vai proval-o com evidencia. Pedimos escusa de amortecer o movimento da narrativa com essas transcripções. Não podemos, contudo, deixar de o fazer. As nossas palavras não darião jámais idéa da eloquencia do illustre sacerdote cearense que embora chegado tarde ao Congresso, teve occasião de mostrar que hombreava com as figuras de vulto da bancada americana.

«Não entrarei em minuciosa indagação dos artigos constitucionaes prejudiciaes ao Brasil. Não farei reflexões sobre a injustiça de se lhes negar Côrtes peculiares para fazerem suas leis particulares, sobre a forma do governo das provincias e nem mesmo tratarei do insulto, que se lhe fez, julgando-o incapaz de possuir em si a pessoa do chefe da nação, a quem se comminou a pena [419] de perder a corôa se saisse do reino de Portugal: falarei tão somente de um artigo constitucional, que sendo prejudicial ao Brazil, está além disso reprovado e rejeitado absolutamente dos brasileiros, isto é, que o poder executivo do Brasil nunca recaia na pessoa do herdeiro da corôa e que sua Alteza Real regresse para Portugal. Ora, porque fatalidade se faria este artigo ao mesmo tempo que todo o Brasil obrava em sentido contrario, acclamando sua Alteza regente defensor prepetuo do Brasil? Porque fatalidade o soberano congresso, cujas deliberações não devem chocar directamente com a vontade dos povos, havia de sanccionar um artigo contrario á vontade expressa e geral de uma tão preponderante parte da nação? E se o soberano Congresso assim quis olhar, deverão os deputados brasileiros subscrever o acto da reprovação e indignação dos seus constituintes? É porventura ainda facto duvidoso que os brazileiros não querem que o principe venha para Portugal? Ha alguma porção do Brazil que se não tenha declarado a favor delle, se exceptuarmos o Pará e o governo do Maranhão, mas não o povo do Maranhão, como já hontem disse? A mesma Bahia, apesar de subjugada pelas armas europeias, não tem proclamado o principe em todas as villas do Reconcavo? Pois então como ainda se duvida da vontade geral do Brasil? E á vista disso devem os deputados brasileiros assignar a constituição obrando expressamente contra a vontade dos seus constituintes?»[527]

Os deputados do ultramar naturaes de Portugal [420] rejeitavam a maneira de pensar dos bahianos e paulistas. O padre Domingos da Conceição, representante do Piauhy declarou que faltaria ao mandato se não assignasse a constituição. O alemtejano Segurado, que se mostrara solidario com os brasileiros nas suas principaes proposições, desertou-lhes a causa com singular desempeno. Não só approvara a constituição senão que repellia a auctoridade do principe, e para se justificar contou o episodio seguinte:

«Quando eu ha mais de um anno estabeleci um governo provisorio em S. João das Duas Barras, os moradores disseram-me logo: Isto é contra el-rei ou contra as Côrtes? Não, respondi; desconfio do partido do Rio de Janeiro, do partido republicano. A minha intenção é unir isto com Portugal, com as Côrtes e com o senhor D. João VI. Veja bem o que faz, replicaram-me, porque se isto fôr a favor do Rio de Janeiro immediatamente o matamos»[528].

E Vergueiro? O transmontano, rejeitados os artigos addicionaes dos brasileiros, não mais tomara parte nos trabalhos legislativos, convencido de que nada faria de proveitoso ao Brasil o parlamento. Recolhido em Traz-os-Montes[529], no solar da familia, não se ouviu mais fallar d'elle senão a proposito das prorogações successivas de sua licença para não comparecer ás sessões.

O Congresso rejeitou todos os requerimentos dos brasileiros, e na sessão immediata começaram os constituintes a lançar a sua assignatura por [421] debaixo da lei constitucional. Manifestado o escrupulo em cumprir a derradeira formalidade da constituição não restava aos americanos senão se submetterem á decisão da assembléa, tanto mais que o nome no contracto social significava rigorosamente a participação do signatario na feitura principal das Côrtes e nada mais. Ainda assim houve hesitação. Se quatro europeus faltaram por doença á primeira sessão designada para a assignatura, dezaseis brasileiros não vieram a ella, dos quaes apenas quatro justificaram a sua ausencia. Na sessão immediata e ultima, porém, todos esses compareceram, salvo Agostinho Gomes, Barata e os paulistas e aquelles quatro que continuavam com licença. Eram estes Belford, do Maranhão; Pinto da França, da Bahia; Fortunato Ramos, do Espirito Santo e Vergueiro; e todos se não subscreveram mais tarde a nova lei, a juraram, salvo Vergueiro, que não fez nem uma cousa nem outra. Os paulistas e bahianos tinham motivos particulares que os excusavam de se não conformarem com a resolução legislativa. O protesto d'aquelles redigido por Fernandes Pinheiro rezava que seria estupida condescendencia geradora do eterno remorso, fazer um acto contra a razão e a consciencia. Não era, demais, requerimento ou proposta, mas a manifestação de proposito firme que os seus auctores não podiam renunciar sem merecer a nota de levianos. Fel-o, comtudo, Castro e Silva, que perfilhara a declaração mas confessou ingenuamente que assim procedia com receio do desterro com que ameaçaram os regeneradores aos recalcitrantes. Não quadrava aos mandatarios de um povo rebelde semelhante explicação, custosa, aliás, á generalidade dos homens.

[422] A Bahia estando em guerra aberta com os poderes publicos da metropole, desculpava-se aos seus deputados um acto revolucionario que tomava a feição de represalias contra os oppressores da patria.

Os portuguêses estavam inquietos com a unanimidade do conselho paulista significativo de não haver divergencia na provincia, e Trigoso tratou de abrir brecha na resistencia massiça de S. Paulo. Amigo de Fernandes Pinheiro desde os annos de Coimbra foi visital-o. Ponderou a imprudencia de sua determinação no caso dos seus committentes adherirem á carta constitucional: que contas lhes prestaria? O argumento não era novo mas Fernandes Pinheiro, fraco e timorato, não pôde resistir á pressão do collega. No dia seguinte veio ao Congresso declarar que a sua saude lhe não permittindo assignar a constituição no prazo e como este se achava esgotado pedia licença para o fazer agora. Os europeus, que o haviam acolhido com demonstrações de jubilo, satisfizeram-no promptamente[530].

Aos 30 de setembro procedeu-se ao juramento da lei fundamental e os deputados que se não achavam presentes, prestaram-no quando compareceram ao congresso. Com a mão direita sobre as Sagradas Escripturas, diziam: «Juro guardar a constituição politica da monarchia portuguêsa que acabam de decretar as Côrtes Constituintes da mesma nação».

Agora era mais fundada a hesitação dos brasileiros, até sem tomarem em conta as noticias [423] do Brasil divulgadas desde a vespera nas côrtes.

Não havia mais duvida sobre a installação da assembléa constituinte em além-mar, em virtude das adhesões que affluiam ao ministerio do Rei; a Regencia reputava inimigos as tropas lusitanas expedidas de Portugal sem o seu pedido e proclamara ás nações que o Brazil para se subtrahir a recolonização não cumpriria senão as leis feitas em seu seio por seus representantes.[531] Era melhor, pois, que os brasileiros não protestassem perante Deus respeitar uma lei que no intimo estavam dispostos a não guardar. Fazendo-o porém, não perjuravam, porque agiam constrangidos da maioria. Havia ainda outra consideração que pesou no animo d'esses homens de honra e partidarios do regimen constitucional. A desobediencia ao Congresso seria um acto revolucionario capaz, attenta a effeverscencia dos espiritos e a reacção em augmento de resuscitar o despotismo.

Dos que assignaram a Constituição, todos a juraram, salvo Moniz Tavares e Lino Coutinho, que se esquivaram á formalidade, não mais indo ao Congresso. Barata, Agostinho Gomes e os conterraneos do futuro visconde de S. Leopoldo continuaram a não dar signaes de vida. Em 2 de outubro tiveram as Côrtes noticia de Antonio Carlos: solicitava permissão para se retirar de Portugal. Passaram-se os dias e a commissão não dava parecer sobre o requerimento. O odio contra os americanos em crescimento á medida que progredia em além-mar a revolta contra os poderes [424] publicos da metropole, tornava-se aggressivo e visava particularmente os intemeratos que se obstinavam em não approvar a Constituição. Correu voz de conjuração tramada nas associações secretas para os assassinar[532].

Na manhã de seis de outubro estalou a nova de terem na vespera tomado barco inglês com destino a Falmonth, Lino Coutinho, Barata, Agostinho Gomes, Antonio Carlos, Bueno, Costa Aguiar e Feijó. A colera contra elles explodiu com violencia e de Portugal estendeu-se as possessões. A imprensa cobriu-os de injurias; nas Côrtes, Xavier Monteiro requereu que não fossem considerados portuguêses[533] e os madeirenses assanhados tentaram arrebatal-os do navio inglês de escala em Funchal que os levava a patria[534].

