Nota de editor:
Devido à
quantidade de erros tipográficos existentes neste texto,
foram tomadas várias decisões quanto à
versão final. Em caso de dúvida, a grafia foi
mantida de acordo com o original. No final deste livro
encontrará a lista de erros corrigidos.
Rita
Farinha (Mar. 2008)
Os deputados brasileiros
nas Côrtes Geraes de 1821
DO MESMO AUCTOR
D.
João III e os
francêses. (A. M. Teixeira & C.ta,
Lisboa, 1909).
Imprensa Moderna―Porto
Grande Premio na Exposição do Rio de Janeiro de
1908
Subsidios para a Historia do Brasil
Os
Deputados brasileiros
nas
Cortes Geraes de 1821
por
M. E. Gomes de Carvalho
PORTO
Editores: LIVRARIA CHARDRON, de
Lello & Irmão―R.
das Carmelitas, 144
1912
CAPITULO I
SUMMARIO:
Causas da revolução de Portugal
de 1820.―Incerteza sobre o regresso d'el-rei.―Necessidade da
adhesão do Brasil para o exito da
revolução.
Em consequencia da invasão francêsa e da abertura
dos portos do Brasil ás
nações amigas, a miseria no Reino ia em
crescimento assustador. Cada anno assignalava nova
reducção na marinha; augmentava a
importação dos generos de primeira necessidade, a
começar pelo trigo; fechavam-se as fabricas, os productos
vencidos da concorrencia inglêsa no ultramar, e os operarios,
famintos, tornavam-se mendigos ou ladrões. Em 1820 a penuria
attingia o extremo. Exgottado inteiramente, o erario não
pagava aos funccionarios publicos nem restituia os depositos.
Queixavam-se os soldados de que havia oito mezes não
recebiam os soldos, e nem mesmo os compromissos sagrados do monte-pio
eram satisfeitos;
[1]
á miseria ajuntava-se a
humilhação.
Humilhação
[6]
no exercito, onde a presença
de officiaes europeus fazia acreditar na incapacidade do
português para defender só a terra natal;
humilhação em todas as classes, porque a gloriosa
nação se achava reduzida á colonia do
Brasil, constituido o centro da monarchia, por abrigar o soberano.
[2]
O descontentamento geral e o enthusiasmo com que a Hespanha acolheu o
juramento da constituição de Cadiz pelo rei, a 7
de
março de 1820
[3],
induziram os liberaes do Porto, auxiliados
pela guarnição, a se revoltarem em 24 de agosto
contra o absolutismo, com programma verdadeiramente moderado.
Não pregavam a republica nem mesmo a
substituição da monarchia, a despeito de haver o
rei abandonado a nação, em fuga precipitada para
o Brasil; ao contrario, referiam-se a elle com expressões de
respeito, sympathia e dedicação, que certamente
não
merecia o chefe que já não podia justificar a sua
ausencia da patria. Manteriam a religião catholica. O que
queriam era a participação do povo nos
negocios publicos. Nem isso era cousa nova, porquanto outr'ora os
soberanos, por força do direito consuetudinario
[4] ouviam
ácerca dos interesses nacionaes os representantes do clero,
da nobreza e do povo. Era o restabelecimento d'esse fôro,
conculcado pela realeza, com as modificações
adequadas ás idéas do tempo e com as garantias
necessarias
[7]
para não ser de novo
frustado, que, em ultima analyse, se traduziria a
constituição que
os procuradores da nação, convocados pelos
revolucionarios, pretendiam então fazer.
Resoluções tão moderadas e
reivindicação tão justa, defendidas
por homens de moralidade elevada, como os chefes do movimento,
á medida que se divulgavam, iam conquistando os animos e
annullando as velleidades de resistencia manifestadas nos commandantes
das armas de Tras-os-Montes e da Beira
[5].
A regencia, designada por el-rei, que em 2 de setembro reconhecia, em
carta ao soberano, a impossibilidade de defender o regimen por lhe
não inspirarem confiança as tropas da capital, e
a impossibilidade de viver, porque a sublevação
das opulentas provincias do norte tiravam ao governo a fonte mais
copiosa de rendas,
[6]
aos 15 de setembro perdia a
direcção da causa publica, acclamados outros
governadores pelos batalhões e populares reunidos no Rocio.
Estes, de accordo com os chefes da insurreição
portuense, crearam o governo supremo.
Aceita a revolta por todos os angulos do reino com jubilo tal que
desterrava receios de perturbação da ordem, os
novos directores da politica empenharam-se com fervor na
execução do seu programma. Duas
questões levantaram-se, ardentes e inquietadoras: tornaria a
Portugal el-rei ou qualquer pessoa da sua familia? Que acolhimento
[8]
reservaria á nova ordem de cousas o Brasil?
Tornava-se indeclinavel a presença do monarcha,
não só para sanccionar o movimento, mas ainda
para restituir o velho reino á sua
condição de metropole, da qual se achava
despojado por ser governado por prepostos e receber ordens de
além-mar. Assim, um dos primeiros actos do novo governo
é deprecar ao soberano que volva á patria
ou mande alguma pessoa de sua familia, a fim de consolidar a obra da
regeneração
social
[7].
Avultava, comtudo, a desconfiança de que el-rei
não acudiria ao appello. No meado de março, a
imprensa portuguêsa de Londres noticiava que a familia real
assentára fixar-se para todo o sempre no Brasil, e pouco
depois correu voz de que estava imminente a
declaração official
d'aquelle proposito.
[8]
A maneira ambigua por que o soberano respondia á regencia do
reino, ao instar ella pelo seu regresso, robustecia o boato. Na
verdade, D. João recusava-se volver ou mandar um dos filhos
á terra d'onde sahira com terror panico dos
francêses. Sentia-se bem no Brasil, onde «se cria
amado»
[9],
não o torturavam achaques
[10]
e não havia vizinhos
que puzessem em perigo a
[9]
sua segurança. A 12 de outubro de
1820, o brigue «Providencia» tirou-lhe a
quietação com a noticia da revolta portuense,
transmittida pelo governo que o representava em Portugal. Ao mesmo
tempo que o inteirava dos graves acontecimentos, participava-lhe haver
convidado o clero, a nobreza e o povo a se reunirem em
côrtes, e mais uma vez deprecava ao soberano que viesse
[11]. A
resposta do monarcha chegou a Lisboa a 16 de dezembro, quando desde
muitas semanas a
insurreição varrêra do poder o cardeal
patriarcha, o marquês de Borba, o conde de Peniche, o conde
da Feira e Antonio Gomes Ribeiro, delegados do soberano. Depois de
notar a incompetencia da convocação da
assembléa sem o seu
concurso, dizia que elle ou um dos filhos tornaria á antiga
metropole, logo que, encerrado o parlamento e conhecidas as suas
propostas, houvesse certeza de que o real decôro
não corria risco de
affronta
[12].
Se era n'esses termos que o rei respondia aos homens de sua
confiança, racionalmente os revolucionarios não
deviam contar com a sua presença na Europa, tanto mais que o
conde de Palmella, agora em viagem ao Rio, ia lançando nas
terras portuguêsas a que a arribava, Madeira e Bahia, a
idéa de resistencia ao governo de Lisboa, com o fim de
assegurar á corôa a
proeminencia na reconstituição politica da
monarchia
[13].
[10]
Sem embargo do desassocego
gerado pela disposição
do soberano, transparente n'esse documento, os que regiam os destinos
de Portugal julgaram mais acertado deixar ao Congresso, o qual se devia
abrir brevemente, o cuidado de chamar novamente el-rei á
Europa. Demais, da effervescencia dos animos, que a
revolução não podia
deixar de crear nos estados ultramarinos, não era temerario
prevêr a superveniencia de successos capazes de mudar a
inclinação do soberano.
Não era menor a anciedade com que o governo de Lisboa
aguardava o julgamento do Brasil ácerca da
insurreição, julgamento
considerado decisivo da sorte do velho reino. Um dos mais ouvidos
publicistas da época affirmava que, sem o apoio do ultramar
americano, Portugal se expunha a perder a independencia, não
por causa das forças que lhe poderia oppôr a
antiga colonia,
mas pelos auxilios de seus alliados; e, n'essa tremenda conjunctura,
não hesitava em aconselhar a patria a que esquecesse
resentimentos e suffocasse antipathias, para se unir á
Hespanha, a fim de
não continuar a ser «miserrima colonia».
Era um alvitre
desesperado, ponderava, porque perderia assim uma parte da autonomia,
mas «muito custa perder uma perna ou um braço; e
algum
d'elles ou alguma d'ellas tambem ás vezes se perde, quando,
exhaustas todas as esperanças, é de
necessidade perder uma parte para salvar o todo»
[14].
Por mais despropositado que se nos afigure hoje o considerar a
independencia de Portugal subordinada á união com
o Brasil, era todavia
[11]
corrente no tempo e fazia parte da prudencia mais elementar, attentos
os successos politicos da Europa. Na verdade, em consequencia da
alliança de 1815, da santa alliança como lhe
chamam, constituida pelos soberanos da Russia, Austria e Prussia, com o
intuito de assegurar a paz interna nos respectivos Estados e nos
dominios dos principes christãos que viessem adherir a ella,
nenhuma nação estava ao abrigo de uma
invasão d'esses povos, solicitada pelo proprio monarcha para
conter a reivindicação mais legitima dos seus
subditos. No morrer d'esse mesmo anno de 1820, Napoles, por haver
acclamado a constituição
hespanhola e ter constrangido o seu soberano a jural-a, apparelhava-se
para resistir á
irrupção da Austria, delegada da Santa
Alliança. Não devia Portugal temer egual sorte,
caso D. João VI e o Brasil condemnassem a revolta? Se
n'aquelle reino de Italia uma infima minoria capitaneada pelo rei
justificava a aggressão dos alliados contra os liberaes,
muito mais facil seria conseguir a
cooperação armada d'elles contra o velho reino,
firmando-se o soberano na fidelidade dos brasileiros, a qual
testemunharia que os acontecimentos de Portugal procediam de uma
facção victoriosa na secção
menos importante da monarchia.
Consoante as idéas do momento, era portanto
questão vital para o levante o assentimento do ultramar
á nova ordem de cousas, e não podia haver
fórma mais evidente nem mais solemne dessa
adhesão do que mandar elle representantes ás
côrtes. Assim pensa o governo de Lisboa, que solicita o seu
comparecimento no futuro congresso, com phrases commovidas, e no calor
do transporte chega a prometter a todos os ultramarinos, sem
distincção, a mudança da
administração por outra
[12]
que não tenha os gravames e
humilhações do regimen colonial
[15].
Maliciosamente informa um coevo que, pela primeira vez, os
portuguêses da Europa deram aos compatriotas de
além-mar o nome de irmãos
[16].
CAPITULO II
SUMMARIO:
Esperança no apoio do
Brasil.―Começam a chegar novas de
além-mar.―Revolução
no Pará.―Pará provincia de
Portugal.―Adhesão da Bahia.―Divergencias no governo do
Rio.―As côrtes desconfiam d'el-rei.―O decreto de 18 de
abril.―El-rei aceita a revolução.―O enthusiasmo
de Lisboa.
Supposto faltassem noticias do Brasil por occasião da
abertura do Congresso, aos 26 de janeiro de 1821, desde que os negocios
publicos do Reino tomaram aspecto tranquillisador, a
reflexão persuadiu de que o ultramar americano applaudiria a
revolução, adherindo ao governo de Lisboa e
ás Côrtes. Um povo em progresso tende fatalmente a
exigir segurança para as propriedades e as pessoas, a
limitar o arbitrio dos governantes e a tornar a lei mais forte que os
homens, cousas que se não alcançam, se fallece
á nação o direito de fiscalizar os
actos da
administração. Sómente as
populações miseraveis e
refractarias
[14]
á
civilisação, como as
hordas africanas, não pugnam por aquelle direito.
Além d'essa consideração de ordem
geral, havia no reino ultramarino motivos de descontentamento. As
capitanias não tinham protecção contra
as violencias dos capitães-generaes, e diziam os povos que
os melhores d'elles deligenciavam haver dinheiro a todo o,
transe não para o applicar ás necessidades
locaes, mas para remetter ao erario do Rio, por não existir
acto que mais os recommendasse ao favor régio. Demais, a
revolução pernambucana de 1817, acclamada
facilmente por todo o extenso territorio de Pernambuco, o qual
então comprehendia Alagoas, e aceita com enthusiasmo na
Parahyba, exprimia com evidencia a aspiração para
a liberdade de uma vasta porção do Brasil.
Pernambuco, a
provincia rica e esclarecida, maltratada asperamente por causa da
revolta, e cujos filhos, poupados á forca, jaziam ainda nos
carceres, certamente corresponderia ao appello da metropole, que
mostrava pela primeira vez entranhas de mãe; e as suas
irmãs tratariam agora de resgatar a falta de solidariedade
commettida em 1817, falta devida mais ao imprevisto da
explosão do levante do que á
divergencia de sentimentos.
A realidade não mentiu á esperança, e
aos 27 de março entraram a chegar ao congresso
informações das terras ultramarinas.
Vem-lhe do Pará a primeira
communicação, em officio do novo governo. Dizia
que em 1.º de Janeiro o povo, as tropas e as auctoridades
haviam jurado obediencia ao rei e á dynastia de
Bragança, ás Côrtes Geraes e
á constituição que promulgassem, e
Vem-lhe do Pará a primeira
communicação, em officio do novo governo. Dizia
que em 1.º de Janeiro o povo, as tropas e as auctoridades
haviam jurado obediencia ao rei e á dynastia de
Bragança, ás Côrtes Geraes e
á constituição que promulgassem, e que
em seguida tinham eleito uma junta provisional para reger a capitania,
até á
installação
[15]
das mesmas Côrtes. De todos
esses successos fôra participado el-rei
[17].
O documento, assignado pelos membros do governo provisorio, de que era
presidente o vigario capitular Romualdo Antonio de Seixas, que mais
tarde tanto se assignalou na administração
ecclesiastica, como arcebispo da Bahia, e nas discussões da
camara dos deputados, revela a preoccupação
dominante do exemplar ministro da Egreja; aceita a
constituição futura, com a
clausula de manter a religião catholica. Das cousas que lhe
interessavam, era a unica que cumpria acautelar na lei fundamental por
vir. A liberdade e a segurança de seus compatriotas
certamente lucrariam com o novo pacto social, porque este lhes devia
dar mais vantagens do que era licito esperar do absolutismo; e caso o
não fizesse, assistiria aos cidadãos o direito de
protestarem por via de petição ou da imprensa
livre, que fazem parte de todas as constituições.
Só a
religião estando em perigo nas Côrtes, por causa
do radicalismo francês e do racionalismo philosophico,
dominante em Portugal, corria-lhe o dever de estipular que observaria a
futura carta constitucional, respeitando esta os dogmas da Egreja.
Podia omittir semelhante restricção que a sua
qualidade
de sacerdote deixava subentender; arriscava, porém, com o
silencio a crear um equivoco, que se não compadecia com a
sua honra.
Coube ao alferes de milicias Cunha trazer ao parlamento o officio
referido, e com elle veiu Felippe Alberto Patroni Martins Maciel
Parente, conhecido simplesmente por Patroni, o qual teve
[16]
a iniciativa dos sucessos politicos da vasta
capitania. Estudante de Direito na Universidade de Coimbra, passava as
férias em Lisboa, quando estalou ahi a
revolução. Partiu, sem perda de tempo, para o
Pará, a fim de transmittir a boa nova e desembarcou no
momento mais propicio ao seu intento. Acabára de tomar o
caminho do Rio, com o fim de contrahir casamento, o resoluto
marquês de Villa-Flôr, deixando, de conformidade
com a lei, a capitania entregue a um governo provisorio fraco e sem
prestigio, como todas as administrações
interinas. Nem por isso, comtudo, se póde contestar a
audacia e habilidade do mancebo, que logrou communicar os seus
sentimentos aos conterraneos a termos de se collocarem as personagens
mais conspicuas da terra á testa do movimento a favor da
insurreição da antiga metropole.
Como o não nomeassem membro da junta provisoria, os seus
amigos tentaram reparar a injustiça, fazendo que o senado da
camara de Belém, o elegesse deputado ás
Côrtes,
eleição, porém, reprovada pelo governo
paraense, por não ser corpo eleitoral a
vereação. O joven ambicioso
não se conformou e começou a combater com audacia
a junta. Esta procurou abrandar o estudante investindo-o,
não sem malicia, de um cargo de confiança, mais
de apparencia que de
substancia: requerer
perante as
Côrtes tudo quanto conviesse ao Pará.
[18] Patroni,
julgando que poderia illaquear a administração da
provincia e o
Congresso, aceitou a singular incumbencia, com o
[17]
proposito de transformar o titulo de
nomeação em diploma de deputado.
Em chegando a Lisboa, tratou de sahir com o intento. Consultadas,
porém, as commissões de
constituição e de poderes, foram de parecer que,
a despeito do empenho de ver na assemblêa constituinte a
deputação do Pará, por
ter «esta capitania a primazia na tão suspirada
adhesão do Brasil á causa constitucional dos
portuguêses»,
não podiam deferir o requerimento, porque o documento que o
instruia, não o nomeava representante da
nação, aprovavam, todavia, que a
assembléa, por excepção, o ouvisse
como delegado do governo paraense
[19].
Ainda que as sessões fossem muito concorridas, a aflluencia
cresceu a 5 de abril, para ouvir o primeiro americano que falava no
congresso. Os escriptores que assignalam o facto, deixam em regra de
reproduzir ou commentar o discurso de Patroni.
[20]
Semelhante omissão, que
parece voluntaria, deve proceder do intuito cavalheiresco de
não desluzir a figura do estudante, a qual apparece na
perspectiva da historia illuminada de todas as graças da
juventude. A sua arenga não passa de estirada
declamação,
lardeada de evocações da historia romana, no
gosto dos
oradores da revolução francêsa, mas,
ainda
assim, transparece a intelligencia do emissario ultramarino,
reconhecida, aliás, pelos contemporaneos
[21].
[18]
Prepondera na
oração o subido conceito do
berço natal e a confiança nos seus destinos,
sentimentos que persuadem que, sem egualdade politica mais perfeita
entre as duas secções da monarchia,
a união não poderá subsistir.
Não lhe falta habilidade, como revela o trecho em que
explica a razão porque a junta não o reconheceu
deputado.
«Sim, augusta e veneranda assembléa, eu, eu mesmo,
conhecendo a fundo o caracter do generoso povo português,
estudando os corações
dos meus compatriotas, lendo o futuro, propuz a
eleição extraordinaria de um deputado, que, sendo
eleito pelos habitantes da capital (a cujas decisões sempre
o resto da provincia fielmente adhere) viesse já estreitar
os laços da nossa
confraternidade, tomando o seu justo e devido logar entre os
representantes da nação. Inutilizaram-se,
porém, os meus esforços, porque os meus
concidadãos não quizeram transpôr os
limites marcados aos seus direitos, se bem que de bom grado
renunciarão á immensa riqueza que possuem na
vastidão do seu paiz, sómente por se realizarem
quanto antes os seus desejos».
[22]
A bem da verdade, importa dizer que semelhante
declaração não significava o abandono
da velleidade, como parecia. Não cessou de importunar o
congresso, para que o acolhesse em seu seio, sem outros titulos que a
nomeação de delegado do governo do
Pará e o diploma illegal; consta, até, que
ameaçou Portugal com a
separação do
[19]
Brasil, se não fosse deferida a
sua
pretenção.
[23]
A commoção devia reproduzir-se na voz, no rosto e
no gesto do filho do Pará com singular força
communicativa, porque os espectadores e deputados acclamaram com
estrondo o discurso emphatico, apesar de conhecerem desde 27 de
março os successos que referia. Depois de haver o presidente
declarado que ouvira com prazer inexprimivel a
manifestação dos sentimentos do Pará,
ponderou que a prosperidade e a ventura dos portuguêses de um
e outro hemispherio repousariam sobre a identidade de direitos e
obrigações. Em seguida, Manuel Fernandes Thomaz,
a alma da revolução e o mais influente dos
contemporaneos, propoz, unanimemente applaudido, que o Pará
não se denominasse mais capitania, senão
provincia de Portugal, porquanto «se a immensa distancia nos
separava, o amor fraternal e a communidade de sentimentos nos
uniam».
Teve tambem unanimidade a proposta considerando benemeritos da patria
os que haviam cooperado para a regeneração da
provincia
septentrional.
A assembléa, prodiga em distincções
honorificas, facultou a Patroni o ingresso permanente na tribuna
destinada ás personagens de marca.
[24]
Attribuindo ao Pará a categoria de provincia de Portugal, as
côrtes faziam um gesto em apparencia lisongeiro ao amor
proprio dos ultramarinos, mas que na realidade se traduzia no
enfraquecimento e na degradação de sua patria.
[20]
D'ahi promanava logicamente a
desnecessidade de haver no Brasil o governo central que enfeixava agora
as capitanias, e como o Minho, o Algarve, estas ficavam sob a
jurisdicção immediata e
absoluta da antiga metropole, vindo d'esse modo a America
portuguêsa a perder implicitamente a
graduação de reino. Tal era, porém, a
confiança no congresso e nos repetidos protestos de
fraternidade dos regeneradores que os brasileiros não
divisaram o intuito de recolonização n'esse
conceito, que surgia ao primeiro contacto dos irmãos mais
novos com os mais velhos na obra da
reconstituição da patria.
Ao mesmo tempo que chegava ao parlamento a noticia do apoio do extremo
norte, corriam boatos ácerca da attitude da Bahia
[25].
Eram, porém, tão obscuros e desencontrados que
geravam mal-estar. O passado e o presente aureolavam a Bahia de subido
prestigio. Ahi desembarcára Pedro Alvares Cabral;
fôra a primeira
capital da vasta possessão; era já rica e
prospera, emquanto umas capitanias, no trabalho de
formação, luctavam ainda com os indios e outras
nem até existiam. Embora desde muito deixasse de ser a
séde do governo geral, em virtude da actividade commercial,
da abastança e cultura dos seus moradores, da sua
situação
geographica e de ser a mais povoada das terras brasileiras, o reino
ultramarino, ao parecer dos portuguêses da Europa, se
nortearia pela
orientação tomada na conjunctura pela grande
provincia.
Em 15 de abril, domingo, chegou á regencia
[21]
a nova de ter a Bahia
assentido ao levante do Reino.
Se a divulgação da noticia tirou a alguns
deputados o interesse da sessão no dia immediato, estimulou
o comparecimento do publico, que se apinhou no recinto e nas galerias.
Estavam presentes as figuras mais conspicuas da
regeneração. Via-se o padre Castello-Branco,
antigo ministro da inquisição e liberal
extremado, cujos
discursos eram lidos com prazer, lamentando o publico a sua voz, antes
sussurro de oração,
tão fraca que só os vizinhos lhe distinguiam as
palavras; Margiocchi, que alliava forte erudição
á alegria do espirito e esmaltava as arengas de ditos
facetos, julgados descabidos pelos austeros paes da patria; Borges
Carneiro, o bom gigante, sempre em favor dos opprimidos, o qual acabava
de ter estrondoso exito com o «Portugal regenerado»
que em poucas semanas attingira tres edições.
Era, talvez, o tribuno predilecto de Lisboa. Intrepido, claro, e
simples sem vulgaridade, era o mais candido dos filhos dos homens.
Lá estava Moura, o primeiro orador português das
Côrtes, que não tardará a travar com
Antonio Carlos, Villela Barbosa e Lima Coutinho combates de titans.
Attrahia, porém, os olhares dos espectadores Fernandes
Thomaz. Já se formava a lenda ácerca do grande
varão. Contava-se que, emquanto na forca e nas fogueiras de
1817 estrebuchavam os amigos da liberdade, entre os quaes avultava a
nobre e alta figura de Gomes Freire, elle tomara com a consciencia o
compromisso de realizar o sonho das victimas ou de
as
seguir no
patibulo. Lisboa adorava-o. Doente, em consequencia do trabalho e das
incertezas cruciantes a respeito do exito da revolta, quando se lhe
agravava
[22]
o mal e não
comparecia, por isso, á
assembléa, Lisboa inteira soffria
[26].
O ministro da marinha, que o era tambem dos negocios ultramarinos,
veiu, na sessão de 16 de abril, communicar aos constituintes
a noticia da proclamação da liberdade
constitucional na Bahia e que esta reconhecia a auctoridade das
côrtes e do governo supremo. Semelhante
resolução, ponderosa, determinaria Brasil inteiro
a unir-se á causa de Portugal e persuadiria o rei da
conveniencia de attender exclusivamente á vontade dos povos,
rejeitados os alvitres reaccionarios de sua camarilha.
Em seguida, o secretario leu o officio da junta bahiana. Declarava que,
com os direitos recuperados, com a egualdade de vantagens e
receprocidade de interesses, não deixaria de ser garantida a
unidade do imperio lusitano, e mostrava-se confiante em que as
côrtes
lançariam «os
fundamentos da felicidade e consideração a que o
Brasil legitimamente aspirava.»
«Emquanto o aperto do tempo, continuou o secretario a ler o
officio, no silencio augusto da assembléa, e as
circumstancias não permittem que enviemos os deputados desta
provincia, que devem trabalhar em commum com os nossos
irmãos, rogamos ao soberano congresso nacional que receba as
expressões de nossa mais sincera adhesão e
fraternal congratulação pela
sua gloriosa installação, e a
segurança do muito
que o povo desta provincia e nós em especial confiamos na
[23]
sua sabedoria, no seu zelo illustrado e no
seu exaltado patriotismo, podendo certificar, em face do mesmo soberano
congresso, que não haverá sacrificio que esta
provincia não faça para levar
a cabo a grande obra em que estamos todos empenhados».
Antes que o secretario encetasse a leitura do segundo officio,
Fernandes Thomaz levantou-se, e, a despeito do habito da tribuna, a
commoção lhe não consentiu
senão exclamar:
«Vivam os bahianos!» E, tres vezes, espectadores e
deputados atroaram as salas do palacio com o mesmo brado de
reconhecimento e de triumpho.
Restabelecido o silencio, passou-se a ler o outro documento, no qual o
governo solicitava algumas providencias para a defesa e
fortificação
da cidade. O presidente disse que a alegria e o enthusiasmo das
côrtes correspondiam á importancia
transcendente do sucesso e que, perante taes
manifestações da vontade nacional, el-rei
não podia deixar de a seguir. Frei Vicente da Soledade,
deputado do Minho e arcebispo da Bahia, levantou-se para render
graças a Deus por tão feliz acontecimento e
supplicar-lhe consentisse a revolução por todos
os Estados da monarchia, sem se derramar mais sangue do que aquelle que
acabára de correr na forte provincia.
Serenados os applausos, mais uma vez repetidos, ordenaram os deputados
a partida immediata de um brigue, para levar á Bahia a
resposta do governo e das Côrtes, e ao Rio e a todos os
postos que haviam acclamado o novo regimen, as bases da
constituição recentemente promulgadas.
[27]
[24]
Falára a Bahia com o sentimento da liberdade e a coragem
civica que jámais se desmentiram nos seus actos. O
resentimento por haver cessado de ser a capital da colonia
não lhe fez esquecer a solidariedade com as outras
capitanias, das quaes nem de leve cogitára o
Pará, e o seu patriotismo e agudo senso politico se
affirmaram com a declaração que, sem a egualdade,
absoluta de direitos entre os povos dos dous hemispherios, correria
perigo a integridade da monarchia.
Na reunião immediata soaram no congresso
informações fidedignas, embora sem cunho
official, de haver Pernambuco acclamado o governo constitucional.
[28]
Emquanto as principaes provincias do norte se pronunciavam a favor da
causa de Portugal, como então se dizia, a côrte do
Rio quedava-se n'um silencio extranho pela persistencia, explicado em
cartas particulares de modo assustador para a
regeneração. Falavam em discordia nos conselhos
da corôa: Thomaz Villanova de Portugal, o ministro de maior
confiança e o principal favorito do monarcha, aconselhava
resistencia desesperada ao liberalismo, e o conde de Palmella e o conde
dos Arcos opinavam para que a realeza attendesse ás
aspirações do povo.
[29]
A attitude attribuida aos
conselheiros nobres não inspirava assás
confiança
para attenuar o desassocego gerado pelas
disposições do ministro plebeu, tanto mais que os
regeneradores consideravam com desfavor o conde de Palmella.
[25]
Ninguem lhe contestava
altos
dotes politicos, mas a sua natureza aristocratica, o prestigio pessoal
de que gozava nas côrtes extrangeiras, onde
representára o soberano, e, principalmente as
opiniões expendidas na Madeira e na Bahia, por
occasião de sua viagem ao Rio, no sentido de caber
exclusivamente ao soberano o direito de convocar os representantes da
nação
[30],
tornavam suspeitos os seus alvitres.
[31]
O congresso, que até então se abstivera de
intervir nos
negocios do Brasil, com receio de molestar o melindre d'el-rei e dos
brasileiros
[32],
entendeu judiciosamente que não podia
persistir em tal modo de proceder, agora sobretudo que a Bahia lhe
pedia soccorros para se defender.
De onde poderia vir a aggressão, que esse requerimento
inculcava, para resistir á qual não bastavam as
suas forças militares, inferiores
sómente ás forças do Rio de Janeiro?
Não do
seu proprio seio, onde reinava segurança e alegria e a
acclamação do regimen liberal se
realizára assás facilmente, porquanto as mortes e
os ferimentos procediam mais da precipitação e
imprudencia do regimento de artilheria do que da necessidade de reduzir
absolutistas convencidos;
[33]
não das terras septentrionaes,
porque os bahianos deviam conhecer as suas sympathias pela causa
constitucional;
[26]
certamente
do Rio, onde a influencia mais liberal procedia de homens,
como o conde de
Palmella e o conde dos Arcos, que não mereciam a
confiança
dos regeneradores.
Este mostrára-se violento e barbaro na repressão
da revolta pernambucana de 1817; e aquelle, contestando a legitimidade
do parlamento, virtualmente aconselhava resistencia ás suas
decisões. Á regencia e ao Congresso corria,
portanto, o dever imperioso de acudir á provincia generosa,
contra o inimigo commum, e de promover todos os meios convenientes ao
triumpho da
insurreição, desterrado o escrupulo de
magôar o soberano, que deixava entrevêr
disposições hostis. Ao mesmo passo que cuidavam
de expedir tropas para a Bahia, promulgavam o decreto de 18 de abril.
Reconhecia este acto as juntas creadas nas capitanias por
occasião de se estabelecer o novo regimen; julgava
benemeritos os que o haviam promovido e mandava proceder á
eleição
dos deputados ás Côrtes no reino ultramarino, de
accôrdo com o decreto de 22 de novembro de 1820.
Escriptores ha que verberam o congresso por causa dessa providencia,
com o fundamento de que assim provocou a
desagregação do
Brasil
[34].
É injusta a critica. Quando ella se tornou
conhecida no ultramar, já as principaes provincias
septentrionaes haviam declarado, como vimos, pela
revolução, recusando reconhecer a
auctoridade do governo do Rio. O exemplo das irmãs do norte,
o amor da liberdade e, mais que tudo,
[27]
o empenho de
ter a autonomia na
administração local certamente acabariam por
imprimir ao sul brasileiro a orientação politica
adoptada pelo Pará e pela Bahia, independentemente do
decreto incriminado. De mais, as Côrtes não podiam
obrar de modo differente. Emquanto não conheceram os
sentimentos do novo reino ácerca da revolta, com prudencia e
discreção, notavelmente raras em epocas revoltas,
não interferiram nos negocios ultramarinos; desde,
porém, que o Pará, Pernambuco e Bahia lhe
protestaram apoio, não lhes era licito recusarem concurso
tão espontaneo quão precioso, sem merecerem
aspera censura. Não sanccionando os seus actos, violavam a
solidariedade com os partidarios, e, deixando de lhes dar lei
eleitoral, geravam a desconfiança de que intentavam vedar
aos ultramarinos a participação,
na representação nacional, e vinham desse modo a
faltar á promessa de egualdade politica aos
portuguêses d'aquem e d'alem-mar, formulada nos manifestos.
Na noite de 27 de abril, com a chegada da fragata «Maria da
Gloria», houve noticias do Rio que desopprimiram Lisboa da
anciedade febril, gerada da mudez do rei.―Estava o ministro da marinha
no theatro S. Carlos, quando lhe levaram o correio da America.
Transportado de jubilo com o juramento da futura
constituição pelo monarcha, transmittiu aos
espectadores a fausta nova. Apoderou-se do publico verdadeiro delirio;
os artistas cantaram o hymno, as mulheres choraram e os poetas
improvisaram. Fóra, arrancavam-se aos vendedores os
supplementos dos jornaes; illuminaram-se as casas; dos fogos de
artificio choveram toda a noite flores de luz e estrellas sobre a
cidade sem somno, e na manhã seguinte
[28]
as duzentas egrejas de Lisboa annunciaram
ao céo a alegria dos homens
[35].
O povo, que desde cedo fervia nas immediações,
invadiu, á abertura, o palacio das Côrtes, com a
impetuosidade de inundação e alastrou-se por toda
a parte, sem respeito aos logares reservados. Cobriu de flores e louros
as cadeiras dos representantes, acclamados como triumphadores. O
presidente do congresso alterou a ordem do dia, para não
retardar o prazer de confirmar a noticia. Feito o que e descoberto o
retrato de D. João VI, «o melhor dos
soberanos», os
vivas resoaram no recinto e
nas
tribunas, com indizivel enthusiasmo,
como assignala o Diario das Côrtes. Borges Carneiro na
embriaguez do sonho de paz universal, pregou a
reconciliação para todo o sempre e rematou
propondo «fossem expedidas ordens mui positivas ás
relações e
juizes contenciosos para que tratem de extirpar e abreviar as demandas,
interminavel origem de odios e dissensões, devendo o
innumeravel exercito que vive deste sordido e cruel mister de demandas
e disputas forenses, ir procurar outro modo de vida».
Serenado o rumor formidavel levantado por tão ingenuo
requerimento, apoiado sómente por Sarmento, Castello-Branco
aconselhou a calma. A obra de reconstituição
social, que
começára bem, estava ainda muito longe do termo;
cumpria não a comprometter com enthusiasmo fóra
de tempo.
[36]
De nada valeu o conselho prudente. Após as incertezas
angustiosas em que todos haviam
[29]
vivido durante semanas interminaveis,
espectadores e deputados queriam ter, ao menos, um dia a
illusão consoladora de que o futuro se patenteava claro e
ridente.
A mesa do Congresso e o governo resolveram então
não fazer
communicações nem suscitar debates que pudessem
turvar a alegria geral.
Demais, a nova grave, que vinha da ilha da Terceira, onde a
contra-revolução triumphava, perdêra a
importancia com a adhesão do rei
á nova ordem de cousas. Conhecida na ilha, dissiparia
certamente as resistencias do bispo e do governador reaccionarios, com
a facilidade com que o sol desfaz os nevoeiros dos valles e das
grotas.
O enthusiasmo persistiu por toda a reunião na mesma nota
aguda. Foi o dia mais feliz das Côrtes.
CAPITULO III
SUMMARIO:
O conde de Palmella.―Hesitação
d'el-rei―O decreto de 18 de
fevereiro.―Irritação popular.―A junta
consultiva.―26 de fevereiro.―O rei resolve partir.―Protestos do
commercio.―Reunião dos eleitores na praça do
commercio.―Providencias de Silvestre
Pinheiro.―Dissolução violenta da
assembléa.―Os poderes da regencia.―Embarque do rei.
Antes de proseguirmos no estudo das sessões das
Côrtes, devemos expôr os acontecimentos
determinantes do regresso do rei, sem
o que
não
conheceremos a agitação creada nos animos
fluminenses com a revolta portuguêsa,
agitação que,
com desenvolver o sentimento da liberdade e o civismo, deram em
resultado a independencia.
Quando, aos 12 de outubro, o brigue «Providencia»
trouxe ao Rio a noticia da insurreição do Porto,
do gabinete 24 de junho de 1817 não havia senão
dous ministros, o conde dos Arcos e Thomaz Antonio Villanova de
Portugal.
O conde de Palmella ainda não viera tomar conta dos negocios
extrangeiros e da guerra,
[31]
retido na Europa por missões diplomaticas e interesses
privados. El-rei e o seu conselho não se inquietaram com o
grave successo, persuadidos de que o levante morreria com as medidas
liberalizadas pela regencia e confirmadas pelo monarcha: a
convocação das côrtes antigas e a
amnistia dos rebeldes. Em novembro, porém, o panico foi
enorme com a communicação de que a revolta,
victoriosa em Lisboa a 15 de setembro, se apossára do poder
e se estendia por todo o Reino, através de
aclamações enthusiasticas.
O rei, atordoado e desfeito,
[37]
quiz ouvir pessoas de todas as classes
e de todas as graduações, e pessoas de todas as
classes e de todas as graduações acudiram a
emittir o seu voto. Uns não vieram senão para
dizer que haviam previsto o temeroso acontecimento; muitos lamentavam
se não terem tomado determinadas providencias. Dos que
encaravam o presente, os alvitres foram em extremo discordantes.
Alguns, acaso por caridade, para tranquillizarem o rei pusillanime, ou
por ignorancia, affirmavam que não havia materia para
inquietação. Em breve os revoltosos se
arrastariam aos pés de S. Magestade, invocando a
régia misericordia, e caso o não fizessem, ahi
estavam para os domar os exercitos da Santa Alliança, os
quaes invadiriam Portugal á
solicitação d'el-rei.
Outros, considerando extincta a monarchia no velho reino, opinavam pelo
abandono daquelle
miseravel pedaço de
terra, e que todos os desvelos da corôa se
applicassem ao Brasil, rico e em progresso. Fóra desses
pareceres
[32]
extremos, estavam os moderados, com
divergencias menos sensiveis. Quaes aconselhavam a
restituição d'el-rei á metropole, a
fim de dirigir a revolução e manter os direitos
da
dynastia; quaes se inclinavam á partida do principe, por
convir a presença do soberano no Brasil para sustar qualquer
innovação, até
á feitura no velho reino da carta constitucional, destinada
a todos os Estados da monarchia
[38].
No ministerio não havia mais concordancia do que na massa
confusa dos conselheiros effectivos e improvisados. Thomaz Antonio, o
principal valido e o ministro mais escutado, ponderava que os rebeldes
acabariam por verificar que sem o concurso d'el-rei nada fariam.
Então, S. M. mostraria o seu paternal
coração, interessando-se
novamente pelo velho reino, e lhe dictaria leis a seu inteiro
aprazimento. O monarcha ou qualquer pessoa de sua familia volveria,
nesse caso, certo da tranquillidade; substituiria o governo
revolucionario por pessoas de sua confiança, admittindo na
nova administração alguns dos insurrectos;
dissolveria o congresso constituinte e convocaria as côrtes
velhas,―clero, nobreza e povo―meramente consultivas. O que importava
era acautelar o Brasil do fogo revolucionario
[39].
O conde de Palmella notava judiciosamente, mais tarde, que esse
projecto, conveniente
outr'ora,
já não satisfazia ás
aspirações. Esquecia-se tambem o primeiro
ministro de indigitar as medidas
[33]
capazes de resguardar
o novo reino do liberalismo, que, sob a fórma de governo
representativo, avassallava os povos da Europa e da America.
Do conde dos Arcos, que não gozava da confiança
do monarcha
[40]
sabia-se apenas que parecia favoravel ás
reivindicações
populares, sem se conhecer o seu plano.
O conde de Palmella, aguardado com anciedade, afinal chegou aos 23 de
dezembro, para reger a secretaria da guerra e dos extrangeiros. Ficou
surpreso por não haver ainda o soberano tomado
decisão alguma, e opinou que os navios surtos no Rio
não levantassem ferro, fosse qual fosse o destino, sem
levarem as resoluções reaes,
vista a inquietação do Brasil e de Portugal.
[41] A
expectativa prolongada indefinidamente arriscaria a aggravar a
situação na antiga metropole e provocaria a
adhesão do novo reino á revolta. Sem perda de
tempo, submetteu a el-rei o seu plano. S. Magestade devia mandar o
principe real em companhia do conde dos Arcos a Lisboa, a fim de
propôr ás Côrtes as bases de
uma constituição liberal com duas camaras, e ao
mesmo
tempo convocar no Rio uma assembléa de procuradores das
camaras e villas, para a
elaboração da carta constitucional applicavel
á antiga colonia
[42].
Não se póde prevêr se esse projecto
vingaria
[34]
a termos de assegurar a integridade da
monarchia, mas certamente não desabona a intelligencia do
seu auctor, reconhecida, aliás, até pelos
proprios adversarios. O subtrahir a antiga colonia á
sujeição das
Côrtes e o enviar D. Pedro a Lisboa, onde crearia um partido
assás forte, para fazer medrar o projecto, eram porventura o
unico meio de conservar unidos os dous reinos e de tornar proficuo o
trabalho das constituintes portuguêsas.
A proposta encontrou resistencia, e o fino diplomata para a vencer
condescendeu com modificar o plano, na parte concernente ao Brasil,
onde o descontentamento do regimen se não
manifestára com violencia. Em vez de juntar em
côrtes os representantes eleitos das camaras e villas,
consentiu na consulta aos brasileiros conspicuos ácerca das
necessidades da patria e das providencias convenientes á
satisfação
d'ellas e advertiu a urgencia de leis que definissem o poder dos
governadores.
[43]
Ao mesmo tempo, inquieto, procurou ordenar as cousas
militares. Officiaes despachados para as provincias não
seguiam para o seu destino, e outros vinham á
Côrte sem licença, todos com razões
inconsistentes.
Prescreve o pagamento dos soldos em atrazo, e aos que devem partir,
além das comedorias de estylo, que se lhes adiante o
vencimento de tres mêses
[44].
Aos 17 de fevereiro, um navio inglês trouxe a nova temida de
haver alcançado victoria na Bahia a
revolução de Portugal. Informado do
[35]
successo pelo embaixador de Inglaterra,
Palmella «com dôr no coração
e
lagrimas de raiva» participa ao soberano o facto. Havia tanto
tempo pregava que na conjunctura a inacção era a
peior das politicas!
Pondera a conveniencia de um conselho immediato dos ministros e de
antemão impugna as pretenções de
resistencia ao movimento, allegando
que o governo não póde contar com o exercito
[45].
A defecção da Bahia, com revelar não
se
illudir o diplomata, quando
julgava urgente medidas liberaes para
prevenir a annuencia do novo reino á causa de Portugal,
augmentou-lhe o prestigio no palacio e amolleceu a
opposição que lhe creava Thomaz Antonio
«o mais inepto e lisonjeiro dos homens».
[46] Antigo
magistrado, o longo exercicio da profissão tirára
a Thomaz Antonio a resolução, a iniciativa; pouco
intelligente e
cortesão, não enxergava nas
revoluções que
encaminhavam os povos europeus para o regimen representativo mais que
os excessos, principalmente as violencias contra os soberanos.
Não reconhecia que, em consequencia do desenvolvimento da
instrucção, a doutrina da origem divina da
realeza cedia por toda a parte ao principio de que os reis
não passavam de delegados do povo, e deviam-lhe portanto
contas dos seus actos.
Ao conde dos Arcos repugnava o projecto de
[36]
Palmella, porque fazia partir o
principe herdeiro, com quem pretendia ficar no Brasil para realizar os
seus sonhos de gloria.
Palmella, o mais atilado e o mais patriota dos ministros n'essa grave
conjuncção, aproveitou
com vivacidade do seu ascendente inesperado nos conselhos da
Corôa, para restaurar na integridade primitiva o seu projecto
e reclamar a prompta execução de certas medidas.