Prestado o juramento da constituição, as Côrtes ainda continuaram a funccionar por não suspender trabalhos inadiaveis. Poucos brasileiros, porém concorriam ás sessões, e esses não tomavam parte na discussão, supposto versassem ácerca da patria. Os assumptos que outr'ora os exaltavam não conseguiam agora quebrar-lhes o silencio systhematico. Nem ainda o parecer da commissão a respeito do conflicto agudo da junta do Pará com o commandante das armas, o famigerado Moura, vingou modificar-lhes a attitude de protesto contra a violencia da maioria retendo-os no parlamento. Ao congresso constituinte succederam as Côrtes ordinarias installadas [425] em 15 de novembro. Para o fim do ultramar ser nellas representado desde a abertura, fôra estabelecido, contra o alvitre judicioso de Antonio Carlos, que os deputados da America continuarião no exercicio do mandato até que chegassem os eleitos para a nova legislatura[535].

Os cearenses, quasi todos os bahianos e mais seis americanos ou a titulo de doença ou sem pretexto algum não compareceram no novo parlamento[536]. Ao mesmo tempo do Brasil affluiam noticias tão positivas de revolta contra Portugal que a commissão de infracções da constituição entendeu indecoroso escurecer a verdade. Propôs fossem reputadas dissidentes as provincias não só que nomeassem deputados para a assembléa do Rio senão ainda que prestassem homenagem á regencia ou desobdecessem aos poderes publicos da antiga metropole, para ficarem excluidos da representação nacional os mandatarios desses povos rebeldes. Era a idéa de Antonio Carlos, Lino Coutinho, Alencar e outros propugnada em agosto. O Congresso, aceito o alvitre, reconheceu que não assistia ao Ceará, Alagôas, Parahyba, Pernambuco, Rio de Janeiro e S. Paulo o direito de terem procuradores no corpo legislativo. Deixaram, por isso as Côrtes vinte e quatro ultramarinos e agora não estavam mais que as deputações do Maranhão, Pará, Piauhy, Rio Negro (Amazonas) Santa Catharina, Espirito Santo, Goyaz e Bahia[537].

[426] Isto era o que dizia a lei mas na realidade estas provindas não eram nem foram representadas na assembléa ordinaria, pois que a maior parte de seus deputados não tomaram assento no novo Congresso e os que o fizeram, desde então não mais voltaram a elle, salvo os portuguêses Domingos da Conceição (Pranhy) e Segurado (Goyaz), e os brasileiros Francisco de Souza Moreira (Pará) e o amazonense José Cavalcante de Albuquerque, os quaes continuaram a comparecer ás sessões, convencidos de que não podiam desertar o parlamento sem a vontade expressa de seus committentes.

E assim terminou o mandato dos brasileiros nas Côrtes Geraes.



INDICE


CAPITULO I


Causas da revolução de Portugal de 1820.―Incerteza sobre o regresso d'el-rei.―Necessidade da adhesão do Brasil para o exito da revolução. Pag. 5 a 12


CAPITULO II


Esperança no apoio do Brasil.―Começam a chegar novas de além-mar.―Revolução no Pará.―Pará provincia de Portugal.―Adhesão da Bahia. Divergencias no governo do Rio.―As côrtes desconfiam d'el-rei.―O decreto de 18 de abril.―El-rei aceita a revolução.―O enthusiasmo de Lisboa. Pag. 13 a 29


CAPITULO III


O Conde de Palmella.―Hesitação d'el-rei.―O decreto de 18 de fevereiro.―Irritação popular.―A junta consultiva.―26 de fevereiro.―O rei resolve partir.―Protestos do commercio.―Reunião dos eleitores na Praça do Commercio.―Providencias de Silvestre Pinheiro.―Dissolução violenta da assembléa.―Os poderes da regencia.―Embarque do rei. Pag. 30 a 74


CAPITULO IV


As responsabilidades do crime de 21 de abril.―O conde dos Arcos. Pag. 75 a 82


CAPITULO V


Medidas da regencia.―Descontentamento do povo.―Deputados do Rio.―Votação.―Regulamento eleitoral.―Recrutamento.―As bases constitucionaes.―Resolução de 5 de junho.―Destituição do conde dos Arcos.―Targini.―A calumnia no Brasil em Portugal. Pag. 83 a 102


CAPITULO VI


Os deputados de Pernambuco.―Luiz do Rego.―Attitude circumspecta das Côrtes em relação ao Brasil.―A apprehensão da independencia.―Organização do governo de Pernambuco.―Distincção entre as juntas acclamadas pelo povo e as estabelecidas pelas Côrtes.―Resoluções ácerca dos officiaes implicados na revolta de 1817.―Propostas de Araujo Lima e Moniz Tavares.―Deputação fluminense.―O conde dos Arcos.―Organização dos governos ultramarinos.―Decreto sobre o regresso do principe.―Villela Barbosa.―Os quarenta e dous presos politicos. Pag. 103 a 138


CAPITULO VII


Expedição de tropas para Pernambuco.―Argumentação dos regeneradores.―Villela Barbosa.―Attitude extranha dos deputados fluminenses.―Illegitimidade da resolução.―Os deputados do Maranhão.―Debate sobre a junta permanente.―Deputado de Santa Catharina.―Chegam os representantes da Bahia e de Alagôas.―A deputação da Bahia. Pag. 139 a 154

CAPITULO VIII


Estreia de Barata.―Legitimidade da sua proposta.―Os brasileiros não a defendem com vigor.―Barata retira-a.―Suppressão dos tribunaes do Rio.―A emulação das provincias aproveita aos portuguêses.―Indignação no Rio contra Varella.― Decidir-se-ão no Brasil as revistas das causas ahi julgadas. Pag. 155 a 167


CAPITULO IX


Presos da Bahia.―Inanidade do parecer da commissão ácerca dos negocios do Brasil.―Condescendencia dos deputados brasileiros.―Surge no Rio o partido da Independencia. Pag. 168 a 176


CAPITULO X


A subserviencia da magistratura.―O jury nas causas crimes e civeis.―A responsabilidade dos magistrados e o direito de os suspender; Borges Carneiro; argumentos da maioria; replica dos brasileiros.―Prestam juramento os deputados de S. Paulo.―Antonio Carlos.―Exaltação dos representantes do Brasil.―Vergueiro.―Resultado dos debates. Pag. 177 a 196


CAPITULO XI


O regimento dos deputados de S. Paulo.―A preoccupação do congresso em confundir o Brasil com as possessões ultramarinas.―A representação da Parahyba do Norte. Pag. 197 a 204


CAPITULO XII


Confraternidade dos brasileiros e portuguêses fóra dos negocios do Brasil.―O liberalismo dos americanos.―Proposta de Borges de Barros ácerca da composição do Supremo Tribunal.―Borges de Barros propõe o adiamento do projecto da administração provincial.―Moura.―A questão do juramento.―Vergueiro.―Insinceridade dos portugueses na interpretacão do juramento prestado pelos povos do Brasil. Pag. 205 a 217


CAPITULO XIII


Como o Brasil acolheu os decretos das Côrtes.―Desacertos de José Maria de Moura.―Protestos dos brasileiros e proposta de Villela Barbosa sobre o commando das armas.―Effervescencia dos animos no Rio.―Commissão especial dos negocios politicos do Brasil.―Informação de Silvestre Pinheiro.―Parecer da commissão especial.―O officio da junta de S. Paulo. Pag. 218 a 242


CAPITULO XIV


O empenho de Portugal em reformar as pautas da alfandega.―-A commissão de commercio.―O privilegio de navegação e a marinha portuguêsa.―Parecer conciliador dos brasileiros.―Fernandes Thomaz.―Injustiça do projecto ácerca dos productos agricolas.―A industria do Brasil e de Portugal.―O projecto fecha o Brasil ás nações amigas.―Os brasileiros não o acceitavam.―Devolve-se o projecto á commissão para ser revisto.―Fernandes Pinheiro assigna o novo projecto.―O artigo incriminado reapparece intacto.―É restituido á commissão. Pag. 243 a 257


CAPITULO XV


Noticias do Rio.―Insultos aos partidarios de D. Pedro.―A. Carlos.―Effervescencia da assembléa.―Os portuguêses não censuram as tribunas.―Alguns deputados de S. Paulo e da Bahia resolvem não vir ás Côrtes.―Antonio Carlos renuncia ao mandato.―O Congresso convida os brasileiros melindrados a tomarem os seus logares.―Projecto de Feijó.―Impressão nas Côrtes.―Attitude de Moura. Pag. 258 a 267


CAPITULO XVI


Os deputados do Pará, Goyaz e Espirito Santo.―D. Romualdo de Sousa Coelho.―Desembargador Segurado.―Hostilidades contra o Brasil.―A questão de Montevideu.―Fernandes Pinheiro.―O Congresso não admitte o despejo militar da Banda Oriental.―Opinião singular de Segurado.―Incidente Barata.―Irritação com as noticias do Rio.―O governo resolve mandar tropas ao Brasil.―Odio dos americanos do norte aos regimentos da metropole.―A deputação do Ceará.―Os regeneradores querem reduzir o Brasil pelas armas.―Felicitações de Jorge de Avilez ao Congresso.―As Côrtes approvam o acto do governo.―Resolução de Borges de Barros. Pag. 268 a 298


CAPITULO XVII


Embarque da divisão auxiliadora.―Necessidade de assembléa legislativa no Brasil.―O parecer da commissão de constituição.―É approvado sem alteração capital. Pag. 299 a 339


CAPITULO XVIII


Commissão incumbida de apresentar os artigos addicionaes á constituição relativos ao Brasil.―Discussão.―Tomam assento F. de Sousa Moreira, do Pará, e J. R. da Costa Aguiar, de S. Paulo.―O congresso decide que o principe real não será jámais delegado d'el-rei e manda a commissão organizar novo projecto. Pag. 340 a 355


CAPITULO XIX


D. Pedro resolve convocar côrtes.―Entram no congresso os deputados substitutos de Piauhy e da Parahyba. Pag. 356 a 381


CAPITULO XX


Os novos artigos addicionaes.―José da Costa Cirne.―O padre Virginio Rodrigues Campello.―Manuel Felix De Veras.―A representação do Rio Grande do Norte.―Montenegro.―Resoluções hostis contra o Brasil. Pag. 382 a 397


CAPITULO XXI


Os paulistas querem deixar as côrtes.―Declaração de Fernandes Pinheiro de Castro e Silva.―Muitos brasileiros querem differir o juramento da constituição.―Partida dos paulistas e de alguns bahianos.―Côrtes ordinárias. Pag. 398 a 426




Notas:


[1] Relatorio de Fernandes Thomaz, sessão de 5 de fevereiro de 1821 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 1.º pag. 35).