Urge o embarque de D. Pedro no termo de oito dias e os procuradores
eleitos devem reunir-se em Côrtes dentro de seis mezes. Ha
todavia outros assumptos que exigem solução
prompta. A gestão da fazenda publica, o pagamento
á divisão do Rio da Prata, a
reorganisação do exercito, a
administração da justiça e
as attribuições dos capitães-generaes
demandam a
attenção diligente da corôa. Remata a
série de reformas improrogaveis com a suppressão
da «fatal alçada de Pernambuco».
[47]
Referia-se ao tribunal creado para punir os revolucionarios de 1817,
tribunal maldito, que envolveu os derradeiros annos de D.
João VI no Brasil no rumor lugubre de forcas que se
levantam, de grilhões arrastados e de soluços de
dôr e de miseria de centenares de victimas.
Discutiu-se com calor a proposta. Nada mais duro aos homens que a
limitação do seu poder, principalmente aos reis:
representantes da Divindade como entrevira o paganismo e affirmavam com
segurança os próceres da Egreja como se
hão de submetter á vontade dos povos? D.
João
[37]
VI não escapou á regra geral.
Custava-lhe em êxtremo prestar contas do producto dos
impostos, não distribuir pensões aos amigos, a
seu prazer, não ter em suas mãos a liberdade e a
propriedade dos subditos, não governar, em summa, a seu
inteiro arbitrio. Estava prompto a convocar os delegados das camaras e
villas do Brasil para os consultar ácerca das necessidades
do paiz e dos meios de as provêr, mas se não
resignava a enviar o filho a Portugal para reconhecer a independencia
do poder judicial, a liberdade individual, promover a
repartição egual dos impostos, declarar a
responsabilidade dos ministros e attribuir o poder legislativo
cumulativamente á corôa e ás
assembléas eleitas pelo
povo
[48]. O
filho iria, é certo, mas simplesmente
«para ouvir as representações e queixas
dos povos e para estabelecer as reformas, os melhoramentos e as leis
que pudessem consolidar a constituição
portuguesa»
[49].
Não havia mistér de referir com
individuação aos fundamentos da carta
constitucional propostos pelo ministro dos estrangeiros. Palmella
retrucou com vivacidade que, sem a menção
d'aquelles pontos substanciaes, se tornava por demais vago o pensamento
da Corôa sobre o assumpto para inspirar confiança
aos vassallos e por conseguinte, o rei não lograria desarmar
a revolução. Na ignorancia do que lhes offerecia
o soberano, os subditos prefeririam estar com o governo rebelde de
Lisboa, que lhes promettêra
[38]
uma constituição mais liberal do que a
hespanhola. Uma vez que o monarcha não dispunha de
forças para reprimir a insurreição,
importava pactuar com ella e prestar-lhe o concurso leal de sua
experiencia dos negocios publicos. Essa attitude lhe grangearia a
confiança da nação e
teria a inestimavel vantagem de o forrar á
humilhação de receber a carta constitucional que
as Côrtes lhe quizessem impôr. A contra-gosto, D.
João VI e Thomaz Antonio cederam ás
ponderações irrefragaveis do ministro dos
estrangeiros
[50].
No correr do debate, Thomaz Antonio lembrou a conveniencia de chamar em
junta, promptamente, pessoas conspicuas do
Rio,
e da qual fariam parte
os procuradores das camaras e villas, á medida que
chegassem, com o fim de se estudarem as reformas accommodadas ao paiz.
Adiantava-se d'esse modo, allegava o proponente, o trabalho da
assembléa brasileira, porque, quando se reunisse, grande
parte de seus membros havendo já accordado sobre as
providencias, rapido se tornava o exame de cada uma d'ellas. Conforme
Silvestre Pinheiro, envolvia semelhante
proposição o intuito diabolico de frustrar o
projecto, porquanto a reunião preparatoria não
daria fructo ou teria resultado differente do que esperava o ministro
dos Estrangeiros; e qualquer das hypotheses enfraqueceria o seu
prestigio.
Dada a derradeira mão á proposta, o illustre
diplomata, conhecedor da aversão do soberano ao regimen
constitucional e das complacencias servis de Thomaz Antonio, remette-a
ao rei com a seguinte
[39]
intimativa: «Olhe V. M. que, se
publicar
só a metade do projecto de lei, nem contentará os
portuguêses europeus residentes n'esta côrte
(classe muito numerosa e importante) nem a Bahia, nem as outras
provincias, que talvez a esta hora já estejam
sublevadas». Se o fizer, dispense-o immediatamente do cargo:
não quer assistir como seu ministro «á
ultima e fatal scena da
dissolução da monarchia»
[51].
Não eram vãs as suas apprehensões. O
temperamento absolutista de D. João VI e a subserviencia do
principal favorito mutilaram o plano do diplomata, considerado, pelos
cortezãos, agente dos revolucionarios e liberal exaltado
[52].
Expurgiram d'elle os
artigos
substanciaes da
futura constituição, os quaes pela
precisão
davam seriedade ao compromisso e deixavam generalidades demasiado
vagas, para merecerem fé. Na parte, porém,
relativa ao Brasil, conservaram o projecto tal qual fôra
concertado no conselho.
É o famoso decreto de 18 de fevereiro, publicado juntamente
com a provisão de 23, que nomeava os membros da junta
consultiva. Ali annunciava o soberano a partida de D. Pedro para a
Europa, a fim de promover as reformas e melhoramentos necessarios
á
consolidação do pacto social, sem poderes,
todavia, para approvar em nome do monarcha a mesma
constituição. Ao mesmo passo, convocava em
côrtes no Rio os procuradores eleitos pelas camaras das
cidades e villas de juizes lettrados, não só do
Brasil, mas
[40]
tambem das Ilhas, para
examinarem as disposições constitucionaes
applicaveis ao novo reino e aos dominios ultramarinos e
propôrem as medidas conducentes á prosperidade da
antiga colonia.
Palmella pede excusa para não comparecer ao despacho de 24.
Soffre horrivelmente e está desnorteado com o
truncamento da
sua proposição. Tem phrases de singular energia.
«Meias medidas revelando impossibilidade de fazer resistencia
e repugnancia em fazer concessões constituem a mais infeliz
das politicas... Sem lisura a monarchia se não
póde salvar...»
Acaba solicitando a sua exoneração, que
conservará, todavia, secreta, para não suscitar
embaraços ao governo e para que se lhe não
attribuam desejos de popularidade.
Negou-lh'a el-rei, e no dia immediato o illustre conde presidiu em sua
casa á primeira e unica sessão da junta
consultiva.
Os decretos desagradaram a todos. Os portuguêses esbravejavam
contra a resolução, que subtrahia o Brasil
á constituição da
metropole e ás Côrtes Geraes de Lisboa, receiosos
do
afrouxamento da união. Os officiaes e soldados do Reino
mostravam-se particularmente irritados com a partida do principe e
não do rei, visto que, emquanto não volvesse o
throno á antiga séde da
monarchia, lhes falleceria esperança de prompto regresso
á patria. Os golpes do amor-proprio são os mais
duros de supportar, e o governo teve a desgraça de maltratar
rudemente a philaucia dos reinoes com dar preponderancia na
composição da junta ao elemento indigena.
Até agora excluidos dos conselhos da corôa e da
alta
administração civil e militar, os brasileiros
iam, na verdade, pela
[41]
primeira vez, ter voz nos destinos da sua terra. Isto,
porém, que os satisfaria pouco antes, agora lhes
não sorria, em virtude das exigencias crescentes do espirito
liberal, desenvolvido com os successos, da mãe-patria e
porque attribuiam ao governo o intento de negar ao Brasil vantagens
reconhecidas a Portugal. Assim, emquanto neste as côrtes eram
legislativas, suppunham que no novo reino a futura assembléa
não passaria de corpo consultivo.
A effervescencia dos animos attingira o paroxysmo. Nos quarteis a
agitação sobresaltava o ministro, e nas ruas
arrancavam-se os editaes apenas affixados, quando os não
enxovalhavam com immundicies
[53].
O dia 25 era domingo, e uma côrte devota devia observar com
rigor a prescripção do
descanso. Palmella, sem tempo a perder e julgando porventura que essa
particularidade quadrava á maravilha com o seu intento de
mostrar anciedade pela prompta organização do
Brasil, não cedeu ao escrupulo religioso do paço.
Realizou-se a sessão em sua casa, na cidade nova, a qual,
por ser a caminho da quinta real da Boa-Vista, se cobria agora de casas
«não raro de bellas frontarias»
[54].
Da assembléa iniciada ás 11 da manhã e
concluida ás 6 da tarde, pouco ou nada se sabe, e se
não póde deixar de sentir que os coevos
não nos tenham revelado os pensamentos dos primeiros
brasileiros juntos em côrtes.
[42]
Silvestre Pinheiro reconhece nos que a compunham,
illustração, virtude e patriotismo, mas, com
principios tão oppostos que não era licito
esperar do conselho resultado proveitoso
[55].
Outros contemporaneos
não são mais explicitos. O nosso chronista
assignala, comtudo, que, depois de muito pelejar, Palmella logrou
persuadir a junta da conveniencia da partida do principe e
não do monarcha
[56].
Assim, num congresso de 20 pessoas, das
quaes apenas tres eram portuguêses,
[57]
houve dezesete
brasileiros, dos quaes muitos funccionarios publicos, que
não temeram affrontar o desagrado régio e do
poderoso Thomaz Antonio, opinando com insistencia pela
restituição
á Europa do velho soberano, convencidos acaso de que
não poderia governar constitucionalmente quem
exercêra o despotismo, ou de que não havia meio
mais efficaz para encaminhar os negocios no sentido da
independencia
[58].
Não é temerario suppor que se valeram do ensejo
os nossos fortes antepassados para verberar o decreto de 18 de
fevereiro referendado aos 22 pelo ministro do reino, o qual
sobresaltava a opinião. Faziam parte da reunião o
desembargador Luiz José de Carvalho e Mello, o futuro
visconde da Cachoeira e um dos auctores da
constituição de 1824, o desembargador
José Severiano Maciel da Costa, uma das personagens
[43]
mais conceituadas da epoca pelo saber,
criterio e virtudes e que governara com lustre a Guyana conquistada aos
francêses e Marianno da Fonseca. Este, o futuro
marquês de Maricá, muito palrador e que agora
tinha a delicada incumbencia da censura, havia de querer desaggravar-se
de um regimen que o retivera no carcere, por occasião da
conjuração mineira, mais
de dous annos sob o pretexto de que sympathisava com as ideias da
revolução francêsa.
[59] O
liberalismo de Carvalho e Mello e de João Severiano parecia
tão adiantado que muitos imputaram a
detenção d'elles alguns dias mais tarde
ás suas tendencias republicanas
[60].
Provavelmente ponderaram os nossos maiores que com recusar o famoso
decreto representantes ás villas destituidas de juizes
lettrados, deixava á revelia interesses de vasta
extensão do
Brasil e creava um principio de direito publico, desconhecido dos
escriptores. Além de serem todas as terras de Portugal
apresentadas no futuro congresso de Lisboa, teria este
funcção
legislativa, ao passo que as côrtes do novo reino
não transporião os limites acanhados de
assembléa
[44]
consultiva. Não se podia aceitar
para as duas secções da monarchia sujeitas
ás
mesmas leis e instituições e ligadas pela
identidade de sangue,
de lingua, e costume tão flagrante desegualdade, affrontosa
ao Brasil. Não era licita a
allegação de falta de homens cultos n'esta parte
da nação para
cohonestar a injustiça. José Bonifacio, paulista,
inaugurara a cadeira de mineralogia na universidade de Coimbra, onde
leccionavam cursos medicos o fluminense Angelo Ferreira Diniz e o
pernambucano José Corrêa Picanço. Na
academia Real de Marinha de Lisboa professava com applauso outro
fluminense, Francisco Villela Barbosa. Na magistratura emparelhava com
os primeiros nas sciencias juridicas o bahiano Vicente Ferreira
Cardoso, desembargador da relação do Porto.
Não são dos menores ornamentos do alto clero, os
brasileiros D. Francisco de Lemos, bispo de Coimbra e egregio
reformador da famosa universidade, e D. José de Azeredo
Coutinho, inquisidor-mór e ex-bispo d'Elvas. Na imprensa
portuguêsa de Londres, Hipolito da Costa, que a iniciou,
não vale menos que o europeu José
Liberato. Mais de quinze brasileiros figuram com honra entre os socios
da Academia Real de Sciencias de Lisboa. Ao lado d'essas figuras
eminentes que continuam a servir ao governo na metropole, quantos
outros ahi não fizeram senão se instruir e
volveram ao Brasil onde dão luzimento á grande
familia portuguêsa? Quem nas lettras de um e outro reino
occupa mais alto logar que o fluminense Antonio de Moraes e Silva? Se
no tocante á alta cultura o Brasil vale Portugal, lhe
não é inferior na
instrucção
primaria, excluida da
sua população a gente escrava. O elemento servil
que empesta a America não é tão pouco
motivo
[45]
para lhe regatearem o
governo representativo, porque um e outro coexistem nos Estados-Unidos.
Não ha senão uma razão ponderosa para
que se não outorgue aos portuguêses da America
assembléa legislativa de que está de posse o
velho reino, e é que a solicitam sem violencia.
Provavelmente não foi senão a
segurança formal de Palmella de fazer a corôa
corrigir o decreto no sentido de crear no Brasil o regimen
constitucional, que os nossos ascendentes acquiesceram ao parecer do
diplomata ácerca da permanencia no Brasil de D.
João VI e do consequente regresso á Europa de D.
Pedro.
Emquanto a junta discutia, os que intentavam aclamar no Rio a
adhesão á causa de Portugal, á
imitação das provincias
septentrionaes, receosos de serem colhidos pela policia, deliberaram
precipitar o levante previsto para primeiro março.
[61]
Reunidos á tarde, como costumavam, na casa do padre advogado
Marcellino José Alves Macambôa, e consultados os
officiaes presentes, quasi todos de patente inferior, assentaram que no
dia seguinte ao tiro da alvorada despedido pelo navio do registro do
porto, as tropas, os conspiradores e os seus sequazes se
acharião no largo do Rocio para proclamar a solidariedade
politica com o Reino. Então um escrupulo levantado
não se sabe por quem, deteve esses homens que se aprestavam
para a batalha: Se a princêsa cujo parto era imminente, de
assustada com o movimento das tropas viesse a soffrer? D. Maria
Leopoldina pela graça das maneiras e pela
[46]
caridade, conquistára o
coração do
povo, e havia n'esse affecto muita compaixão, porque se
affirmava que D. Pedro com os seus desatinos fazia chorar a
princêsa, tão loura e tão
meiga. Decidiu-se que o padre Góes, um dos presentes, iria
pôr o principe sciente das occorrencias. No conceito dos que
acreditam na cumplicidade do filho de D. João VI, a visita
não passou de ardil
para levar ao conhecimento do comparte a nova
resolução dos conjurados. De feito se
não podia acertar com explicação mais
sympathica aos que allegassem mais tarde haver visto o padre
Góes a tal hora extraordinaria na quinta da Boa Vista. Sem
tempo que perder, os militares dispersaram-se de prompto. Juntamente
com a policia guardavam a cidade essa noite praças do
batalhão 15.
O seu official, ás duas horas da madrugada, percorreu os
postos e distribuiu sessenta cartuxos a cada uma d'ellas com ordem de
acudirem ao Rocio no caso de conflicto. Por esse tempo a artilheria
montada sob o commando do capitão João Carlos
Pardal, rodava sinistramente de S. Christovão, onde
aquartelava, para o sitio ajustado, na ignorancia absoluta do chefe. O
capitão Luiz Antonio do Rego, do brilhante
batalhão dos caçadores do Rio,
caçadores de terra, como se dizia, estava tão
informado do sentir dos seus homens como do proprio commandante, com a
differença que os primeiros professavam o liberalismo mais
ardente e este era reaccionario ferrenho. Sorrateiramente como
ladrão penetra no quartel e de mansinho desperta os soldados
um a um e lhes murmura ao ouvido a grave decisão. Foram dos
primeiros a apparecer no Rocio. Tão luzido como este e seu
rival era o batalhão
[47]
dos caçadores de Portugal dirigido por Valente, defensor
acerrimo do regimen em vigor.
Ainda assim Garcez compromettera-se trazer o corpo á
revolta. Lograra fazer sair parte dos homens, quando Valente surgiu e
intimou aos soldados tornassem á caserna.
Garcez de arma em punho obrigou-o ao silencio sob pena de o
amordaçar para todo o sempre com uma bala. As
praças proseguem na marcha, e Garcez, em acordando do
estupôr, correu a annunciar a el-rei o terrivel successo. As
tropas brasileiras compareceram todas, sem enthusiasmo apparente,
todavia, porque o empenho dos indigenas era deixar ás
forças
portuguêsas a liquidação do regimen.
Com o instincto dos seus interesses que tanto existe nos individuos
como nas collectividades, o partido brasileiro reservava a sua
iniciativa e o seu supremo esforço para as
questões que divisava no horisonte.
Não havia outra razão para a sua attitude
apagada, pois que o odio do americano ás
instituições dominantes era porventura mais
energico ainda do que a aversão que lhes votava o reinol,
menos exposto ás violencias do recrutamento e e aos
caprichos da auctoridade do que os filhos da terra. Ao atilado
Silvestre Pinheiro não passou despercebido o plano dos
brasileiros
[62].
Ou porque não houvesse tempo de ser prevenida ou porque,
mais disciplinada, lhe repugnasse a revolta, a marinha não
forneceu contingente algum. Pouco antes do tiro da alvorada surgiu de
improviso o brigadeiro Carretti, a quem
[48]
os officiaes offereceram o commando das
forças, e as tropas com as quaes se não contavam,
começaram a affluir, testemunhando a unidade do pensamento
do exercito. Já o povo se ajuntava nas ruas circumjacentes,
e ás janellas assomavam vultos despertados com o insolito
rumor. Ao alvorecer D. Pedro appareceu a cavallo com um papel na
mão, apenas seguido de um creado, e, por entre
aclamações delirantes, se dirigiu ao meio da
praça, no claro deixado pelos regimentos e artilheria, onde
se achavam o brigadeiro Carretti e os conjurados civis.
Serenados os vivas a el-rei e á
constituição de Portugal, leu então o
decreto de 24 de fevereiro, que não se tornára
ainda publico e o qual deveria ter sido lavrado depois da carta
vehemente de Palmella em que se queixava da
mutilação do seu projecto aceito no conselho de
ministros. Outorgava ao Brasil a carta constitucional do Reino com as
modificações convenientes
ás condições particulares da antiga
colonia. Macambôa, calmo e respeitoso, pediu
licença para uma
declaração. O povo e as tropas solicitaram o
juramento d'el-rei ao pacto social em elaboração
nas côrtes de Lisboa, e na qual collaborarião os
deputados brasileiros, sem alteração alguma. Em
seguida, não sem audacia, apresentou os nomes das pessoas
que deviam succeder aos ministros actuaes e a outros altos
funccionarios. O principe, que já estivera no
paço, de onde trouxera o novo decreto, ahi volveu novamente
para submetter ao pae os votos dos rebeldes.
N'este comenos os conspiradores convidaram o senado da camara a se
ajuntar na sala do Theatro S. João, mais tarde S. Pedro de
Alcantara. De volta ao Rocio, ás sete horas da manhan,
[49]
D. Pedro communicou que o
soberano annuira em todos os pontos aos desejos da multidão,
e dictou ao escrivão da camara o auto do occorrido, no qual
confirmava em nome do pae, a promessa jurada de dar ao Brasil a
constituição, tal qual a fizessem as
côrtes da antiga metropole. Com os principes assignaram o
instrumento os novos ministros, os vereadores e os funccionarios de
vulto. Ás 11 horas appareceu o velho monarcha festejado com
phrenesi, e populares em delirio, julgando que bestas não
eram dignas de puchar semelhante varão, ajoujaram-se com
convicção á lança da
traquitana. Do terraço do Theatro o rei sanccionou o
juramento prestado pelo filho.
As demonstrações de regosijo, manifestadas por
alguns dias, tanto nos navios surtos na bahia como na cidade,
attingiram proporções de que não houve
outro exemplo no Brasil. Melhor que as ruas embandeiradas e cobertas de
folhas de mangueira, que os cantos e as bandas de musica nos largos,
que os festões de lanternas chinêsas nas sacadas,
que os applausos estrondosos com que os espectadores acolhiam as
allusões ao novo regimen, enxertadas pelos actores nos
dialogos, melhor que tudo isso, testemunha o enthusiasmo do commercio e
das classes lettradas, o seguinte facto: uma
subscripção corrida no theatro a favor
das tropas, alcançou o algarismo phantastico de trinta
contos. A certeza de que o socego e a liberdade dos cidadãos
não estarião mais na
dependencia do arbitrio das auctoridades e de que o fructo do trabalho
não soffreria mais ataques provindos de emprestimos
forçados e da
repartição caprichosa dos impostos, explica
cabalmente que jámais se reproduzissem no Rio transportes de
enthusiasmo tão vivos nem tão persistentes. A
[50]
independencia servia aos
brasileiros e a abolição
aos escravos; a carta, constitucional, porém, aproveitava a
todos, porque a propria gente servil se não sonhava com a
liberdade, esperava que sob o novo regimen se attenuarião as
angustias de sua miserrima condição.
Não ha louvores a que não tenham direito os
conjurados. Não indicaram nenhum dos consortes para os
cargos publicos, nem procuraram desaggravar-se de homens que na policia
e no negregado juizo da inconfidencia traziam os moradores mais
pacificos expostos a vexames. Designaram pessoas que exerciam, ou
haviam exercido com louvor, funcções publicas.
Nos officios
portuguêses succediam a portuguêses e brasileiros a
brasileiros, com que se tornava evidente a harmonia entre os
irmãos de áquem e d'além-mar.
Entre os nomeados havia personagens que davam realce á
familia portuguêsa. José da
Silva Lisboa, mais tarde visconde de Cayru, o novo inspector dos
estabelecimentos litterarios e presidente da commissão de
censura, alliava conhecimentos vastos de uma sciencia nova, a economia
politica, á cultura classica, e certamente não
exergaria ideias subversivas em todas as reformas apregoadas pelos
publicistas. Fôra, aliás, um dos mais ardentes
propugnadores da abertura dos postos brasileiros ás
nações amigas,
quebrando d'esse modo o deprimente monopolio commercial. Occupou a
pasta da marinha o vice-almirante Ignacio da Costa Quintella, brilhante
homem do mar e fervente amador das boas lettras. Para escrever cousas
immortaes bastaria relatar os seus feitos. Acima de todos refulgia o
novo ministro da guerra e dos extrangeiros, Silvestre Pinheiro
Ferreira, cuja fama transpôs as fronteiras
[51]
da patria nas asas da philosophia e
do Direito Publico.
Nunca, talvez, assistiu nos conselhos da corôa em Portugal um
espirito no qual confluissem em tão subido grau e com
harmonia mais perfeita, a humanidade, a intelligencia, o liberalismo e
a instrucção.
[63]
Com esses varões de
longa notoriedade havia outros menos conhecidos mas que não
desmentiram o acerto da escolha e ganharam renome nas lutas do
imperio
[64].
Macambôa procedeu com habilidade e prudencia exigindo para o
Brasil em toda a integridade a constituição
portuguêsa. Assim
sobre-grangêar o apoio das tropas e dos reinoes, tirava ao
monarcha e á chusma dos cortesãos, velleidades
reaccionarias, a pretexto de conter aquella lei artigos inadaptaveis ao
reino americano. Havia, além d'isso, suspeitas
ácerca da lealdade da
corôa, tanto mais que acquiescêra ao novo regimen
coagida pelas tropas, e as côrtes geraes inspiravam
[52]
confiança
immaculada a todos os liberaes. O homem mais influente
então, não só
no congresso de Lisboa mas em todo Portugal. M. Fernandes Thomaz, por
seu espirito democratico, instrucção e
honestidade, fazia prever na futura constituição
a responsabilidade dos ministros, a repartição
egual dos tributos por todas as
classes, a publicidade das contas do erario e o maior respeito
á liberdade e á propriedade dos
cidadãos, todos os artigos, em summa, já
inscriptos na lei de Cadix, a qual devia servir, aliás de
modelo ao pacto social por vir.
O regresso de D. Pedro, resolvido pela provisão de 18 de
fevereiro, com os successos de 26, ficava de novo indeciso e constituia
questão ardente que dividia os animos. Cumpria no entanto
assentar quem iria a Lisboa, se o principe, se o soberano, restaurar a
união da monarquia na realidade desfeita desde que a
revolução se senhoreara do velho reino e estava
em via de o organizar sem dependencia da corôa e do Brasil. O
ministro da marinha, o vice-almirante Monteiro Torres, o ministro da
fazenda, o conde de Lousan e o vice-almirante Quintella, propugnavam o
embarque do soberano com considerações
ponderosas. No Brasil o rei não podia sanccionar com
brevidade os artigos constitucionaes á medida da sua
approvação no
congresso. Protrahido, por conseguinte, o periodo revolucionario,
não era loucura temer que acabasse por gerar desordens.
Accrescia que os promotores da revolta que não comprehendiam
a regeneração
sem a transferencia da côrte para a antiga séde da
monarchia, não se contentarião com a assistencia
do herdeiro do throno. Demais, como havia o soberano sujeitar
á auctoridade central do Brasil
[53]
a Bahia, que presta homenagem á
assembléa constituinte, sem estar em Lisboa?
Os argumentos de Silvestre Pinheiro, partidario da permanencia de D.
João VI no reino americano, não valiam menos. Em
virtude da indisciplina das auctoridades militares e civis
não via senão o soberano que fosse capaz de
conter a anarchia imminente no Brasil. Temia uma
constituição demasiado democratica e defeituosa
por causa da confusão dos poderes da carta constitucional
hespanhola, a que se devia cingir o congresso português.
Justamente porque estando em Lisboa, devia o rei approval-a
immediatamente, optava para que não abandonasse elle a
antiga colonia. O tempo necessario á viagem da Europa ao Rio
com amortecer as paixões nascidas dos debates publicos,
tornaria os espiritos mais dispostos a aceitarem
resoluções da Corôa,
provavelmente repellidas na hypothese de breve intervallo entre a
votação e a assignatura régia.
Rendendo-se ao voto da maioria do conselho, D. João VI
lançou aos 7 de março a
nova do seu retorno á patria e da estada no novo reino como
regente do filho mais velho, até a
promulgação da lei fundamental.
Através do documento se enxergava quanto doía ao
infeliz rei separar-se da terra onde vivera mais de trêze
annos com saude e tranquillidade, para se installar na patria agitada e
de triste memoria. Mais de um d'esses rudes filhos das margens do Douro
que labutavam no Rio, não contiveram a
commoção perante a
confissão do soberano que partindo fazia «um dos
mais custosos sacrificios» de que era capaz. Ao mesmo tempo,
annunciava a publicação das providencias para a
eleição dos deputados do Brasil ás
Côrtes
[54]
Geraes e julgava conveniente a vinda immediata dos nomeados a fim de
poderem embarcar com a familia real e a sua comitiva
[65].
O clero, o commercio, o funccionalismo e os proprietarios representaram
contra a resolução
de D. João VI.
[66]
Das petições
conhecemos na integra a que a classe commercial dirigiu ao senado da
camara para demover el-rei do seu proposito. Os negociantes, na
generalidade portuguêses, importa não esquecer,
impugnaram a disposição régia por dous
motivos: o
dever do soberano de residir no mais importante dos seus estados, e
Portugal, que «pouco vale e póde por si»
certamente não disputaria o primado ao novo reino. No caso,
porém, de não ser possivel fixar-se a
côrte n'esta parte do Atlantico, ella devia
estancêar alternadamente nas duas
secções da monarchia
[67].
A esta razão
ajuntava-se uma outra que tinha talvez o primeiro logar no animo
previdente e perspicaz dos peticionarios: o receio de que a
trasladação da realeza para a Europa reconduzisse
o Brasil á condição de
colonia, vindo a restaurar-se o monopolio mercantil a favor da antiga
metropole.
Assim antes que na assembléa constituinte se discutissem
providencias contra o ultramar americano e soasse a voz de revolta de
José Bonifacio, os portuguêses do Rio haviam
levantado a questão formidavel da séde da
monarchia, a qual tornou uma das divergencias fundamentaes no congresso
entre os representantes de um e outro reino, e haviam
lançado o germen
[55]
de desconfiança contra o poder
legislativo de Lisboa.
D. João VI ouviu com prazer a leitura d'esse memoravel
documento, apresentado pelo senado da camara. Se não deferiu
ao pedido desistindo do intento, não fixou tão
pouco a epoca de sua realização.
Bastou esta simples omissão para estimular nos que anhelavam
pelo retorno do soberano a suspeita de que se não
effectuaria.
Constituiam esses o mais vigoroso partido e pertenciam a classes que
até agora não haviam imaginado a possibilidade de
se unirem.
Eram os cortesãos, saudosos dos vastos solares, e que se
não habituavam ás descommodidades do Rio e
«á falta de gente branca»
[68]; eram os
soldados arrancados pela violencia do recrutamento ás
cidades e campos de Portugal, e que se não resignavam ao
exilio; officiaes anciosos mais que nunca do regresso, na
esperança de promoções, em
consequencias das vagas no exercito do Reino pelo licenciamento de
numerosos militares inglêses, em geral de patente elevada, e
eram os caixeiros, quasi todos portuguêses, fascinados da
liberdade, os quaes com os brasileiros formavam a parte nobre do
partido em razão de não attenderem a
conveniencias
pessoeas.
No conceito d'estes nada se podia esperar do filho de D. Maria, que
annuira ao regimen constitucional constrangido e vivia entre palacianos
a quem nutria largamente na ociosidade.
[56]
Talvez mais que
todos desejava o embarque do monarcha o filho mais velho, o qual para
promover os aprestos da esquadra, retardados com o pretexto de falta de
dinheiro, recorreu á bolsa farta do visconde de Asseca, o
presidente da junta do Commercio
[69].
Nos cafés, nas lojas da rua Direita e da rua da Quitanda e
nos quarteis commentavam em termos desairosos ao soberano, a sua
obstinação em não partir. Embarcaria?
O facto de se apparelharem os barcos não significava na
realidade que largarião ferro. Podiam ahi apodrecer. Quem
assegurava que não metterião n'elles D. Pedro e
outras pessoas desagradaveis ao governo? O unico meio de o fazer partir
é empurral-o para bordo, porque o homem não anda
senão a toque de caixa. A toque de caixa deixou Portugal, a
toque de caixa deu a constituição, a toque de
caixa
tomará o caminho da Europa.
A ditos semelhantes, transmittidos ao governo por informantes seguros,
succederam avisos de que ia estalar um motim dentro de tres dias, para
estimular o desventurado D. João VI a sair barra
fóra. A tropa de linha e as milicias, compostas de
empregados do commercio, escorvavam as armas e não falavam
senão em voltar ao Rocio. Sem poder contar com a policia,
suspeita de connivencia com a opposição, o
governo estava de antemão condemnado a subscrever
ignominiosamente todas as exigencias que approuvesse á tropa
formular. Silvestre Pinheiro entendeu que
[57]
só um acto extremado proveniente do soberano, e
assás atrevido para atemorizar os adversarios em tropel no
paço e nas casernas, rehabilitaria a autoridade
desprestigiada e desopprimiria a cidade do medo de anarchia. O principe
real vivia cercado de «má gente»
[70], e
nem sempre se
esquivava á influencia de «homens
depravados», os quaes certos do seu apoio commettiam
insolencias e aconselhavam sublevações. Para o
resguardar do contacto com tal gente, não o bastava reter no
palacio, porque ahi iriam procural-o: devia el-rei ordenar-lhe se
recolhesse á fortaleza de Santa Cruz. O acto que tomava
assim a fórma de prisão, ganhava mais
força por testemunhar a resolução do
rei de punir os suspeitos de mais alta graduação.
D. João VI rejeitou o
alvitre, demasiado audaz para a sua natureza timorata. O principe,
informado do conselho, detestou desde então o ministro e
não lhe chamava
senão «Pinheiro Silvestre»
[71].
Silvestre Pinheiro foi mais feliz com outro parecer: D. Pedro
convocaria a
officiaes
para lhe expôr os boatos de
insubordinação
attribuidos ao exercito e exigiria de cada um d'elles o protesto
solemne de não agir senão de conformidade com as
instrucções emanadas «por via
regular da secretaria do Estado». Era fazel-os jurar que
não obedecessem ao principe sob qualquer pretexto. D. Pedro
desmentiu o rumor, e os outros ministros julgaram risivel a
proposição. Como, porém,
não tinham outro argumento, e ao principe regular e
decentemente não era licito furtar-se
[58]
á incumbencia, vingou o
alvitre, e a
opposição adormeceu por algum tempo.
O jurar uma carta constitucional por fazer, creava um problema que se
antolhava insoluvel: como governar emquanto se não
constituisse
a nova
lei? O
rei e os seus
ministros sem hesitação entenderam que a machina
administrativa continuaria a marchar sob o impulso dos usos e
alvarás em vigor. O povo com acerto ponderava que sendo o
fundamento do regimen constitucional a sua
participação nos negocios publicos, nada mais
legitimo que a creação de um conselho sem cujo
assentimento não poderia a corôa agir em casos de
monta. Urgia, de mais, o estabelecimento da junta para varrer a
suspeita de que o juramento da constituição
não
passara de farça do despotismo para illudir a cidade. Os
liberaes representaram ao ministerio n'esse sentido. O governo sem
coragem para repellir de frente a proposta, considerada destruidora do
principio da auctoridade, differiu o despacho com intuito de frustrar a
petição.
A este erro grave, a corôa sobrepôs outro que
sobresaltou grandemente a população. Nos
primeiros dias de março mandou recolher á
fortaleza de Santa Cruz, sem o communicar a Silvestre Pinheiro, a cujo
cargo estava o forte como ministro da guerra, o visconde de S.
Lourenço, Targini, o famoso thesoureiro-mór, o
almirante Rodrigo Pinto Guedes e os desembargadores Luiz
José de Carvalho e Mello e João Severiano Maciel
da Costa. O almirante avisado a tempo logrou fugir.
Por muito viva que fosse a alegria do povo com a prisão de
Targini execrado por causa dos peculatos que se lhe attribuiam,
não attenuou a
[59]
indignação formidavel provocada pela violencia
contra aquelles magistrados merecedores do respeito publico, e cujas
opiniões liberaes não eram ignoradas. Do ultimo
formava Silvestre Pinheiro o mais subido conceito: alliava á
energia grande capacidade e tinha «a mais bem merecida
reputação de liberalismo, mas de liberalismo,
fundado em principios de moderação e de solida
doutrina».
Não demonstravam estas arbitrariedades a urgencia de um
conselho saído do povo para cohibir os abusos do poder?
Não tinham os patriotas razão de crer que a
adhesão do rei ao regimen constitucional era mais de
apparencia que de substancia?
Até hoje se não sabe porque foram presos. Para
ficarem ao abrigo dos desacatos da multidão, allegava o rei;
argumento improcedente por serem os reclusos, salvo Targini, geralmente
bemquisitos.
Por causa de suas idéas republicanas, informa Mello
Moraes,
[72]
Silvestre Pinheiro explicava a violencia
como manifestação da anarchia
governamental. Parece, em verdade, não haver outra causa. Se
todos sentiam a liberdade ameaçada com tão
flagrante acto de despotismo, mostravam-se por egual inquietos
ácerca da situação
economica. O desapparecimento do ouro e a insolvencia do banco emissor,
do banco do Brasil, em razão de não saldarem os
seus compromissos o governo e os fidalgos, depreciando continuamente o
papel moeda, reduzia a fortuna particular, affectados particularmente
os trabalhadores,
[60]
porque o salario não augmentava na
proporção da alta do ouro.
Como se não bastassem esses motivos de descontentamento, a
corôa e os seus ministros irritaram a susceptibilidade dos
patriotas com desconhecer, acaso mais por ignorancia ou por
força de habitos seculares do que por calculo, a solicitude
d'elles pela causa publica. Estavam prestes as naus, imminente a
partida do monarca e se não conheciam os secretarios de
estado de D. Pedro nem, até, as
attribuições da
regencia. Murmurava-se apenas que estas conferiam ao principe real a
autoridade mais ampla. Os partidarios do constitucionalismo bradavam
que se infringia o novo regimen, deixando de submetter ao povo as
instrucções com as quaes governaria o paiz o
preposto d'el-rei, clamor tanto mais justo que o verdor dos annos de D.
Pedro e a influencia exercida sobre elle por homens violentos ou de
moralidade suspeita, faziam temer praticasse desatinos, se lhe
não assistissem ministros experimentados. Cada dia que
passava, desenvolvia o sobresalto da cidade. Silvestre Pinheiro
julgando legitima a anciedade publica, propôs um alvitre para
a dissipar. O ministro do reino convocaria os eleitores das comarcas,
os quaes concorriam ao Rio, para a designação dos
que deviam nomear os deputados ás côrtes, e lhes
apresentaria os nomes dos ministros do principe assim como o regimento
com que este administraria o Brasil, regimento que o rei sanccionaria
depois de ouvido o parecer do eleitorado
[73].
[61]
Certamente que algumas dezenas de cidadãos, que
não exprimiam nem, até, o sentir da provincia do
Rio, não eram o orgão legitimo da vontade
nacional, mas significava o facto a
disposição do monarcha de seguir, tanto quanto
lhe permittia o aperto das circumstancias, o novo regimen.
A proposta passou no conselho com a modificação,
suggerida pelo ministro do reino, de presidir a assembléa o
desembargador ouvidor Joaquim José de Queiroz, e deram-se
logo as providencias necessarias ao seu cumprimento immediato e
á tranquillidade publica. Antes de tudo urgia conter o
exercito. Convocados na sala do Theatro S. João os
commandantes e officiaes da 1.ª e 2.ª linha que
desassocegavam o governo, o governador das armas, Carlos Frederico
Caula, depois de haver em termos breves demonstrado o dever do exercito
de se conservar neutro nas lutas politicas, jurou fidelidade
á
constituição portuguêsa e á
familia real e que não seria instrumento de nenhum dos
partidos. Um a um os officiaes repetiram o protesto solemne. Ao mesmo
tempo publicava-se o edital convidando os eleitores a se reunirem no
dia immediato na praça do commercio a fim de apresentarem os
seus diplomas e de tratarem de assumptos connexos. Através
do vago de um dos fins da
convocação, propositalmente feito para
não despertar a curiosidade, o povo descobriu o verdadeiro
objecto da assembléa: el-rei ia submetter ao eleitorado as
instrucções que intentava deixar á
regencia e os nomes dos ministros de D. Pedro. Sem embargo de ser
sexta-feira da Paixão, observada com gravidade no povo, que
n'esse dia trajava de preto, elle esqueceu os deveres religiosos para
se occupar
[62]
inteiramente
da politica. A escassez do tempo visto que a reunião se
effectuava no dia immediato, determinou actividade febril nos que
tomavam a peito os negocios publicos.
Construiram-se bancadas, com dinheiro recolhido por
subscripção, para o publico na sala da proxima
assembléa, adornando-se o local reservado aos eleitores.
Publicaram-se memorias que corriam de mão em mão
com assentimento da policia. Os typographos renunciaram ao
descanço e protestavam não deixar os prelos
emquanto houvesse trabalho.
O enthusiasmo animava todos na marcha para a liberdade, um dos estadios
da qual ia ser transposto, por coincidencia, reputada auspiciosa, no
mesmo dia em que se festejava a resurreição de
Christo. Os mais exaltados lembravam á surdina que era
tambem o anniversario da execução de Tiradentes.
Já havia mais de 160 eleitores e continuavam a affluir dos
outros recantos remotos da provincia. Eram na maioria lavradores,
commerciantes e medicos, que deviam ter as particularidades dos que
vivem no campo, onde vêm quasi sempre as mesmas pessoas e
estas em pequeno numero; simples e acanhados, reflectidos e de pouco
falar. Em desempenho do mandato recebido dos concidadãos,
affrontaram as descommodidades de longa jornada, através de
caminhos difficeis, e o movimento estonteador da capital. Alguns eram
tão carregados de annos que mal podiam andar, outros traziam
a saude compromettida. Todos homens dignos e devotados ao bem publico.
Diz um contemporaneo que eram «a flôr da
provincia». Silvestre
Pinheiro reconhece que eram «pessoas das mais capazes que se
poderião imaginar».
[63]
Cedo as archibancadas se encheram de espectadores. Os soldados entravam
sem armas e os paisanos depositavam no vestibulo as bengalas. Mal
soaram quatro horas, o ouvidor tomou a presidencia e convidou para
secretarios o português José Clemente Pereira, um
dos promotores da Independencia, e o brasileiro Joaquim
Gonçalves Ledo, muito conceituado pela eloquencia incisiva e
mais tarde um dos redactores intemeratos do Reverbero. No recinto
reservado, dividido das archibancadas por solida balaustrada, estavam a
mêsa da presidencia e os eleitores, desageitados nas roupas
das ceremonias solemnes, muito amarrotadas por causa da estreiteza das
canastrinhas de onde acabavam de emergir. O silencio não
podia ser mais profundo quando o presidente começou a
lêr o decreto dos poderes da regencia. Finda a leitura, das
bancadas pediram a repetição, por haverem
escapado muitas phrases. O presidente passou o papel ao coronel
José Manoel de Moraes, que de logar elevado e em voz
resoante e pausada, satisfez a solicitação. De
accordo com a
determinação da corôa, o presidente
perguntou aos eleitores se tinham alguma
observação que fazer a respeito do assumpto. Os
chefes de partido, conforme se ajustara préviamente, podiam
fallar, e o presidente aguardava, acaso, um discurso, quando, em
côro, a maioria proclamou se adoptasse interinamente a
constituição hespanhola. Era o voto do partido
brasileiro composto dos indigenas e dos portuguêses
domiciliados no novo reino. A maior parte d'elles não
conheciam a carta constitucional invocada, mas o bom senso indicando
que devia garantir a liberdade e a propriedade, á mingua de
outra adoptava essa
[64]
lei para subtrahir os interesses geraes e particulares ao arbitrio de
um
principe muito joven e accessivel a influencias suspeitas, tanto mais
que n'ella, consoante o compromisso tomado pelos revolucionarios da
metropole, se deviam inspirar os constituintes para a feitura do pacto
social. Os partidarios de D. Pedro e do conde dos Arcos,
assás numerosos, aterrados de semelhante
resolução, que tolhia os planos de seus chefes,
balbuciaram apenas alguns protestos timidos. Os que hostilizavam com
egual desabrimento o conde dos Arcos e a acção
dos brasileiros nos negocios publicos, defensores do absolutismo e do
mais rigoroso regimen colonial para o reino americano, fracos em numero
mas fortes pela intensidade da paixão, que constituiam a
terceira parcialidade, aventuraram ditos cheios de odio e fel.
Nem a estes energumenos nem aos protestos da
facção de D. Pedro, a maioria, no prazer da
victoria, prestou attenção, e pediu se
lavrasse immediatamente o auto do juramento da
constituição acclamada. Emquanto se
lançava o termo, alguem,―seria
Macambôa?―ponderou a utilidade de haver com a regencia,
além dos ministros escolhidos pela corôa, um
conselho que os eleitores designarião. Era a
renovação da
idéa contida no requerimento, que o governo recalcitrava em
não despachar. O parecer vingou a despeito da
impugnação de Duprat, de Lisboa. Este
«mancebo ardente e espirituoso», que trazia no
cerebro idéas claras e precisas dos ascendentes
francêses, declarou com energia que se não devia
cuidar de outra cousa que mandar in-continentí uma
deputação levar a el-rei o têrmo do
juramento.