[2] Manifesto de 15 de de dezembro de 1820. (Documentos para a historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 118).

[3] Proclamação da junta do Porto (Documentos para a historia da Côrtes Geraes, vol. 1.º, pag. 14).

[4] Gama Barros―Administração publica,―vol. 1.º pag. 539.

[5] Documentos para a historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º, pag. 17.

[6] Documentos para a historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 25.

[7] Carta do governo supremo, de 6 de outubro de 1820 (Documentos para a historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 75).

[8] O Campeão em Londres, de 1 de agosto de 1819 e de 16 de março de 1820.

[9] Moniz Tavares―A revolução de Pernambuco de 1817―(Ser. do Inst. Hist. de Bravé, anno 1897, vol. 60.)

[10] Mello Moraes―Brasil-reino e Brasil-imperio.

[11] Carta de 2 de setembro de 1820 (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º, pag. 125.

[12] Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º, pag. 125).

[13] Maria Amalia―Duque de Palmella, vol. 5.º cap. 9 pag. 367.

[14] O Campeão em Londres, de 16 de setembro de 1820, vol. 2.º pag. 120.

[15] Manifesto de 31 de outubro de 1820. (Documentos para a historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 80).

[16] A revolução de Pernambuco em 1817. (Rev. do Inst. Historico do Brasil, vol. 60 anno 1897).

[17] Diario das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 369―Officio de 5 de fevereiro de 1821.

[18] Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 22, pag. 161 e memorias do Marquês de Santa Cruz.

[19] Sess. de 4 de abril de 1821 (Diario das Côrtes Geraes, vol. 1.º, pag. 455).

[20] José d'Arriaga―Historia da revolução de 1820, faz excepção reproduzindo alguns trechos.

[21] D. Romualdo, de quem foi discipulo Patroni, reconhece-lhe raro talento. (Memorias do Marquês de Santa Cruz).

[22] Diario das Côrtes Geraes, vol. 2.º, pag. 483. (Sess. de 5 de abril de 1821).

[23] Margioccli, sess. de 14 de novembro de 1821 (Diario das Côrtes Geraes, vol. 5.º pag. 3078).

[24] Sess. de 5 de abril de 1821 (Diario das Côrtes Geraes, vol. 1.º, pag. 484).

[25] O Campeão em Londres de 16 de março de 1821.

[26] O que ahi fica dito resulta do Diario das Côrtes Geraes ou foi colhido na Historia da Revolução portuguêsa de 1820 e na galeria dos deputados das Côrtes Geraes extraordinarias e constituintes.

[27] Sess. de 16 de abril de 1821. (Diario das Côrtes Geraes, vol. 2, pag. 600).

[28] Sess. de 17 de abril de 1821. (Diario das Côrtes Geraes, vol. 2.º, pag. 609).

[29] Correio Brasiliense, de 16 de janeiro de 1821 (vol. 26).

[30] Maria Amalia―O duque de Palmella, vol. 1.º e José d'Arriaga, Historia da revolução portuguêsa de 1820.

[31] Correio brasileirense, de abril de 1821 (vol. 26).

[32] Sess. de 3 de fevereiro de 1821, discussão do projecto Pereira do Carmo. (Diario das Côrtes Geraes, vol. 1.º, pag. 23).

[33] Carta do marechal Felisberto Caldeira Brasil Pontes. (O Campeão português em Londres, de junho de 1821).

[34] Pereira da Silva―Historia da fundação do Imperio brasileiro, vol. 5.º

[35] José d'Arriaga―Historia da revolução portuguêsa de 1820 e Diario das Côrtes Geraes, vol. 2.º pag. 709.

[36] Sess. de 28 de abril de 1821. (Diario das Côrtes Geraes, vol. 2.º, pag. 709).

[37] Oliveira Lima―D. João VI no Brasil, vol. 2.º pag. 1037.

[38] Cartas de Silvestre Pinheiro (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, anno 1888, vol. 51).

[39] Mello Moraes―Historia do Brasil-Reino e Brasil-Imperio. Conde de Palmella―Despachos e correspondencia.

[40] Conde de Palmella―Despachos e correspondencia (Introducção).

[41] Conde de Palmella―Despachos e correspondencia (carta de 5 de janeiro).

[42] Conde de Palmella―Despachos e correspondencia; e Maria Amalia―Duque de Palmella.

[43] Palmella―Despachos e correspondencia. (Carta de 26 de janeiro).

[44] Aviso de 10 de fevereiro (Mello Moraes, Brasil-Reino e Brasil-Imperio).

[45] Palmella―Despachos e correspondencia.

[46] Maria Amalia―O duque de Palmella (carta de 3 de março ao conde de Linhares. Sobre o caracter e as idéas de Thomaz lêr «Despachos e correspondencia do mesmo Palmella e Considerações sobre Portugal e Brasil» (Revista do Inst. Hist. do Brasil, anno 1863, vol. 26).

[47] Palmella―Despachos e correspondencia. (Carta a el-rei de 19 de fevereiro de 1821).

[48] Palmella―Despachos e correspondencia (Projecto de 21 de fevereiro).

[49] Decreto de 18 de fevereiro, que foi antedatado e só appareceu cinco dias depois.

[50] Palmella―Despachos e correspondencia; e Maria Amalia.―A vida do duque de Palmella.

[51] Palmella―Despachos e correspondencia, vol. 1.º, e Maria Amalia.―A vida do Duque de Palmella.

[52] Maria Amalia―A vida do duque de Palmella. (Carta á condessa de Palmella, de 3 de março).

[53] Oliveira Lima―D. João VI no Brasil, capitulos 28 e 29.

[54] Memorias para a historia do reino do Brasil por Gonçalves dos Santos (Introducção).

[55] Cartas sobre a revolução do Brasil, vol. 51 da Rev. do Inst. Historico do Brasil.

[56] Mello Moraes―Brasil-Reino e Brasil-Imperio, edição 1871 pag. 53.

[57] Oliveira―D. João VI no Brasil, pag. 1091.

[58] Cartas sobre a revolução do Brasil. Rev. do Inst. Historico do Brasil, anno 1888 vol. 57.

[59] Revista do Inst. Hist. do Brasil, vol. 24. Eis os outros membros da junta: barão de Santo Amaro; monsenhor Almeida; A. S. Pereira da Cunha; A. Rodrigues Velloso; C. M. Fonellet; J. da Silva Lisboa; J. de S. de Almeida Corte-Real; J. R. Pereira de Almeida; A. J. da Costa Ferreira; F. Xavier Pires; José C. Gomes; Presidente marquês de Alegrete; procurador da corôa, José de O. B. Pinto Mosqueira; secretarios, M. J. Nogueira da Gama e M. Moreira de Figueiredo; secretarios substitutos, Coronel F. S. da Costa Refoios; e desembargador J. J. de Mendonça―(Mello Moraes, obra citada).

[60] Mello Moraes, obra citada, pag. 58.

[61] As informações do levante que não tiverem indicação procedem do noticioso Mello Moraes. (Brasil-Reino e Brasil-Imperio, edição 1871, pag. 53 a 58).

[62] Cartas sobre a Revolução do Brasil, (Rev. do Inst Hist. do Brasil, vol. 51).

[63] Herculano considera-o «o grande pensador português do seculo XIX.»

[64] Eis os altos funccionarios indigitados pelos revoltosos á corôa. O Vice-almirante J. da C. Quintella, ministro do reino; o vice-almirante J. J. Monteiro Torres, ministro da marinha e dominios ultramarinos; S. P. Ferreira, ministro da guerra e de estrangeiros; conde de Lousan, D. Diogo de Menezes, presidente do Brasil; bispo capellão-mór, presidente da mêsa da consciencia e ordem; intendente geral da policia, A. Luiz Pereira da Cunha; thesoureiro do real erario, desembargador Sebastião Luiz Tinoco; inspector dos estabelecimentos litterarios, J. da Silva Lisboa; director do banco do Brasil pela fazenda real, J. R. Pereira de Almeida; chefe de policia, J. de Oliveira Barbosa; presidente da junta do commercio, visconde de Asseca; general das armas, o brigadeiro Carlos Frederico Caula. (Mello Moraes, Brasil-Reino e Brasil-Imperio).

[65] Mello Moraes. Brasil-Reino e Brasil-Imperio.

[66] Oliveira Lima. D. João VI no Brasil.

[67] Mello Moraes. Brasil-Reino e Brasil-Imperio.

[68] Vida do Duque de Palmella, por Maria Amalia, vol. 1.º.

[69] Silvestre Pinheiro. Cartas sobre a revolução do Brasil. (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 51, anno 1888).

[70] Maria Amalia. Vida do duque de Palmella.

[71] Mello Moraes. Brasil-Reino e Brasil-Imperio.

[72] Mello Moraes. Brasil-Reino e Brasil-Imperio.

[73] Cartas sobre a revolução do Brasil. (Rev. do Inst. Hist do Brasil, vol. 51).

[74] Decreto de 21 de abril de 1821 (Documentos para a historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º).

[75] Decreto de 22 de abril de 1821. (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º).

[76] Moreira de Azevedo―O Rio de Janeiro, 2.º vol. (Praça do Commercio).

[77] Sobre os acontecimentos de 26 de fevereiro e 21 de abril consultamos: Silvestre Pinheiro, cartas sobre a revolução do Brasil (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 51); Mello Moraes―Brasil-Reino e Brasil-Imperio, e Independencia do Brasil―Astro da Lusitania de 14 de agosto de 1821―Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 27―(memoria de uma testemunha presencial).

[78] Silvestre Pinheiro. Cartas sobre a Revolução do Brasil, (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 51, pag. 327-28).

[79] Armitage―Historia do Brasil de 1808 a 1831.

[80] Alberto Pimentel―A ultima côrte do absolutismo em Portugal.

[81] Luiz do Rego e a posteridade (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 24).

[82] Maria Amalia―Vida do duque de Palmella.

[83] Correio Brasiliense, março de 1818, vol. 20.

[84] Rev. do Instituto Historico do Brasil, vol. 2, pag. 98.

[85] Mello Moraes. Brasil-reino e Brasil-imperio.

[86] Mello Moraes. Brasil-reino e Brasil-imperio―e Rev. do Inst. Historico do Brasil (tomo especial do centenario da imprensa).

[87] Correio Brasiliense de nov. 1817, vol. 19.

[88] Palmella―Despachos e correspondencia.

[89] Silvestre Pinheiro―Cartas sobre a revolução do Brasil. (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 51).

[90] Pessoas e cousas do Brasil reproduzido sem escripto de André P. Lacerda Werneck (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 61).

[91] Ensaio economico de J. J. da C. Azevedo Coutinho, edição de 1815.

[92] Mello Moraes―Brasil-Reino e Brasil-Imperio.

[93] Astro da Lusitania de 2 de agosto de 1821 (correspondencia do Rio de 29 de maio).

[94] Apontamentos de Drummond reproduzidos no artigo «Pessoas e Cousas do Brasil» (Rev. do Inst. Hist. vol. 61).

[95] Foi um dos rarissimos amigos de Pombal, que o não desampararam na desgraça e «não trepidou de lhe honrar as exequias com a pompa do báculo» (O marquez de Pombal e a sua épocha de Lucio de Azevedo).

[96] Sobre Villela Barbosa, vêr a Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 9; sobre D. Francisco de Lemos a mesma Rev. vol. 2, e sobre D. J. de Azevedo Coutinho a mesma revista volumes 1 e 7.

[97] Astro da Lusitania de 31 de julho de 1821 (correspondencia do Rio de Janeiro).

[98] Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 58.

[99] Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 33.

[100] José Liberato―Memorias.

[101] Regulamento eleitoral de 22 de novembro 1820 (Documentos para a historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º, pag. 108.)

[102] Astro da Lusitania de 2 de agosto 1821 (Correspondenciado Rio).

[103] Pereira da Silva―Hist. da fundação do Imperio brasileiro, vol. 5.º (Proclamação da regencia de 3 de junho).

[104] Carta de D. Pedro de 17 de Julho (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º, pag. 243).

[105] Mello Moraes. Brasil-reino e Brasil-imperio, edição 1871).

[106] Carta de D. Pedro de 8 de junho (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes vol. 1.º).

[107] Decreto de 5 de junho de 1821. (Brasil-Reino e Brasil-Imperio de Mello Moraes).

[108] Compuseram a junta: Marianno J. Pereira da Fonseca; o bispo capellão-mór; J. de Oliveira Barbosa; J. C. Ferreira de Aguiar; J. de Oliveira Alves; J. J. Pereira de Faro; S. Luiz Tinoco; P. J. Fernandes Barbosa, e M. Pedro Gomes (Mello Moraes―Brasil-Reino e Brasil-Imperio).

[109] Carta citada de D. Pedro de 8 de junho (Documentos para a historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º).

[110] Diario das Côrtes Geraes, sessão de 27 de novembro 1821, pag. 3242.

[111] O campeão em Londres de 1.º de agosto de 1819.

[112] Mello Moraes―Brasil-Reino e Brasil-Imperio, edição 1871 pag. 189.

[113] O campeão em Londres de 16 de novembro de 1819.

[114] O campeão em Londres de outubro de 1819.

[115] O Campeão em Londres de junho de 1820.

[116] Silvestre Pinheiro―Cartas sobre a revolução do Brasil. (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 51).

[117] Astro da Lusitania de 9 de agosto de 1821.

[118] Mello Moraes―Brasil-Reino e Brasil-Imperio.

[119] Luiz do Rego―Memoria justificativa, pag. 37.

[120] Sess. de agosto de 1822. (Diario das Côrtes Geraes).

[121] Moniz Tavares―Revolução de Pernambuco de 1817. (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 60).

[122] Moniz Tavares―A revol. em Pernambuco em 1817. (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 60).

[123] Luiz do Rego―Memoria justificativa. (Documentos).

[124] Sess. de 3 de fevereiro de1821. (Diario das Côrtes Geraes).

[125] Carta de D. Pedro a D. João VI de 19 de junho de 1822 (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 358).

[126] Silvestre Pinheiro―Cartas sobre a revolução do Brasil (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 51).

[127] Sess. de 28 de julho de 1821 (Diario das Côrtes Geraes).

[128] Sess. 23 e 25 de agosto 1821 (Diario das Côrtes Geraes, pag. 1998).

[129] Sess. 164 de 30 de agosto de 1821. (Diario das Côrtes Geraes).

[130] Sess. 165 de 31 de agosto de 1821. (Diario das Côrtes Geraes).

[131] Luiz do Rego―Memoria justificativa.

[132] Sess. 165 de 31 de agosto de 1821. (Diario das Côrtes Geraes, pag. 2109).

[133] Reduzida a revolta, o desgraçado, frustrada a tentativa de envenenamento, estrangulou-se com uma corda.

[134] Sess. 165 de 31 de agosto de 1821. (Diario das Côrtes Geraes, pag. 2109).

[135] Sess. 10 de setembro de 1821. (Diario das Côrtes Geraes, pag. 2205).

[136] Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 6.

[137] Contava 86 annos, pois nascêra em 1735. (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 2).

[138] Officio da junta da Bahia de 20 de junho de 1821. (Mello Moraes, Brasil-reino e Brasil-Imperio).

[139] Sess. 17 de setembro 1821 (Diario das Côrtes Geraes).

[140] Sess. 11 de setembro 1821 (Diario das Côrtes Geraes, pag. 2219).

[141] Officio da junta do Pará na sessão de 10 de setembro de1821 (Diario das Côrtes Geraes, pag. 2206).

[142] Sess. de 19 setembro de 1821. (Diario das Côrtes Geraes, pag. 2326-2329).

[143] Sess. 179 de 19 de setembro 1821. (Diario das Côrtes Geraes, pag. 2329).

[144] Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º.

[145] Correio Brasileirense de outubro de 1821, vol. 27.

[146] Representação do commercio de 20 de março de 1821 (Mello Moraes―Brasil-Reino Brasil-Imperio).

[147] Salvo S. Paulo, do que, porém, se não teve conhecimento nas Côrtes senão em 9 de outubro. A junta da Bahia com o fundamento de que ao congresso e não ao ao monarcha competia a nomeação, terminantemente não se submetteu á auctoridade de D. Pedro, declaração aclamada na assembléa constituinte em sendo ahi conhecida em 7 de agosto. (Mello Moraes―Brasil-Reino e Brasil-Imperio, officio da junta da Bahia; Sousa Monteiro, Historia de Portugal, sessão 19).

[148] Moura, sess. de 6 de julho 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º. pag. 718).

[149] Carta de D. Pedro de 17 de julho 1821 (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 6.º. pag. 243-245).

[150] Correio Brasiliense de nov. 1821, vol. 27.

[151] Fernandes Thomaz, sess. 180 de 20 de setembro, 1821 (Diario das Côrtes Geraes).

[152] Rebello―Sess. 180 de 20 de setembro 1821 (Diario das Côrtes Geraes).

[153] Moniz Tavares―A revolução em Pernambuco em 1817. (Rev. do Inst. do Brasil, vol. 60).

[154] Revista do Inst Hist. do Brasil, vol. 9 (Biographia do Marquês de Paranagua).

[155] Sess. de 16 de outubro 1821 (Diario das Côrtes Geraes).

[156] Astro da Lusitania de 22 de outubro de 1821 e Correio Brasiliense, n.º 162 vol. 27.