[65]
Era a questão primaria e urgente, da qual convinha
não divertir os espiritos.
O lente de mathematicas Antonio José do Amaral, o padre dr.
Francisco Ayres da Gama, o illustrado Antonio Rodrigues Velloso de
Oliveira, desembargador do Paço e ex-chanceller do
Maranhão, e o desembargador Francisco Lopes de Sousa, que
formavam a commissão incumbida de levar a el-rei as
resoluções da
assembléa, não puderam saír
senão tarde. A noite era tenebrosa e chovia. Dirigiram-se a
pé ao paço da cidade seguidos da caixeirada que
os acclamava. Presentidos, os moradores assomavam ás
janellas, illuminadas em festa: os homens saudavam-nos com enthusiasmo
e as mulheres atiravam-lhes beijos e flores.
Informados pela rainha em pessoa que D. João VI se achava na
quinta da Boa Vista, transportam-se para lá em seges. O rei
escolheu-os com urbanidade na presença do principe real e
dos semanarios. Um dos membros da deputação
explicou os votos da assembléa. Adoptada a carta
constitucional da Hespanha, ponderou, o principe tinha regras fixas de
comportamento e resguardava-se do risco de comprometer a sua
popularidade com decisões mal acolhidas do povo. D.
João VI pediu tempo para consultar os secretarios d'Estado,
reunidos em outra sala. A materia era, todavia, conhecida de todos;
emissarios d'el-rei e dos ministros da guerra e do reino, presentes
á assembléa já lhes haviam communicado
os desejos dos eleitores, e então ficara assentado, sem
opposição de D. Pedro, que o monarcha aceitaria,
a constituição de Cadix e não daria
juizo sobre o conselho antes de conhecer os nomes dos que o deviam
compôr. Novamente submettida a questão
[66]
aos ministros, estes
mantiveram o voto anterior. Lavrou-se então o decreto
mandando observar «estrícta e litteralmente no
reino do Brasil a constituição hespanhola
até o momento
em que se ache inteira e definitivamente estabelecida a
constituição deliberada e decidida pelas
côrtes de Lisboa»
[74].
Logo que teve noticia da partida da commissão para S.
Christovão, D. Pedro, persuadido de que o populacho a
acompanharia e receoso de desacatos por parte delle, mandara defender
por um batalhão de infanteria e um parque de artilheria a
Quinta e destacára outro corpo para o campo de Sant'Anna,
passagem forçada para S. Christovão. Ao mesmo
tempo o governador das armas por prudencia retinha promptos nos
quarteis os batalhões portuguêses. Foram aquellas
manobras que determinaram os boatos de movimento de forças
contra a praça do commercio?
O que é certo é que os eleitores e os assistentes
sobresaltados com a ausencia prolongada dos deputados deram credito
áquelle rumor e começaram a crear conjecturas
assustadoras, que tudo servia para confirmar. Um assignalava que se
não descobria na sala um só official da
divisão portuguêsa; outro dizia que as patrulhas
se multiplicavam em torno do edificio. As
explicações sensatas dos mais calmos e a
dispersão dos policiaes pelo respectivo commandante,
não logravam conter a apprehensão em crescimento
a cada minuto de demora da deputação.
Soou então um boato infernal: o rei retinha os commissarios
e apparelhava-se para embarcar
[67]
ao romper da alvorada. Houve a maior
agitação. Não se podia na verdade,
imaginar mais doloroso desengano a esses homens, que ha vinte e quatro
horas viviam na espectativa anciosa de uma nova era. Surgiram
proposições extremas. Qual julgava conveniente a
opposição a todo o transe
á partida do rei, qual entendia que para o prender no Rio
bastava remover das náus os cofres do Estado e as barras de
ouro.
Um eleitor da Candelaria propôz uma ordem, estrondosamente
acclamada, ás fortalezas para não
deixar saír embarcação nacional ou
estrangeira, mercante ou de guerra, até que fossem deferidos
os votos da assembléa. O empenho de haver uma
constituição avassallava todos os espiritos, tal
qual nas côrtes geraes da revolução
francêsa. A junta eleitoral incumbiu ao tenente general
Joaquim Xavier Curado, valente militar brasileiro e cheio de
serviços á patria, e ao
coronel José Manoel de Moraes de transmittirem a
resolução aos fortes, e a despeito da hora
avançada da noute se metteram em escaler para a cumprir
acompanhados de alguns curiosos. O governador das armas foi tambem
constrangido a confirmar aos commandantes das fortalezas a mesma
injuncção.
Por um d'esses lances dramaticos que o Destino se compraz em crear na
vida dos homens, apenas haviam partido os portadores d'essa
intimação que chegavam os deputados. A
assembléa resfolegou desopprimida e os festejou, feliz de os
vêr sãos e livres. Um eleitor,
sargento-mór de policia, de voz bem timbrada, leu mais de
uma vez o novo decreto. Renasceu a alegria tão ruidosa
quanto commovente, soaram vivas; abraçavam-se uns aos
outros; muitos choraram e todos
[68]
á porfia se mostravam reconhecidos ao soberano, a quem
se referiam com expressões de ternura filial.
Em virtude de haver clareado a assembléa apenas conhecidas
as resoluções
régias, o presidente propoz se fizesse em outra
occasião a escolha do conselho de D. Pedro. Os partidarios,
porém, da eleição immediata, tenazes e
energicos, não tiveram difficuldade em triumphar da
resistencia, que a tal hora da noute podiam oppôr, eleitores,
que o cansaço e as
commoções combaliam. Não havia n'esse
empenho a intenção mais leve de molestar o
monarcha, senão de affirmar o direito do povo de interferir
nos negocios publicos, pois que os votos recahiram nas pessoas
designadas pela corôa para ministros da regencia, com
excepção do desembargador
Sebastião Luiz Tinoco substituido por Martins Francisco
Ribeiro de Andrade.
Emquanto taes successos occorriam na praça do commercio,
tomavam-se graves alvitres na quinta da Boavista. O descontentamento
dos cortezãos e de algumas pessoas da familia real com a
outorga da constituição hespanhola se estendera
e se transformara na mais vehemente indignação,
conhecida a intimação aos fortes. Os ministros a
uma voz consideraram o acto prova evidente de
insubordinação e concordaram na urgencia de
reduzir a assembléa atrevida. Na maneira de executar a
ultima determinação
é que appareceu a divergencia de Silvestre Pinheiro. O
ministro, que sem outro apoio que o talento e a
illustração, galgára a culminancia
social, guardava a lembrança das angustias que na infancia e
adolescencia compartira com o povo. Conhecia quanto soffria dos abusos
da auctoridade e
[69]
quanto fel deixam na alma os desenganos successivos na longa jornada
para o
reinado da justiça. A explosão do desespero
exprimia tantas afflições acumuladas, que merecia
mais piedade do que repressão.
Aconselhou, todavia, restabelecer a supremacia da auctoridade punindo o
descommedimento mas com a benignidade compativel com a
exaltação dos animos nas côrtes.
Oppunha-se a que as tropas sitiassem a praça do commercio,
attenta a impossibilidade de se poder contar com o sangue frio d'ellas
e dos officiaes perante as massas populares, os quaes, a seu turno, se
irritarião com o desdobramento imprevisto das
forças.
Demais, não assistia ao governo o direito de cercar
individuos reunidos com o consentimento do mesmo governo para se
occuparem de negocios publicos. Em virtude da
fermentação dos animos previra esses desatinos,
e, por isso aconselhara a consulta ao eleitorado em local reservado e
sem assistencia do publico.
Os que então o combateram intentavam agora conter os
excessos resultantes da propria imprevidencia com apparato militar mais
apropriado a provocar os brios de uma assembléa do que a
acalmar meia duzia de demagogos. A ordem dada ás fortalezas
não passava de fraqueza dos eleitores para com alguns
violentos, no intuito de evitar propostas mais desvairadas, fraqueza
muito commum nas reuniões politicas. Não era
outrosim licito castigar a multidão por crimes de alguns.
Propunha a concentração dos regimentos nas ru
Os que então o combateram intentavam agora conter os
excessos resultantes da propria imprevidencia com apparato militar mais
apropriado a provocar os brios de uma assembléa do que a
acalmar meia duzia de demagogos. A ordem dada ás fortalezas
não passava de fraqueza dos eleitores para com alguns
violentos, no intuito de evitar propostas mais desvairadas, fraqueza
muito commum nas reuniões politicas. Não era
outrosim licito castigar a multidão por crimes de alguns.
Propunha a concentração dos regimentos nas ruas
confluentes á Bolsa, mas á consideravel distancia
d'ella, e obrigava-se a fazer despejar o edificio sem
perturbação da ordem.
[70]
Não receava tão pouco escapassem ás
auctoridades os demagogos, conhecidos de todos.
A eloquencia de Silvestre Pinheiro não dissuadiu os collegas
do emprego das armas para dissolver a reunião. Dous eram
officiaes e enxergavam na injuncção aos fortes a
mais grave das indisciplinas; e o civil, o conde de Lousan, absolutista
ferrenho que mais tarde serviu a D. Miguel com
dedicação, entendia que o povo não
tinha senão obrigações. Correu
violento o debate, e não faltaram doestos e
ameaças ao mais humano dos ministros.
Vencido, Silvestre solicitou a sua exoneração;
recusava-se terminantemente a cumprir a
deliberação do conselho no sentido de assaltar a
Bolsa. Negou-lh'a o rei, e deu-lhe plena liberdade de
acção.
Silvestre sahiu immediatamente a executar o seu plano. O governador das
armas iria á Praça communicar ao presidente a
necessidade de encerrar a assembléa, e distribuiria
companhias pelas ruas adjacentes para tolherem o transito para a Bolsa
e apprehenderem os energumenos notorios, que forçosamente
passariam por ellas. O ouvidor, que continuava a presidir o
ajuntamento, á intimação do general
Caula, pediu
apenas meia hora para concluir a nomeação do
conselho e assignalou a boa tranquillidade e o bom humor dos eleitores
e do publico. N'isto se levantaram boatos de que se congregavam no
Rocio differentes batalhões. Duprat em termos patheticos
conjurou ao general velasse pela segurança dos
cidadãos reunidos com assentimento da corôa.
O general prometteu sob palavra de honra que as forças
não
avançarião e tomou o caminho do Rocio. De feito
ahi se ajuntavam a divisão
[71]
portuguêsa e os batalhões
brasileiros sob o commando do general Caretti. O governador das armas,
em nome do ministro da guerra, intimou-o a não mover as
tropas para a cidade antes que viesse de S. Christovão, onde
ia pedir a el-rei esclarecimentos ácerca de tão
extranho facto.
Silvestre Pinheiro postou-se numa das ruas para sustar a marcha das
forças. Não tardou Caula em volver com a nova,
annunciada a Silvestre Pinheiro, da desfilada impendente dos regimentos
lusitanos contra a Praça de conformidade com as
instrucções regias. Ahi acabara-se de proceder
á eleição e muitos já se
haviam
retirado. O secretario arranjava os documentos, quando correu voz, que
os soldados avançavam. Todos acudiram á porta,
atravancada pelos que, sahidos ha pouco, retrocediam aterrados:
approximava-se a artilheria e nas ruas lateraes scintillavam as
bayonetas aos primeiros clarões do dia. Uma companhia de
caçadores postando-se defronte da entrada principal
descarregou no interior do edificio cincoenta tiros sem aviso
prévio. Os assaltados fecharam as portas. Uns atiraram-se ao
mar e outros esconderam-se. O desembargador J. da Cruz Ferreira
salvou-se a nado e o lente de mathematicas, o sabio Antonio
José do Amaral, achou abrigo numa sumaca. Arrombadas as
portas, a soldadesca perseguiu os desventurados como se fossem lobos,
diria o conde dos Arcos. Houve tres mortes, entre as quaes a de um
eleitor a quem os annos tolhiam os passos. Muitos foram gravemente
feridos; José Clemente Pereira recebeu uma profunda cutilada
na coxa. Macamboa, o padre advogado, a quem tanto deve
portuguêsa e os batalhões
brasileiros sob o commando do general Caretti. O governador das armas,
em nome do ministro da guerra, intimou-o a não mover as
tropas para a cidade antes que viesse de S. Christovão, onde
ia pedir a el-rei esclarecimentos ácerca de tão
extranho facto.
Silvestre Pinheiro postou-se numa das ruas para sustar a marcha das
forças. Não tardou Caula em volver com a nova,
annunciada a Silvestre Pinheiro, da desfilada impendente dos regimentos
lusitanos contra a Praça de conformidade com as
instrucções regias. Ahi acabara-se de proceder
á eleição e muitos já se
haviam
retirado. O secretario arranjava os documentos, quando correu voz, que
os soldados avançavam. Todos acudiram á porta,
atravancada pelos que, sahidos ha pouco, retrocediam aterrados:
approximava-se a artilheria e nas ruas lateraes scintillavam as
bayonetas aos primeiros clarões do dia. Uma companhia de
caçadores postando-se defronte da entrada principal
descarregou no interior do edificio cincoenta tiros sem aviso
prévio. Os assaltados fecharam as portas. Uns atiraram-se ao
mar e outros esconderam-se. O desembargador J. da Cruz Ferreira
salvou-se a nado e o lente de mathematicas, o sabio Antonio
José do Amaral, achou abrigo numa sumaca. Arrombadas as
portas, a soldadesca perseguiu os desventurados como se fossem lobos,
diria o conde dos Arcos. Houve tres mortes, entre as quaes a de um
eleitor a quem os annos tolhiam os passos. Muitos foram gravemente
feridos; José Clemente Pereira recebeu uma profunda cutilada
na coxa. Macamboa, o padre advogado, a quem tanto deve a liberdade, e o
brilhante Duprat, recolhidos ao carcere, foram tratados com
desapiedade. O conde
[72]
dos Arcos julgava conveniente enforcal-os «para
exemplo».
Voltemos á quinta da Boa Vista. Partido Silvestre Pinheiro,
a colera dos cortezãos explodiu com violencia. Valiam-se da
intimação
ás fortalezas para capitular de anarchico o eleitorado e
constranger o monarcha a dispersar á bala a
reunião, punir os mais exaltados, não receber a
deputação dos eleitores que lhe devia submetter
os nomes dos membros do conselho e, até, revogar a outorga
da constituição hespanhola. D. João VI
cedeu abjectamente em todos os pontos. Ordenado ataque á
Bolsa, decretou que resolvêra negar ao Brasil a carta
constitucional de Cadix por lhe ter sido sollicitada «por
homens mal intencionados e que queriam a anarchia».
[75] O
fundamento da nova deliberação não
resiste á analyse. Além dos eleitores, sobre os
quaes demos o juizo dos coevos, constituiam o comicio negociantes,
medicos, advogados, officiaes e empregados do commercio, a quem
não aproveitava a desordem. A gentalha ficara excluida da
Praça, que não era logar publico. Os que
apresentaram ao soberano as decisões da
assembléa,
não mereciam tão pouco a
imputação de demolidores
da sociedade. Eram varões de notoria respeitabilidade e dous
delles exerciam a magistratura. A verdade é que preoccupadas
exclusivamente com os seus interesses e animadas com a fidelidade do
exercito, as facções não hesitaram
em induzir o rei a faltar ignominiosamente ao compromisso solemne
tomado com o seu ministro da guerra e com o eleitorado. Talvez
não caiba ao monarcha
[73]
a responsabilidade das violencias
das armas portuguêsas, mas se lhe não pode tirar a
auctoria da annullação do decreto que punha em
vigor provisoriamente a constituição hespanhola,
annullação praticada certamente sem energica
suggestão alheia, porquanto se ajustava á
maravilha com o seu odio ao regimen representativo. Silvestre Pinheiro
assignala que na manhã de 22
achara
o rei abatido. A bondade
de D. João VI não ultrapassava a affabilidade no
trato e a
compaixão por infortunios de certos validos. Não
era sanguinario mas lhe faltava absolutamente a
preoccupação de justiça para com os
vassallos, e a caridade publica interessava-lhe muito menos que a
milicia e as artes. Nas demasias dos soldados contra a Bolsa
não foi a sua humanidade que se affligiu senão a
sua dignidade, mortificado com a revelação de
haver no paço outra
vontade que a sua.
A commoção na cidade foi das mais intensas. Os
commerciantes desertaram para todo o sempre o edificio manchado de
sangue, e o denominaram, num cartaz affixado sobre a porta:
«Açougue de Bragança«[8] Por _Antigo_
entendem os Artistas as
mais bellas esculpturas, que nos restão dos antigos
Gregos, e Romanos; taes como a Venus
de Medicis, o Apollo, o Laoconte, o Gladiador,
etc.
[76].
Não
perdoaram á corôa o ataque imprevisto contra
homens inermes e congregados por convite do ministro. Se os
descommedimentos da assembléa auctorizavam a
intervenção da justiça, esta
não devia começar por aggressão
tão cruenta quanto covarde.
Á administração mais inepta
não era difficil apurar as responsabilidades de uma
assembléa, quando se conhecia quem a presidira e quem ahi
provocara desconcertos.
[74]
O rei, que se sentia dominado pela vontade mais energica do filho e por
conseguinte despojado da soberania, providenciou então
ácerca do seu embarque com diligencia singular em natureza
tão apathica. Aos 22 lançou a provisão
que nomeava D. Pedro regente com as attribuições
mais
largas. Na realidade só lhe era vedado fazer-se representar
no estrangeiro, prover os bispados e concluir tratados de paz
definitivos; fóra disso, exercia todos os actos de soberano,
e as
limitações impostas a alguns exprimiam preito
mais apparente que real ao monarcha. Assim cabia-lhe escolher os
funccionarios e estes entrarião immediatamente no exercicio
dos cargos; mas os diplomas seriam submettidos á assignatura
do rei. Os poderes da regencia vigorarião até
á promulgação da carta constitucional
em preparo nas côrtes. Assistirião a D. Pedro o
conde dos Arcos na pasta dos negocios interiores e exteriores, e o
conde de Lousan na da fazenda; o marechal Carlos Frederico Caula na
repartição da guerra, e Manoel Antonio Farinha na
secretaria da marinha.
No dia 24, ao cahir da noute, D. João VI esgueirou-se para
bordo no silencio tragico da cidade
[77].
CAPITULO IV
SUMMARIO:
As responsabilidades do crime de 21 de abril.―O conde
dos Arcos.
Lançado o decreto de 22 de abril que prohibia a
applicação provisoria ao Brasil da lei
fundamental da Hespanha, o rei aprestou-se para embarcar immediatamente
convencido de que «no meio do desenfreamento das
paixões e da
insubordinação das tropas não tinha o
livre exercicio de suas
attribuições
soberánas»
[78].
Declara-o a Silvestre Pinheiro, e a analyse de semelhante
confissão revela não ser infundado o sentir dos
contemporaneos
[79],
que faziam D. Pedro e o conde dos Arcos responsaveis
da carnificina da Bolsa e do quasi perjurio do soberano para com o
ministro da guerra e para com os eleitores. A gravidade da
accusação e a
circumstancia de se basear em conjecturas exigem desenvolvimento da
materia mais longo do que desejavamos.
O rei «commovido» auctorizara Silvestre Pinheiro a
despersar a reunião da Praça conforme
[76]
julgasse mais conveniente, e o ministro da
guerra não tinha a duvida mais tenue sobre a fidelidade das
tropas. Não é licito suspeitar da sinceridade
do velho monarcha nem tão pouco suppôr que o chefe
do exercito, diligente e sagaz, se illudisse ácerca dos
sentimentos dos militares. O facto, pois, do soberano considerar-se
decahido do poder supremo significa que, em partindo o ministro da
guerra para executar os seus planos, houve alguem bastante poderoso
para constranger o rei a revogar as suas ordens sob pena de perder a
auctoridade sobre as tropas. E o rei cedeu para fugir a um conflicto
que lhe tiraria o resto do prestigio. Como nenhum dos ministros nem
nenhum dos cortesãos intimidava D. João VI,
é no seio de sua familia que devemos procurar quem se achava
em condições de lhe impôr taes
villanias. O maior inimigo do rei era a esposa,
[80], mas lhe
não assistia influencia alguma sobre o marido nem a cercavam
o respeito e a estima dos palacianos a termos de crear uma corrente
bastante forte para actuar sobre o chefe da dynastia. Os negocios
publicos não interessavam a D. Miguel, apenas com 19 annos.
Resta D. Pedro. Principe herdeiro com assistencia nos conselhos da
corôa e muito querido do exercito, nenhum outro se achava em
melhor situação para agir sobre um espirito
timorato, qual o do Rei. Este, aliás, devia temel-o, porque
a sua desconfiança instinctiva, propria dos fracos,
inclinava-o certamente a acolher o rumor publico que considerava o
successor da corôa um dos promotores do levante de 26 de
[77]
fevereiro. D. Pedro não era máu filho, mas
soffria facilmente a acção dos que o cercavam, e
entre estes occupava agora a preeminencia na privança o
insinuante conde dos Arcos. «O conde dos Arcos
está com o principe no maior auge de valimento de que ha
idéa, escrevia em tres de abril á esposa o conde
de Palmella, a ponto de ir S. A. Real visital-o a casa todos os
dias»
[81].
O conde não era mais deshumano nem mais injusto que a maior
parte dos homens, mas o que o singularizava dos seus semelhantes, era o
gosto desenfreado do mando, para satisfazer o qual não
recuava deante dos excessos mais reprovados. A sua attitude
tão arbitraria quanto feroz na repressão do
levante pernambucano de 1817 não teve outra causa. Receoso
de perder o governo da Bahia por causa do desfavor crescente do rei, a
sua inquietação confinava com o delirio aos tres
de março. «Sou coberto de
affrontas, escrevia, e sou até ameaçado de
castigo no tremendo nome d'el-rei nosso senhor. Oh! meu
Deus!»
[82]
Aos seis de março estalou a revolução
em Pernambuco, immediatamente divulgada na Bahia. O conde aproveitou
com soffreguidão o ensejo para readquirir o valimente
régio e assegurar o mando. Levantou forças
consideraveis e usurpou attribuições privativas
da corôa com o
fim de inculcar a gravidade da conjuntura. Mandou executar o padre Roma
julgado por commissão militar tres dias depois de preso, sem
por conseguinte, submetter a sentença ao poder magestatico.
[78]
Nas proclamações aos soldados ordenava o
fuzilamento
sem processo dos pernambucanos, que não marchassem
immediatamente com as forças legaes contra os insurrectos.
Não lhe
importavam as leis da humanidade e as garantias da defêsa,
com tanto que alcançasse victoria,
tanto mais brilhante quanto mais rapida para estar na graça
do soberano. Como hesitaria semelhante indole em arcabuzar os
eleitores, se não havia outro meio para poder governar o
Brasil consoante os seus intentos?
Quem era o conde dos Arcos? De sua vida os livros e os archivos
não revelam senão o
trecho decorrido na antiga colonia, e isto pela rama. Por influencia do
ministro das colonias, o visconde de Anadia viera ao Brasil assumir o
governo do Pará.
[83]
A intelligencia, a energia e a
habilidade patenteadas nesta administração, que o
protector solicito não deixava de salientar aos olhos do
principe regente, deram-lhe aos trinta e cinco annos de edade o logar
mais proeminente a que podia aspirar um português
fóra da metropole, o vice-reinado da colonia transatlantica,
do qual foi investido aos 21 de agosto de 1806
[84]. Pouco tempo,
porém, exerceu o cargo que o seu vehemente desejo de renome
e dotes assignalados de administrador auguravam fertil em beneficios
para o ultramar americano. De feito chegada a familia real ao Rio em 8
de março, o principe regente tomou a
direcção suprema do Brasil, repartindo-a com os
que o coadjuvavam em Lisboa.
[79]
Era o mesmo gabinete com a differença de que o conde de
Linhares substituia na pasta dos extrangeiros e da guerra a Antonio de
Araujo, excluido dos conselhos da corôa por intrigas e
rivalidades da côrte. Não havia nessa
organização ministerial logar para o ex-vice-rei.
Superintendia a secretaria da Marinha o seu antigo protector, o conde
de Anadia; os negocios da fazenda publica estavam confiados ao egregio
D. Fernando de Portugal, que durante cinco annos exercera com applauso
o vice-reinado do Brasil e de quem recebera D. Marcos a investidura do
regimento da colonia. Não podia tão pouco o
illustre fidalgo disputar a pasta dos extrangeiros ao conde de
Linhares, a qual, vista a situação perturbada da
Europa, precisava de homem experimentado nos meneios da diplomacia e
bem acceito da Inglaterra, mais que nunca arbitra dos destinos de
Portugal. Não consta que se queixasse então o
conde. Parece, porém, que a sua
ambição insoffrida se manifestou em doestos aos
que iam preenchendo na alta administração as
vagas abertas continuamente pela morte de servidores de edade
avançada ou que não resistiam á
mudança de clima ou de habitos. Morto o conde de Anadia,
substituiu-o no ministerio o conde das Galvêas; fallecido o
commandante das armas, tomou-lhe o posto o Marquês de
Angeja
[85].
Emquanto se davam cargos a homens cheios de annos e de
achaques, os quaes não podiam acudir ás
necessidades de um paiz em formação, falto dos
melhoramentos mais
elementares, negligenciava-se a actividade do ex-vice-rei,
[80]
malbaratadas as suas
forças em
funcções secundarias que o tolhiam de dar
expansão ao seu genio administrativo. A injustiça
era, em verdade, por demais flagrante para não attrahir ao
astuto preterido sympathias. Julgou acertado a corôa, para
enfraquecer, talvez, o partido dos descontentes, provel-o no governo da
Bahia por acto de 30 de outubro de 1810.
De feito os seus amigos e admiradores se não illudiam na
apreciação de sua capacidade
governamental. Promoveu a marinha e o commercio; melhorou as
fortificações; creou novos corpos de milicias e
construiu a Praça do Commercio. Ao mesmo tempo que promovia
a força e a riqueza, não se esquecia de
desenvolver a cultura intellectual, multiplicando as escolas e fundando
a bibliotheca publica. Não se descuidou tambem do recreio
dos moradores; abriu um jardim publico e favoreceu a
terminação do theatro S.
João. O espirito de justiça e as maneiras
captivantes do capitão general e, de outro lado, o alvorecer
das sciencias e das artes na velha cidade, despertaram o reconhecimento
dos seus filhos, caracterizado com eloquencia no titulo de sua primeira
gazeta,―A Idade de Ouro, apparecida em 14 de maio de 1811
[86]. Nunca
houve talvez governador mais querido. Depois de muitos testemunhos de
estima e gratidão, os habitantes, á sua partida,
intentaram dar-lhe um que lhe aproveitasse aos descendentes
através dos seculos. Requereram ao rei licença
para a instituição
[81]
de
um vinculo de cem contos a favor de D. Marcos
[87].
Não se enganava D. Marcos de Noronha e Brito, como se
chamava Arcos, quando suppunha que na repressão fulminante
da revolta de Pernambuco se lhe deparava opportunidade de reconquistar
a bemquerença do monarcha. De feito na
organização ministerial de 24 de junho de 1817
coube-lhe a pasta da marinha e do ultramar. A sua passagem n'esta
importante secretaria não deixou, todavia, traços
dignos de menção. Na discussão ardente
sobre os
acontecimentos revolucionarios de Portugal e as providencias
applicaveis a um e a outro reino, o seu papel foi tambem dos mais
apagados. Conhecem-se as idéas de Palmella e de Thomaz
Antonio, expendidas anteriormente; de Arcos apenas se sabe que
«mostrava sentimentos cavalheirescos e tambem boas
intenções, posto que
assás vagas e indefinidas»
[88].
Comprehende-se, até certo ponto, ahi a sua reserva, porque
ao invez dos collegas que pleitêavam a partida do principe,
pretendia ficar com este no Brasil. O que se não
alcança,
porém, é que continuasse a envolver em mysterio
os planos de governar o Brasil durante a regencia de D. Pedro. Nem o
velho monarcha logrou conhecel-os.
[89].
A nosso parecer nada dizia porque nada tinha que dizer. Era
administrador e não politico. Contava
[82]
reger
o Brasil como governara a Bahia, esquecido de que as circumstancias
haviam mudado. Agora não preoccupavam o povo os
melhoramentos materiaes mas sim o empenho de limitar a
acção do poder e fixar as suas
relações com os cidadãos e de dar a
estes parte activa na direcção dos negocios
publicos.
CAPITULO V
SUMMARIO:
Medidas da regencia―Descontentamento
crescente do povo―Deputados do
Rio―Votação―Regulamento
eleitoral―Recrutamento―As bases
constitucionaes―Revolução de 5 de
junho―Destituição do conde dos Arcos―Targini―A
calumnia no Brasil e em Portugal.
Partido o monarcha, o regente sob a inspiração do
conde dos Arcos, intentou dar a edade de ouro ao Brasil, conforme a
ironia de Silvestre Pinheiro. Prohibiu a prisão sem culpa
formada e sem ordem escripta do juiz; aboliu as algemas, as torturas e
açoutes
[90];
augmentou os vencimentos das tropas, que
já murmuravam; supprimiu o imposto de 2%, o qual agravava as
mercadorias isentas de tributo especial. Dos actos meritorios,
porém, nenhum certamente mais o devia recommendar ao
reconhecimento dos povos que a reforma do imposto do sal. O tributo
[84]
de 750 reis por
alqueire, que pesava sobre esta parte essencial da
alimentação, opprimia as
industrias pastoril e da pesca. Perdiam-se couros e carnagens, a salga
de um boi representando duas e tres vezes o seu valor. A conserva do
pescado era tambem impossivel, e com isto padecia não
só a gente que fazia do peixe salgado a principal
subsistencia senão ainda a industria de transportes com
augmentar a deficiencia dos carregamentos para a Europa, ao que
attribuia o seu deperecimento a marinha portuguêsa. Era
tão
precioso o sal que um prato delle constituia no interior um dos
presentes mais festejados
[91].
A regencia reduziu o imposto a oitenta
reis por alqueire
[92].
Nos derradeiros dias de maio, realizaram-se as
eleições dos deputados fluminentes para as
côrtes geraes, e este acto que devia alvoroçar o
povo como o primeiro passo para o regimen representativo tão
almejado, correu sem enthusiasmo
[93].
É que o governo
não lograva grangear a estima publica; ao contrario, quanto
mais exercia actividade, tanto mais a população o
execrava na pessoa do conde dos Arcos, reputado a alma da
administração, sem attentar na
excellencia das medidas. Nestas enxergava actos de
usurpação da assembléa legislativa e
não reconhecia á regencia outros direitos que os
da
conservação da ordem e
fiscalização dos serviços
publicos,
[85]
isto é, as rigorosas
attribuições do poder
executivo.
Todos sentiam a imminencia de graves acontecimentos no Rio, e mais
interessantes ao progresso do Brasil do que a
collaboração de seus filhos na futura carta
constitucional da monarchia; e por isso ninguem queria ser deputado,
mas o desapêgo não ia ao ponto de se descuidar da
eleição. Assim a lei facultava o meio de remover
o embaraço nascido da falta de candidaturas brasileiras, e
era nomear portuguêses domiciliados na comarca ha mais de
sete annos. Não escasseavam entre elles varões
distinctos por virtudes e letras, capazes de defender com
dedicação os interesses da terra de sua
residencia, e que gostosamente aceitarião a viagem
á patria
investidos da honra de figurar no congresso. Nem se cogitou disso,
porque o eleitorado, por commum sentir que nobilita os
portuguêses que delle faziam parte, não admittia
para o Brasil outra representação que
não fosse
constituida exclusivamente por seus naturaes.
Vencidas as resistencias do Dr. Luiz Nicoláu Fagundes
Varella e do bacharel J. S. Lemos Brandão, o bom homem da
roça, como lhe chama Vasconcellos Drummond
[94] completou-se o
numero com fluminenses estabelecidos em Portugal. Eram elles o bispo de
Coimbra, D. Francisco de Lemos, o bispo d'Elvas, D. J. J. da Cunha de
Azevedo Coutinho, o bacharel Luiz Martins Bastos, e substitutos o
medico Custodio Gonçalves Ledo, residente no Porto, e o
bacharel
[86]
em
mathematicas Francisco Villela Barbosa. O egregio D. Francisco de
Lemos, altamente conceituado por Pombal,
[95]
que o incumbira da regencia
da universidade de Coimbra, por causa da edade excedente de 86 annos,
não aceitou o encargo, e o substituiu Villela Barbosa. A
morte arrebatou D. José de Azevedo Coutinho,
inquisidor-mór e antigo bispo de Pernambuco, dous dias
depois de entrado nas côrtes. O ascendente, que lhe dava a
intelligencia exclarecida e a
situação social, certamente se faria sentir na
assembléa de modo proveitoso. Era um espirito positivo mas
não destituido de originalidade. Na obra assás
festejada―Ensaio Economico,―ao par de idéas hoje banaes,
ou até condemnadas, ha
conceitos que mereciam a prova da pratica. Assim suggeria de se
utilizar na marinha o indio, cuja natureza resistente mais incapaz de
esforço prolongado no mesmo sentido, se adaptaria,
porventura, á variedade de occupações
da vida do
mar, lardeada de regabofes nos portos.
Villela Barbosa, ulteriormente marquês de
Paranaguá, deixara a marinha de guerra com o posto de major
para se applicar ao magisterio. Leccionava com lustre mathematicas na
academia Real de Marinha, e trabalhos de valor lhe abriram as portas da
Academia Real das Sciencias. Era incontestavelmente o mais notavel
membro da representação fluminense, e a despeito
de se achar ausente do Brasil desde
1787
concebeu as suas necessidades
e participou da febre
[87]
de suas
aspirações na crise proxima como se acabara de o
deixar
[96].
A harmonia do partido luso-brasilico, como se dizia, promanava
não só da perfeita unidade de vistas dos
patriotas senão tambem do numero exiguo de eleitores.
Não passavam de 15, e a votação se
repartiu do seguinte modo: Fagundes Varella e D. José de
Azevedo Coutinho, onze votos; Martins Basto, nove; D. Francisco de
Lemos e Lemos Brandão, oito; e os supplentes Ledo, oito, e
Villela Barbosa, 13
[97].
Susposto já não matasse nem torturasse a
inquisição, e se satisfizesse com encarcerar os
suspeitos de heresia, não deixa de causar extranheza, visto
o passado sinistro do temeroso tribunal, que haja sido dos mais votados
em periodo de reforma liberal o chefe da
instituição D. José de Azevedo
Coutinho.
A explicação deve residir no prestigio do
venerando fluminense assim como na indulgencia e brandura com que os
magistrados inquisitoriaes exerciam desde alguns annos o seu formidavel
ministerio.
O governo revolucionario de Portugal por decreto de 18 de abril
determinara a applicação ao ultramar americano do
regulamento de 22 de novembro observado pela antiga metropole nas
eleições para as côrtes geraes, sem
mudança capaz de influir na
representação. Cada provincia
[88]
daria
tantos deputados quantas vezes tivesse o numero de trinta mil
moradores, e no caso do excesso da povoação
chegar a 15 mil almas,
designaria mais um representante desprezada a differença que
não attingisse o ultimo algarismo.
Para o calculo da população se serviu em Portugal
do cadastro de 1801 e no Brasil aproveitou-se em geral do computo de
1808, o qual dava 2.323.386 habitantes livres
[98].
Não era defeso á provincia que se julgasse lesada
com aquelle calculo, por não exprimir mais a verdade,
proceder a novo recenseamento. Assim aconteceu no Rio de Janeiro, mais,
todavia, por não haverem sido comprehendidas as
instrucções de Silvestre Pinheiro do que pelo
empenho de corrigir o cadastro de 1808, e o resultado desfavoreceu a
comarca. De feito o novo arrolamento estimou os moradores livres em
159.281 ao passo que pelo anterior a côrte e a comarca
apresentavam 235.079. Por isso, em vez de sete deputados como
autorizava o calculo de 1808, se fôra mantido, não
mandamos a Portugal senão cinco.
[99].
Os
deputados
além das despezas da viagem, arbitradas e pagas por suas
provincias, percebiam do erario publico 4$800 réis fortes
por dia. Os contemporaneos julgavam excessivo o subsidio
[100]. A
eleição era de quatro graus e singularmente
complicada. Em cada freguesia sob a presidencia da auctoridade
judiciaria ou municipal, reuniam-se no concelho ou na Egreja, os
cidadãos domiciliados ahi para a
eleição dos compromissarios. Nomeados, estes
designavam
[89]
immediatamente o eleitor
parochial. Por cada duzentos fogos havia um eleitor paroquial escolhido
por onze compromissarios. Os eleitores parochiaes ajuntavam-se no
domingo immediato na cabeça da comarca para indicar por
escrutinio secreto os derradeiros eleitores, os quaes reunidos na
capital da provincia no domingo seguinte, nomeavam os deputados. O
numero dos eleitores era trez vezes o numero dos eleitos. Elegiam-se os
deputados por escrutinio secreto e successivamente. Deviam ter mais de
vinte e cinco annos, ser natural da provincia ou residir n'ella ha mais
de sete annos
[101].
Acaso com o intuito de dispensar as forças
portuguêsas cada vez mais ameaçadoras, a regencia
commetteu nos ultimos dias de maio o acto mais proprio para rematar a
indignação do povo: mandou proceder a energico
recrutamento
[102].
Das cousas que mais vexavam a
população nenhuma disputava a preeminencia ao
alistamento forçado no exercito. Recaía sobre
infelizes
privados de protectores e que de ordinario haviam incorrido no
desagrado caprichoso dos mandões. Os trabalhadores
desertavam os campos e as officinas em procura de esconderijos nas
mattas. A miseria surgia nas familias, desapparecido o varão
laborioso que as alimentava. Muitos amputavam dedos da mão
direita para allegar a impossibilidade de manejarem as armas de fogo,
quando soava a noticia que o governo recrutava. E o que
[90]
tornava a violencia
particularmente odiosa era que os mancebos ricos ou poderosos escapavam
ás garras da auctoridade.
A agitação dos animos por essa medida tomou novas
forças com a chegada das bases da
constituição, promulgadas em 10 de
março. Levantada no conselho da regencia a
questão se deviam ser juradas, o conde dos Arcos ponderou
que emquanto não viessem copias authenticas d'ellas, era
como se não existissem para o governo. Este adoptou o
alvitre com grande sobresalto da opinião
[103], a qual enxergou
na
allegação do fidalgo o empenho de dilatar o
regimen arbitrario. De feito o argumento, forte á primeira
vista, não resiste, comtudo, á
consideração de que os artigos constitucionaes
vinham reproduzidos no Diario da Regencia, orgão official do
governo de Lisboa e dispensavam por conseguinte traslados regulares. D.
Pedro se excusará mais tarde de não os haver
jurado immediatamente por outros motivos, que não
são tambem mais concludentes. Allegará que
não podiam as referidas bases reger os povos do Brasil,
emquanto não as sanccionassem, de conformidade com o artigo
21, os seus legitimos representantes.
Ante a reclamação geral pela
applicação prompta d'ellas, não era
licito ao governo ter semelhante escrupulo. Demais, porque
não consultou ácerca de materia que tanto
interessava ao povo, os deputados e eleitores do Rio que ainda se
achavam na capital? O principe dirá tambem que jurada a
constituição em globo e sem
restricções
[91]
aos 26 de fevereiro, tornava-se desnecessario repetir o juramento
para cada uma das suas partes.
Ora n'aquelle dia se não jurara carta constitucional alguma,
porque ainda não existia e se tomara apenas o compromisso de
observar a lei fundamental em elaboração nas
Côrtes.
As bases além d'isso não eram um capitulo do
futuro codigo mas o resumo do proprio codigo. A regencia, por
conseguinte, não podia deixar de a jurar sem mentir ao
compromisso solemne de fevereiro.
Se havia alguem grandemente contrariado com o systema administrativo do
governo era o meticuloso conde de Lousan. As principaes
resoluções do poder, quaes o augmento de soldo e
a reducção de impostos não lhe
aproveitavam individualmente e traziam em apuros o homem publico a quem
se confiaram os interesses do erario.
De facto a fazenda real atravessava um dos momentos mais duros que
póde conceber o economista moderno. Devia mais de vinte
mêses de soldo aos voluntarios que guardavam as fronteiras do
sul, e estava em atraso com os funccionarios civis
[104]. Não
surprehende, pois, que o ministro das finanças pleiteasse a
execução immediata dos elementos da
constituição em toda a integridade, na
esperança de acabar com o regimen nefasto que diminuia a
receita e avolumava a despeza; não admira tão
pouco que, vencido no conselho, animasse as tropas contra o
tréfego Arcos a pretexto de ser a alma damnada
[92]
do regente na revolta encoberta
contra as Côrtes Geraes
[105].
Os secretarios de estado se não julgavam então
obrigados á lealdade mais elementar para com os collegas, e
hostilizavam-se mutuamente sem outra preoccupação
que o interesse da
repartição ou a defêsa do posto. A
solidariedade dos ministros, indispensavel á bôa
direcção dos negocios publicos e que se nos
afigura forma elementar da probidade, é conquista
relativamente moderna da moral e do Direito Publico, e não
procede, como era licito suppôr, do regimen representativo e
da existencia dos partidos. Macanlay informa que sómente ao
expirar o seculo XVII, quando, portanto, desde muito havia na
Inglaterra parlamento com whigs e tories, nasceu a solidariedade
ministerial, que pôz termo á guerra que os
secretarios de estado moviam entre si.
D. Diogo de Menezes não se singularizava, pois,
confraternizando com as tropas portuguêsas para se desfazer
do collega incommodo. O descontentamento d'aquelles regimentos procedia
do espirito liberal, que, avassallando todas as classes não
podia deixar de se transmittir aos officiaes e soldados, e da
solidariedade com o exercito do velho reino, o qual promovêra
a
revolução e considerava as côrtes sua
feitura. A estas razões accrescia a
preoccupação patriotica de trazer o ultramar
americano na dependencia absoluta da antiga metropole.
Propalou-se insidiosamente que Arcos encaminhava
[93]
o Brasil para a independencia.
Allegação absolutamente falsa. Protrahindo a
sancção das bases constitucionaes, o illustre
fidalgo não attendia a outros sentimentos que o amor do
mando illimitado e a fatuidade de não receber
instrucções de ninguem ácerca do
governo do Brasil, que pretendia conhecer melhor que todos. Recusara
receber lições de Silvestre Pinheiro em nome do
soberano, como as acolheria promptamente, de bom grado, das
côrtes geraes compostas de meia duzia de revolucionarios que
nunca haviam estado no novo reino?
O boato, porém, de que pretendia emancipar a antiga colonia
teve o effeito almejado de sobresaltar a divisão
auxiliadora. Informado de que os officiaes iam, em armas, exigir o
juramento das bases, o regente interpella um dos capitães,
que contesta o rumor e o lança á conta da
malevolencia.
Como crescessem denuncias cada vez mais precisas de proximo levante, D.
Pedro aventura-se a apparecer de madrugada no quartel de S.
Christovão, o foco da revolta. Manda chamar o
capitão Sá, apontado como um dos mais activos
conjurados, o qual apparece estremunhado «fingindo ter
somno»
[106].