[157] Sess. 16 de outubro 1821 (Diario das Côrtes Geraes).

[158] Terceiro interrogatorio de Francisco de Paulo (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 31).

[159] Moniz Tavares―A revolução em Pernambuco em 1817 (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 60).

[160] Joaquim Nabuco―Um estadista do Imperio, vol. 1.º.

[161] Macedo―Anno biographico.

[162] Correio Brasiliense de novembro 1821 vol. 27.

[163] Accordam da Relação de 27 de outubro 1821 (Correio Brasiliense de dezembro de 1821, n.º 163 vol. 27).

[164] Moniz Tavares―A revolução em Pernambuco em 1817 (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 60).

[165] Moniz Tavares e Ferreira da Silva. Sess. de 18 de outubro de 1821. (Diario das Côrtes Geraes).

[166] Sess. de 18 de outubro de 1821. (Diario das Côrtes Geraes).

[167] Voz cavernosa e sepulchral qualifica o conselheiro Francisco Gomes da Silva, o chalaça. (Memoria offerecida á nação brasileira, edição 1831).

[168] Bancroft―Historia dos Estados-Unidos.

[169] Oliveira Lima―D. João VI no Brasil, capitulo 27, pag. 102.

[170] Luiz do Rego―Memoria justificativa.

[171] Sess. 218 de 6 de novembro de 1821. (Diario das Côrtes Geraes, pag. 2958).

[172] Sess. 223 de 12 de novembro de 1821. (Diario das Côrtes Geraes, pag. 3045).

[173] Miranda, Freire e Bettencourt. (Diario das Côrtes Geraes, sess. 223 de 12 de novembro) e Miranda, sessão 225 de 14 de novembro. (Diario das Côrtes Geraes, pag. 3046).

[174] Margiocchi, Moura e Fernandes Thomaz, sess. 225 de 14 de novembro. (Diario das Côrtes Geraes, paginas 3075, 3078 e 3079).

[175] Sess. 119 de 5 de julho de 1821. (Diario das Côrtes Geraes, pag. 1450).

[176] Decreto de 7 de dezembro de 1821 e Correio Brasiliense n.º 164 de janeiro 1822 (vol. 27).

[177] Sess. 225 de 14 de novembro de 1821 (Diario das Côrtes Geraes, pag. 3075).

[178] Sess. 223 e 225 de 12 e 14 de novembro (Diario das Côrtes Geraes).

[179] Sess. 223 de 12 de novembro (Diario das Côrtes Geraes, pag. 3048) Vasconcellos na sessão de 14 de novembro exprimiu-se com a mesma franquêsa.

[180] Sess. 225 de 14 de novembro (Diario das Côrtes Geraes, pag. 3079).

[181] Sess. 229 de 19 de novembro. (Diario das Côrtes Geraes, pag. 3389).

[182] Sess. 251 de 15 de dezembro. (Diario das Côrtes Geraes, pag. 3420).

[183] Sess. 248 de 12 de dezembro. (Diario das Côrtes Geraes, pag. 3389).

[184] Anno biographico, 4 de abril.

[185] Sess. de 18 de março e 22 de abril de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º, paginas 538 e 907).

[186] Macedo―Anno biographico, 2 de junho.

[187] Elogio historico. (Rev. do Inst. Hist. do Brasil vol. 4, supplemento). Mello Moraes (Brasil-Reino e Brasil-Imperio) define-o: um sabio de grande modestia.

[188] Sess. de 20 de julho de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 883).

[189] Sess. 252 de 17 de dezembro de 1821 (Diario das Côrtes Geraes, pag. 3440).

[190] Bases da constituição de 10 de março de 1821 (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 165).

[191] Miranda―sess. 254 de 19 de dezembro de 1821 (Diario das Côrtes Geraes, pag. 3475).

[192] Sess. 254 de 19 de dezembro de 1821 (Diario das Côrtes Geraes, pag. 3475).

[193] Sess. 254 de 19 de dezembro de 1821 (Diario das Côrtes Geraes).

[194] Sess. 103 de 15 de junho de 1821 (Diario das Côrtes Geraes, pag. 1214).

[195] Sess. 180 de 20 de setembro de 1821 (Diario das Côrtes Geraes, pag. 2334). Moura disse então: Aqui não somos representantes das provincias senão da nação inteira: eu sou tanto representante do Rio de Janeiro como os do Brasil são de Portugal e de qualquer das suas provincias.

[196] Trigoso, sess. de 28 de junho de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, vol. 6.º pag. 611).

[197] Carta de D. Pedro de 17 de julho (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 243).

[198] Sess. 255 de 20 de dezembro de 1821 (Diario das Côrtes Geraes, pag. 3484).

[199] Sess. 255 de 20 de dezembro de 1821 (Diario das Côrtes Geraes, pag. 3484).

[200] Sess. 261 de 29 de dezembro (Diario das Côrtes Geraes, pag. 3542).

[201] Sess. 261 de 29 de dezembro (Diario das Côrtes Geraes, pag. 3543).

[202] Sess. 179 de 19 de setembro de 1821 (Diario das Côrtes Geraes, pag. 2329).

[203] Sess. 261 de 29 de dezembro de 1821 (Diario das Côrtes Geraes, pag. 3543).

[204] Sess. 261 de 29 de dezembro (Diario das Côrtes Geraes, pag. 3544).

[205] Sessão citada 261 de 29 de dezembro.

[206] Correio Brasiliense n.º 165 de fevereiro de 1822 (vol. 27).

[207] Sess. de 28 de maio de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 290).

[208] Sess. de 31 de janeiro de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º, pag. 60).

[209] Mello Moraes―Brasil-Reino e Brasil-Imperio―,e Antonio Carlos, sess. de 27 de abril de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 991).

[210] Sess. de 4 de fevereiro de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 82).

[211] Sess. de 26 de março e 7 de maio de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 621 e tomo 6.º pag. 79).

[212] Correio Brasiliense n.º 164 de janeiro de 1822 (vol 27) e Mello Moraes―Brasil-Reino e Brasil-Imperio.

[213] Sess. 270 de 10 de janeiro de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 3655).

[214] Sess. de 25 de fevereiro de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º, pag. 301).

[215] Sess. 270 de 10 de janeiro de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, pag. 3656).

[216] Mello Moraes―Brasil-Reino e Brasil-Imperio.

[217] Correio Brasiliense, de dezembro 1821 (vol. 27).

[218] Carta de D. Pedro a el-rei de 4 de outubro de 1821 (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes vol. 1.º)

[219] Carta de D. Pedro a el-rei de 9 de outubro de 1821 (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 2.º pag. 257).

[220] Sess. 269 de 9 de janeiro de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, pag. 3639).

[221] Sess. 122 de 9 de julho de 1821 (Diario das Côrtes Geraes, pag. 1474).

[222] Sess. 223 de 12 de novembro 1821 (Diario das Côrtes Geraes, pag. 3047).

[223] Arriaga―A revolução de 1820.

[224] Borges Carneiro.

[225] Carta de 17 de julho de 1821 (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º).

[226] Moniz Tavares―A revolução em Pernambuco em 1817 (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 60).

[227] Interrogatorio 6.º (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 30).

[228] Elogio por Pereira Pinto (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 11).

[229] Silva Maia―José Bonifacio (Rev. do Inst. Hist do Brasil, vol. 3).

[230] Mello Moraes―Brasil-reino e Brasil-Imperio.

[231] Macedo―Anno Biographico.

[232] Carta de D. Pedro a D. João VI de 9 de novembro 1821. (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes).

[233] Sess. 9 e 13 de fevereiro de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, vol 5.º pag. 138 e 172).

[234] Sess. de 13 de fevereiro de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 183). A materia occupou as sessões de 9, 11 e 13 de fevereiro.

[235] Olegario H. de Aquino e Castro. Biographia de M. J. do Amaral Gurgel. (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 41).

[236] Instrucções aos deputados de S. Paulo de 9 de outubro de 1821. (Mello Moraes, Brasil-reino e Brasil-imperio, edição 1871 pag. 84).

[237] Castello Branco, sess. de 4 de julho de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, vol. 6.º, pag. 661).

[238] Art. 158 do projecto de constituição. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º, pag. 14).

[239] Sess. de 31 de janeiro de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º, pag. 63).

[240] Diario das Côrtes Geraes, vol. 5.º, pag. 394.)

[241] Sess. de 4 de fevereiro e de 11 e 15 de julho de 1822. (Diario das Côrtes Geraes).

[242] Memoria justificativa de Luiz do Rego e Correio Brasiliense de fevereiro de 1822, (vol. 27).

[243] Sess. 271 de 11 e 275 de 16 de janeiro de 1822 (Diario das Côrtes Geraes). Os paulistas não faziam ainda parte do congresso.

[244] Sess. de 25 de fevereiro de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 292).

[245] Sess. de 20 de fevereiro de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 246).

[246] Sess. de março de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 348, 353).

[247] Sess. 180 de 20 de setembro 1821 (Diario das Côrtes Geraes, pag. 2334).

[248] Sess. 254 de 19 de dezembro 1821 (Diario das Côrtes Geraes, pag. 3474).

[249] Sess. de 6 de março de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 378).

[250] Sess. de março 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5 pag. 379).

[251] Sess. de 6 de março de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 382).

[252] A respeito das attribuições dos commandantes das armas, consultar a excellente obra de Fernandes Thomaz, Indice alphabetico das leis extravagantes.

[253] Lino Coutinho, sess. 9 de março de 1822 (Diario das Côrtes Geraes. Tomo 5.º pag. 421).

[254] Sess. 9 de março citada.

[255] Sess. de 9 e 11 de março de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 431 e 441).

[256] Sess. 8 de março 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 402).

[257] Cartas do Principe de 14 e 15 de dezembro de 1821 (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 272 e 273).

[258] Sess. de 12 de março de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 446).

[259] Sess. de 12 de março de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 460).

[260] Sess. de 14 de março de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 495).

[261] Cartas sobre a Revolução no Brasil (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol 51).

[262] Cartas sobre a revolução do Brasil. (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 51).

[263] Sess. de 14 de junho de 1821. (Diario das Côrtes Geraes, pag. 1209).

[264] Sess. 255 de 20 de dezembro de 1821 e de 4 e 3 de março de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, pag. 3478 e tomo 5º, pag. 347 e 465).

[265] Sess. de 18 de março de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º, pag. 575).

[266] Cartas de 30 de dezembro e 2 de janeiro (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 276).

[267] Mello Moraes―Brasil-reino e Brasil-imperio.

[268] Segundo Mello Moraes escreveu a representação José Bonifacio (Brasil-reino e Brasil-imperio).

[269] Moura, Castello Branco, Feio, Miranda e Fernandes Thomaz (Diario das Côrtes Geraes, sess. de 22 de março de 1822).

[270] Xavier de Araujo―Revelações e memorias.

[271] Sess. 5 de abril 1821 (Diario das Côrtes Geraes, pag. 484).

[272] Sess. de 22 de março de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 583). Rebello da Silva. Varões illustres e Xavier de Araujo―Revelações e Memorias.

[273] Sess. de 23 de março de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º, pag. 592).

[274] Sess. de 23 de março de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º, pag. 597).

[275] Sess. citada. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º, pag. 602).

[276] Sess. de 20 e 25 de fevereiro de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 242 e 293).

[277] Sess. de 23 de março de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 598).

[278] Sess. de 23 de março de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 604).

[279] Sess. de 23 de março (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 604).

[280] Sess. citada (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 591 e 615).

[281] José d'Arriaga―Historia da revolução de 1820. (Vol. 4.º, pag. 42).

[282] Sousa Monteiro―Historia de Portugal, secção 20.

[283] Borges de Barros, sess. de 22 de março de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 583).

[284] Biographia de Jannuario da Cunha Barbosa (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 65).

[285] Astro da Lusitania de 10 de abril de 1822 e discurso de Vergueiro, sess. citada de 23 de março de 1822.

[286] Sess. 6 de 3 de fevereiro de 1821. (Diario das Côrtes Geraes, pag. 24).

[287] Bettencourt, Pessanha e Borges Carneiro. (Sess. de 12 a 31 de janeiro de 1821).

[288] Parecer da commissão especial. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º, pag. 531).

[289] Galeria dos deputados das Côrtes Geraes.

[290] Relatorio de Fernandes Thomaz, sess. 7 de 6 de fevereiro 1821; sess. 2 de abril 1822 (Diario das Côrtes Geraes, pag. 35 vol. 1.º e pag. 705 do vol. 5.º).

[291] Ferreira Borges―sess. 2 de abril 1822 (Diario das Côrtes Geraes tomo 5, pag. 702).

[292] Sess. de 1, 2 e 9 de abril 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 685-728).

[293] J. Accurcio das Neves. Memoria sobre os meios de melhorar a industria portuguêsa (Lisboa, 1820).

[294] Soares Franco e Antonio Carlos, sess. 27 de abril 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 980).

[295] Antonio Carlos, sess. 15 de abril 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º 807).

[296] Sess. 15 e 27 de abril 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 807 e 978 e 989).

[297] J. Accursio das Neves―Memoria sobre a industria portuguêsa, e Soares Franco, sess. de 30 de agosto de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 301).

[298] J. Accursio das Neves―Memoria sobre a industria portuguêsa.

[299] Relatorio de Fernandes Thomaz. Sess. 7.ª de 5 de fevereiro de 1821. (Diario das Côrtes Geraes, pag. 36).

[300] Sess. de 14 de maio de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 157 a 159.

[301] Zefirino dos Santos, sess. de 17 de julho de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 850).

[302] Sess. de 17 de julho de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 848).

[303] Sess. 17 de Julho 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 850).

[304] Sess. 17 de julho de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag, 852).

[305] Sess. 27 de agosto 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 262).

[306] Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 435).

[307] Arriaga―Revolução de 1820, vol. 1.º, pag. 660.

[308] Sess. 26 de setembro de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 568-574.

[309] Sess. 15 de abril 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 795 e 803.)

[310] Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 803.

[311] Carta de Antonio Carlos (Diario do Governo de 17 de abril 1822; Fernandes Pinheiro memorias; e Sousa Monteiro, Historia de Portugal).

[312] Pereira da Silva assignala a excellencia da voz e a majestade do gesto de Antonio Carlos. (Memorias do meu tempo).

[313] Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 807.

[314] Sess. de 18 de abril de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 850 e 854).

[315] Diario do Governo de 17 de abril e Diario das Côrtes Geraes, (tomo 5.º pag. 853).

[316] Memorias (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 37).

[317] Sess. de 18 de abril de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 850).

[318] Sousa Monteiro―Historia de Portugal, secção 20.

[319] Sess. de 18 de abril de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 854).

[320] Sess. 18 e 23 de abril. (Diario das Côrtes, tomo 5.º, pag. 852, 855 e 929).

[321] Borges Carneiro e Moura. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º, pag. 850 e 851).

[322] Castello Branco, sess. de 25 de abril de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 594).

[323] Sess. de 25 de abril de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 954).

[324] Sess. de 27 de abril de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 989).

[325] Sess. 1.º de abril 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 677).

[326] Sess. 18 de abril 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 855).

[327] Sess. citada de 18 de abril.

[328] Sess. 9 de abril 1822 (Diario das Côrtes Geraes. tomo 5.º pag. 721). As informações sobre D. Romualdo foram escolhidas na sua biographia. (Rev. do Inst. Hist. do do Brasil, vol. 3.º).

[329] Sess. de 3 de maio 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 53).

[330] Memorias do Espirito Santo por Braz da Costa Rubim (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 24).

[331] Regulamento eleitoral de 22 de novembro de 1820 (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 108) e sess. de 16 de abril de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 824).

[332] Sess. de 16 de abril de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 824).

[333] Sess. de 22 de abril de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 914) e Annaes de Goyaz (Rev. do Inst. Hist do Brasil, vol. 27).

[334] Correio Brasiliense de março e abril de 1822 (vol. 28).

[335] Sess. 27 de abril 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 978).

[336] Mello Moraes―Brasil-reino e Brasil-imperio e, principalmente, Oliveira Lima―D. João VI no Brasil. Excellente obra pela copia de noticias como pelo senso critico.

[337] Sess. de 30 de abril e 2 de maio 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 1020 e tomo 6.º pag. 17).

[338] Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 978.

[339] Correio Brasiliense de Junho de 1822 (vol. 28).

[340] Sess. de 30 de abril de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 1021).

[341] Annaes da Provincia de Goyaz (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 27).

[342] Folha redigida por Barata em 1831 e 1832.

[343] Diario das Côrtes Geraes tomo 5.º pag. 1014.

[344] Trigoso, sess. 30 de abril 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 1017).

[345] Pinto da França, sess. citada (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 1015).

[346] Fernando Pinheiro. Memorias (Revista do Inst. Hist. do Brasil, vol. 37.) e sess. 2 de maio 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 39).

[347] Sess. 4 de maio 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 65).

[348] Sess. 15 de maio (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 167-172).

[349] Sess. 10 de maio 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 135).

[350] Sess. de 25 de junho 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 553).

[351] Sess. 29 de abril de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 1010). É a conspiração da rua Formosa. (Souza Monteiro. Historia de Portugal, secção 20 e Arriaga―Hist. da Rev. de 1820, vol. 3.º, pag. 574).

[352] Discurso de José Bonifacio a D. Pedro, e carta d'este a D. João VI de 2 de fevereiro de 1822. (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º, pag. 300 e 285).

[353] Bancroft―Historia dos Estados-Unidos.

[354] Sess. de 20 de maio de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 201).

[355] Sess. de 9 de maio de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, vol. 6.º, pag. 109).

[356] Depoimento de B. J. Teixeira. (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 38, pag. 159); e Revolução do Ceará (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 29, pag. 255-262).

[357] A revolução de 1817. (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 60).

[358] Fernandes Pinheiro―Memorias, (Rev. do Inst. do Brasil, vol. 37).

[359] Sess. de 21 de maio de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 203-215).

[360] Sess. de 23 de maio de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 249).

[361] Correio Brasiliense de junho de 1822 (vol. 20) e Fernandes Pinheiro―Memorias (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 37).

[362] Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 221 e 248.

[363] Correio Brasiliense.

[364] Sess. 22 de maio 1822 (Diario das Côrtes Geraes, vol. 6.º pag. 248).

[365] Fernandes Pinheiro―Memorias―(Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 37).

[366] Correio Brasiliense de junho de 1822 (vol. 28).