Accusa-o de haver lançado
proclamações com o intuito de agitar o povo
«de si muito socegado», de levantar as tropas e
ameaça-o com a sancção rigorosa das
leis. Apenas sahia o principe destemido, que os clarins soam a chamada,
e o batalhão em armas irrompe do quartel para se encontrar,
conforme o conluio,
[94]
com outras tropas. Sem se
intimidar, D. Pedro volve ao palacio, onde devia presidir o conselho de
ministros, para com elles deliberar sobre o negocio. Ahi occorrem-lhe
á lembrança as queixas acerbas dos
batalhões contra o seu general por causa de uma ordem do
dia, e na ancia de não admittir limites á sua
auctoridade,
resolve sacrificar Avillez ao resentimento dos officiaes, sem attender
que semelhante acto significava a sujeição dos
chefes aos subalternos, a
negação mais formal da disciplina. O marechal
incumbido da commissão não tardou em tornar ao
paço com a noticia de não mais desejarem os
regimentos, em pé de guerra no Rocio, a demissão
de Jorge de Avillez. D. Pedro, que, ao contrario de D. João
VI, não conhecia o medo, partiu
in-continenti ao campo dos revoltosos. O general Avillez á
testa das forças portuguêsas
solicitou o juramento das bases. O principe annuiu promptamente mas
assignalou com vivacidade a injuria envolta em semelhante pedido.
Jurára a
constituição em 26 de fevereiro e não
tinha o habito de mentir á sua palavra. Em caminho,
porém, para o theatro, onde se devia protestar obediencia
aos novos preceitos constitucionaes, lembrou-se de appellar para o
povo, na esperança de achar nelle apoio para a resistencia.
Declarou então resolutamente que não prestaria o
juramento sem conhecer o sentir da população, da
qual o exercito era apenas uma fracção,
manifestado por aquelles que mereceram a confiança da
comarca. Convocados á pressa os eleitores dos deputados,
renovaram, á consulta do principe, por intermedio do padre
Narciso, as resoluções da famosa
assembléa da Praça do Commercio. Pediram a
sancção das Bases, que dispensavam a
constituição
[95]
hespanhola solicitada anteriormente, e a
creação de uma junta com poderes para
responsabilizar os secretarios de estado e sem a
approvação da qual se não
promulgarião decretos
[107].
Concordavam com a exoneração do conde dos Arcos,
reclamada pelas tropas. O principe rendeu-se aos votos geraes.
Trocaram-se então gentilezas de parte a parte como se os
houvera dividido mero equivoco, agora desfeito a aprazimento de todos.
D. Pedro rogou-lhes indicassem o successor de D. Marcos. Excusaram-se
com graciosidade, e não foram vencidos em bizarria, porque
deixaram ao regente a designação dos candidatos
á junta. Substituiu Arcos o desembargador Pedro Alvares
Diniz.
Elegeram a junta os eleitores que, haviam designado os deputados, e os
officiaes do exercito, na razão de dous para cada corpo
[108].
O estabelecimento dessa corporação, a quem
competia promover a responsabilidade dos ministros nos termos do artigo
31 das Bases, foi notavel conquista do liberalismo. Assistia-lhe a
faculdade de tomar conta aos secretarios de estado pela inobservancia
das leis e principalmente pelo que obrassem contra a liberdade, a
segurança e os bens dos cidadãos e pela
delapidação da fortuna publica; e sem o seu exame
não subirião
á approvação do regente os projectos
de reforma
[96]
resolvidos no conselho de ministros.
Não respondia de seus actos senão perante o
congresso constituinte. Nascida do povo e sujeita a uma auctoridade
remota tinha de facto a liberdade de acção mais
completa. A
subordinação ás Côrtes
Geraes, mais apparente que real, ao passo que lhe assegurava a
independencia, era uma homenagem ao maior poder actual da monarchia e
lhe dava as sympathias da metropole e das forças
portuguêsas que estancêavam no Brasil. Ao
revés dos povos do Pará, de Pernambuco, da Bahia
que investiram os seus governos locaes de
funcções legislativas, confundindo desse modo
jurisdicções distinctas no regimen
constitucional, os fluminenses mais felizes não
só não
cogitaram de exercitar o poder executivo mas acolheram com desprazer a
ameaça do regente de abandonar o posto, caso se renovassem
os motins.
Como os successos arrastaram a regencia para a independencia e
liberdade do Brasil, não teve o novo corpo politico
fiscalização que
exercer e assumiu, por isso, a attitude de espectativa aconselhada do
patriotismo.
O povo acclamou com enthusiasmo as resoluções de
5 de Junho, que o resguardavam do arbitrio do governo. Foi
principalmente no theatro, no correr do espectaculo, que se manifestou
o jubilo. Oradores e poetas celebraram a generosidade da regencia e os
beneficios da constituição. Cantou-se o novo
hymno, cuja lettra compuzera-a D. Pedro
[109].
Emquanto o principe
[97]
se deliciava ahi com as melodias do Engano
Feliz de Rossini e com as phrases ardentes de lisonja dos trovadores, a
soldadesca arrancava o conde dos Arcos e a filha para os conduzir
atropeladamente ao brigue 13 de maio com direcção
a Portugal. Os archivos não
divulgaram ainda os debates do conselho dos secretarios de estado
n'essa manhã fresca de junho, nem tão pouco o
derradeiro dialogo entre o regente e o ministro poderoso, enxotado do
governo pelo povo e pelas tropas. Que allegou o conde, ambicioso e
audaz, quando ahi se discutiam os seus actos, os seus alvitres e o seu
destino? Que disse ao principe, seu cumplice nos crimes de 21 de abril?
A imminencia da queda desenvolveu-lhe a intelligencia e os dotes
magnificos de seducção ou a visão dos
sonhos de
gloria desfeitos estatelou-o na mudez tragica da
desesperança? Por emquanto apenas sabemos que D. Pedro lhe
conservou o affecto até á ultima hora, como
decorre dos termos da permissão á filha para o
seguir «á sua filha dou
licença para o acompanhar a Lisboa para onde vossa
mercê se ha-de ir n'este correio
com bem
sentimento d'este seu amo e amigo»
[110].
Se, por conseguinte, os soldados comportarem-se brutalmente com o
ex-ministro na occasião do embarque, certamente
não obedeciam á ordem ou suggestão do
regente.
Não devemos encerrar o capitulo sem falar de Targini, cujas
contas de thesoureiro-mór foram approvadas durante a
administração de Arcos
[98]
e que atassalhado de todos com
violencia inaudita, symboliza o conceito formado pelo
português e pelo brasileiro dos que lidam com dinheiros
publicos: todos mais ou menos ladrões.
Quando Thomaz Antonio organizou o ministerio de 24 de junho reservou
para si os negocios do reino e delles separou a
administração da fazenda, a qual veiu desse modo
a constituir uma nova secretaria, confiada a João Paulo
Bezerra.
Parece que uma das razões de semelhante reforma estava,
não na falta de
ambição nem no desejo de aliviar-se de trabalhos
e cuidados inherentes á gestão das
finanças, mas no empenho de fazer fiscalizar
convenientemente o thesoureiro-mór accusado de peculato pela
voz publica. Quem melhor do que Bezerra para tal encargo? Era energico
e honrado, odiava Targini e era rabujento
[111].
Nove mêses
depois morria o titular da nova pasta e inteiramente
congraçado com o subalterno. Os negocios da fazenda voltaram
de novo á secretaria do reino, porque Thomaz Antonio
resolvêra surprehender as fraudes desse homem detestado e
detestavel que fascinava os chefes e deslustrava o governo. Como o
marquês de Aguiar, como o conde da Barca e Bezerra, todos
varões honrados, Thomaz Antonio, que os valia pela
moralidade, passou a estimar e a defender o barão de S.
Lourenço. Ufano da victoria, delle dizia este, que se nos
afigura leviano: Nunca vi poltro mais bravio tornar-se cavallo mais
manso
[112].
O povo, que acolhia com alegria
[99]
a substituição dos gestores da fazenda na
esperança da exauctoração de Targini,
desenganado esbravejava com mais e mais violencia ou na imprensa
portuguêsa de Londres desabafava-se com bom humor. Teve
então exito o annuncio que ia sahir do prelo um resumo da
Arte de Furtar do P.
e Antonio Vieira dedicado ao
barão de S. Lourenço
[113].
Affirmava-se com
segurança que o governador Montaury o expulsára
da escrivania do Ceará por peculato; que com vencimentos
annuaes de oito mil cruzados despendia trinta mil e ainda lhe restavam
recursos para construír um palacete em Matacavallos e
guarnecel-o de alfaias sumptuosas, tudo representativo de quatrocentos
mil cruzados
[114].
Na farta distribuição de mercês por
occasião do baptizado da princêsa Maria da Gloria
estalou grosso escandalo: o barão de S. Lourenço
elevado a visconde.
Sem mais indignação para tanta
desfaçatez o povo riu, e por toda a parte se cantou a quadra
que os velhos ainda repetem:
Quem furta pouco é
ladrão,
Quem furta muito
é barão,
Quem mais furta e esconde
Passa de
barão a visconde
[115].
Tornou-se tão odioso que o conde de Palmella julgava
necessario excluil-o da administração para que
qualquer governo merecesse a confiança
[100]
publica. Ha prova de que o monarcha sabia do
desconceito do thesoureiro-mór. Em 3 de março D.
João VI julgou necessario
pôr em custodia quatro personagens, dous desembargadores e um
almirante, cujas opiniões politicas n'essa época
de effervescencia, consoante o soberano, podiam servir de pretexto a
que fossem aggredidos por vinganças pessoaes, e Targini.
Targini, porém, foi recluso, não em virtude de
suas ideias politicas, que não as tinha, senão
para evitar que o povo aproveitasse o ensejo para o apedrejar, sem
aguardar o exame das contas da thesouraria
[116].
Volvido D. João VI á patria, continuou a
averiguação da responsabilidade do thesoureiro
sob a vigilancia de D. Pedro e do seu principal ministro, e estes a
despeito de amarem a popularidade tiveram de reconhecer a
exacção das contas. Ainda mais, verificada a
situação
pecuniaria do antigo servidor o regente por um d'esses rasgos de
generosidade que lhe eram habituaes, concedeu-lhe pelo decreto de 4 de
maio a pensão de um conto e seiscentos mil reis.
Foi tão grande a surprêsa que suspeitaram da
moralidade dos juizes, e ao libello contra D. Marcos, como designavam
familiarmente o conde dos Arcos, ajuntaram esse artigo
[117].
Eram veridicas as accusações contra S.
Lourenço? Não o acreditamos. Certamente os
differentes ministros sob cujas ordens servia o thesoureiro, homens
honrados e ciosos de bôa fama, alguns, até, seus
desaffectos, não deixaram de
[101]
proceder a diligencias ácerca das
arguições contra o subordinado e reconheceram que
tudo eram calumnias, desde a exclusão ignominiosa da junta
do Ceará aos gastos excessivos; calumnias determinadas,
porventura, pelo zelo com que defendia os interesses do erario,
exigindo com rigor o pagamento dos impostos e o cumprimento das
obrigações á chusma ávida
dos contractadores. Dizia-se mais tarde, adoptando a
locução da Arte de Furtar, que Targini tinha
«unhas mimosas», isto é, que
não sonegava ao thesouro mas lesava os credores do estado,
com lhes pagar com descontos, que, em vez de aproveitarem aos cofres
publicos, caiam-lhe na bolsa. Isto era ainda facil de apurar, porque os
contractantes, mediante queixas ao governo, obrigariam-n'o a abrir
devassa.
Caso, porém, preferissem resignação
manhosa na expectativa de reparar o prejuizo com
transacções futuras, ahi estavam as
despêsas immoderadas do thesoureiro a desafiar a suspeita dos
seus superiores e a legitimar a intervenção da
justiça.
O visconde de S. Lourenço era leviano no falar e tinha
gracejos de máu gosto, os quaes concorreram,
talvês, mais que as suas obras, para a sua
desconsideração. Conhecemos o que dizia de Thomaz
Antonio; com Vasconcellos Drummond foi, porventura, mais desazado.
Drummond, que devia partir em missão a Santa Catharina e Rio
Grande, foi despedir-se do thesoureiro, e como recusasse ajudas de
custo, concedidas habitualmente, advertiu Targini: Mame emquanto a
vacca dá leite
[118].
[102]
Semelhantes ditos, sem importancia proferidos por qualquer outro, na
bocca de um homem julgado ganancioso e deshonesto, se interpretavam
consoante o triste renome do que os enunciara.
Targini foi provavelmente mais uma victima da maledicencia e da
calumnia que caracterizam a raça portuguêsa com
relêvo, que lhe
não dão os olhos escuros e a cabelleira farta e
negra; vicios já assignalados com vigor, embora em tom
faceto, pelo padre Antonio Vieira.
Denegriram as individualidades mais altas de Portugal,
Camões e Affonso de Albuquerque, e continuam a deslustrar os
vultos proeminentes do velho reino e de sua antiga colonia. No Brasil,
politicos, jornalistas, administradores, todos os que se singularizam
em qualquer ramo de actividade humana, podem não
alcançar honras nem riquezas, mas certamente lhes
não faltará esse punhado de lama, que nem sempre
o tempo faz despegar da reputação.
Constituiria um capitulo interessante de psychologia social o estudo
das causas do desenvolvimento pasmoso dessa forma da perversidade
humana na familia luso-brasileira. A inquisição e
o systhema policial do marquês de Pombal, que occultavam ao
accusado o nome do denunciante e das testemunhas adversas, e, mais
tarde, a ignominia dos testas de ferro, envilecedores da nossa
imprensa, fazendo na realidade irresponsaveis a maledicencia e a
calumnia, contribuiram certamente para avigorar uma tendencia que
não precisava senão de estimulo para se tornar
uma das taras da raça.
CAPITULO VI
SUMMARIO:
Os deputados de Pernambuco.―Luiz do Rego.―Attitude
circumspecta das Côrtes em relação ao
Brasil.―A apprehensão da
independencia.―Organização do governo de
Pernambuco.―Distincção entre as juntas
acclamadas pelo povo e estabelecidas pelas
côrtes.―Resoluções
ácerca dos officiaes implicados na revolta de
1817.―Propostas de Araujo Lima e Moniz
Tavares.―Deputação fluminense.―O conde dos
Arcos.―Organização dos governos
ultramarinos.―Decreto sobre o regresso do principe.― Villela
Barbosa.―Os quarenta e dous presos politicos.
Se o Rio de Janeiro foi a capitania que primeiro procedeu ás
eleições para as
Côrtes Geraes, os deputados de Pernambuco, nomeados em 7 de
junho,
[119]
precederam a todos os compatriotas no congresso constituinte,
em consequencia do empenho de Luiz do Rego de patentear obediencia ao
poder legislativo de Lisboa e de restituir
[104]
serenidade aos animos. Para
accelerar a manifestação da vontade popular, o
governo, apoiado no voto da junta consultiva, creada por effeito da
revolução portuguêsa,
considerou o interior da provincia circumscripção
eleitoral distincta, no que andou com acerto, porque os representantes
do Sertão não puderam chegar ao Reino
senão demasiado tarde
[120].
Nenhuma das outras deputações se apartou da
patria com mais attenções do governo. Ao passo
que os mandatarios da Bahia embarcavam em péssima charrua,
como degredados para Angola, consoante o simile de Barata, os de
Pernambuco partiram em corvêta de guerra, apparelhada
expressamente e provida do confôrto e do luxo que a epocha
permittia
[121].
Eram elles, Domingos Malaquias de Aguiar Pires Ferreira,
Ignacio Pinto de Almeida e Castro, Felix José Tavares Lyra,
Manoel Zefirino dos Santos, Francisco Moniz Tavares e Pedro de Araujo
Lima. Supplentes: Antonio de Padua Vieira Cavalcanti e D. Francisco
Xavier de Lossio e Seibltz, os quaes não tiveram ensejo de
exercer o mandato.
Quasi todos pertenciam mais ou menos ostensivamente á
facção vencida em 1817; e um delles,
o padre Francisco Moniz Tavares, suspeito de cumplicidade com os
revoltosos, jazêra muitos mezes nos calabouços da
Bahia. Apaixonado e ardente, o sacerdote batalhador não
perdoava a D. João VI a crueza com que tratara os
revolucionarios, que se haviam comportado durante a
[105]
victoria, aliás
ephemera, com inexcedivel generosidade, e o seu odio concentrava-se
agora em Luiz do Rego, capitão general da infeliz capitania
desde 1817.
O capitão general, ao seu parecer, é facinora dos
mais perigosos, e os seus protestos de adhesão á
causa de Portugal e suas cortesias aos deputados, não passam
de actos de lisonja para se conservar indefinidamente no poder
[122]. O
exagero faz injustos os conceitos. Se Luiz do Rego incorre na
animadversão dos liberaes por haver hesitado
ácerca do acolhimento que devia reservar no territorio de
sua jurisdicção ao novo regimen,
proclamado em outras partes do Brasil, e por ter intentado mais tarde
guardar o mando que cabia á junta de conformidade com os
votos do povo, inspirado nos exemplos de Portugal, Bahia e
Pará, merece tambem louvor por mais de um titulo.
Não só não empregou
a violencia no interesse de sua ambição mas ainda
exerceu a auctoridade com o apoio de uma parcialidade tão
importante, que é licita a duvida sobre a illegitimidade de
suas funcções. O que, comtudo, o devia
recommendar á indulgencia dos adversarios é a sua
humanidade em favor dos que continuavam a gemer nos carceres por causa
do levante de 1817. Raramente se depara em papeis officiaes tanto
calor, tanta commoção como mostram os seus
officios ao monarcha solicitando o indulto para aquelles desventurados.
Com o fim de mover a piedade régia, lembra os
serviços gloriosos da capitania na guerra
hollandêsa,
[106]
assignala que entre
os condemnados figuram descendentes d'esses lidadores indomitos, evoca
as agonias dos parentes e amigos dos encarcerados e allega que
são tantos os sentenciados que atulham as prisões
da Bahia.
D. João VI, que a imprensa contemporanea, para se
não ver tolhida da censura, intitulava o melhor dos
soberanos, acudiu aos desejos do seu preposto difficultosamente e com
taes distincções
que motivaram a renovação do pedido
[123].
Da deputação talvez o mais novo era Pedro de
Araujo Lima, pois não contava 28 annos. Volvido á
terra natal com o grau de doutor em Direito, alcançado em
Coimbra, preparava-se para tomar posse da ouvidoria de
Paracatú, em Minas Geraes, quando os successos de Portugal
induziram-no a protrahir a viagem para tão remoto logar.
Espirito grave e profundamente conservador vae revelar-se nos debates
ardentes das Côrtes o que será durante quarenta e
nove annos de vida publica: respeitador das decisões da
maioria parlamentar, porque não conhece outra lei, e
não admitte, a maneira dos tories inglêses de
velha tempera, a resistencia armada em hypothese alguma. Empregar a
força em favor de uma ideia é retrocesso a tempos
barbaros e deslustra o regimen representativo, baseado na vontade livre
dos povos, esclarecido pela imprensa e pela tribuna e manifestada pelo
voto. Com este alto ideal politico, o qual nunca se desmentiu nem na
opposição nem no poder, foi regente do Imperio
[107]
quasi tres annos e oito vezes ministro o futuro marquez de Olinda.
Agora que começam a chegar os deputados brasileiros, devemos
mostrar as disposições das Côrtes para
com o reino americano, patenteadas em sete mêses de
sessão. Em tão curto
periodo dominaram o congresso successivamente duas correntes de
opinião, que a presença do monarcha em Portugal
abalisa. Antes della se não tratavam ahi os negocios do
Brasil por motivos que se estribam em summa n'um só
fundamento, inspirado da prudencia: a ignorancia em que se achavam o
governo e as Côrtes dos sentimentos dos ultramarinos.
Apenas iniciados os trabalhos legislativos, o deputado Pereira do Carmo
propôz a
creação de representantes provisorios da America
portuguêsa escolhidos pelo congresso entre os brasileiros que
estanciavam em Portugal. Feitas as eleições no
Brasil, esses deputados deixarião as cadeiras aos que
houvessem sido designados pelo eleitorado. Semelhante projecto mirava
assegurar a integridade da monarchia e conceder ao novo reino
«as vantagens da revolução sem passar
pelo risco de as commetter»
[124].
Rejeitaram os collegas a
proposição para não desgostarem o
soberano e por não conhecerem ainda o acolhimento reservado
pelos irmãos de além do atlantico á
revolta da antiga metropole.
Acclamada no Pará, Pernambuco e Bahia a causa de Portugal,
como então se dizia, e sollicitando a ultima provincia
auxilio de forças, o congresso
[108]
judiciosamente renunciou
á politica de abstenção nos negocios
brasileiros com decreto de 18 de abril, de que já nos
occupamos. Ao mesmo tempo que a resoluta capitania―cumpre notar―fazia
tal pedido, Portugal inteiro se preoccupava com o silencio do rei,
silencio que á força de se prolongar provocava
interpretações inquietadoras. O congresso,
combinando os dous factos, concluiu que receava a Bahia o ataque do
governo do Rio. Corria-lhe, por conseguinte, o dever indeclinavel de
contribuir com tropas para a resistencia e bem assim proteger com a sua
alta auctoridade moral os governos ultramarinos contra o inimigo
commum, a côrte do Rio de Janeiro. Não teve outra
causa o decreto referido e não sabemos como a
assembléa constituinte podia deixar de intervir na
administração do Brasil em tal conjuntura sem
reconhecer implicitamente a separação dos dous
reinos. A adhesão
do Brasil ao regimen constitucional animou o deputado Alves do Rio, um
dos membros mais activos da commissão do commercio, a
apresentar um projecto com o fim de estreitar a união dos
dous povos. O congresso repelliu-o quasi sem discussão,
julgando tão injusto quanto
incivil tratar-se de assumpto relativo a uma das principaes
secções da monarchia na ausencia de seus
representantes. Sarmento, que rompeu o debate, evocou os exemplos da
Inglaterra e da Hespanha, que por falta de justiça e
deferencia para com os seus dominios ultramarinos acabaram por os
perder.
Com a chegada de D. João VI, porém, as
Côrtes renunciaram a esta sabia
circumspecção.
De feito, o monarcha mostrou a conveniencia de fazer regressar do Rio
as tropas portuguêsas,
[109]
que ancêavam por volver
á patria e haviam preenchido as
condições do alistamento. A demora em satisfazer
tão legitimo desejo arriscava comprometter a disciplina, em
razão do descontentamento em progresso todos os dias.
Importava, porém, que a partida delles não
abrisse claros no exercito da capital do reino ultramarino, onde animos
perversos contrariavam a adhesão á causa de
Portugal, aceita com enthusiasmo pela maioria. Para domar taes
velleidades de rebeldia, convinha render os batalhões por
outros do Reino, mais experimentados e de mais confiança que
os soldados da terra. Era insinuar a existencia de partidarios da
separação, prevista pelo rei e por Silvestre
Pinheiro, que o acompanhara a Lisboa. Aquelle dissera ao filho antes de
embarcar:
«Se o Brasil se separar, antes seja para ti, que me
hás de respeitar, do que para algum desses
aventureiros»
[125].
Silvestre Pinheiro, persuadido de que sem o
rei no seu seio a antiga colonia se emanciparia promptamente,
[126]
certamente não occultara a sua
convicção aos politicos de
Lisboa. Apresentado pela commissão do Ultramar o parecer
inspirado nas apprehensões do monarcha, as Côrtes
ouviram pela primeira vez allusão
á independencia, e desde ahi todas as vezes que na
assembléa surgira a idéa de
desmenbramento da monarchia, o
mêdo fazia os constituintes esquecerem as regras de prudencia
e de justiça.
[110]
Sem discussão auctorizaram o regresso dos
batalhões e a sua substituição por
duas mil
praças
[127].
Pouco tempo depois, por occasião de se discutir o plano da
reorganização dos governos ultramarinos, alguns
constituintes tentaram restabelecer a boa doutrina, levados tanto pelas
difficuldades do erario como dos conselhos da prudencia. Os autores do
projecto julgaram preferivel, em vez da
repatriação, reter as praças
nas fileiras por mais um anno mediante novas vantagens. Sem embargo de
constituir semelhante disposição o ultimo artigo
da proposta,
começou por ella a discussão, visto já
se acharem
apparelhados no Tejo os navios destinados ao transporte dos recrutas. O
debate que occupou duas sessões, correu animado. Entendiam
alguns escrupulosos que a mudança da
resolução dos
deputados em prazo tão curto, desluziria o congresso.
Fernandes Thomaz impugnou o argumento com vantagem. Depois do voto das
Côrtes determinado por informação
d'el-rei e do pedido de D. Pedro, houvera a
creação da junta em cinco de junho e sem a sua
ratificação não era
licito deferir o requerimento do principe.
Dous pontos preoccuparam em seguida a assembléa: convinha
domar a independencia por meio das armas? Podiam as Côrtes
expedir tropas não assistindo aos debates os representantes
do Brasil ou sem approvação da junta fluminense?
Salvo Borges Carneiro, os proceres da regeneração
respondiam pela negativa. Fernandes Thomaz que julgava o debate
indiscreto, mais de
[111]
uma vez tomou a
palavra em defesa do parecer da commissão, de que era
membro. O erario esgotado de Portugal não lhe consentia a
despeza com a remessa de batalhões nem tão pouco
o seu exercito diminutissimo comportava semelhante desfalque.
Não crê no partido da independencia e o regente
quer forças para assegurar o despotismo. Os fluminenses
queixando-se das tropas portuguêsas, as Côrtes
commettem grave imprudencia se lh'as enviarem sem
solicitação da junta
escolhida por elles. Não é licito,
aliás, ao
congresso resolver assumpto que interessa principalmente aos
brasileiros na ausencia dos seus representantes.
Outros deputados discorreram no mesmo sentido, e ainda á
ultima hora quando se ia proceder á
votação, Margiocchi, professor da
universidade de Coimbra e de ordinario ouvido com
attenção, protestou com vehemencia. Nunca
admittiu se tomassem decisões ácerca do Brasil
sem a audiencia dos deputados americanos. É
indeclinavelmente necessario que sejam consultados a respeito de
materia tão grave, á qual se
está bem discutida pelos europeus, não o
está por elles.
Este argumento que outr'ora congraçava os votos, cede
á desconfiança da fidelidade do reino
americano, ao medo de perder a antiga colonia, o qual vai mais e mais
avassalando os animos. Por quarenta votos contra trinta e sete
decidiu-se a expedição ao Rio de mil e duzentas
praças para render a divisão
portuguêsa
[128]
em vez de
[112]
duas mil, consoante a resolução de 28 de julho.
A boa doutrina que prescrevia se não tratarem de cousas do
Brasil sem os seus mandatorios não mais thriumphou, e
Fernandes Thomaz, arrastado com a maioria pelo temor da impopularidade
que adviria da perda do ultramar transatlantico, acabará por
a demolir com a
proclamação do principio que não
havendo senão deputados da nação
qualquer constituinte representa tanto Portugal como as ilhas e a
America, e, portanto não ha necessidade de commissarios
ultramarinos para o congresso legislar sobre a antiga colonia.
As disposições hóstis contra o Brasil,
patenteadas nessa discussão, desfizeram-se, todavia, ao
contacto da deputação americana que tomou assento
nas Côrtes em 29 de agosto. Na sessão immediata
tratou-se de organizar o governo de Pernambuco e todos os pareceres
cederam ás indicações dos
representantes da donataria de Duarte Coelho.
O ponto inicial da reforma era a separação das
attribuições civis da
jurisdicção militar. Na verdade a convergencia
dessas funcções na mesma pessoa sujeita a
auctoridade e fiscalização do soberano distante,
fazia os capitães generaes regulos mais ou menos arbitrarios
e violentos. Homens de guerra, ordinariamente, tendiam a considerar as
queixas e os reparos que a sua gerencia provocava, como
infracções da disciplina e puniam, em
consequencia os criticos imprudentes; e sahidos de Portugal para uma
capitania que lhes era absolutamente desconhecida, tornavam-se
instrumentos de cortesãos habeis, os quaes a pretexto de os
informarem no interesse do bem publico, serviam-se d'elles para
satisfazer conveniencias e
[113]
affectos particulares, e não raro acabavam por dirigir os
destinos da terra sem a responsabilidade do poder. Para prover a tam
graves inconvenientes decretou-se que a gestão dos negocios
civis, economicos e policiaes competiria exclusivamente a uma junta
constituida de sete pessoas designadas pelos eleitores das parochias. A
junta, que era o poder executivo da provincia, nomeava todos os
serventuarios, e estes responderião perante ella de seus
actos, salvo os magistrados e empregados da fazenda, os quaes,
comquanto sujeitos a ella, prestavam contas ás
côrtes e ao governo do Reino. Assistia porém,
á
administração local a faculdade de os suspender
em casos de abusos do poder e formar-lhes culpa, julgada pela
relação do districto. Não tinham
as juntas o direito de legislar senão sobre as necessidades
locaes, como acontecia com as municipalidades.
Respondiam
os seus membros
collectivamente perante o governo da antiga metropole. Cada vogal
ganharia um conto por anno e lhe não era permittido outro
emprego remunerado.
A jurisdicção militar passava a um official
superior, que teria o nome, não de capitão
general, de execranda memoria, mas de governador commandante das armas
com as attribuições que exercitavam nas
provincias de Portugal, nos termos da lei organica de 1678, eguaes
funccionarios. Nomeados pelo poder executivo do Reino deviam-lhe contas
de seus actos e não tinham dependencia alguma da junta. No
caso de morte ou de impedimento os substituiria o official mais
graduado da terra. Além do soldo da patente, recebiam a
gratificação mensal de duzentos mil reis.
Por proposta de um dos representantes de
[114]
Pernambuco, resolveu o congresso remover
da capitania o batalhão do Algarve, que ali estanciava desde
os successos de 1817, depois de falarem Fernandes Thomaz, Margiocchi,
Castello Branco e Borges Carneiro em termos repassados de piedade que
refrigeraram a alma combalida dos patriotas pernambucanos.
Estas medidas eram provisorias e vigorarião até a
conclusão da lei que devia organizar a
administração das provincias de um e outro
hemispherio com as modificações determinadas pela
situação geographica e as necessidades
particulares de cada uma
[129].
Separando a jurisdicção militar da civil e
attribuindo aquella o delegado de Portugal, o parlamento alterara na
essencia o systema administrativo adoptado no Pará e na
Bahia e ao qual certamente aspirava o povo pernambucano. De feito as
juntas provinciaes, creadas á
imitação do governo estabelecido em Lisboa pela
revolução,
conservaram ciosamente na sua esphera de acção o
manejo da força armada. O
prival-a agora deste elemento de segurança e de resistencia
em proveito da antiga metropole, sobre enfraquecer os governos locaes,
assegurava a preeminencia, apparelhava a
dominação de uma parte da monarchia sobre a
outra, cousas inconciliaveis com egualdade politica entre os dous
reinos, proclamada nos manifestos da regeneração.
Ou porque lhes escapasse esse effeito funesto da reforma ou porque
estivessem dispostos a todas as concessões comtanto que
alcançassem
[115]
desopprimir a patria de Luiz do Rego e do batalhão
portuguez, deixaram os de Pernambuco passar sem protesto a
instituição que,
despertadas as desconfianças patrioticas dos brasileiros, se
tornou o motivo mais geral e mais profundo do descontentamento dos
portuguezes, da America contra os do outro lado do Atlantico.
Os pernambucanos desvelaram-se em seguida pelos vencidos de 1817. Na
sessão de 31 de agosto Zefirino dos Santos, um dos mais
zelosos membros da representação, apresentou uma
proposta
que sujeitou á rude prova a deferencia dos europeus para com
os collegas de além mar. Requereu que os officiaes presos ou
desterrados em consequencia dos acontecimentos de seis de
março, dia em que estalou o desgraçado levante de
Pernambuco, absolvidos pela relação da Bahia,
fossem uns restituidos á liberdade, outros á
patria, todos aos seus postos e reembolsados dos soldos vencidos desde
a data da sua exclusão do exercito.
Se a sentença absolutoria e a origem revolucionaria da
assemblêa auguravam resultado prospero á
proposição, havia contra ella os
escrupulos patrioticos dos lusitanos.
Como a revolta de 1817 pleiteara a independencia, repugnavam as
constituintes dispensar sympathia e protecção a
officiaes que, a despeito
da absolvição, continuavam suspeitos de
velleidades separatistas. Não o declararam nem o podiam
fazer sem levantar questão capaz de comprometter a
cordealidade do tracto com os representantes do ultramar americano.
Certamente, porém, não houve outro motivo da
reluctancia da assemblêa liberal em conceder amnistia plena a
criminosos politicos. Acabaram, todavia, os regeneradores
[116]
por ceder ao voto, defendido
com intelligencia e sagacidade. Concordaram no pagamento immediato dos
soldos em atraso, e quanto a reintegração dos
officiaes na fileiras com as patentes que tinham no acto da
insurreição, tornaram-na dependente dos informes
da junta de Pernambuco
[130].
Semelhante alvitre proposto pelo futuro marquês de Olinda
significava na realidade a restituição em prazo
curto dos officiaes ao serviço activo com os seus graus,
porquanto o partido desbaratado em 1817, constituido de liberaes e
nativistas, que ganhava forças, teria influencia decisiva na
eleição da junta e esta
não deixaria de dar parecer propicio aos que a provincia
considerava martyres da liberdade.
Um dos actos que mais fizeram detestado Luiz do Rego pelas
populações laboriosas do
interior foi a creação das milicias
[131], cujos
exercicios, realizados de quinze em quinze dias, vexavam sobremaneira
os aldeões disseminados por aquelles vastos
espaços. Obrigavam-nos a jornadas de seis a dez dias, e
ás despezas e incommodos das viagens accrescia a
cessação de lucros, porque os escravos sem a
presença do senhor relaxavam no trabalho. A requerimento de
Araujo Lima o congresso estendeu a Pernambuco a ordem, em vigor no
Reino, de não sujeitar os milicianos á revista
senão de trez em trez mezes, excepto nos casos de
segurança publica
[132].
[117]
Ao passo que o futuro marquês de Olinda melhorava a
situação de seus conterraneos com providencias
immediatas, Moniz Tavares desabrochava a sua alma de sonhador em
reformas na generalidade inexequiveis. Se requeria a
instituição de uma bibliotheca publica, iniciada,
aliás, anteriormente «por um virtuoso
cidadão, o padre João Ribeiro
[133] e que
fôra destruida em 1817 por se lhe attribuir a
revolução»
[134],
julgava tambem indispensavel que as côrtes obrigassem o clero
a expôr ao povo o espirito da
regeneração social. Propunha mais a
fundação de escolas em todas as parochias, nas
quaes, com o ensino primario, terião os alumnos
noções de direito
constitucional.
Em dez de setembro tomaram assento nas côrtes os fluminenses
Fagundes Varella, Lemos Brandão, D. José J. de
Azevedo Coutinho e Martins
Basto. Excepto os dous primeiros, que acabavam de chegar do Rio, na
charrua Gentil Americana
[135],
os outros achavam-se desde alguns annos
domiciliados em Portugal. Martins Basto, ao que parece, ahi praticava o
commercio, e Azevedo Coutinho, que deixára o bispado de
Pernambuco em 1802 pela diocese de Bragança, não
mais sahira do Reino, onde após haver
exercido com lustre a jurisdicção episcopal em
Elvas, fôra investido em 1818 do tremendo cargo de
inquisidor-mór
[136].
No dia immediato ao da
[118]
posse, a morte salteou de improviso o
insigne prelado, e o substituiu aos 17 de setembro o primeiro supplente
Custodio Ledo, residente no Porto. D. Francisco de Lemos, mais que
octogenario, não prestou juramento, nem tão pouco
pediu excusa do cargo, em recebendo o diploma de
nomeação, por attribuir, acaso, os achaques que o
affligiam a causas passageiras e não a idade provecta
[137].
Não foi senão em 13 de outubro
que, reconhecendo-se impossibilitado de preencher o mandato, desistiu
delle. D'ahi resultou damno para a deputação
americana com ser privada da collaboração valiosa
de Villela
Barbosa, a quem cabia, como coube, a cadeira na qualidade de segundo
supplente, na discussão das cousas do Brasil, as quaes cedo
occuparam os constituintes.
Apenas installados tiveram os fluminenses de intervir na sorte do conde
dos Arcos, discutida apaixonadamente na assembléa. Ao
malaventurado estadista, sahido precipitadamente do Rio, depararam-se
successos inacreditaveis em arribando á Bahia.
Não só não pôde
desembarcar senão que seguiu em custodia para Lisboa,
accusado perante as côrtes pela junta bahiana de haver
planeado a independencia do Brasil. Para fundamentar tão
formidavel denuncia a junta adduzia allegações
temerarias. Dizia com protervia que Arcos viera detido, quando era
notorio que embarcara livre e até trazia passaporte.
Referia-se a
informações colhidas em cartas dos do Rio aos
amigos da Bahia, mas não precisava factos nem nomeava os
[119]
auctores e destinatarios das
epistolas
[138].
Dir-se-ia que coagida subscrevêra officios
dictados por personagens que o espectro da independencia estonteara:
provavelmente militares portuguêses assás
numerosos na velha capitania. De libello tão inepto se
não encontra
explicação mais plausivel nem menos affrontosa
aos brios da grande provincia. O mais vigoroso defensor do conde no
congresso enxergava no comportamento despotico do governo bahiano
represalia dos vencidos de 1817.
Antolha-se-nos que a simples suspeita de ser o ex-vice-rei inclinado
á emancipação
politica do novo reino, bastava para que aquelles, partidarios da
independencia, não tirassem esforço de antigos
sorfrimentos, tanto mais que os destroçados de 1817, eram
pernambucanos e não da Bahia. Conhecidas a denuncia e a
attitude da junta em sete de agosto, a assembléa sahiu do
estupor resultante da accusação allucinante, para
acclamar com enthusiasmo ungido de reconhecimento a fidelidade bahiana,
e determinou reter o desgraçado fidalgo na Torre de Belem
até que viessem as devassas dos factos incriminados,
mandadas tirar no ancoradouro de Cabral e no Rio. Em setembro o recluso
requereu livramento por estar detido ha mais de vinte e quatro horas
sem culpa formada. Invocava tambem o deperecimento progressivo por
causa da humidade da prisão, á beira do Tejo, a
qual aggravava a molestia caracterizada por frio invencivel. No caso de
o não relaxarem as Côrtes, solicitava a
transferencia para carcere menos funesto á sua saude. O
abbade
[120]
de Medrões votava pelo
livramento incondicional apoiado nas disposições
juradas da
constituição: aos presos sem culpa formada corria
ao juiz o dever de expôr por escripto no prazo de vinte e
quatro horas o motivo do constrangimento. Muitas vinte e quatro haviam,
contudo, decorrido, e o magistrado não dissera ainda ao
conde a razão por que o privara da liberdade. Concluia
judiciosamente que o juiz ainda não achára a
causa da detenção. Devia, porém, o
fidalgo
aguardar indefinidamente a informação judiciaria,
emparedado em Belem? Brito defendeu com rigor o conde com quem servira
na Bahia. Contra Arcos não havia senão o officio
do governo bahiano, o qual não passava de denuncia
aérea, sem
especificação de factos, denuncia de tempos
revolucionarios para a suppressão de homens eminentes. Quem
sabe se não será
maquinação dos rebeldes de 1817? Diz o officio
que Arcos contava com os servis do Brasil. «Servis no Brasil!
exclamava. Só o póde acreditar quem nunca o
viu».
Arcos foi sempre favoravel á causa constitucional contra os
votos do conde de Paraty e de Thomaz Antonio.
Peixoto pulverisa a denuncia, que é, até,
contradictoria: ora diz que Arcos conspira com os servis, ora com os
independentes.
Fernandes Thomaz, Moura e Castello Branco, dominados dos gremios
politicos, que influiam nos regeneradores, como os seus congeneres de
Paris nas assembléas successivas da
revolução francêsa, clubs que odiavam
os aristocratas e enxergavam com horror o desmembramento da monarchia,
não admittem a soltura sem que venham de além-mar
as devassas solicitadas. A paixão turva o espirito lucido do
pai da revolução.
[121]
O desembargador Fernandes Thomaz chega a
considerar corpo de delicto a denuncia, que formula em
accusação mexericos de botica.
O que nos interessa é a attitude dos brasileiros. Os
fluminenses, a despeito da carnificina da Praça do
Commercio, attribuida ao conde, optaram pela soltura. E os
pernambucanos? Os deputados pernambucanos, que se mostraram exaltados
até a injustiça contra Luiz do Rego, a respeito
de Arcos, que domara com ferocidade a revolução
de 1817, que executara o padre Roma com violação
das regras primordiaes do Direito, que ordenara ás tropas
legalistas atirassem contra os patriotas «como se atiram a
lobos», a respeito de Arcos não descerraram os
labios: não lhes interessava o adversario prostrado.
Surdo aos conselhos da justiça, o congresso, sob a
inspiração dos regeneradores, decretaram a
remoção do conde para outro carcere menos humido,
e o interrogatorio das pessoas vindas ha pouco do Rio,
ácerca da accusação.
[139]
Ao revés do que se assoalhou maliciosamente mais tarde, os
constituintes portuguêses não
só não provocaram o debate sobre a reforma dos
governos ultramarinos senão que mostraram reluctancia em
tratar de materia tão importante para os irmãos
de além-mar na ausencia de seus
mandatarios. A questão, porém, urgia para o nosso
reino convulsionado por conflictos de todo o genero.
Numas provincias ferviam luctas dos liberaes com os capitães
generaes, que se mantinham no poder pela força ou pela
astucia; noutras as paixões
[122]
particulares clamavam com violencia contra as juntas a pretexto de, em
virtude de vicios da eleição, não
exprimirem a vontade dos
povos. Os amigos da ordem volviam os olhos supplicantes para as
Côrtes, que, por causa do prestigio incontestado, mais que
nenhuma auctoridade podiam restituir paz á antiga colonia.
Moniz Tavares combateu o escrupulo do congresso em intervir na
reorganização das
capitanias sem a
presença dos seus
representantes. A distancia e as tendencias despoticas dos governadores
do Maranhão e do Ceará, ponderou, justificavam
cabalmente a applicação immediata da
«sabia e utilissima» providencia decretada para
Pernambuco áquellas provincias, e aos povos de
Alagôas, Parahyba e Rio Grande do Norte dependentes do
episcopado pernambucano
[140].
A junta do Pará solicitava identica medida, e advertia que,
attento o aperto da conjuntura, não devia o congresso
esperar os procuradores da provincia para deliberar sobre negocio
tão irritante
[141].
Os regeneradores acquiésceram, e lançaram o plano
dos governos ultramarinos baseado no que fôra estatuido para
Pernambuco. Nas provincias regidas por capitães
generaes―Pará,
Maranhão, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, S. Paulo, Rio
Grande do Sul, Minas Geraes, Matto Grosso e Goyaz―a
jurisdicção civil caberia a uma junta de sete
vogaes, e nas capitanias administradas por simples governador, quaes
Alagôas,
[123]
Parahyba, Rio grande do Norte, não teria a junta mais que
cinco membros. Os eleitores parochiaes nomearião os vogaes,
que, além de
instrucção e qualidades moraes, deviam ter meios
de subsistencia. Recahindo a escolha em funccionarios publicos, civis
ou militares, deixarião o cargo emquanto fizessem parte do
governo. Este devia conformar-se com as leis em vigor, não
lhe sendo licito as revogar, alterar ou suspender. Todos os
serventuarios eram de sua nomeação e sujeitos
á sua auctoridade. Os magistrados e empregados da fazenda,
porém, supposto designados pelo poder executivo da
provincia, prestavam, todavia, contas ás Côrtes e
ao governo do Reino.
Semelhantes limitações á
administração provincial, as quaes no tocante
sobretudo á gerencia dos dinheiros publicos, deviam gerar
conflictos entre ella e o ministerio de Portugal e determinaram mais
tarde queixas acerbas por parte dos americanos contra os regeneradores,
passaram agora sem opposição da bancada
brasileira.
A satisfação de não mais terem os
negocios da patria entregues a extranhos, uns ignorantes, outros
negligentes, todos arbitrarios; a
satisfação de se governarem a si mesmos por
homens de sua confiança e, mais que tudo, a anciedade de
salvar o Brasil da anarchia pondo ordem na sua
administração, persuadiram porventura os
mandatarios a não criticarem o projecto. Quando
porém, se tratou do commando das armas, Martins Basto, Pires
Ferreira, e Araujo Lima intervieram no debate com insistencia, e se
mostraram inquietos com os effeitos desta
instituição. Aceitavam o governador militar nas
provincias expostas á aggressão externa, que eram
as maritimas e Mattigrosso, invadido recentemente pelos hespanhoes.
[124]
Nas circumscripções grandes como Minas e Goyaz,
ao
abrigo de invasão extrangeira, ou nas pequenas que
não tinham tropas de linha, bastava o commando militar
ordinario exercido pelo official mais graduado da terra. Para que uma
auctoridade nova e distincta, que, por desnecessaria, arriscava
tornar-se nociva? Temiam esses chefes da força armada,
enviados pelo governo português e a elle sujeitos, cujas
informações, por isso, pesariam com mais
força nas
deliberações das Côrtes ou do
ministerio que as
representações das juntas e os protestos dos
deputados da America.
Castello Branco, que teve parte conspicua na discussão por
parte dos europeus, procurou rebater as censuras e dissipar as
apprehensões da bancada brasileira. Creavam-se governadores
militares, disse, para a defeza contra os extrangeiros assim como para
a manutenção da ordem, e sem tropas bem
disciplinadas se não attingiria a nenhum d'aquelles fins.
Cumprindo ao governo acautelar todos os perigos, corria-lhe a
obrigação de prever o ataque de uma provincia por
outra; e como isto podia acontecer á menor das capitanias,
não era licito ás côrtes
deixar qualquer dellas desguarnecida de forças.
Não se tendo tropas capazes, concluiu, senão com
officiaes, penetrados da disciplina e dos usos dos exercitos europeus,
importava fossem portuguêses os commandantes e remettidos do
Reino.
De toda essa argumentação baseada em perigos
possiveis e não provaveis, e que admittia a hypothese, ainda
não realizada, de conflictos interprovinciaes, o que
resaltava com evidencia, era que os irmãos da Europa faziam
questão de ser o governador das armas seu conterraneo,
[125]
nomeado pela antiga metropole e
sujeito exclusivamente a ella. Não o deixou de assignalar
Araujo Lima, e rematou as suas observações com um
conceito que revela haver entrevisto os designios occultos nas
côrtes. «Não receio que o
congresso tenha vistas sinistras sobre o Brasil mas não se
póde negar que estarão no Brasil com todos esses
commandantes e se dirigirão por
informações que lá vierem».
O reparo, a despeito de seus termos dubitativos, perturbou as fileiras
portuguêsas. Braamcamp no empenho de fechar uma
discussão prenhe de elementos inflammaveis, ponderou que a
materia pertencia ao poder executivo, e o congresso sem haver declarado
o assumpto sufficientemente discutido, como determinava o regimento,
procedeu á votação. Decretou-se que
nas provincias mais importantes haveria generaes encarregados do
governo das armas com a gratificação mensal de
duzentos mil reis, e nas outras commandantes militares da
força do districto com a patente de coronel, que receberiam
por mez de gratificação cincoenta mil reis. Uns e
outros serião subordinados ao poder executivo do Reino e
independentes da junta provincial
[142].
Os regeneradores não pararam ahi: julgando que a anciedade
dos
irmãos
d'além-mar pela
reconstituição das
administrações locaes, justificavam todas as
audacias, tentaram regulamentar as capitanias como se fossem provincias
de Portugal, consoante a formula de Fernandes Thomaz.
Despojadas as juntas da força militar, cumpria
[126]
tirar
a outra parte da monarchia a autonomia judiciaria, tanto mais que esta
arriscava de lhe proporcionar meios de resistencia legal. De feito
emquanto houvesse ahi tribunaes superiores era de temer que nelles
achassem os da terra
protecção contra as violencias de Portugal.
Impavidamente a commissão de
constituição composta dos regeneradores de
primeira grandêsa, quaes Borges Carneiro, Moura e Fernandes
Thomaz, propôs o fechamento da casa de
supplicação e de todos os mais tribunaes do Rio,
fundados por D. João VI. Lidos os artigos sobre a materia,
Martins Basto com vivacidade os impugnou em consequencia de ficarem os
brasileiros obrigados a discutirem fóra da patria os
recursos finaes. Fernandes Thomaz, cuja palavra simples e bonacheirona
vestia uma alma ardente, e que não perdoava ao Brasil a
dependencia em que trouxera Portugal, emquanto por lá
estanciou el-rei, orou com astucia. Concordava nos incommodos das
partes em virem pleitear as causas em Lisboa, mas vista a
extensão do Brasil e as difficuldades de
communicação das provincias
entre si, não sabia onde fixar o juizo que devia substituir
a casa da supplicação, condemnada a desapparecer,
sem provocar descontentamento.
Julgava, por isso, conveniente restabelecer a
administração do novo reino, tanto quanto
possivel, como existia em 1808 até que a
constituição providenciasse a respeito da
organização do ultramar.
Não era o que aconselhava a prudencia. Pendiam do estudo do
congresso assumptos inadiaveis, entre os quaes tinha o primado a
elaboração do pacto social, e uma reforma, por
conseguinte, não reclamada dos povos e que os privava de
vantagens reaes, tornava-se acto desazado,
[127]
explicavel tão
sómente pelo desejo da
regeneração de assegurar a auctoridade da
mãe patria sobre a
outra parte da
nação.
Em consequencia da opposição de Martins Bastos,
as côrtes resolveram submetter a materia a novo exame,
ouvidos os deputados da America
[143].
A constituição dos governos provinciaes veio a
formar o decreto de 29 de setembro, promulgado em 1 de outubro
[144]. Este
acto que se afigurou mais tarde aos do Brasil preliminar habil para a
recolonização da patria, porque
supprimindo o governo central, promovia a desunião das
provincias e facilitava, portanto, a
dominação d'ellas por parte de Portugal, se
não apresentou, todavia, sob esse aspecto aos nossos
deputados. Não enxergaram no decreto outro inconveniente
senão aquelle que apontamos de ser o commando das armas
exercido em todas as capitanias por official português
nomeado pelo ministerio do Reino. Salvo os reparos provocados por esta
instituição, a providencia mereceu os applausos
da representação brasileira, e o mais
intelligente
defensor da causa do novo reino na imprensa, Hipolito da Costa, apesar
de lhe não inspirar confiança o governo militar
como ficara estatuido, louvou a resolução
legislativa
[145].
Se na discussão do projecto não consideraram os
brasileiros que o effeito immediato da reforma era a
annullação do delegado d'el-rei,
[128]
mostrou-lh'o o congresso na
reunião de 20 de setembro. N'esse dia sujeitou-se ao parecer
dos constituintes a conveniencia do regresso á patria de D.
Pedro, materia que juntamente com a suppressão dos tribunaes
do Rio figurava no plano da reconstituição
administrativa do ultramar. As côrtes, com unanimidade
verificada duas vezes, decretaram a restituição a
Portugal do principe, porque creadas as juntas governativas no Rio e em
todas as provincias, cessavam virtualmente as
attribuições da regencia. A questão
exposta por Soares Franco e desenvolvida por moderados como Trigoso e
Rebello da Silva, pareceu tão logica e evidente que
congraçou todos os votos.
Os americanos não formularam o protesto mais timido contra a
medida que dissociava as provincias; os proprios flumimenses
conservaram-se quêdos, não sentindo a
degradação da categoria de capital resultante ao
berço com a
destruição da regencia e a perda imminente dos
tribunaes. Não se lembrava Fagundes Varella, cuja
eleição fôra fortemente apoiada da
classe commercial, de que os seus committentes reputavam caminho para a
recolonização do Brasil a partida da
familia real?
[146]
Não foi, porém, só a
covardia
e, acaso, a myopia intellectual que não consentiram
á deputação fluminense se singularizar
em dessidencia com a opinião dominante no congresso,
senão ainda o reconhecimento que a assembléa com
decretar a subordinação dos governos
provinciaes aos poderes publicos de Lisboa, não fazia cousa
nova, apenas sancionava o que fôra
[129]
estabelecido espontaneamente
pelos povos do Brazil no acto de aclamarem o regimen constitucional. De
feito as juntas em todas as terras menoscabavam a autoridade do
principe
[147],
e não queriam receber
instrucções e
ordens senão de Portugal, e o proprio Rio de Janeiro que lhe
prestava obdiencia tinha mais
desconfiança do que enthusiasmo por D. Pedro.
Os regeneradores aproveitaram com açodamento do commum
sentir do Brasil que lhes facilitava a dominação
das capitanias e resolvia
a questão da regencia apresentada até agora como
insoluvel.
O reino americano em consequencia de seu progresso e importancia e das
communicações
morosas com a Europa por causa da distancia, não podia ter
delegação ao poder executivo
senão com a larga jurisdicção que lhe
outorgara D.
João VI. Ora conceder tão extenso poder a outrem
que não o principe herdeiro, interessado em assegurar a
integridade de seus futuros estados, era demasiado imprudente,
porquanto a ambição podia levar o delegado a
promover a separação do Brasil. De outro lado,
deixar o successor da corôa no novo reino, envolvia o risco
temeroso de se transportar novamente para ahi a séde da
monarchia. Não era isto apprehensão van. D. Pedro
[130]
que, por não tornar
á patria, se aventurava a actos inquinados, ao menos de
irreverencia filial, não hesitaria provavelmente, morto o
monarcha, em continuar na America. Semelhante hypothese apavorava a tal
ponto o patriotismo português que por esse preço
prefiria renunciar o Brasil.
[148]
Afigurava-se invencivel a difficuldade,
quando os povos de além-mar a resolveram a contento dos
lusitanos creando juntas locaes sujeitas ao governo do Reino.
O proprio D. Pedro serviu á
regeneração, considerando desnecessaria
senão indecorosa a sua presença no reino
ultramarino, onde era capitão general e não
regente, visto que
administrava somente uma provincia.
[149]
No concerto unanime de vozes a respeito do desbarato da regencia,
houve, todavia, fóra das côrtes, uma nota
discordante, embora timida. Foi o Correio Brasiliense. Ao sagaz
Hipolito não escapou a conveniencia de haver em
além-mar um agente do poder executivo para ligar as
provincias entre si e ser o medianeiro entre as duas partes da
monarchia. Reconhecendo, porém, aliás com
mágua, faltarem ao successor da corôa as
qualidades necessarias a este encargo, não lamentou
tão pouco a resolução do poder
legislativo.
[150]
Decretada a vinda de D. Pedro, o congresso discutiu a utilidade de o
fazer peregrinar no continente europeu, em chegando a Portugal, de
[131]
conformidade com a proposta da
commissão. A materia era dessas que, resolvidas no seio da
familia, ou espontaneamente ou por suggestão dos
conselheiros da corôa, se submettem em seguida á
sancção do parlamento. Os
regeneradores, porém, julgando acertado arredar o principe
da patria a titulo de completar a
sua
educação na Inglaterra, França e
Hespanha, entendiam que o podiam fazer sem consultar o pai e ainda
menos o interessado. Á leitura dos debates mais de uma vez a
colera incendiou certamente o rosto do mancebo. Os constituintes
não contentes de affirmarem com arrogancia impertinente a
auctoridade das côrtes sobre o successor da
corôa
[151]
mortificaram-lhe o amor proprio com assoalhar a
penuria de sua instrucção. Houve
revelações indiscretas. «Quando eu sahi
em agosto do anno passado do Brasil, o principe real entre a falta de
outros conhecimentos, não sabia falar linguas:
começava a falar francês com a princêsa,
mas era porque esta senhora não tinha tanta facilidade em
falar noutra lingua como nesta e via-se o principe na necessidade de a
aprender»
[152].
Taes dizeres, que não passaram despercebidos ao animo
pundonoroso do principe, explicam até certo ponto a
facilidade com que elle perfilhou o descontentamento dos brasileiros
contra o congresso.
Estas resoluções vieram a constituir o segundo
decreto de 29 de setembro, versando o primeiro sobre a
organização dos governos ultramarinos.
[132]
Promulgados no mesmo dia
differençava-os a
numeração e a materia. Aquelle trazia o numero
125 e este 124.
Aos 16 de outubro a bancada fluminense adquiriu relêvo com
Villela Barbosa, chamado a substituir D. Francisco de Lemos, o qual
sómente agora se resolvia a renunciar o mandato. Sem embargo
de contar 51 annos, o ex-capitão do corpo de engenheiros, o
lente festejado de geometria na academia Real de Marinha, vae trazer
aos debates ardor juvenil e enthusiasmo que se fundiram
maravilhosamente com a paixão, feita de aggravos e
desenganos, que inflamma os compatriotas do norte. Prestou juramento no
mesmo dia em que preoccupava Lisboa a chegada do brigue Intriga com
quarenta e dous presos politicos remettidos por Luiz do Rego ao poder
judiciario da metropole, com o fundamento de promoverem a
separação do Brasil. O povo apinhava-se nas
galerias e os olhares se não desviavam da
representação pernambucana
[153].
Approvada a acta da sessão anterior e lidos os officios,
entre os quaes figuravam dous de Luiz do Rego―n'um repetia que
fôra victima de assassinato e no outro participava haver
expedido quarenta e dous dos mais activos fautores da independencia e
suspeitos tambem de connivencia n'aquelle attentado, de que escapara
milagrosamente―, Ferreira da Silva rompeu o debate com um requerimento
no sentido do congresso providenciar immediatamente ácerca
dos compatriotas malafortunados. N'um silencio de tumulo Moniz Tavares
levanta-se para defender os seus
[133]
«amados patricios», certo da
attenção d'aquelles que restabeleceram os
sagrados direitos do homem. Conviveu com todos na intimidade, e os seus
mais secretos pensamentos politicos foram-lhe desvendados: assegura ao
congresso que são partidarios ardentes do regimen proclamado
pela revolução de Portugal que os constituintes
estão em via de consolidar. Ninguem em Pernambuco contesta o
motivo de sua prisão, tão evidente se mostra.
Tomaram parte na revolta de 1817 e, por causa della, apenas ha pouco
sahiram dos calabouços da Bahia. Tornados á
patria, a
população recebeu-os com tantas
demonstrações de jubilo que aquelles que haviam
cooperado com denuncias e juramentos falsos para a
condemnação delles, tomaram-se de terror: se as
victimas se resolvessem a lhes pedir contas? Luiz do Rego estava tambem
inquieto. Os applausos aos martyres da Liberdade soavam aos ouvidos do
pêor dos tyrannos como ameaça e tiravam o somno ao
despota. Os sycophantas para escaparem ás responsabilidades
legaes do perjurio ou para se acautelarem de represalias legitimas,
empregavam novamente a calumnia, reincidindo deste modo no crime.
Attribuiram aos patriotas, apenas postos em liberdade, o projecto de
trabalhar pela independencia e pela republica, rumores acolhidos com
alvoroço por Luiz do Rego. Não tem outra causa a
reclusão e os maus tratamentos inflingidos aos seus
conterraneos. Cumprindo ao congresso desaggravar as leis conculcadas,
requer a soltura dos presos e a nomeação de um
magistrado que vá a Pernambuco syndicar dos actos de Luiz do
Rego.
Borges Carneiro, com a bella espontaneidade das naturezas generosas,
declara que vota pelo
[134]
livramento immediato por não haver culpa formada. Um
constituinte português, porém, aconselha com
solemnidade, circumspecção em tão
grave conjuntura. Dos accusados uns incorreram na culpa de
rebellião e outros promoviam o desmembramento da
nação.
Receoso de que, á evocação da
independencia, as Côrtes possuidas de panico, atropelem a
justiça, Villela Barbosa levantou-se em soccorro da
petição de Moniz Tavares. O seu discurso
é audaz e eloquente. Participa das angustias dos
pernambucanos e propugna os interesses da patria com calor tal, que
não deixa de surprehender quando se considera que ha trinta
annos se acha longe do Brasil.
[154]
Pela primeira vez se dirá
no congresso que não escapam aos
brasileiros as suspeitas de fidelidade do reino americano patenteadas
nas côrtes por medidas impoliticas. Não tem outro
sentido a remessa recente de tropas ao Rio e a
organização
desgraçada dos governos ultramarinos,
o
qual torna os
commandos das armas independentes das juntas. Não sabe qual
seja a auctoridade de um poder executivo que não
dispõe da força para
fazer cumprir as suas deliberações. Semelhante
proceder
é tanto mais injusto que não tem o ultramar
transatlantico regateado provas de solidariedade com os
irmãos da Europa, já pedindo a
constituição portuguêsa, já
enviando representantes
ás Côrtes. Não contesta a coragem de
Luiz do Rego mas como todo o militar que não é
dotado senão de bravura, não passa de instrumento
bellico, mais proprio, portanto, para os campos
[135]
de batalha do que para administrar
povos. Em 1817 mandaram-se os liberaes á forca e aos
ergastulos da Bahia com o fundamento de que eram rebeldes, e agora o
despotismo expede-os aos calabouços de Lisboa atulhados num
barco, á moda dos negreiros com os escravos africanos, a
pretexto de propugnarem a independencia. Miseraveis acossados do pavor
de desaffrontas julgaram que nada seria mais efficaz para se
desembaraçarem promptamente dos adversarios que os delatar
como agentes da desunião da monarchia. «Quero
conceder, remata, que naquella provincia alguns opprimidos levantassem
na sua desesperação o grito da independencia.
Acaso as suas representações, as suas queixas, as
suas supplicas foram ouvidas e satisfeitas? Acaso já se lhes
arrancou o jugo de ferro? Não certamente. Luiz do Rego ainda
lá existe. A liberdade comprimida reage com todos os
sentidos e estoura, e todos os caminhos que trilha para se restituir ao
seu devido estado, são justos e quando menos desculpaveis.
Removam-se do Brasil os despotas e oppressores, e então a
voz da independencia, a menor voz, será crime, e crime
atrocissimo, como ingratidão para Portugal, a quem devem
aquelles povos o ser e ora o maior de todos os bens, a
liberdade.»
O congresso resolveu remetter ao governo os documentos referentes
á materia, recommendando solicitude pelos
«desgraçados presos» e ordenou-lhe mais
instaurasse inquerito a respeito da
administracção de Luiz do Rego.
[155]
Poucos dias depois Lisboa assistiu a um espectaculo
[136]
extranho e que não mais se reproduziu. Cercados da
cavallaria da policia e de oitenta soldados de infanteria atravessaram
a cidade, aos rufos dos tambores, os quarenta e dous pernambucanos
expedidos por Luiz do Rego
[156].
Os debates das Côrtes e a discussão vehemente
travada entre o Liberal, que pela penna de Caetano Alberto defendia
Luiz do Rego, e o Astro da Lusitania, que pleiteava a causa
pernambucana, se não esclareceram pontos de Direito,
revelaram que esses homens desfeitos pelas pessimas
condições da viagem, durante a qual se
alimentaram de carne secca corrupta
[157],
haviam-se batido pela liberdade
no mesmo anno em que no campo de Santa Anna morriam no patibulo os que
tinham sonhado varrer o despotismo de Portugal. Haveria conivencia
entre a conjuração brasileira e a
conjuração portuguêsa?
Não se sabe mas é licito suppor que a simples
duvida bastou para que os de Lisboa considerassem com sympathia as
victimas de Luiz do Rego. De Belém, onde desembarcaram, ao
forte de S. Julião, onde se recolheram, atravessaram a
pé esses tres kilometros através da
consternação dos
habitantes apinhados nas janellas e nas calçadas.
Lá estavam
entre os guardas os poderosos senhores de engenho, os fidalgos de
Pernambuco, alguns da mais alta linhagem. Ao revés da
nobreza do Reino, punham-se sempre ao lado do povo contra a
oppressão, e sacrificaram segurança, bens e
familia pela causa da patria. Com o intemerato
[137]
Luiz Francisco de
Paula Cavalcante de Albuquerque, que já em 1801
soffrêra a denuncia de rebelde, se batêra em 1817
pela independencia e a quem os sessenta annos não amorteciam
o ardor bellicoso
[158],
vinham Thomaz Sequeira e Bourbon, que tomaram
parte activa na organização do governo provisorio
de 1817
[159].
Mais que todos sobresahia pela audacia, astucia e fortuna o
morgado do Cabo, Francisco Paes Barreto, o futuro marquês do
Recife. Creara uma sociedade revolucionaria, a Academia do Paraiso, e
para que funccionasse com segurança, julgou que nada havia
de mais acertado do que a installar nas dependencias do hospital
fundado por sua familia. Informado do levante pernambucano, no dia
immediato á explosão, deixa a tranquilidade do
vasto solar pelos riscos da guerra, offerecendo-se á junta
rebelde com os seus milicianos
[160].
Todos os olhares se concentravam,
porém, em Sebastião do Rego Barros, o qual
contava apenas 18 annos, e acaso sorria divertido com esse passeio
através da curiosidade affectuosa de Lisboa. Que mal poderia
fazer esta creança? perguntavam as mãis
enternecidas. As raparigas, attribuindo-lhe sentimentos heroicos,
fixavam-no, seduzidas. Não se illudiam aquellas que
enxergavam valor no adolescente. De feito tornado commandante da guarda
municipal sob a regencia do grande Feijó, desarmou com
arrojo o exercito indisciplinado
[161].
[138]
As Côrtes e o governo procederam com a maior benignidade em
relação aos pernambucanos. O commandante do
Castello de S. Julião deu-lhes as melhores
acommodações do forte e dispensou-lhes todos os
favores compativeis com a reclusão. O ministro da
Justiça, para apressar
o julgamento, mandou convocar relação
extraordinaria
[162].
Nada prova com mais eloquencia a incapacidade administrativa de Luiz do
Rego e a anarchia do seu governo do que os fundamentos do proprio
accordam acerca dos presos. Havia pronuncias sem interrogatorio dos
accusados e depoimentos de testemunhas; noutras era evidente a falta de
culpabilidade. A prepotencia de Luiz do Rego attingira o delirio no
caso do coronel Francisco de Albuquerque e Mello, pronunciado em
consequencia de um velho summario, julgado improcedente pela casa da
supplicação. O tribunal capitulou de
«irregular e odiosa» a
detenção do desventurado coronel
[163].
CAPITULO VII
SUMMARIO:
Expedição de tropas para
Pernambuco.―Argumentação dos
regeneradores.―Villela Barbosa.―Attitude extranha dos deputados
fluminenses.―Illegitimidade da revolução.―Os
deputados do Maranhão.―Debate sobre a junta
permanente.―Deputado de Santa Catharina.―Chegam
os representantes da Bahia e de Alagoas.―A
deputação da Bahia.
Eram accusados os quarenta e dous pernambucanos de diligenciar a
separação do Brasil e de cumplicidade no
attentado contra Luiz do Rego na noute de 21 de julho. De fallecerem
provas de quaesquer dos crimes era de presumir que não havia
conjuração para a
independencia nem tão pouco para supprimir o governador, e
que este fôra victima de uma só vontade
[164]. Custa
na verdade crer que em cidade pequena, dividida em duas parcialidades
que se
detestavam mutuamente,
houvesse
conciliabulos ou manejos que escapassem á vigilancia dos
contrarios. Demais, dos fundamentos da sentença
[140]
sobre os quarenta e dous
presos, parece que se não apresentaram contra elles, nem
até essas testemunhas inconsistentes que pullulam nas
epochas revoltas e de que se valem com avidez os governos, os quaes por
suggestão do odio, do interesse ou do medo attribuem a
simples coincidencias ou a vagos indicios o caracter de
presumpções juridicas. Deviam concluir, portanto,
os constituintes portuguêses que os boatos a respeito da
existencia de um partido da emancipação politica
do Brasil eram assás vagos ou que não passavam de
artificios dos seus compatriotas de Pernambuco para enfrentarem com
vantagem adversarios mais numerosos e mais activos. Em qualquer das
hypotheses não lhes era licito intervirem nos negocios
provinciaes sem provocação da junta governativa,
orgão das conveniencias dos povos e responsavel da ordem
publica, e ainda menos o devia fazer á
solicitação de uma das partes. Assim,
porém, não succedeu. A
assembléa, impressionada sobremaneira com a
libertação successiva das colonias hespanholas e
recêosa do contagio nos povos visinhos, deixou-se levar por
informações naquelle sentido, embora
impugnadas energicamente pelos mandatarios da provincia, e aventurou-se
ao acto irritante de mandar tropas para Pernambuco.
Na sessão de 18 de outubro discutiu-se o assumpto. Ao
revés, porém, do que
occorrêra nas sessões de 23 e 25 de agosto a
proposito da expedição militar para o Rio, nas
quaes houve séria hesitação no seio da
representação portuguêsa, esta se
mostrou agora perfeitamente accorde. Os que negaram haver a tendencia
separatista que D. João VI e a sua comitiva, em chegando,
affirmaram lavrar no Brasil, começam a dar-lhe
[141]
credito e a persuadir-se de que
não basta o regimen constitucional para assegurar a
integridade do imperio. O proprio Fernandes Thomaz, que acoimara de
indiscreto e impolitico o destacamento de soldados do Reino para a
America, bandêa-se com os adversarios de ha pouco, sem receio
de se desdourar com tão flagrante incoherencia. A
perspectiva do desmembramento da monarchia une os portuguêses
de crenças mais antagonicas em fileiras compactas que os
rudes golpes da bancada pernambucana não alcançam
scindir.
Repetem á sociedade os irmãos da Europa que
não é permittido contestar a
ebulição dos espiritos na capitania de Duarte
Coelho. A
população divide-se em dous partidos, por egual
exaltados, que sahirão a campo para duello de morte
á desconfiança mais leve de impotencia da
auctoridade para os reduzir. Removido o batalhão do Algarve,
conforme determinou a assembléa no sentido dos votos da
bancada pernambucana, não restará á
junta forças sufficientes
para se impôr aos respeito das facções.
Asseguram-no
correspondencias particulares e petições de
lá e de
cá, em apoio da informação categorica
de Luiz do Rego. O governo que destaca tropas para o Minho á
noticia de tumultos, não póde deixar
tambem de prover á segurança de Pernambuco,
provincia de Portugal. Não são procedentes as
prevenções contra os militares europeus,
generosos e amigos da liberdade, como testemunha a sua
cooperação decisiva na
regeneração da mãe patria. Que mal,
demais, pódem causar seiscentos ou quatrocentos homens,
porque a expedição
não será mais avultada, perdidos na
população numerosa e energica de Pernambuco? Para
dissipar
[142]
quaesquer
apprehensões o congresso determinará que
irão exclusivamente apoiar a junta na
repressão da anarchia.
Era este o motivo apparente; vae transparecer o pensamento dominante
envolvido hypocritamente em protestos de liberalismo e em testemunhos
de confiança aos collegas de além-mar. Se o
partido da independencia, continuam, exprimisse a vontade geral, as
côrtes por amor da liberdade certamente se absteriam de
interferir nos negocios do Brasil. Mas não é o
caso. Trata-se agora de conter meia duzia de facciosos, porque os
deputados americanos affirmam á unanimidade que a sua patria
não quer senão se manter unida á velha
metropole, governadas as duas
secções da monarchia pela mesma
constituição.
Importa outrosim lembrar que emquanto os brasileiros não
adheriram á causa de Portugal, os
poderes publicos systhematicamente se não metteram nas
cousas do novo reino. Desde, porém, que manifestaram o
empenho de seguir os destinos da mãe patria e protestaram
obediencia e fidelidade ao seu parlamento e governo, não
pódem
esquivar-se as decisões d'estas auctoridades. A Bahia
recebeu com enthusiasmo tropas; no Minho foram ellas acolhidas com
prazer, não sabem, pois, por que razão os de
Pernambuco as vêm com horror.
Os pernambucanos respondem ponto por ponto ao arrazoado, alternando-se
com os oradores portuguêses, e a medida que se desvanecem as
probabilidades da victoria, augmenta-se-lhes a
exaltação. A Borges Carneiro, que encetou os
debates, succede Moniz Tavares, sopitando a paixão para que
não estoure em demasias de linguagem. Não
contesta a emulação de brasileiros
[143]
com portuguêses mas não é peculiar
a Pernambuco nem nova. Lavra em todas as provincias americanas, e nos
Estados-Unidos e nas colonias hespanholas as
prevenções dos da terra contra os europeus se
manifestaram com violencias sanguinolentas de que não ha
exemplo no continente brasilico. Em Pernambuco estalaram pela primeira
vez em
1810, sopêadas
então só vieram a reapparecer em 1817 com
facinoras, que, relaxados, por imprudencia, da prisão,
bradaram: mata marinheiro! E a despeito de serem punidos immediatamente
e de se não renovarem os desacatos contra os da Europa,
alguns d'estes, levados de odio ou de terror, votaram ás
gehennas os pernambucanos indistinctamente. O tempo e os soffrimentos
dos que elles lançaram nos calabouços da Bahia,
não lhes amorteceram o rancôr; ao contrario, este
cresceu com o mêdo de desforço em recobrando a
liberdade as suas victimas. Promovem incessantemente intrigas e boatos
malevolos com o intuito de indispôr as auctoridades contra os
da terra, mórmente contra os que soffreram ou mostraram e
mostram sympathia pela revolução de 1817. Ora
quem está mais
disposto a prestar ouvidos ás suas
informações
malditas que os militares de Portugal desembarcados de fresco? Felizes
por encontrar compatriotas prestimosos acabam por lhes dar inteira
fé e por participar de seus sentimentos. D'ahi resultam
juizos preconcebidos que ao menor pretexto occasionam conflictos. Para
restituir tranquillidade aos povos é de indeclinavel
necessidade não
proporcionar á facção odiada por causa
de sua
perfidia, meios que a tornem arrogante e audaz, e forças
portuguêsas são esse meio como
inculca a historia do batalhão do Algarve. Pernambuco,
[144]
além d'isso,
excusa tropas, porque as tem em tão grande numero que
chegaram a preoccupar a Bahia no acto de sua
regeneração. Lá
existem tres batalhões de caçadores, um
esquadrão de cavallaria e dous corpos de artilheria. Os
negociantes de Lisboa que ameaçam retirar os seus fundos da
provincia se não forem novos regimentos, nada lá
possuem, e os senhores de engenho, Bento José da Costa, a
Companhia, os opulentos da terra, emfim, interessados pela ordem,
recusaram assignar a petição d'aquelles. Demais,
um punhado de negociantes não conhecem melhor as
conveniencias de Pernambuco e não representam mais
directamente os seus sentimentos do que os seus deputados.
Não se allegue que as forças podem servir contra
os inimigos de fóra. Não os ha; e caso
recresçam,
o povo que desalojou os hollandêses installados e
fortificados no torrão, agora mais numeroso e mais rico
rechassará, sem soccorro os novos invasores
[165].
Villela Barbosa, o unico da bancada fluminense, assiste os collegas do
norte e os seus golpes deviam ser particularmente dolorosos aos brios
militares da mãe patria. Desvenda a philaucia
portuguêsa que cria meia duzia de europeus capazes de
reduzirem os pernambucanos, e aos que enxergaram em cada soldado
lusitano um paladino da honra e da liberdade, desengana-os evocando a
matança da Praça do Commercio. Que vão
fazer essas tropas da Europa, exclama que se deslustraram no Rio,
atacando eleitores inermes reunidos na Bolsa? Renovarão a
[145]
proeza, porque batalhões
fóra do seu paiz, reputam sempre inimigo o territorio em que
pisam
[166].
Julgada sufficientemente discutida a materia, ia o presidente
sujeital-a
á votação,
quando Moniz Tavares pediu licença para uma
reflexão. Lembrava «que o primeiro choque que
causou a desunião dos Estados-Unidos, quando estes haviam
proclamado á face de Deus e do universo adhesão
á metropole, não foi
senão pelo principio da metropole mandar-lhes soldados
contra a sua vontade».
Moura levanta-se precipitadamente para desfazer o effeito da prophecia
a que a voz sombria e lenta
[167]
de Moniz Tavares deu certamente
particular relevo. Não hesita o regenerador fogoso em
deturpar a historia no interesse da causa, affirmando que a America
inglêsa repellia os batalhões britannicos
destinados a protegerem medidas oppressivas. A verdade, a simples
verdade é que os Estados-Unidos não perdiam tempo
com taes indagações e consideravam acto de
hostilidade a remessa de qualquer regimento não sollicitado
por elles e se aprestavam a repellil-os com as armas na
mão
[168].
O congresso resolveu desaggregar dos 1200 destinados ao Rio, um corpo
de quatrocentas praças que ficaria em Pernambuco para render
o batalhão do Algarve.
[146]
Não foi nominal o escrutinio, mas houve na
assembléa seguinte declaração de voto
dos pernambucanos e Villela Barbosa no sentido de se terem opposto
á expedição militar. Se
o silencio dos outros fluminenses significa que acompanharam a maioria,
não têm excusa. Deviam conhecer as queixas dos
seus committentes contra os regimentos reinoes desde a tragedia da
madrugada de 21 de abril; deviam conhecer a malquerença
reciproca entre as tropas do Reino e os da terra por causa da
arrogancia e desdem patenteados pelos officiaes lusitanos aos camaradas
do Brasil; deviam saber que se adiavam indefinidamente as revistas para
se evitarem recontros dos pés de cabra com os pés
de chumbo
[169].
Caso não existissem taes factos, caso se
não julgasse
o Rio desgraçado com ter a soldadesca de Portugal, ante a
união formidavel dos constituintes portuguêses, os
interesses da defêsa contra o adversario commum levavam-nos a
se fundirem com os pernambucanos, tão inquietos com a
disposição do congresso de conter os conterraneos
pela força. Demais, apoiando-os, estavam com a boa
razão. De facto se quatrocentos homens bastavam largamente
para acirrar os animos, eram sobremaneira insufficientes para
sopêar as
explosões nativistas que porventura provocasse a sua
presença. Como força policial os dispensava
Pernambuco e como agentes de conquista mereciam o desprêzo da
velha capitania. Que iam, pois, fazer essas praças
senão inflammar os espiritos?
Sob o ponto de vista do Direito Publico propugnavam ainda os
pernambucanos os sãos
[147]
principios.
Por mais protestos de constitucionalismo que fizesse Luiz do Rego,
[170]
não é menos exacto que exercia o governo por
delegação
d'el-rei, e a este, consoante a doutrina acceita pelos proprios
regeneradores, faltava auctoridade para preencher os altos postos da
administração sem o concurso das
Côrtes. Era, pois, um poder irregular e por isso
não devia o congresso tratar com elle, e muito menos
attender ao seu pedido de augmento de forças, as quaes
arriscavam assegurar-lhe a conservação arbitraria
do mando, contra o voto dos representantes da provincia. A boa theoria
defendera-a Fernandes Thomaz no debate ácerca dos
contingentes militares sollicitados por D. Pedro. Sem a
ratificação da junta do Rio, ponderava o preclaro
regenerador, não convinha attender á regencia que
não é
auctoridade regular. A bancada pernambucana batia-se pela
applicação d'este principio.
Em 6 de novembro engrossaram a representação
americana os mandatarios do Maranhão. Eram dous, o
desembargador Joaquim Vieira Belford e José Joaquim Beckman
de Caldas. Este substituia o proprietario da cadeira Raymundo de Brito
Magalhães e Cunha, cuja saude compromettida não
lhe consentia affrontar as descommodidades da travessia. Belford,
familiarizado, como todo o juiz, com as
infracções de Direito, penetrava no parlamento
por brecha rasgada na lei. De feito o regulamento eleitoral vedava a
eleição dos funccionarios publicos no circulo de
sua actividade. As côrtes, porém, apoiadas em
precedentes retumbantes aceitaram o diploma do
[148]
ministro da
relação maranhense contra o voto da
commissão de poderes
[171].
Vindos de uma provincia mais que nenhuma outra avassallada do elemento
português e, por conseguinte, vibrante de enthusiasmo pelo
congresso, deviam suprehender-se desagradavelmente com a attitude dos
regeneradores nos debates, logo depois instaurados, ácerca
da
deputação permanente. Inspirados da
constituição de Cadix, os redactores do projecto
do facto
fundamental haviam perfilhado essa concepção
politica. Era uma junta de deputados sahidos do Congresso e de sua
escolha, a qual, fechadas as côrtes, devia velar pela boa
execução dos preceitos constitucionaes e, em
casos previstos, convocar extraordinariamente a assembléa.
Compol-a-iam tres representantes ultramarinos e tres do Reino sob a
presidencia de um setimo membro, sorteado entre um representante do
Ultramar e um de Portugal.
[172].
A discussão occupou duas dilatadas sessões e
pronunciaram-se mais de trinta e cinco discursos. Tão
prolongado esforço não versou
ácerca da utilidade da instituição nem
tão
pouco a respeito de suas attribuições
senão sobre se
convinha estipular que d'ella farião parte os deputados de
além-mar. Dos adversarios do projecto uns não
admittiam a distribuição por
força da lei de cargos publicos entre americanos e europeus,
por lobrigarem tendencias federalistas em
[149]
semelhante conceito
[173].
Seriam mais
leaes declarando desnudadamente que a egualdade politica pregada em
todos os tons, não significava o reconhecimento do direito
dos irmãos mais novos occuparem postos na alta
administração do imperio. Outros,
embuçados na rigidez da doutrina constitucional
contemporanea, a qual não consentia a
representação dos
povos nas commissões e cargos destituidos de
funcções legislativas, condemnavam o projecto.
Accresce, continuavam, que se em certas occasiões
não houver se não ultramarinos capazes de
preencher a deputação permanente, vingada a
proposta, serião substituidos por europeus e, d'esse modo,
privar-se-ia a administração de sujeitos
valiosos
[174].
Assim o diziam Moura e Fernandes Thomaz. É licito duvidar,
porém, de sua sinceridade.
Sabiam os magnates da regeneração que continuavam
os brasileiros a não figurar no ministerio, e no corpo
diplomatico refundido depois da revolução. Deviam
lembrar-se de que o Congresso, ainda ha pouco, não incluira
um só ultramarino na lista de vinte e quatro nomes sujeitos
ao Rei para d'ella escolher os conselheiros de Estado interinos
[175].
Mais tarde por occasião de se preencherem os commandos das
armas, a
[150]
nenhum americano caberá o
governo militar
[176].
Essas preterições, que pela
persistencia accusam calculo, jámais mereceram a censura dos
regeneradores. Como ousam agora lamentar a sorte dos brasileiros que
pelo projecto não terão mais que tres
conterraneos na junta permanente?
Os mandatarios do novo reino, através do liberalismo verbal
dos corypheus da revolução, percebem que o novo
regimen intenta manter pontualmente a tradição
egoista e impolitica de reservar para os portuguêses da
Europa as culminancias da administração. Desvenda
o perfido designio Villela Barbosa no seu estylo peculiar,
ouriçado de questões contundentes como cutiladas
e que tem a precisão e transparencia dos numeros.
«Que inconveniente pode haver em passar o artigo como
está redigido? Que mal pode delle resultar ás
gerações
futuras? Que mal se tem delle seguido aos hespanhoes que primeiro o
estabeleceram, para merecer tão renhida e ciosa
discussão? Lembra-me que por algumas instancias dos senhores
deputados do Ultramar perguntou-se aqui que mais queria o Brasil?
Seja-me licito tambem perguntar agora, que mais quer Portugal?
Não tem em si o monarcha? Não tem as
Côrtes? Não vém tomar nellas
assento os representantes do Ultramar com tantos incommodos e perigos?
Não se lhes mandam de cá os bispos, os
magistrados e os generaes? E ainda se lhes quer disputar palmo a palmo
esta pequena egualdade de representação na junta
permanente? Nada ha de certo mais mesquinho e
[151]
illiberal que isto e nada prova mais o contrario daquillo que
se pretende inculcar»
[177].
Uma vez que o artigo, trasladado da constituição
hespanhola e não creado pelos auctores do projecto,
determinara tão aturada controversia, rejeital-o seria
magoar deliberadamente os brasileiros. Assim o comprehendeu o
congresso, ponderadas as assisadas palavras de Pereira do Carmo, Annes
de Carvalho, Castello Branco, Macedo e Vasconcellos no sentido do
empenho da nação em dissipar as
prevenções dos de além mar contra os
portuguêses da Europa por causa do zelo com que estes
guardavam para si os cargos publicos e da supremacia exercida na
America
[178].
Annes de Carvalho mais homem de lettras que politico,
considerou o negocio com desassombro. Começa por affirmar a
conveniencia de não escurecer a realidade. A grande
emulação de Portugal com o Brasil, que
não é permittido negar, ha de se desenvolver na
disputa aos cargos de maior monta. Dissolvidas as Côrtes,
nenhum posto poderá hombrear com a junta incumbida da guarda
da constituição. Sem os artigos, os ultramarinos
que se acham em minoria, ver-se-hão excluidos della, porque
os portuguêses conservarão para si
funcções
tão elevadas
[179].
Por sessenta e nove votos contra vinte e
seis passou a proposta. Dos brasileiros os fluminenses
[152]
Ledo e Lemos Brandão, por motivos ignorados, votaram
com a minoria
[180].
Em 19 de novembro ajuntou-se á bancada americana o padre
Lourenço Rodrigues de Andrade, de Santa Catharina. O
deputado da provincia pacifica e ponderada, a qual não
desperta o interesse dramatico da Historia com os seus negocios
domesticos senão pelos commettimentos de extranhos,
apresentou-se ás côrtes com
simplicidade de rustico. Não passou pela mente do candido
varão que alguem pudesse arrogar nome e titulo que lhe
não pertencessem. D'ahi a necessidade para a
commissão de poderes de acceitar em testemunho da identidade
do desmalicioso catharinense provas que não previra a lei
eleitoral
[181].
Em 15 de dezembro foram reconhecidos os deputados da Bahia e de
Alagoas, que acabavam de desembarcar. Representavam esta provincia
Manuel Marques Grangeiro, Francisco de Assis Barbosa e Francisco Manuel
Martins Ramos.
Eram mandatarios da Bahia Francisco Agostinho Gomes, José
Lino Coutinho, Pedro Rodrigues Bandeira, Cypriano José
Barata de Almeida, Domingos Borges de Barros, Luiz Paulino de Oliveira
Pinto da França, Alexandre Gomes Ferrão e o padre
Marcos Antonio de Sousa
[182].
A representação
não correspondia a
população livre da capitania, estimada em 335.961
habitantes. Informara, porém, a junta governativa que por
[153]
não protrahir o embarque dos eleitos, deixara a
nomeação do novo e ultimo deputado á
comarca de Jacobina, o qual não poderia comparecer no
congresso senão em maio ou junho vindouro
[183].
Nenhuma bancada apresentava temperamentos mais varios nem
tão profundamente caracterizados. Lino Coutinho que,
á seducção do gesto
ajuntava o dom supremo da eloquencia, era um d'esses entes
privilegiados pelo poder de agradar. As sympathias e amizades que
despertava, nunca perdiam o calor dos sentimentos novos e a sua morte
afigurar-se-á para todo o sempre aos amigos catastrophe
recente. Macedo dirá d'elle evocando impressões
velhas de trinta annos. «Não
podia haver homem mais insinuante e sympathico; bom e desinteressado,
simples, alegre, espirituoso de facilimo accesso e inexcedivel
probidade»
[184].