[367] O Campeão português em Lisboa, n.º 8 de 25 de maio de 1822 (vol. 1.º).

[368] Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 256.

[369] O Rio de Janeiro nomeou procuradores o dr. José Marianno de Azevedo Coutinho e Joaquim Gonçalves Ledo, o notavel redactor do Reverbero.

[370] Considera-o assim, porque devolve ao povo a nomeação de um corpo que nas monarchias constitucionaes deve ser escolhido pelo poder executivo (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 603).

[371] Officio do ministro da guerra, sessão 28 de maio 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 289).

[372] Officio de Maximiliano de Sousa (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 302).

[373] Protesto dos commandantes (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 313).

[374] Carta de 14 de maio de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 313).

[375] Carta de 19 de março (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 313).

[376] Notavel representação da camara do Rio ao Congresso (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 285).

[377] Representação da camara do Rio e fala da deputação de Minas Geraes ao regente, (Diario das Côrtes Geraes, vol. 6.º pag. 283).

[378] Sess. de 29 de maio de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 313-316).

[379] § 1.º do artigo 159 da constituição (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 428.)

[380] Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 425.

[381] Sess. de 10 de abril de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 753).

[382] Revolução em Pernambuco de 1817 (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 60).

[383] Sess. de 12 de junho de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 433).

[384] Sess. de 20 de junho 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 515).

[385] Sess. 22 e 25 de junho 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 541 e 556).

[386] Sess. 26 de junho 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 573).

[387] Capitulo XIII.

[388] Sess. 23 de março (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 611).

[389] Sess. 29 de março (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 670).

[390] Fernandes Pinheiro―Memorias. (Rev. do Inst Historico do Brasil, vol. 36).

[391] Sess. 15 e 25 de abril 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 855 e 954).

[392] Sess. de 7 de junho 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 360).

[393] J. C. Augusto de Oeynausen, presidente; José Bonifacio, vice-presidente; Martins Francisco; Lazaro José Gonçalves; M. J. de Oliveira Pinto; Manuel Rodrigues Jordão; F. J. de Sousa e Queiroz; J. F. de Oliveira Bueno; A. Leite Pereira da Gama Lobo, Daniel P. Múller; André da Silva Gomes; F. de Paulo e Oliveira.

[394] José Bonifacio e Antonio L. P. da Gama Lobo, deputados pelo governo e camara; José Arouche de Toledo Rendon, deputado pela camara, e o padre Alexandre Gomes de Azevedo deputado pelo clero.

[395] É a representação de 1.º de janeiro. Juntamente com o bispo a assignaram o cabido da Sé, e o clero do bispado por seu procurador o padre A. Gomes de Azevedo.

[396] Carta do principe de 15 de fevereiro 1822 (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 304). Eram 13: Antonio Felix da Costa; Belchior Pinheiro de Oliveira; Domingos Alves Macedo; Francisco de Paula Pereira Duarte; Jacintho Furtado de Mendonça; J. Gomes da Silveira; J. C. de Miranda Ribeiro; J. Custodio Dias; J. Eloy Ottini; J. de Rezende Costa; L. A. Monteiro de Barros; Lucio José Soares; Manuel J. Velloso. Substitutos: M. Rodrigues Jardim; B. Carneiro Pinto; José Joaquim da Rocha e Carlos J. Pinheiro (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 126).

[397] Sess. de 29 de julho 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 965).

[398] Sess. 17 de junho 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 458).

[399] Discurso de J. Clemente (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 292).

[400] Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 393.

[401] Correio Brasiliense n.º 169 de junho 1822 (vol. 28).

[402] Vergueiro, sess. 1.º de julho 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 628).

[403] Sousa Monteiro. Historia de Portugal, secção 20.

[404] Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 577.

[405] Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 580.

[406] Art. 24. «A lei é a vontade dos cidadãos declarada pelos seus representantes juntos em Côrtes. Todos os cidadãos devem concorrer para a formação da Lei.» (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º, pag. 65).

[407] Sess. de 27 de junho de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 588.

[408] Barreto Feio.

[409] Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 590.

[410] Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 445.

[411] Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 609.

[412] [Nota de editor: ausência de nota para esta referência].

[413] Sess. 28 de junho 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 600).

[414] Sess. de 1 de julho de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 635).

[415] Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 626.

[416] Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 640.

[417] Sess. de 1 de julho de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 643).

[418] Referia-se a Inglaterra descontente com a disposição das Côrtes de fazer no Brasil tarifas contrarias aos interesses della.

[419] Sess. de 1 de julho de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 645).

[420] Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 653.

[421] Bancroft. Historia dos Estados Unidos.

[422] Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 657 e decretos de 24 de julho 1822 (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 350-351).

[423] Sess. de 23 de maio de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 256).

[424] Sess. de 25 de maio de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 277).

[425] Sess. de 17 de junho de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 465).

[426] Villela Barbosa. Sess. de 26 de junho. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 567).

[427] Fernandes Pinheiro, sess. de 3 de julho. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 674).

[428] Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 567.

[429] Sess. de 3 de julho. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 683).

[430] Antonio Carlos, sess. 26 de junho 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 560).

[431] Sess. 3 de julho 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 677).

[432] Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 562.

[433] Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 559.

[434] Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 691.

[435] Cartas sobre a Revolução no Brasil (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 51).

[436] Oliveira Martins―O Brasil e as colonias.

[437] Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 699.

[438] Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 702 e 703.

[439] Sess. de 3 de julho de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 675).

[440] Sess. de 4 de julho de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 703).

[441] Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 703.

[442] Sess. de 2 de julho de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 662).

[443] Sess. citada (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 662).

[444] Sess. de 6 de julho de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 718).

[445] Sess. citada (Diario das Côrtes Geraes, vol. 6.º pag. 719).

[446] Sess. 8 de julho 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 731).

[447] Sess. 5 de julho 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 710)

[448] Trigoso, sess. 6 de julho (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 715).

[449] Sess. de 5 de julho. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 712).

[450] Sess. de 6 de julho. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 722).

[451] Carta do principe de 28 de abril de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 767).

[452] Capitulo XIII.

[453] Sess. de 2 de julho de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 659).

[454] Sess. de 20 de julho de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 579).

[455] Sess. 29 de abril 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 994).

[456] Sess. 8 de julho 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 730).

[457] Sessão de 8 e 15 julho 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 739 e 820).

[458] Sess. 20 de julho 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 880).

[459] Sess. 20 de julho 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 884).

[460] Discurso de J. Bonifacio ao regente em 26 de janeiro (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 300).

[461] Discurso do vice-presidente de Minas em 15 de fevereiro (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 305).

[462] Ceará, Alagoas e Espirito Santo, sess. de 29 de abril, 7 de maio e 3 de julho (Diario das Côrtes Geraes).

[463] Sess. de 29 de abril e 16 de julho de 1822 (Diario das Côrtes Geraes).

[464] Sess. de 29 de janeiro de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 29).

[465] Sess. de 10 de abril de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 749).

[466] Correio Brasiliense de janeiro de 1822, (vol. 27).

[467] Sess. de 11 de julho de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, vol. 6.º, pag. 770).

[468] Sess. de 22 de agosto de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 204).

[469] Sess. 22 de julho 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 892-893).

[470] Sess. 26 de junho 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 574).

[471] Sess. de 22 de julho de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 889 e 905).

[472] Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 923.

[473] Sess. de 6 de julho. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 723) e Fernandes Pinheiro―Memorias―(Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 37).

[474] Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pags. 567 e 684.

[475] Sess. de 13 de fevereiro. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º, pag. 179).

[476] Votou pelo regresso immediato de D. Pedro (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 659, sess. de 1 de julho de 1822).

[477] Sess. de 7 de agosto 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 72).

[478] Sessão de 2 de agosto (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 19).

[479] Serpa Machado, Miranda, bispo do Pará, sess. 7 de agosto 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 73 e 83).

[480] Borges Carneiro, Soares Franco e Leite Lobo, sess. citada.

[481] Antonio Carlos e Villela Barbosa, sess. citada.

[482] Sess. de 7 de agosto de 1822. (Diario das Côrtes Geraes).

[483] Sess. de 7 de agosto de 1822. (Diario das Côrtes Geraes).

[484] Hendelman, citado na magnifica obra de Oliveira Lima―D. João VI no Brasil.

[485] Miranda e Fernandes Thomaz, sess. 12 de agosto (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 733).

[486] Sess. 7 de agosto 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 83).

[487] Sess. de 8 de agosto de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 85-95) e Constituição de 23 de setembro de 1822. (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º).

[488] Sess. de 11 de julho (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 770).

[489] Sess. de 4 de fevereiro. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º, pag. 80).

[490] Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 168, 772 e 843.

[491] Sess. 14 de agosto. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 147).

[492] Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 279.

[493] Diario das Côrtes Geraes, tomo 4.º pag. 235 e tomo 7.º, pag. 158, 168, 833 e 887.

[494] Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 100 e tomo 7.º, pag. 100-115.

[495] Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 216.

[496] Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 172.

[497] Castello Branco Manuel, sess. de 22 de agosto de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 203).

[498] Sess. de 26 de agosto de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 243).

[499] Sess. de 27 de agosto. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 261).

[500] Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 290-291.

[501] Carta de D. Pedro de 19 de julho. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 223).

[502] Officio de 7 de junho. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 225).

[503] Termo de vereação de 15 de julho. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 229).