Domingos Borges de Barros, na mocidade o amigo
de Bocage e Tolentino, o ministro do Brasil a quem coube promover o
reconhecimento da nossa independencia pelo governo francês,
atravéz das maranhas de uma diplomacia hesitante, era alma
generosa, preoccupada com os crimes e desigualdades sociaes, como a
escravidão e a incapacidade politica das mulheres
[185]. Os
feitos dos nossos maiores estudados com amor, acendravam o patriotismo
robusto do padre Marcos Antonio. Sobre-excedia a todos em
exaltação e combatividade o mais velho, Cypriano
Barata que vae attingir sessenta annos
[186].
Homem
[154]
de acção,
idealista e mais sensivel que intelligente como succede aos genuinos
temperamentos revolucionarios, hostilizará todos os
governos, não se conformando a sua alma rectilinea e candida
com as deformações dos programmas que as
circumstancias impoem á
opposição quando galga o poder. Domina a
brilhante bancada pela elevação moral e forte
cultura o diacono
Francisco Agostinho Gomes. Um santo e um sabio. O escrupulo de
não vir a ser sacerdote digno, desconvenceu-o de tomar as
ordens maiores sem no emtanto o affastar das regras severas da Egreja.
Ao revés do que acontece com a generalidade dos homens, era
implacavel comsigo mesmo, e a sua indulgencia para com as fragilidades
alheias chegava a merecer censura. De sua liberalidade contavam-se
casos meritorios, todos relativos á sua grande
paixão pelas lettras.
Contribuira largamente para o engrandecimento da bibliotheca publica da
Bahia, e mais de um mancebo, á sua custa, estudara na
Europa. Se promovia d'esse modo a instrucção,
não
se descuidava de cultivar o proprio espirito. Eram-lhe familiares as
boas lettras assim como a economia politica, a mineralogia e a
botanica. A modestia e o acanhamento lhe não permittiram dar
aos seus conhecimentos a notoriedade a que tinham jús
[187].
Nem uma só vez orou nas côrtes
mas patenteou nos trabalhos obscuros das commissões
documentos do seu culto espirito. Para accentuar a originalidade da
phanlange o mais frouxo dos lidadores era soldado, o general Pinto da
França.
CAPITULO VIII
SUMMARIO:
Estreia de Barata.―Legitimidade da sua proposta.―Os
brasileiros não a defendem com vigor.―Barata
retira-a.―Suppressão dos tribunaes do Rio.―A
emulação das provincias aproveita aos
portuguêses.―Indignação no Rio contra
Varella.―Decidir-se-ão no Brasil as revistas das causas ahi
julgadas.
No mesmo dia em que tomou assento, Barata «breve de corpo e
resoluto de espirito» como se descreve a si proprio
[188],
propôs em termos laconicos que assumiam a forma de
intimativa, a suspensão dos debates ácerca do
projecto constitucional até á chegada dos
deputados americanos e que então se discutissem novamente os
artigos vencidos na ausencia delles
[189].
Não pedia nada de extraordinario nem manifestava a
presumpção de se não dever organizar
a nação sem o concurso dos brasileiros; exigia
simplesmente o cumprimento do artigo 21 das Bases, o qual estipulava a
obrigatoriedade
[156]
do pacto social para as populações que o
aceitassem por seus legitimos representantes
[190].
Ora não se
pode adoptar lei sem a examinar, e não ha senão
os deputados, no regimen constitucional, que sejam os procuradores
legitimos dos povos. Não era, além disso,
desarrazoado o
preceito para cahir em abandono. Portugal tinha dependencias em todos
os continentes e não era licito admittir que os seus
representantes, a maior parte dos quaes não haviam sahido da
patria, conhecessem as conveniencias dessas variadas terras. As
informações tornavam-se
particularmente necessarias a respeito do Brasil, tão
differente das colonias como da metropole. As possessões da
Asia e da Africa jaziam ainda no periodo primitivo do resgate e o
português não ousava perder de vista o mar, menos
hostil que o interior das terras, temeroso do gentio, numeroso e
insubordinado. Vivia acocorado aos pés da auctoridade, sem a
qual não resistiria aos assaltos dos naturaes. No Brasil o
reinol transformara em cultura as mattas, ajuntando desse modo
á posse, resultante da occupação,
a propriedade nascida do trabalho. Multiplicavam-se as cidades,
desenvolvia-se o commercio e crescia por toda a parte a agricultura.
Ahi detestava o colono os representantes do poder publico, violentos e
vorazes, que o opprimiam com milicias e com
exacções fiscaes.
Da antiga metropole se distinguia o novo reino como
nação empobrecida e exigua, encravada em
continente de povos fortes e aggressivos,
[157]
se differença de estado vasto e em progresso que
não teme os vizinhos.
Alvoroçaram-se com a proposta os portuguêses e, ou
porque enxergassem na forma mais desenvolvida que lhe dera o auctor
á segunda leitura signaes de arrependimento, ou porque a
não applaudissem os proprios brasileiros, estabeleceram com
arrogancia a alternativa: ou discussão immediata do
requerimento para que não vinguem as ideias falsas nelles
consubstanciadas ou a sua renuncia solemne
[191].
Recentemente admittidos no congresso, recêosos de se
malquistarem com a maioria, sem a qual nada
alcançarião para a patria, e
principalmente incertos ácerca dos verdadeiros sentimentos
dos irmãos da Europa a respeito da America, os ultramarinos,
em verdade, não secundaram o sexagenario. Duvidando, por
isso, da legitimidade de sua proposição, Barata
defendeu-a frouxamente, ajudado, comtudo, de Borges de Barros, menos
hesitante. Sem duvida, ponderou o futuro visconde da Pedra Branca, que
se demorará a feitura da carta constitucional com o sujeitar
a parte approvada aos ultramarinos; mas não havia outro meio
de se fazer uma lei accommodada ás differentes partes da
monarchia do que ouvindo o parecer dos representantes, conhecedores das
necessidades e desejos dos povos que os mandaram a assembleia. A Bahia,
concluiu com os ouvidos ainda cheios das
acclamações resoadas nas Côrtes
á noticia do comportamento da grande provincia, a Bahia se
julga credora de alguma attenção particular
á vista de
[158]
sua adhesão á causa da
regeneração social
[192].
O delicado poeta não se lembrava de que a
gratidão tem memoria curta.
Pinto da França manifestou a tendencia, que se
accentuará na prosecução dos
debates, de apoiar os portuguêses nas divergencias com os
brasileiros, em discurso cheio de enthusiasmo enfadonho por Portugal e
pela Bahia, onde não apontam raciocinios ajustados
á materia.
Villela Barbosa guardou silencio. A deputação
pernambucana não deu signal de vida.
Pinto de Magalhães, Borges Carneiro e Miranda combateram a
proposição firmados no artigo difinitivo do
projecto da constituição que
declarava os deputados representantes da nação e
não de determinada provincia
[193].
Era preceito formulado em todas as leis constitucionaes esse que os
portuguêses acabavam de aceitar. Já antes de
votado decidia dos negocios do Brasil na ausencia dos seus mandatarios
por suggestão de Fernandes Thomaz. Proclamara-o o astuto
regenerador por occasião de rejeitar o emprestimo do banco
do Brasil. Condemnava-o, affirmou com segurança, por falta
de documentos comprovativos de haver aquelle estabelecimento adiantado
ao governo dinheiro para actos de utilidade publica, e não
em virtude da ausencia dos delegados da America. Nao havia
necessidade delles para a resolução dos negocios
da sua terra, porquanto figuravam no parlamento deputados da
nação e não deputados de Portugal
[159]
e do Ultramar
[194].
Miranda perfilhou immediatamente o extranho
conceito. Moura se serviu delle com exito para não admittir
a reabertura da discussão recente sobre a remessa de tropas
ao Rio por occasião de tomarem assento no congresso os
deputados fluminenses
[195].
A maioria não tardando em perceber que a doutrina era
assás commoda e fecunda, tal qual a theoria de ser o Brasil
provincia de Portugal, para soffrer controversia, adoptou-a como uma
das formulas do patriotismo.
Para os que consideram sem paixão o debate e se
não impressionam com a magestade de Pinto da
França decidindo pelos portuguêses como Jupiter as
contendas dos deuses, não é licito contestar a
justiça da
proposição. Não se podia invocar
contra os brasileiros uma
disposição que não haviam approvado
nem, até, conheciam. Não determinava,
aliás, outra cousa o artigo 21 das Bases, compromisso
solemne da regeneração com o Ultramar. A
razão não suffragava tão pouco
semelhante intelligencia da doutrina constitucional. O deputado
representa a nação no sentido restricto de
não ser elle orgão de
nacionalidade differente ou de territorio independente. D'ahi concluir
que os mandatarios de uma provincia exprimem os sentimentos do paiz
inteiro é incluir a população na
categoria dos corpos
[160]
simples nos
quaes uma parcella contem os attributos do todo e é
lançar por terra o regimen representativo. Vingada a ideia,
tornava-se desnecessario perturbar a existencia do povo com o
comparecimento ás urnas, porque uma
fracção delle manifestaria as opiniões
da universalidade, Para que eleições nas Ilhas,
em Angola, no Brasil
e no Minho se os habitantes de Lisboa conheciam as necessidades e
aspirações do Fayal, do Rio e do Porto?
Os portuguêses versados em direito publico não
ignoravam a significação do
conceito mas o interpretavam de conformidade com o seu intento de
legislar para o Brasil sem dependencia de seus procuradores.
Fernandes Thomaz fez Barata retirar a proposta com lhe prometter que o
congresso reconsideraria os artigos approvados na ausencia dos
americanos que incorressem na censura delles.
Em consequencia de haver a assembleia deliberado dar outra
redacção ao projecto e de ouvir sobre elle mais
deputados de alem-mar, a extincção dos tribunaes
superiores
creados por D. João VI, proposta em setembro, voltou a
discussão somente em dezembro. Longe se achava de estar
completa a deputação americana mas aos deputados
fluminenses interessados no negocio haviam-se ajuntado os da Bahia,
considerada no Reino a provincia de mais pêso nos destinos do
Brasil.
Por mais mesquinhos e ridiculos que pareçam taes sentimentos
em legisladores, não ha duvida de que foi o bairrismo das
terras do norte, principalmente da Bahia, e a condescendencia estupida
dos do Rio com o despeito das outras provincias por se verem privadas
da
[161]
preeminencia e vantagens
que advieram ao torrão fluminente de ter sido a
séde da monarchia, que determinaram a
solução prompta do negocio, surprehendidos os
portuguêses da facilidade com que os irmãos de
além-mar se privavam de instituições
necessarias
[196].
Borges Carneiro fundamentou o projecto com a necessidade de economias
demonstrada pelos apuros do Regente
[197]
e com a circumstancia de
não mais achar no Rio a Côrte. «Estes
tribunaes fizeram-se para a Côrte, esta acabou em
além-mar, acabem-se elles»
[198].
Um dos gracejos da época, inventado talvez pelo Correio
Brasiliense, era que el-rei, chegado ao Brasil, abrira por desfastio o
annuario de Lisboa e copiara a lista das
instituições da
mãe patria para reproduzir em sua nova capital aquellas que
ahi não existiam, sem cogitar das
condições differentes da terra e sem corrigir os
vicios do organismo administrativo de Portugal. Varella repete agora a
facecia, e testemunha desse modo a inconsciencia com que vai rebaixar o
berço.
«Estas repartições creadas pelo
almanack é justo que acabem pelo almanack. A
extincção destes tribunaes é muito
precisa, é necessario acabar com estas sanguesugas que tanto
têm arruinado a patria»
[199].
Não se lhe apresentam outros argumentos, e
[162]
com semelhante modo de ver a sociedade
retrocederia aos tempos primitivos, por que só nelles o
homem vive sem instituições que custam
dinheiro.
Supprimidos os orgãos superiores da justiça,
cessavam funcções que, todavia, não
podiam deixar de existir sem grave transtorno das
relações sociaes. Decidiu-se, por isso, que as
attribuições do desembargo do paço e
da mêsa de consciencia, reduzidas ao expediente e aos
negocios sobre os quaes se não consultava a Casa da
Supplicação ou o governo, passariam a uma junta
da relação. A parte contenciosa do Conselho de
Fazenda e do Erario, egualmente extinctos ficaria sujeita ao juizo dos
Feitos da Relação. A
suppressão da Junta do Commercio provocou curto debate.
Varella opinou que a devia substituir outra
repartição, sem competencia, porém,
nas materias contenciosas, que serião affectas á
Relação. Ledo não concordou. A junta
prestava tantos serviços como a de Lisboa, e nenhuma
administração de quem se confiassem as suas
attribuições, proveria
satisfactoriamente aos interesses multiplos do commercio, da
navegação e da agricultura. Borges Carneiro
ponderou que era tardia a observação, porque o
congresso já approvara a
abolição de todos os tribunaes, sem reserva da
junta em questão.
A mêsa de inspecção avocaria a
jurisdição della, resguardados desse modo os
interesses nacionaes
[200].
O projecto que rebaixava o Brasil a provincia de Portugal, é
triste dizel-o, não provocou
[163]
maior
opposição que esse timido protesto. A Bahia, que
mostrara sentimentos levantados quando no officio de adhesão
á causa de Portugal
cogitára dos destinos do novo reino, soffria eclipse no seu
senso politico. Lino Coutinho, que subscrevera aquelle memoravel
documento, tripudiava; as rivalidades mesquinhas de campanario, que
exultam nas suas palavras com a perspectiva de triumpho, obscurecem-lhe
a intelligencia ao extremo de não perceber que o desbarato
das prerogativas do Rio significava a degradação
do Brasil. «Assento, perora, que nada haverá de
mais justo do que pôr em vigor o projecto em
discussão e nivelar a antiga côrte no Rio com
todas as mais provincias. Desça do alto gráu de
côrte para o de provincia»
[201].
Supprimida a Casa da Supplicação, que julgava em
gráu de revista, surgia uma difficuldade: onde decidir os
feitos dependentes desse recurso? A commissão propunha a
Casa da
Supplicação de Lisboa. Fernandes Thomaz poucas
semanas antes, confessara que achava violento o alvitre, mas que o
aceitava por não ferir o melindre das provincias com
investir a relação fluminense ou outra qualquer
de prerogativa negada aos tribunaes congeneres do Brasil
[202]. O debate
provou que se não enganava o egregio varão.
Pesava tambem aos ultramarinos virem procurar justiça em
Lisboa, e como não quizessem attribuir ao Rio preeminencia
alguma, entenderam conciliar as conveniencias dando as
relações
[164]
provinciaes o julgamento da revista. Lino Coutinho interveiu no debate
com desempeno. «Tratamos de nivelar as provincias do Brasil
com o Rio de Janeiro e, portanto, devemos reduzir a Casa da
Supplicação a uma
relação provincial. A Casa da
Supplicação passa a ser uma
relação provincial»
[203].
O conselho era inapplicavel, porquanto os juizes da revista eram
desembargadores do paço e desembargadores do paço
não os havia
senão no Tribunal do Rio. A paixão dava o
resultado imprevisto de tornar um regenerador campeão dos
interesses ultramarinos contra os brasileiros. De feito Borges Carneiro
ponderando aquella circumstancia, lembrou a conveniencia das revistas
continuarem a ser processadas no Rio. Poupavam-se assim aos de
além-mar os incommodos e as despêsas de virem com
os seus feitos a Lisboa e se assegurava ao reino americano «a
independencia (judiciaria) compativel com a
união»
[204].
Os americanos dominados de zelo ridiculo não prestaram
attenção ao alvitre
honesto e leal. Venceu que a Casa da Supplicação
de Lisboa julgaria os recursos supremos.
No afan de egualar o Rio com as suas irmans, chegaram os ultramarinos
ao extremo de conceder a Portugal o que elle não pedia.
Assim a commissão julgava necessario deixar subsistir o
Supremo Conselho de Guerra. Varella, o deputado fluminense Varella, que
inicia a discussão,
[165]
decide com segurança que
siga a sorte dos outros. Lino Coutinho, Belford, Pinto da
França levam de vencida os esforços de Faria de
Carvalho, um dos auctores do projecto, no sentido da
conservação do infeliz tribunal
[205].
Em summa o projecto vingou salvo ligeiras
modificações e tornou-se o decreto de 11 de
janeiro de 1822. Surprêsos deviam ficar os deputados da
America, que não enxergavam no acto senão o meio
de reconduzir o Rio a simples provincia, quando souberam que, conhecido
no Brasil, rematara a indignação do Rio, S. Paulo
e Minas contra as Côrtes. Menos cego fora Hipolito.
«Deu-se ao Brasil o nome de reino, escreveu, mas ficou isso
em apparencia; agora o governo constitucional conservou o nome mas lhe
tirou todas as apparencias, abolindo os tribunaes superiores do Rio de
Janeiro, de maneira que fez retrogradar o Brasil de sua dignidade de
reino que tinha na apparencia, causando assim uma
humilhação desnecessaria nos animos daquelles
povos, porque, emfim, ninguem ha que se conforme com andar para
trás em dignidade, tanto mais que o trazer o povo do Brasil
seus recursos a Lisboa, quando dantes os tinha no Rio não
é só perder em dignidade mas tambem perder muito
em commodidade
[206]».
Divulgados no Rio os debates, o povo indignou-se contra Varella a tal
ponto que o pobre homem, corrido e desorientado, não mais
tomou a palavra nas côrtes, contentando-se com seguir nas
votações os proceres da bancada americana.
[166]
Parece que se
procurava justificar com a falta de instrucções
da provincia
[207].
Supprimido o Supremo Tribunal do Rio, as revistas das causas pleiteadas
no novo reino se deverião decidir em Lisboa, consoante a
organisação judiciaria da época, a
qual conferia o julgamento do derradeiro recurso ao mais alto juizo, e
este funccionava na capital do Reino. Os regeneradores,
porém, recêando que os ultramarinos se
não resignassem facilmente a vir procurar aquelle remedio na
Europa, haviam introduzido no projecto da carta constitucional uma
innovação
na competencia das relações capaz de os acalmar.
Prescreveram no artigo 158 que, no tocante ao Brasil, se
interporião revistas de seus feitos para as
relações de maior numero de
ministros. É evidente que se houvessem previsto o bom humor
com que os irmãos mais novos acolheram o desbarato das
instituições creadas na America por D.
João VI, não lhes
libertarião a patria de mais essa dependencia para com a
antiga metropole.
A disposição, porém, figurava no plano
da Constituição, impresso e espalhado aos quatro
ventos, e não havia agora destrêza capaz de a
supprimir sem provocar reparo.
Posta em discussão a materia em 31 de janeiro, os
ultramarinos que se não conformavam com a perspectiva de
não possuirem no seu continente todos os recursos judiciaes,
valeram-se da monção soffregamente, e Borges
Carneiro vem ainda em auxilio d'elles com uma emenda no sentido de
não deixar duvida o artigo. Propôz se
[167]
declarasse que aquellas
relações mais numerosas referidas no projecto
não serião outras
senão as que funccionassem em terras brasilicas. Venceu a
proposta sem embargo da opposição de Lino
Coutinho, Borges de Barros e Fernandes Thomaz.
Os bahianos com idéas francamente federalistas, julgando
cada provincia pequeno reino com organização
administrativa distincta, queriam no Brasil tantas
relações com a alçada da
Casa da Supplicação quantas eram as capitanias. O
alvitre
não era pratico porque gravava provincias pobres e
despovoadas com tribunal numeroso por causa de um recurso que
excepcionalmente se apresentaria n'ellas. Fernandes Thomaz
não sabendo como impugnar uma
proposição que tirava ao Brasil a categoria de
provincia de Portugal, invocou a unidade do poder judiciario sem a qual
não se tornaria possivel a união, esquecido de
que faltara esse vinculo durante a estada d'el-rei na America e nem por
isso estiveram separadas as duas secções da
monarchia. Opinava para que se discutissem no Reino as revistas do
Brasil
[208].
CAPITULO IX
SUMMARIO:
Presos da Bahia.―Inanidade do parecer da
commissão ácerca dos negocios do
Brasil.―Condescendencia dos deputados brasileiros.―Surge no Rio o
partido da
independencia.
Apenas começado o segundo anno de legislatura, as
Côrtes occuparam-se com os negocios do Brasil a proposito de
presos expedidos a Lisboa pela junta da Bahia sob a
accusação de a haverem tentado depôr. O
facto era simples. Em 3 de novembro paisanos e militares acompanhados
do presidente e do procurador da Camara, com a bandeira desfraldada,
dirigiram-se ao palacio, onde o chefe da municipalidade pediu aos
membros do governo se exonerassem por o desejar o povo. Os
interpellados, no começo perplexos, cobraram
forças com as
acclamações que da rua lhes faziam os
partidarios, e confiados nos batalhões que com boa sombra
penetravam na sala, ordenaram aos adversarios que se fossem embora.
Estes, porém, não quiseram sahir sem primeiro
deixar por escripto as suas queixas e a
justificação de seu acto. A
junta sem empenho em ver no papel o que ouvido lhe desagradava,
manda-os prender; e são remettidos ao Reino com a nota de
rebeldes homens
[169]
que não empregaram violencia e assás ingenuos ou
ignorantes para acreditarem que com a sancção do
Senado da Camara podiam fazer e desfazer os governos da provincia
[209].
Vieram os infelizes desacompanhados das provas do crime, contra a
terminante disposição das Bases que
não admittia detenção sem culpa
formada, mas para colorir a illegalidade protestava a junta haver entre
elles partidarios da independencia. Não havia
então melhor recurso para se desembaraçar
brutalmente de adversarios, senão com applauso, ao menos sem
censura dos poderes publicos da antiga metropole, que os accusar a
administração da provincia de velleidades
separatistas. Para tão hediondo delicto bastavam tendencias,
dispensavam-se actos. Servira-se do expediente Luiz do Rego contra os
quarenta e dous pernambucanos; acabara de o imitar a junta paraense
contra tres dos seus administrados
[210],
e ir-lhes-hão na
esteira os governos da Parahyba e do Ceará
[211].
Faltando aos administradores confiança na justiça
da terra, era o meio mais efficaz para intimidar a
opposição. A
expedição á Europa sobre prolongar a
reclusão, fazia-a mais penosa. De feito em custodia na
patria os soccorros e confortos da familia e dos amigos attenuavam aos
desgraçados os rigores do carcere, ao passo que remettidos a
Lisboa, além daquella
privação soffriam
[170]
as descommodidades da travessia aggravadas com as cautelas
exercidas pelo commandante a fim de se furtar á
responsabilidade da evasão ou do suicidio do accusado. A
vigilancia, porém, nem sempre era tão estreita
que tolhesse o mal afortunado de pôr termo ao seu
desespêro, como aconteceu com o brigadeiro Boccaciari, o qual
se afogou no Tejo em ancorando o barco
[212].
A commissão de constituição no seu
parecer sobre os officios da junta bahiana, vindos juntamente com os
accusados, depois de propôr que os documentos fossem
submettidos ao poder judiciario, considerou a
situação do novo reino. Reconheceu as rivalidades
na America entre os naturaes e os europeus, das quaes se valiam homens
inquietos para operar o desmembramento da monarchia, e deplorou que a
emulação tendesse a generalizar-se com certos
actos das Côrtes nos quaes não só o
povo senão tambem brasileiros cultos e ricos, enxergavam
intuitos de recolonização do reino americano.
Para atalhar o mal suggeria a conveniencia de se formular
tão depressa quanto possivel o projecto das
relações commerciaes entre as duas partes da
nação, e estimulou os deputados ultramarinos a
proporem á commissão de fazenda a
revogação dos impostos mais gravosos
ás suas respectivas provincias
[213].
Não se pode negar a importancia da questão
economica para os povos, mas julgar que mais
[171]
ou menos tributos
acalmarião os brasileiros, era desconhecer ou recusar
vêr os motivos do descontentamento; e procurar desfazer o
temor de reescravização com o projecto de tarifas
arriscava desenvolver a irritação em vez de a
moderar.
Por mais favoravel que fosse ao ultramar, no conceito dos
portuguêses, a reforma da
legislação aduaneira, certamente coarctar-lhe-ia
o direito de vender os seus productos onde lhe conviesse e de se
abastecer das cousas necessarias nos mercados de sua livre escolha;
seria, na melhor das hypotheses a mutilação
d'essa liberdade
mercantil a que attribuiam os brasileiros o progresso da patria e os
lusitanos a ruina da antiga metropole.
As queixas contra certas taxas e a apprehensão da
revivescencia do monopolio commercial cediam agora o passo a realidades
affrontosas aos brios nacionaes. Clamavam contra o commando das armas e
contra as tropas que Portugal lhes mandava, commando e tropas que
visavam a assegurar a dominação de um reino sobre
o outro com flagrante violação da egualdade
politica promettida pela regeneração ao ultramar
transatlantico.
Para restaurar a confiança dos irmãos mais novos
nas Côrtes, a commissão rematava a
série de palliativos com chave de ouro: propunha mais uma
proclamação. O alvitre provocou curto debate,
ponderando Lino Coutinho que os povos queriam cousas e não
palavras. Venceu as resistencias o arcebispo da Bahia com asserto que
seria irrisorio se não significasse a ignorancia mais
Para restaurar a confiança dos irmãos mais novos
nas Côrtes, a commissão rematava a
série de palliativos com chave de ouro: propunha mais uma
proclamação. O alvitre provocou curto debate,
ponderando Lino Coutinho que os povos queriam cousas e não
palavras. Venceu as resistencias o arcebispo da Bahia com asserto que
seria irrisorio se não significasse a ignorancia mais
completa dos novos sentimentos do ultramar. Declarou o illustre
transmontano, prelado da Bahia, que mandassem manifesto porquanto sabia
[172]
que os seus diocesanos
acolhiam com lagrimas de gosto as resoluções do
Congresso.
Com os magnates da regeneração subscreveram o
anodino documento dous brasileiros. Não causa extranheza que
Fagundes Varella capaz de alienar a patria por complacencia para com os
collegas e a quem os portuguêses não tardaram em
premiar a longanimidade infinita, elegendo-o presidente das
Côrtes em fevereiro
[214],
não
duvidasse em pôr o nome debaixo desse papel. Mas provoca
reparo que um homem energico, sagaz e ao par dos negocios do Brasil,
como Borges de Barros, assignasse semelhante peça ridicula.
Não está a excusa senão no facto dos
ultramarinos chegados de fresco, não pretenderem assumir a
attitude dictada pelas conveniencias, sem primeiro conhecer as pessoas
com quem lidavam e cujas disposições se
não mostravam
através do liberalismo entremeado de protestos de amor aos
irmãos mais distantes e de cortesias aos presentes. Ao
futuro Visconde da Pedra Branca diplomata por indole e affeito
ás delicadezas dos salões, mais que a nenhum
outro brasileiro devia custar nos primeiros contactos com os collegas
da Europa se singularizar delles com ajuntar
restricções ou commentarios ao seu voto nos
pareceres collectivos. Não é, licito,
porém,
occultar que a attenuante agora perdia muito de valor, tanto em
relação ao egregio bahiano como aos compatriotas.
Não se justificavam delongas ou
tergiversações perante a
irritação crescente contra o Congresso,
principalmente por haver surgido no Rio a idéa de
emancipação. Merece
ser contado
[173]
o episodio fluminense, tanto
mais que póde confirmar a origem absolutista, e
não liberal, do movimento ultramarino contra as
côrtes, consoante a opinião de Villela Barbosa e
dos constituintes portuguêses
[215].
O acontecimento
começou tambem no theatro S. João, posteriormente
S. Pedro de Alcantara, fadado a servir aos principaes successos
politicos da epocha. Ahi em fevereiro juraram a futura
constituição de Portugal D. João VI e
o principe D. Pedro, ahi o regente coagido adoptara as bases
constitucionaes e decretara a exoneração do
tréfego
conde dos Arcos. Na noute de 18 de setembro, no correr do espectaculo,
ao qual assistia o principe, irrompeu do camarote do estado maior o
grito: viva o principe real nosso senhor! Grande tumulto e
agitação da policia. Aberto o inquerito, os do
camarote declararam haver partido o brado de pessoa absolutamente
desconhecida, a qual ahi viera com recado ao official de
serviço. Interrogado este, affirmou não conhecer
o portador da mensagem nem ter ouvido o que lhe communicara; a
instantaneidade da scena, demais, não lhe permittira prender
o sedicioso, soada a
exclamação suspeita. Divergiam os pareceres
ácerca da significação do grito. Uns o
interpretavam como voto de regresso ao absolutismo em virtude da
locução―nosso senhor. Outros o attribuiram a
reaccionario feroz que despertava a idéa da independencia do
Brasil com o intuito de despopularizar as Côrtes,
apparelhando desse modo o desbarato do novo regimen. O brado, em
verdade, parece não passar de simples
manifestação
[174]
de enthusiasmo de alguns
militares sem mira occulta, e o facto da officialidade não
revelar o nome de quem o lançou confirma a conjectura.
Se existiam no Reino militares reaccionarios, não os havia
no Brasil; aqui, ao revés, os
officiaes mostravam-se liberaes e radiantes com a nova ordem de cousas,
e ainda aos 24 de agosto tinham festejado o primeiro anniversario da
regeneração com baile estrondoso
[216]. Muito
provavelmente D. Pedro não quis apurar a devassa ou
não desvendou o resultado della, receoso de que a simples
realidade, vista a effervescencia dos espiritos, não
satisfizesse o publico e acirrasse contra as tropas do Reino, mais e
mais antipathicas aos da terra, as prevenções dos
portuguêses constitucionaes muito numerosos no Rio.
A certeza de que os militares não diziam verdade e o
imperfeito do inquerito avigoraram a desconfiança de tramas
contra a liberdade do Brasil e a integridade da
nação irritando por egual americanos e europeus.
Se áquelles não sorria a
emancipação com o despotismo,
comprehende-se quanto devia affligir aos reinóes a
apprehensão de uma mudança, que lhes desmembrava
a patria e supprimia o governo liberal. D'ahi a
acção magica do poeta desconhecido que
aconselhando a independencia com a
constituição prefazia o sonho dos brasileiros e
dava aos portuguêses uma compensação
pelo
fraccionamento da monarchia.
Nunca se determinaram com mais lucidez as conveniencias presentes de um
povo como n'esta decima sobria.
[175]
Para ser de glorias farto
Inda que não fosse herdeiro
Seja já Pedro Primeiro
Se algum dia ha de ser quarto.
Não é preciso algum parto
De Bernarda, atroador;
Seja nosso Imperador
Com governo liberal
De côrtes, franco e legal,
Mas nunca nosso senhor.
A commoção foi das mais profundas, chegando-se a
fixar data para a proclamação da independencia,
12 de outubro
[217].
A D. Pedro, absolutamente sincero, no empenho de
sustar o movimento, depararam-se resistencias imprevistas. Cumpria
remover da intendencia de policia Antonio Luiz Pereira da Cunha
«indolente, pouco activo e de pouco amor e interesse pela
constituição portuguêsa»
[218].
O ministro do Reino não o ousa fazer com mêdo de
que estale o levante, em virtude da popularidade do futuro
marquês de Inhambupe. O regente lança-lhe em rosto
a covardia, e com designio de humilhar o velho servidor manda-o lavrar
o decreto da propria exoneração e o da
nomeação
do seu successor, Francisco José Vieira. Não
logram acalmar os animos os novos funccionarios, e D. Pedro resolve a
intervir pessoalmente no conflicto com o famoso bando de seis de
outubro, o qual desfaz o movimento. Segrega delle os compatriotas com
os seus protestos de fidelidade ao regimen
[176]
em vigor e
intimida os brasileiros com ameaça de «guerra
crudilissima e desapiedada».
Feliz de haver assegurado a integridade da successão,
disposto a defender o rico patrimonio a todo o transe, o regente
assignala ao pai: «Tudo o mais está mais
acommodado, porque têm mêdo da tropa
portuguêsa. Bem dizia
eu a V. M. que necessitava de tropa n'este paiz. Espero que
não quererão ver a peça do panno,
do qual viram a amostra no dia 21 de abril»
[219].
O referir-se em tom facêto á matança
infame da Praça do Commercio, ao crime de que fôra
cumplice senão autor, não abona a indole do
principe.
Os constituintes portuguêses não deram ao successo
revelador do desenvolvimento do instincto de autonomia a minima
importancia, confiados, acaso, nos batalhões europeus,
embora proclamassem a cada instante que a reunião se
não manteria pela força mas pelo accordo das
vontades. Continuaram a discutir o projecto da
constituição apresentado em momento em que do
ultramar vinham aclamações, como se
não se entibiara o enthusiasmo. Nada o prova com mais
evidencia que o longo debate, e memoravel por mais de um titulo,
ácerca da queixa á
Corôa contra os magistrados prevaricadores.
CAPITULO X
SUMMARIO:
A Subserviencia da magistratura.―O jury nas causas
crimes e civeis.―A responsabilidade dos magistrados e direito de os
suspender; Borges Carneiro; argumentos da maioria; replica dos
brasileiros.―Prestam juramento os deputados de S. Paulo.―Antonio
Carlos.―Exaltação dos representantes do
Brasil.―Vergueiro.―Resultado dos debates.
A desfaçatez com que a magistratura serve ao poder,
manifesta-se com evidencia no regimen absoluto ou nas crises
revolucionarias. Viola as leis e os costumes, que nas sociedades menos
cultas em todos os tempos defendem a honra, a segurança e a
propriedade individuaes, para enriquecer mediante confiscos injustos
aquelle de quem recebe a subsistencia e o accesso, ou para lhe acalmar
as ancias do medo ou as paixões reprovadas,
com a morte ou a
prisão do adversario ou do critico importuno.
Não
ha tyranno que commetta crime sem se acautelar com o apparato solemne
do julgamento. Interroga-se o réo, inquirem-se testemunhas,
ouve-se a defêsa e o magistrado lavra a sentença
sob os braços do Divino Crucificado. A verdade é,
porém, que o magistrado
[178]
se não preoccupou
com as respostas do indiciado e só cessou de procurar
informantes quando se lhe depararam depoimentos consoante os seus
intuitos, embora dictados de odio ao accusado ou do interesse de se
recommendar o auctor á benevolencia da justiça.
Para
não fallarmos senão de épocas
modernas, o marquês de Pombal e Napoleão
não se serviram e o autocrata da Russia não se
serve de outro meio, para sob capa de perigo publico se desaggravarem
de offensas reaes ou imaginarias. Sem a cumplicidade infernal da
magistratura acaso essas terriveis entidades não ouzassem
postergar as leis fundamentaes da defêsa proclamadas ha
tantos seculos e nunca contestadas. Nesse afan abjecto de agradar aos
tyrannos e ás paixões
más das multidões, os môços,
que são
generosos nas escolas quando vivem a expensas da familia, excedem os
velhos, dominados da ancia de crear situação.
Alexandre Herculano assignala que D. João III no acto de
estabelecer a
inquisição achou nos juizes novos subserviencia
que se lhe não deparou nos ministros encanecidos.
Habituando-se a conculcar a Lei no interesse do governo, o juiz acaba
por a transgredir a bem de conveniencias particulares, suas ou dos
amigos.
Nem os abusos do clero, nem a miseria do Reino, nem a prepotencia dos
capitães generaes do Brasil levantam do compacto diario das
Côrtes clamor mais intenso e mais geral que as
injustiças da judicatura. Representantes de todas as
profissões, temperamentos politicos mais antagonicos,
accordam na urgencia de reformar a instituição
cujos vicios promanam da docilidade ao poder executivo e tambem do
enfado de julgar. Em verdade a convicção de que
exerce officio
[179]
temeroso
e quasi sagrado pode gerar no magistrado, ao alvorecer da carreira,
empenho de acertar, mas o exercicio da profissão com o tempo
não tarda em embotar tão nobre sentimento e, o
que era outr'ora prazer e honra torna-se, á força
de repetição
encargo penoso, o qual quanto mais rapidamente cumprido, menos pesa.
Não cogita mais da pesquisa demorada da verdade,
através da monotonia dos documentos e
inquirições, em cousas que lhe não
interessam directamente. Como, porém, cumpre ao homem motivo
para agir e como lhe fallece a
preoccupação da justiça, na qual
talvez, já não
crê, agora o estimulam as paixões locaes, as
sympathias partidarias ou as instancias das partes. Para obviar a esses
males, os constituintes com notavel sabedoria estabeleceram o jury para
todos os processos. A lucta correu aspera porque os coryféus
da revolução, partidarios da
instituição nas questões criminaes,
não quiseram confiar della os pleitos civeis. Não
contestavam que em todos os litigios havia um facto ao qual se devia
applicar a lei, mas ponderavam que a determinação
desse facto fora da esfera criminal, offerecia difficuldades
transcendentes do espirito dos que não estudavam Direito e
davam exemplos. Os exemplos, serviam apenas para testemunhar que o
temor da reforma perturbava a visão das cousas nesses
revolucionarios. Assim disseram que não era facil julgar da
validade de um testamento em razão da necessidade de
examinar a natureza dos bens testados, a capacidade do testador e as
varias formalidades impostas ao acto. De feito havia nesse trabalho
pesquisa paciente e sabia para o qual se exigiam conhecimentos de
jurisprudencia. Esqueciam, porém, de que semelhante
[180]
tarefa não
competia ao magistrado leigo nem ao juiz letrado mas unicamente
á parte interessada na annullação do
acto da ultima
vontade. Não cabia ao jurado senão resolver,
esclarecido pela discussão, ácerca da realidade
dos vicios apontados, e fossem quaes fossem serião mais
accessiveis á intelligencia do apanhador de
cortiça do Alemtejo do que certos casos de
premeditação do crime, deixada todavia, ao seu
criterio. Se o testamento incorria em nullidade por lhe faltar a
assignatura do autor, para o reconhecer não havia
necessidade de fazer o curso juridico de Coimbra: bastavam olhos. Se
invocavam a demencia do testador, qualquer podia ouvir e guiar-se pelas
informações dos peritos.
A preexcellencia do juiz de facto não escapou aos seus
defensores. Ponderaram que elle se via obrigado a tomar conhecimento do
feito em todas as suas partes, porque na sua presença sob a
fiscalização das partes e do publico,
faziam-se os interrogatorios, a analyse dos documentos e
discussão do pleito.
Os magistrados, ao revés, em consequencia da
inclinação do homem a reduzir o seu
esforço, não assistiam aos depoimentos, perdendo,
por isso, não raro o ensejo de avaliar a sinceridade delles
e não os estudavam attentamente nem tão pouco os
outros documentos, dos quaes os repelia, aliás, a
calligraphia atropelada dos escrivães, contentando-se, para
conhecer a questão, com as allegações
suspeitas das partes.
D'ahi resultava o descredito do poder judiciario por causa de
sentenças contradictorias sobre especies identicas.
A inexperiencia da acção salutar da imprensa fez
que aos nossos antepassados não occorresse
[181]
incentivo energico para o bom
exercicio da judicatura, qual deve ser a
publicação dos debates forenses. A
divulgação pelos jornaes das
controversias parlamentares, que estimula o deputado ao estudo das
materias e ao cumprimento do Dever, e a egual publicidade dos processos
do jury, que promove ao menos o respeito das formalidades da Lei,
applicada ás reuniões dos juizes togados
porião cobro a muitas negligencias e audacias.
Dos brasileiros presentes n'esta notavel sessão de 9 de
janeiro, apenas dous, o desembargador Belford e o general Pinto da
França votaram no sentido de se excluirem do civel os juizes
de facto. Marcos Antonio, Barata, Moniz Tavares, Villela Barbosa,
Borges de Barros, Agostinho Gomes, Lino Coutinho, os astros de primeira
grandeza da deputação americana, entenderam que a
liberdade e a propriedade dos cidadãos serião
efficazmente resguardadas por meia duzia de homens bons tirados ao seu
trabalho habitual, os quaes exercerião essas
funcções
extraordinarias com o fervor e a consciencia pura de neophitos
[220].
Afastado das Côrtes por doença, desde 30 de
novembro, não tomou parte na discussão Araujo
Lima. Não é, contudo, desarrazoado
suppôr, á vista de conceitos desfavoraveis
emittidos ulteriormente a respeito dos magistrados, que, apesar de seu
temperamento essencialmente conservador, votaria com a maioria dos
collegas.
Não contentes de lhes diminuir a
jurisdicção com o estabelecimento do jury, os
constituintes decretaram
as
responsabilidades dos juizes por
[182]
erros de Direito e, especialmente por
infracções das regras processuaes. Effectivamente
era em consequencia da postergação dos preceitos
reguladores da prova, que os juizes commettiam ordinariamente abusos e
crimes. Quando a tortura não arrancava ao accusado a
confissão almejada, firmavam-se em testemunhos suspeitos ou
se baseavam em coincidencias ou simples indicios, que não
podiam fundamentar a
condemnação.
Á relação, ou julgasse em grau de
revista por ordem do tribunal supremo ou decidisse
appellação de primeira instancia, reconhecida a
infracção da lei, competeria mandar submetter a
processo os responsaveis d'ella. Outra notavel reforma consistia na
acção popular, em virtude da qual era licito a
qualquer querellar contra os juizes por suborno, conluio e
prevaricação. Esses
recursos, porém, offereciam o inconveniente de deixar o
accusado no exercicio do cargo até a pronuncia, e temia-se
que, sob o imperio do despeito e reputando-se perdido, o indiciado
commettesse descommedimentos e vinganças antes da
suspensão do officio. Para remover o perigo grandemente
provavel no conceito dos constituintes, o projecto constitucional dava
o seguinte remedio: conceder ao aggravado o direito de se queixar ao
Rei e este, convenientemente informado e ouvido o conselho de Estado,
poderia suspender o juiz e ordenar á
relação
do districto que proseguisse no processo.
Rompeu-se então o accordo entre europeus e americanos
manifestado ácerca da
organisação do poder judiciario, accordo em
apparencia tão estreito que dava a esperança de
vingar uma constituição a aprazimento das duas
secções da monarchia. A providencia servia em
verdade aos
[183]
de Portugal mas não aproveitava ao novo reino. Os
brasileiros
preferirião supportar o máu humor e os
desconcertos de juiz em perigo de perder o officio a se expôr
ás descommodidades e despesas da travessia para propugnarem
em Lisboa o recurso á Corôa. Barata deu o rebate
ao
patriotismo dos collegas. «A denuncia, disse, sae do Ultramar
para Portugal, volta ao ponto de partida para as necessarias
informações, as quaes serão
protrahidas indefinidamente em virtude dos embaraços
oppostos pelo querelado e torna a Portugal para o exame perante o
conselho de Estado. Accrescente-se a isso a raridade dos correios e o
tempo da viagem e não haverá exagero em
suppôr que mediará entre a queixa e a
suspensão mais de um anno. Não faltará
ao magistrado, portanto, occasião para tropelias, frustra-se
o intento do projecto, que é alliviar promptamente os povos
do máu juiz e priva-se a America de direito inestimavel
fruido pelos portuguêses da Europa. E conclue: Sou muito
impertinente sobre estas cousas dos desembargadores do Brasil porque
realmente quem tem feito esta revolução,
são os crimes dos desembargadores. No Brasil os povos
tomaram as armas por ver o estado em que o tinham posto».
Dos regeneradores Borges Carneiro era incontestavelmente quem
testemunhava maior
deferencia
aos irmãos de
além-mar e julgava o Brasil outra cousa que provincia de
Portugal. Considerara impolitico inniciar-se a discussão do
projecto constitucional na ausencia dos deputatados americanos
[221], e
ainda ha pouco declarara
[184]
que, salvo attribuições legislativas e certas
prerogativas do executivo, o ultramar americano devia possuir todos os
meios de governo. Não se desmentiram agora as suas boas
disposições, interveiu, conciliador, propondo que
na America recebesse a queixa a relação
encarregada de conceder revista. A maioria dos portuguêses,
alguns doutrinarios intransigentes e quasi todos dispostos a
não perderem ensejo de affirmar a supremacia do velho reino
sobre o novo, recusaram o alvitre.
Freire que não admittia differença entre o Brasil
e Angola ou Macau
[222],
Trigoso, o subtil Trigoso, o mais notavel dos
conservadores pela intelligencia e instrucção
consoante o
historiographo das Côrtes Geraes
[223]
e Moura que sujeitava os
povos á constituição e
não esta áquelles, foram os principaes e mais
brilhantes campeões da causa portuguêsa.
Não é licito,
ponderaram, dizer que se priva o Brasil de um direito simplesmente
porque a distancia torna mais lenta a sua
manifestação. Se o americano se queixa por
precisar de tempo mais ou menos longo para se desaggravar do mau juiz,
tambem podem protestar contra o projecto não só
os portuguêses
da Africa, da Asia e das ilhas senão os das provincias de
Portugal afastadas de Lisboa. N'uma vasta monarchia as commodidades
nascidas do recurso ao governo se attenuam á medida que os
interessados se desviam da capital, onde se concentram as auctoridades
supremas.
É uma d'essas fatalidades determinadas pela
[185]
natureza das cousas a que os homens devem resignar-se.
Supposto, continuaram, se queira conceder ou á certas
relações, como lembrou
Borges Carneiro, ou a administração provincial,
consoante o alvitre de Villela Barbosa, a faculdade de suspender o
magistrado prevaricador ainda não pronunciado, difficuldades
ponderosas não o permittem.
O tribunal que já decide revistas e julga
appellações da primeira instancia, não
pode receber a denuncia, suspender o ministro e prival-o em seguida do
cargo por força da pronuncia sem que venhamos a dar ao
magistrado um só juizo quando o mais obscuro dos mortaes tem
a garantia de duas jurisdicções: o juiz
subalterno e a relação para quem recorre da
decisão daquelle. Não convem, egualmente investir
a junta governativa de semelhante
attribuição, porque exerce tão grande
autoridade que só a independencia do poder judiciario
tolherá as suas velleidades de tyrannia contra os
administrados. Quantos magistrados serão assás
heroicos para proteger o cidadão em conflicto com os
governantes quando se acham na dependencia destes?
Demais, remataram, importava conservar intactas as
funcções privativas da corôa e
nenhuma dellas deve ser mais intangivel ao legislador, cioso de
assegurar a imparcialidade da justiça, que o formidavel
direito de suspender os magistrados por simples denuncia.
Borges Carneiro, Castello Branco e os brasileiros rebateram
victoriosamente essa argumentação. Ninguem,
porém, excedeu ao grande jurisconsulto, que expiou na torre
de S. Julião, onde
[186]
morreu, o seu amor da liberdade
[224],
na
lucidez da exposição, na copia das
razões e na
analyse dos textos constitucionaes. Não havia, replicaram,
na apresentação da queixa ás
relações o vicio apontado. Esses tribunaes
compondo-se de differentes juntas, esta julgaria a denuncia, aquella a
suspenção, outra decretaria a pronuncia e
aquell'outra sentenciaria em gráu de
appellação. O culpado não estava, por
conseguinte, sujeito a um só julgador, vantagem
de que não
fruía o cidadão, pronunciado e condemnado pelo
mesmo magistrado. Importava, álem
disso,
considerar que mais previniria o animo dos juizes da queixa o recurso
emanado d'el-rei, em virtude de sua ponderosa autoridade, do que
procedente dos collegas.
No empenho do restabelecer o predominio da antiga metropole, a maioria
não trepidara em invocar theorias e preceitos repellidos
pelo pacto social. Os seus adversarios restauraram a verdadeira
doutrina com nitidez. Perante as disposições
constitucionaes, proseguiram, a
faculdade
de suspender os magistrados
não fazia parte das prerogativas da Corôa, visto
que não figurava no artigo que as descrevia, e
não se podia, no silencio da lei, reconhecer ao monarcha
privilegios sem lançar por terra o principio que a soberania
reside na nação e não no principe.
Accrescia, porém, que a Constituição
não somente lhe não outorgava semelhante poder
senão que lh'a denegava mui positivamente, incluindo entre
as cousas prohibidas ao monarcha o direito de suspender os magistrados,
salvo casos especiaes. A restricção
não contrariava a
interpretação, pois
[187]
significava apenas que em casos
previstos a sociedade abdicava em favor do rei aquelle poder.
A maioria desorientada recorreu então á theoria
de haver funcções proprias do soberano, que elle
não podia, por conseguinte, delegar e isto por
não haver outra entidade impeccavel como elle.
Não offerecia mais consistencia que os outros esse
argumento, e Araujo Lima pulverizou-o sem esforço. O rei,
explicou, não era impeccavel mas simplesmente irresponsavel,
e esse attributo lhe não provinha da
perfeição negada aos outros mortaes mas
unicamente da maneira por que exercia o poder. Não sendo
licito ao monarcha agir senão por via dos secretarios de
estado, a constituição fazia os ministros
responderem pelos actos da corôa. Não sabia,
continuou, como se falava em attribuições
delegaveis e não delegaveis, quando ainda se não
estatuira no pacto social semelhante distincção.
Tratem, porém, as Côrtes a materia ou reduzindo os
direitos reaes susceptiveis de delegação e
multiplicando os não delegaveis ou fazendo o inverso,
certamente não perderão de vista que o poder
executivo como os poderes legislativo e judiciario creados no interesse
dos povos, têm a jurisdicção que lhes
quer dar a sociedade. Assim numa nação o rei
delegará certos
privilegios e não o fará em outra, porque
não o
exige a utilidade social.
Para o fim de demonstrar que havia direitos exclusivos da realeza, os
portuguêses commetteram o desazo de apresentar como exemplo o
indulto. Ao monarcha sómente competia agraciar os criminosos
ou salvando a vida dos condemnados á pena ultima ou
diminuindo os annos de carcere ou, até, não
permittindo a
execução da
[188]
sentença. Villela Barbosa
interveio com vivacidade para lamentar a sorte dos compatriotas,
privados do perdão por se acharem longe do rei e advertiu
quanto era impolitico sanccionar desegualdades entre irmãos.
Villela respondia a Trigoso mas antes de Trigoso falar suspendera-se o
debate, iniciado na véspera, para o juramento e entrada dos
deputados de S. Paulo, Antonio Carlos, Vergueiro e Feijó.
Antonio Carlos, o mais novo dos Andrades, completava a trindade
gloriosa que offerece á Historia o exemplo, talvez unico, de
tres irmãos influirem simultaneamente, com
acção, embora desigual mas sempre notavel, sobre
os destinos da patria, evocando desse modo a lenda heroica dos tres
Horacios. José Bonifacio, o mais velho, depois de haver dado
fama europeia á sciencia portuguêsa com trabalhos
de mineralogia, tornado ao Brasil, indemnizava-o do abandono em que o
deixara por largos annos, dedicando-se á causa publica com
enthusiasmo juvenil. Assumira a direcção de sua
provincia e promovêra
a creação da junta governativa, da qual aceitara
a vice-presidencia. O irmão Martins Francisco era um dos
membros mais proeminentes da nova administração e
tinha a seu cargo a
gestão da fazenda publica. D. Pedro escreveu ao pai que se
devia o socêgo da provincia a José
Bonifacio
[225].
Além do lustre do nome, Antonio Carlos trazia á
bancada brasileira o prestigio pessoal nascido da constancia e grandeza
d'alma com
[189]
que
supportara a reclusão na Bahia. Por causa da desditosa
revolução pernambucana que tolerara,
o ex-ouvidor de Olinda jazêra num dos ergastulos da velha
capitania e delle acabara de sahir. Desbaratado o governo rebelde nos
primeiros dias de junho de 1817, entregara-se voluntariamente a
justiça, e sómente na derradeira semana de
novembro do anno seguinte, soffreu o primeiro interrogatorio.
Não deixa de surprehender a vitalidade que então
manifestou esse homem que ha dezesete mêses vivia de ferros
aos pés e ao pescoço em calabouço, no
qual se não penetrava sem luz no decurso do dia
[226]. As
fortes lições de Seneca, o qual parece haver sido
um dos seus autores favoritos, acaso, contribuiram para esse resultado.
O principio que o homem verdadeiramente livre só teme o
julgamento da razão pronunciado no tribunal da consciencia,
e o desprezo dos soffrimentos e da morte pregado pelo estoicismo, que
animou tantos romanos illustres a affrontarem com impavidez o
despotismo imperial, deviam apparecer a Antonio Carlos, ardente e
orgulhoso, como as regras compativeis com a sua
situação. Ou inspiração da
doutrina philosophica que gerou mais heroes ou acto espontaneo do seu
espirito, o futuro deputado da constituinte portuguêsa
revelou-se em todo o caso capaz de hombrear com os discipulos do
Portico pela coragem e magnifica tranquillidade. Verberou a negligencia
do capitão general Montenegro e a covardia de seus officiaes
por occasião de estalar o levante de 1817, sem cogitar do
effeito de
[190]
suas palavras no animo
dessas personagens, naturalmente inclinadas a estimularem a
justiça contra aquelles que lhes haviam inflingido
capitulação vergonhosa. Invectivou com violencia
contra as testemunhas pertencentes ao pequeno commercio
português «mixto de tendeiros,
grumêtes, chatins e traficantes, nos quaes a mentira e o
perjurio são um jogo de uso diario para os mais sordidos
fins do mais insignificante lucro»
[227];
pequeno commercio que
formava a força dos capitães generaes, o
côro que applaudia os actos de rigor contra os da terra.
Constrangido a ser um dos conselheiros da junta revolucionaria, fallou
sem rancôr da insurreição e dos
seus chefes, como se delles não lhe viesse damno. Justifica,
até, a revolta, e refere-se ao padre
João Ribeiro e a Domingos Martins em termos nos quaes a
sympathia tem mais parte do que o resentimento. Melhoradas mais tarde
as condições dos presos com a
suppressão das cadêas e com a faculdade de se
reunirem em sala clara, transforma o carcere em escola. Ensina aos
consortes linguas vivas e desperta-lhes o gosto da philosophia com a
leitura de Seneca
[228].
Em tendo amigos no governo do Rio, os
sentenciados logravam o livramento com a condição
de o solicitarem. Ninguem se achava em 1819 em melhor
situação para alcançar o indulto que
Antonio Carlos. José Bonifacio chegara ao Rio cheio de
gloria, e sobre ser altamente conceituado do monarcha, o qual lhe
offerecêra a reitoria da universidade
[191]
em projecto
[229],
tratava familiarmente o poderoso ministro Thomaz
Antonio
[230].
Recusara, todavia, o altivo condemnado a requerer graça ao
rei, porque o homem só se devia humilhar perante Deus
[231]. As
idéas liberaes e a coragem alliadas á solida
instrucção deram-lhe então luzimento
que se irradiou por todo o Brasil. S. Paulo, que se singularizou das
provincias com dar aos seus representantes programma politico, recebeu
com jubilo o filho, cujo valor á prova do infortunio
assegurava a defeza energica de suas aspirações.
Restituido
á liberdade com a aclamação do regimen
constitucional, foi em agosto eleito deputado ás
Côrtes. Não era desconhecido aos constituintes
portuguêses
por haver cursado as aulas de Coimbra com a
geração que agora dirigia os destinos de Portugal
e pela participação no levante
pernambucano, o qual interessara particularmente ao velho reino em
consequencia de haver explodido no mesmo anno da
conjuração do nobre Gomes Freire.
As sympathias, porém, nascidas na mocidade e que houvessem
gerado os seus tormentos, achavam-se grandemente attenuadas em
razão de duas circumstancias. O irmão
José Bonifacio com
submetter a junta de S. Paulo ao governo do Rio contrariava o intento
dos regeneradores de sujeitar as antigas capitanias aos poderes
publicos de Portugal, e ninguem ignorava tambem os planos com que
chegava ao Congresso, revelados
[192]
pelo principe. De feito ao despedir-se
do regente, protestara que se esforçaria por haver a maior
egualdade de direitos e vantagens entre os portuguêses de um
e outro hemispherio a começar pela
representação nas
Côrtes, onde deviam figurar tantos deputados do Brasil como
de Portugal
[232].
A sympathia de uns, a prevenção de outros, a
curiosidade de todos explicam o movimento de
attenção no recinto e nas galerias quando depois
de Villela Barbosa tomou a palavra.
Resumiu a argumentação juridica de Borges
Carneiro, e com exemplos da Inglaterra, onde o rei delega as suas
principaes attribuições aos governadores da
Escossia e da Irlanda, demonstrou que os poderes confiados pela
soberania nacional á corôa se transmittiam todas
as
vêzes que o exigia a utilidade publica. Se até ahi
não correspondera á espectativa geral, por que
não fazia mais que renovar argumentos alheios, galvanizou a
assembléa com o final da oração.
«A respeito de se dizer, conclue, que os povos apesar de
gozarem os mesmos direitos não hão de ter todos
as mesmas commodidades, digo que se isto assim fosse, a nossa
união não duraria um mês. Os povos do
Brasil são
tão portuguêses como os povos de Portugal e por
isso hão de ter eguaes direitos. Emquanto a força
dura, dura a obrigação de
obedecer.
A força de Portugal ha de durar muito pouco, e cada dia ha
de ser menor, uma vez que se não adoptem medidas proficuas e
os brasileiros não tenham eguaes commodidades.
[193]
Voto, por conseguinte, para
que se conceda ás juntas governativas o direito de suspender
os magistrados.»
Pela primeira vez surgia, resoluta e não sem arrogancia, a
ameaça de desunião em breve tempo, caso os
portuguêses da Europa negassem aos do Brasil vantagens de que
viessem a fruír. As fortes palavras estimularam os
brasileiros, que se lançaram ao debate com energia que
não haviam
manifestado
na
sessão
precedente. Lino Coutinho, a quem o calor da batalha despertava o bom
humor, disse que Portugal com dar á America direitos de que
ella se não podia valer, lembrava a cegonha offerecendo
á raposa comida em frascos. A raposa não podendo
introduzir o focinho no gargalo estreito e longo das garrafas, foi
obrigado a deixar semelhante companhia para não morrer de
fome.
Para o extremado Barata, o despojar o Brasil de autoridade capaz de
suspender os juizes, era a morte da união.
«Que quer dizer, exclama Villela Barbosa, a junta da
provincia sujeita só ao governo de Portugal, a junta da
fazenda sujeita só ao governo de Portugal, o commandante das
armas sujeito só ao governo de Portugal e ultimamente os
magistrados sujeitos só ao governo de Portugal? Falemos
claro: não vejo nisto senão aquella
celebre maxima de Machiavel: divide et impera.»
Evocou-se o passado. Desde o primeiro governo geral do Brasil, observou
Marcos Antonio, se reconheceu a necessidade de armar o representante
d'el-rei do direito em questão para conter promptamente os
desmandos da magistratura. Ainda em 1797 el-rei autorizava D. Fernando
José de Portugal, o futuro marquês de Aguiar, a
[194]
suspender, no interesse
publico, os juizes. Como despojar a sociedade de vantagem tradicional
sem lançar sementes fecundas de descontentamento?
A despeito do ardor com que os nossos antepassados se empenharam na
discussão, a despeito de considerarem os magistrados mais
damnosos que as pestes do Egypto, enganar-se-ia quem julgasse que elles
viam na faculdade de suspender os magistrados delegada ao Brasil a
condição necessaria á boa
distribuição da justiça.
Apresentava-se-lhes o debate em si mesmo assás secundario
para occupar tres sessões. A responsabilidade do poder
judiciario provocada pelo aggravado ou por qualquer cidadão
e tornada effectiva pela pronuncia, bastava para prevenir os desmandos
do ministro indigno. O temer que este, uma vez querellado se julgasse
perdido e commettesse novos desconcertos, era suppôr que na
magistratura não existiam senão doudos. Um
funccionario em perigo de decaír do emprego, tanto por amor
proprio como pela necessidade de acautelar a existencia, preoccupa-se
tão
sómente em se defender, e exercer o officio com novo
zêlo para não subministrar armas aos
accusadores ou desaffectos. Ninguem contestava fossem os julgadores
despoticos e violentos, como asseguravam varões ponderados
do quilate de Araujo Lima e Marcos Antonio
[233];
e despoticas e violentas
eram todas as autoridades. Agora, porém, que se esperava
entrar no regimen do Direito e da Justiça e que havia a
disposição de estabelecer a responsabilidade dos
cargos, salvo
[195]
a realeza, certamente os juizes, sob a
influencia da nova atmosphera moral e do temor, exercerião
com mais honra as suas temerosas funcções.
Não o ignoravam os brasileiros; attribuiram, todavia, ao
projecto importancia excepcional, por que enxergavam nelle mais uma
prova de pretenderem as Côrtes dar ao novo reino
posição subalterna na monarchia.
Vergueiro considerou a questão sob o verdadeiro aspecto. Era
português como o padre Domingos da
Conceição e o desembargador Segurado,
os unicos mandatarios do ultramar americano nascidos na metropole.
Formado em Direito, passara no começo do seculo para S.
Paulo a fim de exercer advocacia. Sorriu-lhe a fortuna, e agora
lavrador em Piracicaba projectava encetar o trabalho livre nas terras
que lhe trouxera a espôsa, quando a ruina do velho regimen
attrahiu-o á capital da provincia e o fez tomar parte nos
successos politicos que então se desenrolaram. Por
occasião de se elegerem os deputados, José
Bonifacio, que o tinha por collega na junta, disse-lhe com lealdade e
modestia:
«Não terá o meu voto, porque precisamos
aqui de seu auxilio para a reconstituição da
nossa
patria».
A capitania, porém, foi de sentir diverso,
alcançando a conveniencia para o Brasil de representantes
esforçados nas Côrtes.
O negocio antolhava-se ao deputado paulista prematuro e de somenos
valia. Sem a determinação das bases da
união, advertiu, não se deviam resolver pontos
particulares sob pena de se malbaratar tempo com cousas secundarias e,
acaso, inuteis. «O Brasil está prompto a ligar-se
a Portugal mas não segundo a marcha que leva o
Congresso».
[196]
Feria não só a questão no amago
senão ainda declarava que o Brasil, na realidade separado,
vinha tratar das condições da união.
Nunca os sentimentos do novo reino se haviam manifestado nas
Côrtes com tanta nudez e simplicidade e por voz menos
suspeita.
Em vez de perguntar a causa do descontentamento ou de pedir que
expuzesse o commum sentir do ultramar americano, a maioria suffocou a
discussão chamando á ordem o orador, sem embargo
dos protestos vehementes de Villela Barbosa, ancioso por que os
portuguêses ouvissem de um português os votos do
Brasil. Fernandes Thomaz com o máu humor que habitualmente
lhe geravam as reclamações dos ultramarinos,
combateu-os com a ironia, arrancando por isso, replica vivaz de Villela
Barbosa, a qual o obrigou a justificar-se.
Passando-se a votação, que não foi
nominal, o congresso manteve o projecto, do qual resultava que
não haveria em além-mar auctoridade com
attribuição de suspender os magistrados
[234].
CAPITULO XI
SUMMARIO:
As instrucções dos deputados de
S. Paulo.―A preoccupação do Congresso em
confundir o Brasil com as possessões ultramarinas.―A
representação da Parahyba do Norte.
A attitude resoluta dos mandatarios de S. Paulo promanava
não só da sua indole combativa senão
tambem das instrucções recebidas
do governo da mesma provincia. Empenhada em conhecer o sentir do povo
para melhor o servir, a junta paulista julgara avisadamente que nada
haveria de mais acertado do que ouvir as camaras municipaes. Pediu-lhes
informação de suas conveniencias locaes e
perguntou-lhes quaes eram, ao seu parecer, as providencias uteis ao
Brasil e as appropriadas a cimentarem a união do reino
americano com a metropole. Estribada nas memorias e apontamentos das
municipalidades, organizou o famoso regimento para os deputados, o qual
constituia vasto programma politico. Entre esses pareceres tornou-se
memoravel o alvitre ousado e simples da vereação
de Itú:
os procuradores do povo paulista deviam promover a
emancipação do Brasil
[235].
Nenhum outro municipio
[198]
cogitou de semelhante hypothese,
tão geral era o desejo de manter inteira a
nação.
Constam as instrucções de tres partes. Occupa-se
a primeira dos interesses communs do imperio luso-brasileiro. Cumpre
aos representantes propugnarem a indivisibilidade da monarchia, e a
egualdade politica entre dous reinos e fixarem previamente a
séde da realeza a qual será alternadamente o
Brasil e Portugal. Regularão o commercio externo e interno
conciliando as conveniencias reciprocas sem tolher a liberdade de
nenhum dos estados. Haverá um thesouro da união
para a guerra, a dotação da
familia real e outras despêsas de caracter geral, para o qual
contribuirão proporcionalmente ás suas rendas
publicas as duas secções do imperio. Os povos da
Europa e da America terão nas Côrtes o mesmo
numero de mandatarios.
No segundo capitulo refere-se o regimento unicamente ao Brasil. Fixadas
as attribuições e poderes que lhe resultam da
categoria de reino e determinados os direitos e deveres impostos pela
união, os mandatarios promoverão o
estabelecimento de um governo geral ou regencia no Brasil com
auctoridade sobre as juntas provinciaes. Quando o monarcha e o
parlamento estanciarem em Portugal, preencherá a regencia o
principe herdeiro. Importa investir o regente de poderes para a
demarcação das nossas fronteiras e dos limites
das provincias. Não devem esquecer os constituintes de
providenciar ácerca da catechese dos indios bem como sobre a
condição da gente servil, já
deligenciando a
emancipação gradual, já tolhendo os
senhores que tratem os captivos como «brutos
animaes».
Outro ponto que deve merecer o desvelo
[199]
dos deputados é o ensino.
Multipliquem desassombradamente as escolas primarias e installem em
cada provincia brasileira, aulas praticas de medicina, cirurgia,
veterinaria, mathematicas elementares, physica, chimica, botanica,
horticultura, mineralogia e zoologia. Conviria a
creação de uma universidade. Para não
expôr a capital do Brasil aos ataques dos extrangeiros, seria
util transplantal-a para o interior, em terra san e fertil, cortada de
rio navegavel. Urge reformar a lei das sesmarias no sentido de
favorecer o povoamento do sólo.
A respeito dos interesses da capitania que constituem a ultima parte do
regimento, rezam as instrucções que os deputados
colherão nas lembranças e
petições das camaras
municipaes o modo de melhor proverem o bem «desta bella e
leal provincia de S. Paulo»
[236].
Não sabemos quem lavrou este notavel documento assignado
pela commissão composta do presidente e vice-presidente da
junta paulista, isto é, João Carlos Oeynhausen e
José
Bonifacio, e Manuel Rodrigues Jordão; em todo o caso
é licito suppôr que n'elle teve influencia
decisiva José Bonifacio, a figura mais prestigiosa do Brasil
contemporaneo, o organizador do governo de S. Paulo. Mostra-se,
aliás, na peça a garra do leão. Quer
antes de tudo saber onde começa e acaba a patria, para o que
urge fixar-lhe as fronteiras. Determinados os limites, importa saneal-a
pela civilização do gentio e pela
emancipação progressiva dos escravos. Depois
convem diffundir
[200]
largamente o ensino porque
«não ha povo livre sem moralidade e
instrucção».
Não consente differença politica entre Brasil e
Portugal; é um reino que falla a outro reino e
não se apresentam unidos senão porque os
governam o mesmo rei e o mesmo parlamento e os representam no exterior
o mesmo corpo diplomatico. Fóra d'ahi, a liberdade mais
completa, cada um terá o seu thesouro, a sua
administração e o seu ensino.
Semelhante concepção contradizia as
idéas dominantes nas Côrtes. Para os constituintes
portuguêses o titulo de reino reconhecido solemnemente
á America lusitana não tinha mais sentido que
egual designação
apposta
ao Algarve nos papeis
officiaes,
[237]
a qual na realidade não distinguia essa bella
região, sob o ponto de vista politico, das outras provincias
de Portugal. Não passava de
qualificação honorifica,
não envolvia prerogativas nem vantagens.
Não consideravam ou fingiam não considerar os
irmãos mais velhos que o facto da outra parte da monarchia
conter em seio todos os tribunaes judiciarios e administrativos, e de
trazer abertos ás nações os seus
portos,
privilegios de que não gozava o Algarve, davam-lhe, uma
graduação que não tinha essa provincia
e que não podia ser outra que a do reino unido a Portugal. O
Congresso, porém, não só
não o queria discriminar do reino do Algarve
senão ainda que o nivelava com as outras
possessões portuguêsas. Freire, como
assignalámos, por occasião de se discutir a
composição da junta permanente declarou,
[201]
sem levantar protestos que não
descobria o motivo porque se deviam conceder mais direitos aos
brasileiros do que aos portuguêses da Asia e Africa.
Semelhante disposição não
era exclusivo de Freire; existia no recesso das almas dos exaltados e
dos moderados. Assim o projecto constitucional feito por Moura,
Castello Branco, Annes de Carvalho, Fernandes Thomaz e outras grandes
figuras do liberalismo, não nomeava o Brasil
senão por necessidade indeclinavel e o incluia no ultramar,
confundido com as colonias asiaticas e africanas. Designado por acaso a
proposito do recurso de revista
[238],
as Côrtes, provocadas
pelo suave Trigoso, corrigiram com açodamento o descuido
capaz de persuadir aos do reino americano que lhes assistia primazia
sobre os habitantes de Moçambique ou Goa
[239]. A
deputação permanente e o conselho de estado
terião tantos portuguêses quantos ultramarinos,
consoante a constituição; d'ahi resultaria,
attenta a
disposição incontestavel de molestar o Brasil,
ser licito excluir d'aquelles corpos os seus filhos em proveito dos
naturaes das outras terras de além-mar sem infringir a leis.
Se semelhantes resoluções
não testemunham o designio de recolonizar o reino americano,
não sabemos que mais cumpria fazer o Congresso, para o
reduzir á condição
das outras dependencias de Portugal.
Não sabemos o effeito nas Côrtes d'aquellas
instrucções que miravam vincular as duas partes
[202]
da monarchia pela
federação, repellida com
vehemencia da maioria. Em apparencia, foi nullo. De facto tornado
publico o regimento dos paulistas em 6 de março
[240], o
parlamento continuou a discutir o projecto da
constituição sem modificar
as suas idéas sobre o ultramar transatlantico. Julgou-o
talvez, parto de facciosos ou acreditou que em consequencia do
bairrismo, as provincias não adheririão a um
programma que, com estabelecer no sul a capital do imperio, consagrava
d'esse modo a sua preeminencia sobre o norte. Aos deputados
brasileiros, porém, alargou-lhes o horisonte politico,
mostrando que a patria se não limitava ao torrão
do nascimento mas se estendia muito ao longe por essa vasta
região trilhada dos bandeirantes, onde se fallava a mesma
lingua e regada do mesmo sangue nos conflictos com o gentio e com o
extrangeiro invasor.
Em quatro de fevereiro entrou no Congresso Francisco Xavier Monteiro da
França representando a Parahyba, o
qual foi ahi documento vivo da fraternidade de sua provincia com
Pernambuco. A proximidade e as relações continuas
com a capitania de Duarte Coelho, por onde se lhe escoavam,
aliás, os productos destinados a
exportação, levaram, em verdade, a modesta
região a participar a bôa e má fortuna
dos vizinhos insubmissos a jugo. Tomara-se de enthusiasmo pelo levante
de 1817, e a não ser o berço da revolta, nenhuma
mais que ella soffreu as consequencias da loucura pernambucana na hora
da expiação imposta pelo vencedor. Se sete
patriotas
[203]
do territorio revolto morreram então no patibulo, a forca
estrangulou cinco sonhadores parahybanos entre os quaes José
Peregrino de Carvalho com vinte annos apenas. Nem por isso os rudes
senhores de engenho deixaram de amar os proximos imprudentes. Por
occasião de se acclamar o novo regimen governava-os o
coronel Rosado, o qual, á imitação de
Luiz do
Rego, não renunciou então o mandato.
Parece, porém, que com semelhante proceder não
irritou os administrados, como persuade a tranquillidade relativa da
provincia em conjunctura de tanto desassocego por todo o Brasil. Em 26
de agosto effectuaram-se as eleições para
deputados em Côrtes e com Franca
foram nomeados o vigario Virgilio Rodrigues Campello e dr. Francisco de
Arruda Camara e como substituto o padre José da Costa Cirne.
Aquelles, porem, que residiam no interior, por motivos ignorados,
não embarcaram com Franca, e os successos
politicos desdobrando-se no sentido da independencia, jámais
vieram tomar conta de suas cadeiras no Congresso nem pediram excusas do
cargo, pelo que o substituto chegado a Lisboa com Franca só
pôde
exercer o mandato em 15 de julho, depois de feita a
constituição,
convencidas as Côrtes de que Arruda e Campello não
queriam occupar o posto
[241].
O coronel Rosado aguardava com
segurança a organização
definitiva dos governos ultramarinos, dependente do Congresso, para
resignar o poder, quando a sua resolução em
soccorrer Luiz do Rego contra os
[204]
rebeldes de Goyana, alienou-lhe o apoio
da opinião a ponto de ter que abandonar precipitadamente as
funcções
[242].
Se faltava a Monteiro da Franca desembaraço para tomar parte
nas
discussões e até para fazer propostas,
sobrava-lhe intelligencia para conhecer as conveniencias da patria e
energia para seguir sem desfallecimento os que as defendiam.
CAPITULO XII
SUMMARIO:
Confraternidade dos Brasileiros e
portuguêses fóra dos negocios do Brasil.―O
liberalismo dos americanos.―Proposta de Borges de Barros
ácerca da composição do Supremo
Tribunal.―Borges de Barros propõe o adiamento do projecto
de administração provincial.―Moura.―A
questão do juramento.―Vergueiro.―Insinceridade dos
portuguêses na interpretação do
juramento prestado pelos povos do Brasil.
Vencidos na materia que interessava, directamente ao seu paiz, os
brasileiros não se mostravam mortificados, continuavam a
discutir os negocios da monarchia com isenção de
animo, dando d'esse modo testemunho de que se consideravam mandatarios
da nação e não
representantes de uma de suas partes. Não havia mais partido
português nem partido brasileiro, confraternizados europeus e
americanos. Vergueiro ia com uns para a direita e Barata para a
esquerda com outros, como se o desvelo pelo reino não
houvera ha pouco fundido n'uma só vontade o bahiano ardente
e o paulista ponderado. Lino Coutinho, Villela Barbosa, Antonio Carlos
e Barata
[206]
avantajavam-se
aos da bancada ultramarina na parte que tomavam nos debates de ordem
geral, e neste grupo cabia talvez o primado a Lino Coutinho.
Não havia assumpto fechado ao seu espirito lucido e
penetrante; eram-lhe familiares as questões seccas de
finanças e contabilidade assim como materias complicadas de
direito constitucional em que se procura assegurar a ordem sem
comprometter a liberdade individual. O que carecterizava o liberalismo
dos brasileiros era o temor invencivel de abusos por parte de qualquer
dos tres grandes poderes do organismo social, mormente dos magistrados;
ao passo que os portuguêses pretendiam principalmente
acautelar os povos dos descommedimentos do rei ou dos secretarios de
estado.
Assim pensavam os da America, não porque reputassem os seus
juizes mais detestaveis que os de Portugal, senão porque
presentiam com notavel intuição que a
responsabilidade dos agentes do poder judiciario, na qual confiavam os
ingenuos regeneradores, não se tornando effectiva
senão excepcionalmente, não passava de garantia
illusoria da honesta distribuição da
justiça. Os pernambucanos, salvo Araujo Lima, os bahianos e
fluminenses, presentes nas Côrtes no acto de se resolver o
assumpto, queriam juizes temporarios e eleitos pelo povo
[243]. Allegavam
estes homens perspicazes que a nomeação feita
pelo governo gerava a subserviencia ao poder, e a vitaliciedade, com
lhes garantir o cargo, gerava
[207]
nos magistrados a negligencia dos
deveres profissionaes. Não era tão
sómente da magistratura e do poder executivo que receavam os
brasileiros violencias contra a segurança dos
cidadãos; o zelo pela liberdade levantava-lhes nos animos
sérias prevenções contra os
representantes da nação. Assim opinavam que se
não
decretasse o estado de sitio sem o apoio dos dous terços da
camara e exclusivamente nos casos de sedição
manifesta ou de invasão extrangeira. Á mingua de
taes clausulas, ponderavam, o parlamento sob a influencia dos governos
ou das facções concederia ao ministerio o direito
de suspender as garantias individuaes afim de se desfazer de
adversarios incommodos a pretexto de
conspiração
[244].
Havia tres semanas que reinava a mais perfeita harmonia entre os
portuguêses de um e outro hemispherio e neste tempo Lino
Coutinho se
assignalara pela
defêsa da
constituição, contra os corypheus da
regeneração, não
admittindo que o brigadeiro Sepulveda exercesse cumulativamente o
commando militar da Extremadura e as funcções de
deputado
[245].
Mas a concordia não podia durar sempre desde
que os irmãos mais velhos intentavam conservar os foros e a
primogenitura no regimen da egualdade.
Rompeu-a Borges de Barros em 4 de março propondo houvesse no
Supremo Tribunal tantos brasileiros quantos lusitanos.
Se o mais alto juizo se distinguira das
jurisdicções
[208]
subalternas tão somente por
lhe caber o julgamento das revistas, não se justificaria a
proposta, porquanto os ultramarinos não tinham necessidade
de vir a Portugal buscar um recurso, de que dispunham as suas
relações. O
orgão superior da justiça, porém
conhecendo das
infracções de Direito commettidas pelos juizes e
secretarios de estado, devia-se temer que magistrados europeus
não sanccionassem a responsabilidade de desembargador
português em serviço no ultramar de que se
queixassem os americanos, e devia-se recêar ainda mais que
actos dos ministros damnosos ao Brasil mas uteis á antiga
metropole, escapassem á censura de um tribunal dominado de
elemento europeu. Havía, contudo, uma reflexão
capaz de dissipar a apprehensão de além-mar. O
poder executivo escolhia os membros da suprema judicatura da lista
organizada pelo conselho de Estado, e como neste havia o mesmo numero
de americanos e portuguêses, não
corrião risco de
preterição os magistrados ultramarinos. A
advertencia era assás ponderosa e, até, chegou a
influir em Villela Barbosa, tão solidario com os collegas da
bancada e promotor tenaz das conveniencias da patria, para seguir a
opinião da maioria. Não deixou,
porém, de ser notado que os brasileiros chamados ao Conselho
de Estado pertencerião muito provavelmente á
classe dos que exerciam funcções publicas em
Portugal ou ahi viviam nas secretarias ou na privança dos
ministros e acabavam, por isso, mais se interessando pelo Reino do que
pelo Brasil. Em todo o caso o argumento devia ceder á
conveniencia de reduzir os motivos de descontentamento contra as
Côrtes, que perdiam incessantemente terreno na sympathia de
além-mar.
[209]
Os brasileiros que entravam nas mais eminentes
corporações politicas quaes a
deputação permanente e o Conselho de Estado,
não podiam regularmente ser excluidos da culminancia do
poder judiciario. Vergueiro, que se não comprazia na
tribuna, contentou-se com dizer estas palavras justissimas:
«O meu voto seria que por ora se supprimisse esta
questão, porque se ella se decide contra o Brasil, de certo
o escandalizará; e se se decide a favor pouco
aproveitará: eu creio que a base da união
são os interesses reciprocos dos dous reinos, o mais que
não for isto, é escrever na areia».
A maioria repelliu a proposta de Borges de Barros
[246].
Uma das cousas que surprehendiam os brasileiros e, até, lhes
feriam o melindre era a idéa dominante no Congresso de
não haver necessidade dos ultramarinos para a feitura da
constituição. Os deputados representando a
nação, proclamavam com entono os
portuguêses, desde que se achavam reunidos em numero
sufficiente para a sessão, era-lhes licito legislarem para
qualquer parte do imperio, por importante que fosse, sem dependencia
dos mandatarios della. Barata e Basto intentaram desbaratar semelhante
principio. Mas Basto não o contestou com pertinacia
[247] e
Barata desistiu do designio por haver alcançado do
presidente do congresso, de Fernandes Thomaz e de outros regeneradores
a declaração formal de que os artigos relativos
ao Brasil, presentes
[210]
os brasileiros, serião
modificados consoante os seus desejos.
[248]
Isto que não
passava de simples promessa não satisfazia aos americanos e,
por outro lado, não lhes convinha sujeitarem á
votação a controversia em virtude da
certeza da derrota: eram apenas trinta e só do continente
europeu havia cem deputados. D'ahi resultava a necessidade de agirem
com destreza nos negocios da patria e Borges de Barros vai servir-se
della com exito. De todos os brasileiros era quem mais
se deliciava no
viver das salas, e ahi se lhe desvendando a parte formidavel do orgulho
nos actos humanos, reconheceu quanto era a fraca a razão
para vencer as resistencias com raizes no amor proprio. Ao entrar em
discussão o titulo VI do projecto de
constituição relativo á
organização dos governos
provinciaes pediu o adiamento até que estivessem na
assembléa
dous terços da deputação americana.
Queria a presença dos ultramarinos, explicou, não
para a validade das resoluções das
Côrtes
mas simplesmente para que estes pudessem ter conhecimento das
necessidades das provincias, as quaes se individualizavam pela
differença de clima, de costumes e de cultura. Era meio
habil de frustar a applicação de um principio que
não
podiam os americanos demolir com o pêso dos votos. A despeito
da opposição de Fernandes Thomaz, o adversario
mais sagaz e mais obstinado dos brasileiros, o Congresso annuiu
á proposta resolvendo discutir o assumpto depois de
approvados todos os outros artigos constitucionaes.
Tinha motivo para se desvanecer com a
[211]
victoria o fino diplomata. O adiamento do
negocio tendia nada menos que a revêr o decreto 29 de
setembro considerado pelos portuguêses como o instrumento
mais efficaz de dominação do Brasil pela
mãe patria. Nos derradeiros dias do Congresso não
haveria certamente bastantes americanos para contrabalançar
nas
votações a influencia europeia, mas o seu numero
seria maior que actualmente, e ajudados dos conflictos que a
execução do decreto fazia prever por causa da
agitação crescente dos animos,
não era desarrazoado suppôr que os brasileiros
alcançassem
da maioria concessões valiosas na reforma da lei.
No correr do debate surgiu uma questão que merece referencia
por se haver d'ahi em diante renovado nos desaccordos irreductiveis dos
portuguêses e brasileiros. Defendendo a proposta de Borges de
Barros, Antonio Carlos affirmou a necessidade de
informações a respeito das
provincias «as quaes devem influir na
modificação de algumas decisões,
aliás lançariamos
a esmo decisões, de que ao depois seria mister recuar com
desar, ou teimando nellas arriscar o socego do Brasil. É
já muito o que se tem feito sem o preciso conhecimento local
evitemos para o futuro tantos embaraços».
[249].
Estas palavras, que se limitavam a reproduzir conceitos do autor da
proposição, deram logar á
intervenção de Moura. Era o
mais arrogante e o mais insolente dos constituintes. Não lhe
faltava talento e illustração ajudados de
preexcellentes dotes oratorios mas tinha a
preoccupação
[212]
do effeito, e como a aggressão
e a violencia encontram sempre applausos, não hesitava em as
empregar em apostrophes declamatorias ou na allusão pessoal.
Concordava na proposta para o fim de se acolherem noticias completas
das conveniencias das capitanias mas
não
a admittia, caso os
da America entendessem que sem a assistencia delles não eram
legitimas as
resoluções do Congresso. «Eu observei
que affectadamente o snr. Andrade, disse com tanto desafogo quanta
falsidade, se esforçou em mostrar a grande falta que havia
nas Côrtes de deputados brasileiros. Desejava eu que o
illustre deputado se fizesse entender, e ennunciasse com mais clareza
se elle julga que a falta destes deputados pode ter influencia na
legalidade das decisões que aqui se tomaram, desejaria
debater este principio visto que a admittir-se tal principio viria
acontecer que tanto importava faltar uma
deputação numerosa ou menos numerosa, um
individuo só que faltasse poderia annullar as
decisões que aqui se tomassem, absurdo incalculavelmente
perigoso, de que poderia derivar a queda do systhema. Portanto
é preciso que falemos muito claro e francamente nesta
materia»
[250].
Antonio Carlos, que, saido do inferno do carcere para responder aos
interrogatorios da famosa alçada da
conjuração
pernambucana, não perdia o aprumo perante o feroz
desembargador Bernardo Teixeira de Carvalho, não era homem
para se intimidar deante de Moura. «O nobre deputado
lançou-me a luva, não a recuso apanhar, e com a
franquêsa do meu caracter, responder-lhe-ei».
[213]
Se este exordio communicou á assembléa e
ás galerias arripio de anciedade com a perspectiva de
escandalo, foram desenganadas. O egregio paulista, dotado de
excepcional imperio sobre si mesmo, subtrahiu-se ao terreno ardente da
recriminação pessoal, para se limitar a expor com
nitidez e imparcialidade as queixas do Brasil contra as
Côrtes. Declarou que estas violaram a regra salutar de
Direito Publico, que prescreve a presença de dous
terços da
representação nacional nos debates de magnitude,
iniciando o exame do projecto de organização da
monarchia com numero reduzido de deputados. «Não
esperar pelos mandatarios do Brasil não será
empurrar aos povos sem tom nem som e á queima roupa uma
constituição, em que não tinham
votado?»
Os brasileiros exigindo voltassem á discussão os
artigos constitucionaes vencidos na sua ausencia, não faziam
senão pedir o cumprimento do artigo 21 das Bases, no qual se
estipulava que o pacto social os não obrigaria sem
prévia
approvação d'elles. Os constituintes
portuguêses, continuou, não se justificam da
violação d'esse
compromisso allegando que, jurando a constituição
futura, os ultramarinos haviam antecipadamente acceito o contracto
social que as côrtes organizassem e renunciado, por
conseguinte, o direito de o discutir.
Surgiu então pela primeira vez a questão do
juramento do contracto social por vir, prestado pelas capitanias,
á medida que adheriam á causa de Portugal.
Não houve materia mais debatida no parlamento e forneceu aos
regeneradores pretexto para atirarem aos irmãos mais novos,
quando se revoltavam contra as providencias humilhantes ou violentas
decretadas contra o ultramar, a injuria
[214]
vehemente de perjuros. Vamos, por
isso, tratar o assumpto com certa individuação e
não tornaremos a elle.
Os povos do Brasil, argumentavam os lusitanos, protestando solemnemente
acceitar a reorganização
que as Côrtes déssem a monarquia, implicitamente
attribuiram
ao congresso o poder
de legislar para elles e de
antemão approvaram as suas resoluções.
Se houvessem jurado a
constituição no presupposto de que
collaborarião n'ella por via de seus representantes,
não se
esquecerião de incluir na procuração
d'estes a clausula de que os artigos votados e por votar não
terião validade ao
ultramar sem a
sancção d'elles. Ora tal
condição não figura nos
poderes dos deputados nem até nos dos delegados de S. Paulo,
que trouxeram, instrucções
assás minuciosas, e sabiam, ao deixarem a patria, que havia
disposições
constitucionaes
já approvadas.
Não havia argumentação que menos se
conciliava com a razão e com os factos. Considerado em si
mesmo e com as circumstancias que o rodeavam, o juramento significava
justamente o contrario do que pretendiam os portuguêses. De
feito, ao mesmo tempo que os americanos adheriam á
constituição por elaborar, cogitavam
das eleições, de mandar deputados ao Congresso.