[504] Carta citada de 19 de junho.

[505] Sess. 27 de agosto (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 281).

[506] Sess. 28 de agosto (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 283).

[507] Sess. 30 de agosto (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 296).

[508] Sess. citada (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 296).

[509] Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 318.

[510] Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 324.

[511] Sess. 11 de setembro 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 411).

[512] Sess. de 14 de setembro (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º, pags. 433 e 434).

[513] Sess. de 16 de setembro de 1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 452).

[514] Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 437.

[515] Sess. de 16 e 17 de setembro (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 453 e 467).

[516] Sess. de 19 de setembro de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 480).

[517] Trigoso, Pinheiro de Azevedo, Van-Zeller, Peixoto, sess. 19 e 20 de setembro. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 480, 502, 507 e 511).

[518] Sess. de 19 de setembro. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 481).

[519] Lino Coutinho, sess. 19 de setembro (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 487).

[520] Sess. citada. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 496).

[521] Sess. 20 de setembro 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 512).

[522] Sess. de 20 de setembro 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 505).

[523] Sess. citada (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 511).

[524] Sess. de 19 de setembro de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 503).

[525] Sess. de 20 de setembro (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 517).

[526] Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 520.

[527] Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 532.

[528] Sess. de 21 de setembro. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 536).

[529] Fernandes Pinheiro, Memorias. (Rev. do Instituto Historico do Brasil, vol. 37).

[530] Sess. de 25 de setembro de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 554) e Fernandes Pinheiro. Memorias (Revista do Instituto Historico do Brazil, vol. 37).

[531] Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º, pag. 388 a 402.

[532] Protesto de Antonio Carlos (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º, pag. 457 a 459).

[533] Sess. 15 de outubro 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 792).

[534] Carta de Barata á Gazeta Pernambucana (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. pag 331).

[535] Lei de 17 de julho de 1822, artigo 52 (Documentos para a Historia das Côrtes geraes, vol. 1.º pag. 331).

[536] Documentos para a Historia das Côrtes geraes, vol. 1.º pag. 497, 503 e 730 a 740.

[537] Lei de 20 de janeiro 1822 (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 585).








Lista de erros corrigidos

Aqui encontram-se listados todos os erros encontrados e corrigidos:


Original Correcção
#pág. 16 substancia, para requerer ... substancia: requerer*
#pág. 21 os ... as*
#pág. 26 o conde ... como o conde*
#pág. 27 lei da ... ter a*
#pág. 28 das ... nas*
#pág. 29 grutas ... grotas*
#pág. 30 os quaes ... o que*
#pág. 32 out'ora ... outr'ora
#pág. 35 illudia ... illudir*
#pág. 38 Rei ... Rio*
#pág. 39 antigos ... artigos*
#pág. 40 troncamento ... truncamento*
#pág. 44 instruida ... instrucção*
#pág. 55 pessoeas ... pessoaes
#pág. 57 officialidade ... officiaes*
#pág. 58 uma ... a*
#pág. 58 novo ... nova
#pág. 73 achava ... achara*
#pág. 75 attrbuições ... atribuições
#pág. 86 1878 ... 1787*
#pág. 113 Respondiam individual e ... Respondiam os seus membros*
#pág. 122 capinias ... capitanias
#pág. 125 imãos ... irmãos
#pág. 127 mãe pai ... mãe patria*
#pág. 131 da da patria ... da patria
#pág. 132 não os differençava senão a ... differençava-os a*
#pág. 134 o qual toma ... o qual torna*
#pág. 139 detestatavam ... detestavam
#pág. 143 1910 ... 1810
#pág. 177 pela morte ou prisão ... com a morte ou a prisão*
#pág. 181 a responsabilidades ... as responsabilidades
#pág. 183 defeferencia ... deferencia
#pág. 186 falculdade ... faculdade
#pág. 193 manisfestado ... manifestado
#pág. 200 opposta ... apposta*
#pág. 207 assignalava ... assignalara*
#pág. 210 deliciava ... se deliciava*
#pág. 212 não admittia ... não a admittia*
#pág. 214 no ... ao*
#pág. 214 contitucionaes ... constitucionaes
#pág. 221 satituação ... situação
#pág. 222 da liberalismo ... do liberalismo
#pág. 222 longiquo ... longinquo
#pág. 227 ar ... as
#pág. 231 sedioso ... sedicioso*
#pág. 232 trasladadação ... trasladação
#pág. 237 bahia ... Bahia
#pág. 241 a mãe patria ... á mãe patria*
#pág. 242 nas vastidão ... na vastidão
#pág. 242 ficavavam ... ficavam
#pág. 246 capitães ... capitaes*
#pág. 251 esperaria ... expiraria*
#pág. 251 motropole ... metropole
#pág. 252 pateuteou ... patenteou
#pág. 252 1590 ... 15%*
#pág. 253 conveniencia ... conveniencias
#pág. 255 causa ... cousa*
#pág. 260 vehemente-do ... vehemente do
#pág. 264 lê-se ... lesse*
#pág. 269 incumbencla ... incumbencia
#pág. 275 septentional ... septentrional
#pág. 275 guyana ... Guyana
#pág. 279 porto ... posto*
#pág. 281 tornou ... tomou
#pág. 284 chegarem ... chegaram
#pág. 287 descontamento ... descontentamento
#pág. 287 é ... não é*
#pág. 288 conhecimento ... desconhecimento*
#pág. 289 prelagia ... prelazia*
#pág. 298 feitas ... feitos
#pág. 298 a ... á
#pág. 300 forem ... fossem*
#pág. 302 Bahia ... bahia*
#pág. 303 custo ... curto*
#pág. 303 aos aos ... aos
#pág. 307 de uso ... uso*
#pág. 308 dedse ... desde
#pág. 310 singularizava ... singularizara*
#pág. 315 acacina-lhes ... acirra-lhes*
#pág. 315 pirncipe ... principe
#pág. 316 El-rei; ... El-rei,*
#pág. 319 accomadadas ... accomodadas
#pág. 322 as ... ás
#pág. 324 commissão ... commoção*
#pág. 324 profundo ... profunda
#pág. 333 vice-presisidente ... vice-presidente
#pág. 337 Presideute ... Presidente
#pág. 337 á rebate ... a rebate
#pág. 337 nos ... nós
#pág. 339 minsitros ... ministros
#pág. 342 lesgislaturas ... legislaturas
#pág. 342 legisluras ... legislaturas
#pág. 349 miserando ... miseranda
#pág. 350 hispo ... bispo
#pág. 355 oraçõas ... orações
#pág. 355 maia ... mais
#pág. 357 do ... de
#pág. 359 probalidades ... probabilidades
#pág. 362 da Norte ... do Norte
#pág. 366 este ... elle*
#pág. 366 Irritara ... Irritava*
#pág. 371 racicinios ... raciocinios
#pág. 376 retrincou ... retrucou*
#pág. 376 Entres ... Entre
#pág. 378 calor ... vigor*
#pág. 382 plae ... pela
#pág. 385 de que um ... de um*
#pág. 388 inconveuiente ... inconveniente
#pág. 391 accesso ... acceso
#pág. 392 ontro ... outro
#pág. 393 causulas ... clausulas
#pág. 398 qnando ... quando
#pág. 402 annnir ... annuir
#pág. 404 categoricamenta ... categoricamente
#pág. 405 potitica ... politica
#pág. 406 que que não ... que não
#pág. 407 foudamental ... fundamental
#pág. 411 moderaração ... moderação
#pág. 412 atrrahir ... attrahir
#pág. 413 desgotar ... desgostar
#pág. 413 a a acceitassem ... a acceitassem
#pág. 413 portugêses ... portuguêses
#pág. 416 portrahir ... protrahir
#pág. 417 utll ... util
#pág. 418 fallam ... faltam
#pág. 418 facto ... pacto
#pág. 418 particuculares ... particulares
#pág. 420 segniute ... seguinte
#pág. 424 cammandante ... commandante
#nota 130 Corte ... Côrtes
#nota 235 O legario ... Olegario
#nota 252 Fernando ... Fernandes
#nota 283 Diaria ... Diario
#nota 290 de de ... de
#nota 297 Accacio ... Accursio
#nota 301 tome ... tomo
#nota 309 Córtes ... Côrtes
#nota 379 428.º ... 428
#nota 414 juiho ... julho
#nota 422 350 1351 ... 350-351
#nota 431 dus ... das
#nota 459 Cortes ... Côrtes
#nota 467 da 1832 ... de 1822
#nota 510 Côrttes ... Côrtes


* correcções feitas com base na errata do próprio livro.

Na errata ainda se lê: "Ha ainda outros erros que, por serem manifestos,
não se assignalam."

Foram adicionadas aspas onde se justificavam e que faltavam devido, ao que penso ter sido, a um lapso tipográfico.

A duplicação de pontuação existente antes e depois das referências,
para notas de rodapé, foram mantidas nos casos em que se verificavam.

Não existe referência no texto para a nota 345, da página 280 deste livro.
Na página 307 deste livro, existem duas referências para a mesma nota
(nota 379), tendo sido mantidas, podendo ser no entanto um erro.
A nota 412 da página 332 está em falta no livro original: mantive o seu local sinalizado, embora não tenha nenhuma nota associada.

A numeração das páginas do índice foi alterada em alguns dos casos,
para estar de acordo com a paginação do texto.