Não revelava semelhante providencia que o novo reino fazia
questão de cooperar na lei fundamental?
O ultramar americano jurara na realidade a
constituição, que os seus commissarios iam criar
de companhia com os irmãos da Europa; e deixara de estipular
condição nos mandatos a respeito das
resoluções legislativas que estivessem acceitas,
quando os seus deputados entrassem no
[215]
parlamento, porque o famoso artigo das Bases,
conhecidas no Brasil antes das eleições, lhes
assegurava o direito de se pronunciarem ácerca d'ellas.
O allegar que os representantes do Brasil, por força do
juramento dos povos, compareciam na assembleia tão
sómente para approvar o pacto social, era desconhecer
absolutamente a natureza do mandato politico, livre e independente, e
attribuir aos deputados o caracter de enviados diplomaticos, que
assignam convenios resolvidos pela nação.
Se não coubera outra funcção aos
representantes de além-mar, andaria com mais acerto o Brasil
não os enviando a Lisboa, porque as Camaras municipaes
sanccionarião a Lei sem despêsa alguma.
Dos brasileiros que intervieram no debate nenhum provavelmente produziu
mais effeito que Vergueiro. Não tinha o brilho, repassado de
graça, de Lino Coutinho, a impetuosidade de Antonio Carlos,
a sobriedade elegante de Borges de Barros ou eloquencia nervosa de
Villela Barbosa. Era espirito lucido e pratico, e se esmerava em dizer
a verdade sem rebuço mas sem arreganho. Não se
espraiou em reflexões ácerca do Direito
Publico; considerou unicamente os factos, e tirou d'elles
conclusões em phrases carregadas de bom senso, e nas quaes
se espelhava a sua alma forte e nobre. O juramento em
relação a cousas futuras, disse, não
passa de promessa que o Direito não suffraga. A Moral
não dá tão pouco a
esse acto a força que lhe nega a jurisprudencia.
Ninguem jura espontaneamente sujeitar-se ás
resoluções alheias, senão na
esperança de melhorar de condição, e
caso reconheça que a outra
[216]
parte em vez de corresponder
á sua espectativa, contrasta-lhe as conveniencias,
é-lhe licito subtrahir-se aos effeitos da promessa. Que tem
feito o congresso? Depois do juramento, o Brasil deixou de ser a
séde da monarquia e, o que surprehende, vai perder o poder,
que enfeixava todas as provincias. A suppressão da Regencia,
que ameaça a tranquillidade publica de além-mar,
revela ás Côrtes a conveniencia de ouvirem os
brasileiros por não commetter desacertos funestos
á união. «O Brasil quer a
união, proseguiu o illustre transmontano, e desde o
principio proclamou-a; e até por não excitar
desconfiança
deixou de exigir cautelas e prestou todos os actos de
adhesão á causa commum, entendendo que os
illustres representantes de Portugal não
abusarião d'esta confiança para lhes
impôr um jugo
pesado»
[251].
O incidente pôde d'esta vez acabar sem produzir
exaltação nos animos.
Moura mostrou-se grandemente surprêso da intelligencia dada
ao juramento por Antonio Carlos. «Ou estou sonhando ou
não sei se o illustre deputado falla sério no que
diz». Assim
começou a sua replica ao paulista. Talvez fosse sincero. Os
homens tendem irresistivelmente a dar aos factos a
significação accommodada aos seus interesses ou
affectos. Devemos todavia acceitar com extrema
circumspecção esse julgamento
favoravel ao notavel regenerador e aos consortes. Na verdade se fora o
juramento a causa por que regularam os negocios do Brasil sem os seus
representantes, invocal-o-iam todas as vezes que se
[217]
levantasse em algum dos seus compatriotas o
escrupulo de discutir semelhante materia, ausentes os ultramarinos.
Assim, porem, não succedia; para removerem as
susceptibilidades, para cohenestarem a sua impolitica se lhes
não deparava outro argumento que a theoria de Fernandes
Thomaz: os deputados representando a nação,
representam qualquer de suas partes e por conseguinte os europeus
podiam legislar para a America, desassistidos dos seus deputados.
Se andassem de boa fé os regeneradores,
render-se-ião á
significação do juramento, formulada agora pelos
brasileiros com argumentos irrefutaveis. Não o fizeram; ao
contrario, á medida que reconheciam a sua impotencia para
reduzir o ultramar, serviam-se com mais frequencia do sophisma com o
duplo fim de excusarem os seus desacertos e de attrahirem o odio do
povo ignaro contra os collegas dissidentes.
CAPITULO XIII
SUMMARIO:
Como o Brasil acolheu os decretos das
Côrtes.―Desacertos de José Maria de
Moura.―Protestos dos brasileiros, e proposta de Villela Barbosa sobre
o commando das armas.―Effervescencia dos animos no Rio de
Janeiro.―Commissão especial dos negocios politicos do
Brasil.―Informação de Silvestre Pinheiro.―O
parecer da commissão especial.―O officio da junta de S.
Paulo.
Em março começaram a chegar ao Congresso noticias
do acolhimento do Brasil ás
resoluções legislativas. Vieram as primeiras de
Pernambuco, onde em 24 de dezembro entraram a fundear
embarcações com tropas de Portugal.
José Xavier Bressane Leite, commandante da flotilha, que
trazia ordens do governo de Lisboa, ignoradas da junta, abriu conflicto
com esta, ciosa da dignidade de suas funcções. Na
verdade o expedir um official de marinha com
instrucções particulares a respeito de seu
desembarque e de seu comportamento em terra sem dar dellas conhecimento
á administração provincial,
significava menoscabo da primeira auctoridade do logar e a quem
competia a inspecção dos portos. Ao
[219]
mesmo tempo que se molestava desse modo a
susceptibilidade do governo local, o commandante das armas com
desembarcar á frente das tropas, como general em territorio
conquistado, sobresaltou o pundonor patriotico dos pernambucanos. Era
elle o brigadeiro José Maria de Moura, sujeito sem
atilamento e que de suas funcções não
conhecia senão
o apparato. Ignorava os alvarás que regulavam a competencia
dos governadores das armas em vigor ha mais de cem annos
[252] e ainda
menos alcançava quanto lhe cumpria ser circunspecto e
conciliador no exercicio de cargo que os da terra consideravam usurpado
á junta governativa. Mandou prender individuos sujeitos
á justiça civil e
não militar
[253],
e arvorou-se em informante das cousas
politicas da capitania perante as Côrtes
[254]. O mesmo correio
que trouxe a participação de Moura de haver
chegado ao Recife, foi portador de um officio da junta de Pernambuco no
qual pedia a retirada das novas tropas a bem da tranquilidade publica.
Lino, Barata, Antonio Carlos e Pinto da França exprobaram a
attitude do official de marinha e do governador militar, e assignalaram
o descontentamento do Brasil inteiro por não estar o
commando das armas sujeito ao poder executivo provincial. Moniz Tavares
propôs a
restituição ao Reino dos batalhões
expedidos ao Rio, Pernambuco e Bahia, cuja presença irritava
os
[220]
povos e lhes acirrava a desconfiança de
que o congresso intentava a todo o transe, e até pela
força, manter os decretos malsinados na America
[255]. Villela
Barbosa, que não fazia parte das Côrtes no acto de
se discutir a
constituição dos governos ultramarinos, e que
fôra o primeiro a protestar contra a independencia do
commando das armas e da administração fiscal para
com as juntas locaes, voltou á materia com mais energia e
novo desenvolvimento. Não podia comprehender como a junta
gereria os negocios provinciaes sem dispor da força para
assegurar o cumprimento de suas resoluções, e sem
ter o manejo das rendas publicas para custear as despesas e fiscalizar
a arrecadação dos tributos.
Não admittia tão pouco se tirassem do exercito de
Portugal officiaes para o governo militar do Brasil. Era desnecessario,
prejudicial, injurioso e impolitico. «Desnecessario, porque
ali temos officiaes benemeritos, prejudicial pela avultada
despêsa que faz o thesouro com a ida daquelles governadores;
injurioso, porque pode parecer que se duvida da aptidão ou
fidelidade dos militares brasileiros e impolitico porque arrisca de os
desgostar».
Acabou requerendo que os commandantes das armas das provincias do
Brasil fossem destacados do exercito do novo reino, e que tantos elles
como os gestores da fazenda publica e todas as autoridades ficassem na
dependencia immediata das juntas governativas
[256].
Os desatinos do commandante, que inaugurava
[221]
o regimen juntamente com o clamor dos
povos e de seus representantes, fizeram os portuguêses temer
que tivesse a instituição os inconvenientes
previstos pelos brasileiros, e mostraram-se, por isso, dispostos a
submetter o negocio a novo exame, abrindo immediatamente debate sobre a
proposta do deputado fluminense. Mal começara,
porém, a discussão, foi
adiada em consequencia do panico da assembléa com a noticia
de graves successos no Rio. Communicava o regente que a
divulgação do decreto de 29 de setembro com
ordenar o seu regresso a Portugal, inflammara os animos brasileiros e
portuguêses. Organizavam-se
representações na capital, em S. Paulo e em Minas
no sentido de sua permanencia na terra.
Nas ruas ouviram-se phrases irreverentes e resolutas «se a
constituição
é fazer-nos mal, leve o diabo tal cousa...» Ou
«o principe parte e
declaramo-nos independentes, ou fica e continuaremos unidos e assumimos
a responsabilidade da inexecução das ordens das
Côrtes»
[257].
Pereira do Carmo, um dos raros portuguêses que procuravam
acautelar os interesses dos brasileiros e resguardar o seu melindre,
lembra o estabelecimento de uma commissão permanente
incumbida dos negocios do Brasil. Não se pode mais, disse,
fechar os olhos á gravidade da
situação do
novo reino, e
nas Côrtes não ha assumpto que sobreleve a esse em
importancia. Guerreiro, o honesto guerreiro, outro liberal
português inclinado a satisfazer os votos dos
[222]
collegas americanos, abundou nas mesmas idéas e pleiteou a
causa do ultramar com palavras judiciosas. Para a
apreciação dos sentimentos de
além-mar, observou, devemos evocar os nossos soffrimentos
durante a estada da familia real no Rio de Janeiro, os povos
acostumados a terem junto de si os recursos necessarios não
se sujeitam a procural-os á muitas leguas.
Da facção adiantada
do
liberalismo só Borges Carneiro e Castello
Branco, os quaes não reputavam o Brasil simples provincia de
Portugal, intervieram no debate. Borges Carneiro triumphava. A
victoria, porém, se não o desvanece porque
descortina nos acontecimentos o desmembramento da monarchia, doloroso
ao seu patriotismo, anima-o a exprimir o seu pensamento com arrojo qual
nunca tivera, em razão do respeito que lhe inspira, o
adversario ferrenho do reino americano, Fernandes Thomaz.
«Em verdade, notou, querer em tudo medir o Brasil por aquillo
que se resolver para a Europa é incoherente e muito errado;
e querendo nós ter aquelle
longinquo
continente na mesma dependencia de Lisboa em que della
estão as provincias europeias, não faremos mais
que relaxar os vinculos quando o queremos segurar: é apertar
a corda até que estale»
[258].
O congresso decidiu se instituisse uma junta de doze deputados
americanos e europeus.
A eleição da mêsa renovava-se todos os
mêses, e a votação attribuira a
presidencia em
março a Fagundes Varella. Na qualidade de presidente coube
ao fluminense designar os membros da
[223]
commissão, e para que dessem
promptamente remedio ás perturbações
do novo reino,
foram elles dispensados de comparecer ás sessões
do congresso. Constituiam a commissão da parte dos
portuguêses, Trigoso, Pereira do Carmo, Moura, Borges
Carneiro, Annes de Carvalho e Guerreiro; e do lado ultramarino, Antonio
Carlos, Ledo, Pinto da França, Almeida e Castro, Belford e
Grangeiro
[259].
Eram, pois, representadas nella as capitanias com
mandatarios nas Côrtes, salvo Parahyba, cuja solidariedade
com Pernambuco induzia, aliás, a acreditar que Monteiro da
França subscreveria o parecer de Almeida e Castro. Dos
lusitanos todos haviam mostrado tendencias favoraveis ao Brasil, mas se
os protestos de respeito á vontade dos povos os graduassem
na confiança dos collegas americanos, Moura occuparia nella
o primeiro logar. De feito o brilhante regenerador não
perdia ensejo de proclamar o direito da sociedade de se governar a seu
inteiro aprazimento, mas ajuntava que esse direito pertencia
á maioria, e a maioria, ao seu parecer, era aquelles que
estavam em desaccordo com os representantes do novo reino.
A commissão não se poupou a diligencias para
exprimir juizo com conhecimento do assumpto. Não contente de
ouvir os deputados do Brasil presentes nas Côrtes, consultou
os ministros da marinha e de extrangeiros e o desembargador Pedro
Alvares Diniz
[260].
Fôra este magistrado o secretario de estado
demittido por
[224]
D. Pedro por se haver recusado exonerar o
intendente de Policia Pereira da Cunha, por occasião dos
acontecimentos do Rio occorridos em outubro, como narrámos.
Não alcançamos saber as
informações prestadas pelo titular da pasta da
Marinha Joaquim José Monteiro Torres, o qual exercia em
Portugal o posto de que o investira no Rio a
acclamação popular no memoravel de 26 de
fevereiro e pelo desembargador.
Resta-nos sómente o parecer do ministro das
relações exteriores, o nosso conhecido
Silvestre Pinheiro, o qual teve o cuidado de trasladar para o papel o
seu depoimento verbal. O grande publicista proscreve a idéa
de se reputar o Brasil provincia de Portugal. É na realidade
um reino pelo grau de cultura de seus habitantes e não pode
ser governado senão por leis e magistrados, como a Europa, e
não por auctoridades despoticas.
No interesse da unidade da direcção, sem a qual
não vinga a ordem, aconselha a
subordinação dos governadores militares e dos
gestores da fazenda ás juntas. Devem, até, estas
nomear os commandantes da força armada. Se esses alvitres
affligiram os lusos, o ministro refrigerou-lhes o animo com o que disse
ácerca da divisão
portuguêsa commandada por Jorge de Avilez. Assegurava,
firmado em factos incontrastaveis e no conhecimento das cousas e homens
do Brasil, adquirido em doze annos de residencia, que nem os regimentos
da terra nem as milicias jamais se defrontarião com os
batalhões do Reino,
illimitadamente devotados ás Côrtes. É
eminentemente provavel, ponderou, que os regimentos lusitanos ou
ameaçando pegar das armas ou pegando realmente dellas,
tenham posto Sua Alteza Real
[225]
na necessidade de executar as decisões do congresso, e isto
com
vivacidade irritados com a vehemencia da
representação da junta paulista
[261].
A commissão não demorou em apresentar o seu
relatorio. Não maravilha que, attento o desejo da
união, tão forte num como noutro hemispherio, os
portuguêses e brasileiros, ante a imminencia do
desmembramento, se mostrassem conciliadores, transigissem
ácerca de pontos nos quaes pareciam ainda ha pouco
irreductiveis; não deixa, porém, de ser curioso
se manifeste desde então a differença do espirito
politico
entre os parentes. Ao passo que os irmãos mais velhos
contentam-se com satisfações moraes e com salvar
principios, os mais novos largam mão de aquelles em troca de
vantagens reaes e immediatas. Concordam estes com excusar as
Côrtes de terem legislado para o Brasil sem elles e acceitam
a intelligencia que ellas davam a adhesão solemne do
ultramar á constituição por fazer;
em compensação, porém, conseguem a
dependencia tão almejada do governo militar e da
mêsa da fazenda para com as juntas provinciaes. Outra
conquista de vulto é o estabelecimento de uma ou duas
delegações do poder executivo para
não faltarem aos da America as commodidades e beneficios de
que gozavam os portuguêses por terem comsigo o rei. Os
europeus que recentemente recusavam ás auctoridades de
além-mar a faculdade de suspender os magistrados, a pretexto
de se não delegarem funcções
privativas da corôa, acabavam, pois, por assentir que
houvesse na America quem exercesse não uma
attribuição
[226]
da realeza mas todos os seus privilegios compativeis com a integridade
do imperio. Os brasileiros alcançaram outra providencia
valiosa: D. Pedro ficaria no Brasil até á
organização da monarchia. Eram vantagens
consideraveis, e que se não achavam obscurecidas com a
clausula de ficar ao arbitrio do governo de Lisboa a
remoção para a patria das tropas
portuguêsas que estanciavam no ultramar, porquanto com a
subordinação do commando das armas á
administração provincial tornavam-se menos
arrogantes e provocadores os reinoes. Das questões que
então preoccupavam os fluminenses nenhuma era mais antiga e
apaixonava mais todas as classes, do que a
situação critica do banco do Brasil, em
consequencia de haver faltado escandalosamente ao seu compromisso o
erario publico.
Devia o governo a esse estabelecimento vinte milhões de
cruzados, que D. João VI, ao deixar a America estava
disposto a solver mediante emprestimo a contrahir na Europa com
garantia hypothecaria de parte dos rendimentos aduaneiros do Rio,
Bahia, Pernambuco e Maranhão, e o conselheiro J. R. Pereira
de Almeida se trasladou para a Europa com a tarefa de realizar a
transacção
[262].
Informada a regencia do Reino de
sua missão, definida no decreto de 23 de março,
não a quiz sanccionar sem previamente ouvir o Congresso.
Mais por ciume das attribuições legislativas, do
que por interesse
pelos ultramarinos, os regeneradores cassaram o acto do ministerio de
D. João VI, com o fundamento de fallecerem provas de ter
servido o
[227]
desembolso do banco ás
necessidades publicas
[263].
Que o dinheiro fosse para os validos ou para
a familia real, pouco importava ás classes laboriosas da
America, aterradas com a diminuição
progressiva de suas economias representadas nas notas bancarias em
continua depreciação, e aos capitalistas
brasileiros sobresaltados com a incerteza de rehaverem os seus saldos
confiados ao instituto de credito. A verdade era que a somma sahindo
para os cofres publicos, respondiam estes regularmente pela divida e
não podiam os pobres tabaréos, portadores das
cedulas, nem os credores e accionistas do banco soffrer
as consequencias da
applicação
criminosa do emprestimo. Pereira do Carmo e Ledo
[264] desde muito
trabalhavam por fazer vingar esse acto de justiça e de
conveniencia politica sem nada alcançarem. Aconselhou-o
agora a commissão propondo fosse julgada publica a divida do
thesouro e se providenciasse ácerca dos meios de a
saldar
[265].
Não tinham ainda os commissarios apresentado o seu
relatorio, quando lhes foram submettidas duas cartas do Regente e o
memoravel officio da junta de S. Paulo de 24 de dezembro de 1821
[266].
Visto o progresso do movimento contra os decretos a respeito das
administrações
[228]
ultramarinas e
do seu regresso a Europa, D. Pedro temia não os poder
cumprir, e ao mesmo tempo mandava a representação
que lhe dirigira o executivo de S. Paulo, para que o monarcha e o
congresso se inteirassem dos sentimentos daquelles povos, sentimentos
em via de se propagarem a outros com rapidez fulminante.
O Governo paulista, do qual era vice-presidente José
Bonifacio, descortinando através dos decretos de 29 de
setembro a resolução do
congresso de reconduzir o Brasil á
condição de colonia, aconselhava ao principe, de
accordo com os patriotas do Rio e até provocado por
elles
[267],
em termos vehementes, desobediencia áquelles actos
legislativos a fim de evitar o desconjuntamento do imperio.
O alvitre era extremado mas fora delle não havia mais que
representar aos poderes de Portugal a conveniencia da
revogação de suas
determinações inquietadoras. O tempo limitado de
que dispunha, porque se devia eleger a junta governativa do Rio aos dez
de fevereiro e o principe partiria logo depois, e o temor de que a
divisão auxiliadora, assás forte e absolutamente
dedicada ás côrtes, empregasse uma de suas
violencias
costumeiras para que se cumprissem as ordens do Reino, persuadiram a
José Bonifacio, conhecedor da tactica militar, que um ataque
imprevisto com lançar a perturbação
nas fileiras
adversas assegurava aos patriotas mais probalidades de exito de que
conferencias e o direito de petição. Que diz o
officio da junta de S. Paulo? Accusa a assembléa
constituinte de haver violado o artigo
[229]
21 das Bases, legislando para o reino americano sem esperar a
deputação ultramarina. Julga
criminoso o decreto a respeito das juntas provinciaes, porque parcella
o Brasil em estados secundarios. Indigna-se contra a
extincção projectada dos tribunaes, a qual
collocará os brasileiros em posição
desfavoravel relativamente aos
portuguêses da Europa que tém á
mão todos os meios de
defêsa. «Irão agora, exclama, depois de
acostumados por doze annos a recursos promptos a soffrer outra vez como
vis colonos as delongas e trapaças dos juizos de Lisboa,
através de duas mil leguas do oceano, onde os suspiros dos
vexados perdem todo o alento e esperança?» A
medida que mais o exacerba, é a suppressão do
poder executivo no Brasil, a qual tirando a unidade do commando das
tropas esparsas nas capitanias, tolhe o se servir dellas com vantagem
contra os inimigos externos ou «contra as
facções que procurem atacar a
segurança publica e a união reciproca das
provincias». Não
contente de inflammar os animos dos da terra, desperta contra as
Côrtes, entre os proprios portuguêses,
prevenções novas e acirra velhas antipathias. A
uns proclama que ellas malbaratam o patrimonio nacional «com
despedaçar o Brasil em mil
retalhos»; e excita os reaccionarios de Portugal e da quinta
de S. Christovão dizendo que roubaram «o
logar-tenencia concedida por el-rei a seu filho.» Onde,
porém, se mostra o paulista
eminentemente destro é no angariar o apoio de D. Pedro.
Convem ao regente ficar no Brasil, considera, a bem da integridade da
monarchia e da prosperidade de Portugal, e para não perder a
dignidade de homem e de principe, tornando-se
[230]
«escravo de meia duzia de
desorganizadores» Esporeia desse modo os brios e o instincto
batalhador do mancebo fogoso, e as suas palavras que inculcam interesse
carinhoso pelo pundonor do successor da corôa, velam o
empenho do illustre varão de salvaguardar a integridade do
reino americano
[268].
Em Lisboa o effeito do officio não foi menos estrondoso do
que no Brasil, comquanto de natureza mui differente. Alli gerara o
enthusiasmo, enfeixava as resistencias e lhes dava um chefe na pessoa
do proprio herdeiro do throno; e em Portugal a impressão
bifurcava-se em medo da
separação n'uns, e em
indignação n'outros contra a audacia dos
paulistas, indignação manifestada com vehemencia
na imprensa e no Congresso. No Diario do Governo chegou-se a escrever
que o Reino só tinha que lucrar com se desprender do Brasil,
o qual lhe custava dinheiro, gente e ingratidão. Na
assembléa o clamor se não levantou
á leitura do documento, e a commissão tentara
fugir á tempestade entrevista, não alludindo ao
officio no relatorio. Apenas, porém, se tornara este
conhecido, Freire instou pela reparação da lacuna
com alvoroço dos regeneradores. A
commissão sem se intimidar com a
opposição mais que provavel do grupo proeminente
do parlamento, pela bocca de Guerreiro requereu déssem-lhe
tempo para emittir juizo sobre a materia afim de averiguar se os
signatarios do documento aggressivo fallavam em nome individual, ou
exprimiam a vontade da provincia; porque
[231]
no primeiro caso não seria desarrazoada a
punição dos delinquentes, e no segundo devia-se
adoptar alvitre diverso em virtude da impossibilidade de processar um
povo. Dos membros da commissão houve dous que não
subscreveram essa proposta. Não o fez Antonio Carlos por se
considerar suspeito para julgar um acto da lavra do irmão.
Moura deu o voto em separado. Entendia ser urgente a
discussão do negocio, tanto mais que não haveria
informações
ulteriores capazes de tornar inoffensivo um papel evidentemente
sedicioso.
Os brasileiros e os portuguêses reprovavam á uma
voz os termos desabridos do officio. Aquelles, porém, em
hypothese alguma admittiam a eventualidade de castigos a homens que
eram orgãos da provincia, e previam a explosão de
descontentamento, caso o Congresso em qualquer tempo os quizesse
molestar por esse acto. A maioria dos portuguêses apoiaram a
commissão e advertiram que restituida a tranquillidade aos
animos com as reformas propostas, se offereceria então
magnifico ensejo aos poderes publicos de Portugal para se desaggravarem
dos rebeldes de S. Paulo, sem risco de desmembramento da monarchia. Os
corypheus da regeneração, dominados de orgulho,
não podiam conceber que as gentes ultramarinas pensassem de
modo differente delles, e asseguravam, por isso, sem sombra de prova
aliás, que os de S. Paulo não manifestavam na
representação senão
seus sentimentos individuaes
[269].
Para influirem nos adversarios
[232]
procuraram o concurso das ruas e dos gremios, excitando o
sentimentalismo das turbas
irresponsaveis. Xavier Monteiro bradou que urgia salvar a dignidade
nacional, embora se perdessem dez Brasis. Moura, espumante de raiva,
rugia como um possesso contra os «trêze infames de
S. Paulo» que assignaram o officio. A figura mais eminente da
revolução, aquelle que era o responsavel dos
decretos perturbadores do novo reino, interveiu no debate com clara
visão do futuro. Consoante os contemporaneos
[270], entre as
faculdades do robusto engenho de Fernandes Thomaz sobresaia a
perspicacia. Através de factos despercebidos ou sem
significação apparente, elle
alcançava o verdadeiro sentido das cousas. Antes de nenhum
outro reconhecêra que, sob tranquilidade externa, Portugal,
trabalhado por descontentamento latente, se achava maduro para
mudança de regimen. Organizou com esse intuito uma
associação o synedrio, attrahindo-lhe a ella
representantes de diversas classes, e a despeito da vigilancia de uma
policia singularmente activa, da miseria, e do terror gerado com a
repressão barbara da conjuração de
Gomes Freire, miseria e temor que determinam
traições, ultimou o
emprehendimento com exito memoravel. Sem duvida que o favoreceram as
circunstancias, mas se lhe não pode contestar sagacidade na
escolha dos apaniguados e na designação do
momento do levante. A este espirito tão destro quanto
atilado não escapou que para indemnizar Portugal do
desprestigio e das perdas provenientes da estada da familia real no
Brasil, não bastava a
trasladação
[233]
da côrte para a Europa. Isto que
satisfazia a vaidade de alguns e as conveniencias de Lisboa,
não dava alento ás fabricas de algodão
e de lans em deperecimento.
Desajudadas de tarifas privilegiadas no Brasil, fugiam á
concorrencia com os productos de outras terras europeias e
não sabiam onde escoar as suas mercadorias defeituosas e
caras. Importava, pois, assegurar a edependencia do
ultramar para com a metropole, a fim de resguardar os interesses dos
industriaes e commerciantes, os quaes com os diplomados das
universidades constituiam o nervo da regeneração.
O astuto revolucionario num traço de genio descobriu a
fórmula ideal, ao primeiro contacto dos brasileiros e
portuguêses nas Côrtes, reputando as capitanias
outras tantas provincias de Portugal
[271].
Com ella realizava a egualdade
entre as duas secções da monarchia promettida nos
manifestos da revolução e reservava na realidade
ao Reino todas as vantagens. Começava por enfraquecer a
antiga colonia. De facto as suas provincias tornadas dependentes como o
Algarve e o Minho do Governo de Lisboa, ficavam sem cimento entre si e,
por conseguinte, offerecerião resistencias parciaes e
inefficazes á oppressão do Reino e até
habilitava este a fazer marchar as irmans do mesmo continente contra a
capitania rebelde. Não teria mais a metropole na America
contra si um vasto imperio mas pequenos estados. A este magnifico
resultado accresceria a
restauração mais ou menos velada do monopolio
commercial. Na verdade pareceria extranho lançar
imposição
[234]
ás mercadorias das provincias
portuguêsas da Europa que penetrassem nas provincias
portuguêsas da America so porque entre ellas havia o mar. Os
generos e artefactos nacionaes transitarião livremente por
todas as terras da monarchia, e os productos extrangeiros fortemente
tributados na America como o eram em Portugal cederião o
campo aos similares do Reino.
A condição essencial para a
realização do projecto magnifico era a obediencia
formal dos ultramarinos ás resoluções
das
Côrtes. Comprehendeu-o o revolucionario e ante o protesto
energico do Brasil austral procurou dar ao lance o unico desfecho,
embora extremado e impolitico, compativel com a ganancia e philaucia
intransigentes da metropole. Ou S. Paulo, disse, estava em
condições de manter o seu proposito ou
não. N'um caso devia o governo fazer cumprir as leis e na
outra hypothese, importava Portugal conformar-se com a
separação:
«passe o snr. Brasil muito bem, que nós
cá cuidaremos de nossa vida»
[272]. A phrase commoveu
a assembleia e escandalizou os periodicos e os gremios.
Se não havia outra solução do negocio
que o desmembramento, fôra melhor deixar dormir nos archivos
o officio paulista.
Desde, porém, que o não quizeram os radicaes,
urgia remediar a imprudencia com o alvitre dos moderados no sentido de
retardar a commissão o seu parecer, esperançada
acaso de cobrir a representação com esquecimento
bemfazejo.
[235]
Prevendo então a impossibilidade da união,
Fernandes Thomaz, todavia, se não mostrou mais atilado do
que Pereira do Carmo, o qual lobrigou na
separação a perda dos fructos da
revolução. Desconjuntada a
nação, ponderou, era licito aos adversarios do
novo regimen dizerem com apparencia de razão: «No
tempo do despotismo tão calumniado se conservou inteira a
monarchia, chegou a decantada liberdade constitucional e de repente se
fez em pedaços o imperio lusitano»
[273].
Sem se intimidarem com o aspecto hostil do publico, os brasileiros
tomaram parte no debate com vigor. Todos unanimemente reprovaram as
demasias de estylo do officio, protestaram contra a desunião
e não admittiram a eventualidade de processo contra os
signatarios da representação. A Bahia, que se
desligara do Brasil, pela voz de um dos seus mais dignos filhos, reata
a solidariedade com os irmãos do Sul, e Borges de Barros
prova que os largos ocios de homem rico não lhe entibiam as
faculdades viris. Sem artificios de linguagem, protesta que subscreve
as queixas da junta de S. Paulo. «Torno a dizer, adverte, que
o Brasil tem direitos que reclamar e tem que se oppôr a
varias resoluções
já sanccionadas por este congresso, e assim o declaro para
que em todo o tempo tenham logar as suas
reclamações quando as haja de
fazer»
[274].
Araujo Lima, o futuro regente do Imperio, reconhece o descontentamento
do Brasil e faz
[236]
d'elle responsavel o Congresso por
não attender ás informações
dos representantes da
America. As Côrtes não devem cogitar de punir a
junta paulista a fim de evitar conflagração que
não lograrão domar. E pergunta com ironia:
«Quaes são os soccorros que mandaria Portugal
ao Brasil?»
[275].
De todos os americanos nenhum provocou maior movimento de
attenção de que o deputado de S. Paulo sobrinho
de José Bonifacio. Chamava-se Antonio Manuel da Silva Bueno
e fora eleito como primeiro substituto. Com quanto viesse com Vergueiro
e Antonio Carlos, não tomara assento senão aos 25
de fevereiro, reconhecida a impossibilidade de Francisco de Paula Sousa
e Mello vir ás Côrtes, em consequencia de velha
enfermidade aggravada no começo do anno
[276].
Era a primeira vez que falava e provou que não desluzia a
mais brilhante bancada. O seu discurso simples e commedido encerra um
argumento forte do desejo de união que lavra em S. Paulo. O
facto da junta, allega, fazer questão de conservar na
regencia o principe real patentêa o empenho de não
emancipar o Brasil. Ninguem mais que D. Pedro assegura a integridade da
monarchia, em virtude do interesse de não reduzir os
estados, dos quaes virá a ser chefe na qualidade de herdeiro
da Corôa. Adivinha-se a commoção na sua
voz quando se refere a
José Bonifacio. Lembra que este não admittia
reconciliação
[237]
com os francêses installados
violentamente no Reino, e organizou o batalhão academico de
Coimbra para expulsar o invasor
[277].
O suave padre Marcos Antonio, deputado da
Bahia,
apparece no
debate de modo tocante. Perante as paixões
desencadêadas folheia as
paginas graves da Historia. Evoca feitos assignalados da provincia
agora rebelde, e mostra os seus filhos através de passos
arriscados descobrindo os esconderijos do ouro e da esmeralda, e um
delles recusando a Corôa por não faltar
á
fidelidade a D. João IV. Não é licito
ao congresso
perseguir os descendentes de taes servidores da patria
[278].
Não podia deixar de intervir na defêsa da junta
quem fora o collega dos aggredidos, e Vergueiro, que nunca se esquivou
ao cumprimento do dever e ás leis da honra, vai fazel-o com
a lealdade que o distingue. A administração de S.
Paulo, disse, escolhida livremente pelo povo e que conhece os
sentimentos das camaras municipaes, a quem consultou sobre as
necessidades da provincia e do Brasil, não falou por si mas
por seus concidadãos. Isto é tão
indubitavel como o descontentamento actual do ultramar.
«Todas as provincias, informa o honesto transmontano, amavam
as resoluções do congresso, por isso que o
congresso tivera a delicadeza de dizer que não legislava
para o Brasil senão para o Reino. Quando se fizeram as bases
da
constituição se declarou expressamente numa
dellas que a constituição só obrigava
a Portugal e que
[238]
obrigaria ao Brasil quando fosse approvada
pelos representantes de suas provincias. Neste estado de cousas o
espirito de união era uniforme por toda a parte;
não deve admirar que logo que o congresso sahiu desta linha
e passou a legislar para o Brasil, que houvesse uma
indignação geral naquellas provincias...
É até um facto que se não pode
negar»
[279].
Presentindo que a assembléa se inclinava a perfilhar a
opinião dos moderados, os radicaes tentaram estimular as
paixões reclamando a leitura do officio, a pretexto que uns
se não lembravam delle, e outros se não achavam
presentes á sessão em que fôra
publicado. Ninguem
podia esquecer e ainda menos ignorar um documento reproduzido no Diario
do Governo, commentado pela imprensa e que constituia o thema dominante
das conversas. O parlamento teve o bom senso de repelir o manejo e
auctorizou a commissão a apresentar o seu relatorio sobre o
acto da junta de S. Paulo, quando pudesse formar juizo a respeito dos
sentimentos do Brasil austral.
[280]
Os brasileiros votaram com a maioria não sem terem declarado
que se não oppunham á leitura da
representação.
Antonio Carlos que alcançara dispensa de membro da
commissão em sendo submettido a esta o officio paulista, em
consequencia de figurarem nella parentes proximos seus, levado do mesmo
escrupulo não descerrou os labios no
[239]
correr da discussão, o qual occupou duas sessões
nem,
até, concorreu ao escrutinio. Nada prova melhor o empenho
dos brasileiros em cooperarem para a concordia que esse procedimento do
fogoso paulista. Não lhe faltava coragem e eloquencia, e
amava os irmãos, injuriados desapiedadamente, de envolta com
a junta, por Moura e outros energumenos. Prefiriu, todavia recalcar no
fundo da alma a indignação, gerada pelos doestos
violentos contra os entes queridos, a atear com a sua
intervenção um incendio capaz de comprometter a
união, o interesse capital dos deputados brasileiros.
Escriptores ha que arrastados do desejo, de tirar ás
Côrtes a responsabilidade da
separação, contestam a sinceridade dos
representantes americanos e enxergam em todos os seus actos e palavras
uma successão ininterrompida de perfidias
[281]. Chegam a
referir um facto assombroso. Dizem que, conhecida a effervescencia de
além-mar, alguns constituintes portuguêses dos
mais influentes, reunidos no mêado de março em
casa de Antonio Carlos, onde se achavam outros deputados brasileiros,
declararam que no caso da America pretender a independencia, podiam
accordar sobre as bases d'ella, para que se operasse sem desharmonia da
familia. Os do Brasil repelliram com vehemencia a proposta,
não querendo ouvir fallar em desunião. Affirma o
historiographo que os ultramarinos assim responderam porque anhelavam
separação violenta capaz de gerar odios
[282]. Com
dispensar commentarios a insensatez da
interpretação,
[240]
limitar-nos-emos a considerar a
narrativa. O mexerico politico, que a paixão partidaria
promove, nunca se ostentou com mais irreflexão.
Não nos dando o nome dos regeneradores nem mencionando as
suas fontes de informação, o escriptor supprimiu
os meios accommodados á averiguação de
um facto, que,
rejeitado da boa razão e dos documentos conhecidos,
não podia ser exposto sem provas. É inadmissivel
que os portuguêses tão sollicitos em mandarem
tropas ao Rio e a Pernambuco, ao mais vago rumor de
agitação separatista, contra os votos dos
deputados d'esses povos, fizessem semelhante
proposição. Como admittir o desmembramento
voluntario da nação por parte d'aquelles que lhe
deviam zelar a integridade? Porque offerecerião tal dadiva
ao Brasil que então lh'a não pedia?
Supposto houvesse proposta tão inacreditavel, os brasileiros
não podiam deixar de a recusar: traziam mandato de assentar
as bases da união e não para promover a
emancipação da patria
[283].
Affirmavam-no a cada
passo nas sessões, e lhes não era licito outra
linguagem sem se pôrem em contradicção
com a
aspiração universal do Brasil. A junta de S.
Paulo, o senado da Camara do Rio, o Reverbero constitucional
[284] a folha
politica contemporanea de mais pêso na opinião,
propugnavam a integridade da
nação. Ora, quando os chefes do movimento, que
sobresaltava as Côrtes e Portugal, não formulavam
senão esse programma, não podiam os mandatarios
[241]
do Brasil divergirem delle sem faltar aos conselhos da prudencia,
do patriotismo.
Não procede tão pouco a
allegação que os deputados e os corpos
administrativos do reino americano estavam de cumplicidade com D. Pedro
para a scisão do imperio. O regente aceitou a independencia
forçado das circumstancias, e nem podia ser de outro modo
porque ninguem espontaneamente e sem vantagem malbarata o seu
patrimonio. Porque razão havia de voluntariamente contribuir
para a reducção de seus futuros estados? Aquella
connivencia significaria, demais, que houve no Brasil uma
conjuração vasta e nunca divulgada, cousa sem
exemplo. O facto é mais simples, e a verdade se encontra nos
assertos dos brasileiros nas Côrtes.
O partido da independencia, que apparecêra em Pernambuco em
1817 e tinha adeptos por todo o Brasil mas sem
ligação entre si,
perdêra a sua razão de existencia com a
proclamação do regimen constitucional, e com a
promessa solemne da regeneração de não
estabelecer
differença entre Portugal e Brasil. Os ultramarinos
entenderam então que, salvo o rei, os magistrados e
autoridades serião da terra, que terião leis
feitas por seus deputados e que a união lhes não
daria encargos differentes do que imporia
á
mãe patria.
Não tardou o desengano. O projecto de
constituição no qual se reputavam provincias de
Portugal as antigas capitanias começou a patentear-lhes
quão profunda era a divergencia com os irmãos da
Europa sobre o modo de comprehender as relações
entre os dous povos, e outras resoluções das
côrtes os
persuadiam que em vez da egualdade nos direitos e interesses
[242]
tornarião á
dependencia do Reino. Á
capital portuguêsa virião os do Brasil procurar
recursos contra a oppressão do Fisco e os desmandos da
magistratura; de Lisboa partirião os juizes, as autoridades,
os beneficios ecclesiasticos, e ahi estaria o commando supremo das
forças insuladas
na
vastidão do
Brasil, com que se difficultaria a defêsa contra o
extrangeiro audaz e o restabelecimento da ordem nas provincias,
conturbadas por commoções intestinas. Ao gaudio e
confiança dos primeiros tempos succedeu a
irritação em muitos, e em todos a
apprehensão de que Portugal intentava insidiosamente
restaurar o regimen colonial, temor que os prudentes procuravam
dissipar estribados nas Bases.
Em verdade desde que se não applicassem ao Brasil as
disposições constitucionaes sem o consentimento
dos seus deputados, era licito esperar que, mediante a
intervenção destes, a assembléa
constituinte decretasse novas
resoluções ao gosto dos povos ultramarinos
[285].
Comprehende-se, portanto, o clamor de revolta que levantou no Brasil o
dar-lhe congresso leis sem aguardar os seus representantes ou contra os
votos dos poucos que nelle assistiam.
Ao passo que o parlamento alienava as sympathias de
além-mar, molestava o melindre de D. Pedro com a ordem de
regressar a Europa, a fim de, conforme os debates, completar a sua
educação politica. Era o reconhecimento formal da
ignorancia do principe. Sem apoio no povo nem na regencia, os decretos
das côrtes
ficavam ao
desamparo no Brasil.
CAPITULO XIV
SUMMARIO:
O empenho de Portugal em reformar as pautas da
alfandega.―A commissão de commercio.―O privilegio de
navegação e a marinha
portuguêsa.―Parecer conciliador dos brasileiros.―Fernandes
Thomaz.―Injustiça do projecto ácerca dos
productos agricolas.―A industria do Brasil e de Portugal.―O projecto
fecha o Brasil ás nações amigas.―Os
brasileiros não o acceitam.―Devolve-se o projecto
á commissão para ser revisto.―Fernandes Pinheiro
assigna o novo projecto.―O artigo incriminado reapparece
intacto.―É restituido á commissão
para ser emendado.
Restituida a Côrte á Europa não havia
para os portuguêses negocio de maior monta que a reforma do
regimen aduaneiro da monarchia. Empobrecida com a lei de 28 de janeiro
de 1808 que facultara á concorrencia internacional os
mercados do Brasil, e atrophiada por tres seculos de monopolio e
parasitismo, a industria de Portugal não
alcançara em treze annos energia para supplantar o
inglês, odiado, ignorante da
[244]
lingua e dos usos da terra mas que
offerecia aos americanos artigos bons e baratos.
Não desviava Portugal os olhos de além-mar, sem
saber, todavia, como cobrar a preponderancia antiga, quando a
regeneração e o regresso d'el-rei induziram-n'o a
esperar que entre tantas mudanças, haveria logar para a
realização do seu sonho. Mal se abriu o Congresso
um dos seus membros, e não dos menores, declarou a
conveniencia da união com o Brasil para o desenvolvimento
economico do Reino
[286],
e acclamado no ultramar o regimen
constitucional, os constituintes não exergaram
na integridade da monarchia mais que uma fonte de beneficios materiaes
para a velha metropole
[287].
D'ahi por diante a visão do
declinio d'esta se desfez á
esperança do renascimento por via do trato com o reino
ultramarino. Ninguem sabia das condições do novo
plano mercantil, mas á medida que os irmãos mais
velhos exultavam com a ideia da reforma das tarifas, os do outro lado
do Atlantico, em minoria nas Côrtes, tomavam-se de pavor e
perguntavam-se a si mesmos se não tinham razão
aquelles que na Bahia, Pernambuco, S. Paulo, Minas e Rio attribuiam ao
Congresso a intenção de os reduzir a colonos.
Nada interessa tanto o homem como a subsistencia. Ora dizer que
Portugal com os seus decretos apparelhava o terreno para a
resurreição do monopolio
secular, era ameaçar o operario, o agricultor e o
commerciante de vender mal o seu trabalho e productos
[245]
e de comprar caro os baetões da Beira e a
lençaria de Alcobaça, desdenhados depois que
conheceram as fazendas superiores das fabricas britannicas. Tornou-se
unanime o clamor da America, e n'elle os protestos dos interesses em
perigo avantajaram-se á voz das
aspirações
politicas desenganadas. Para o extinguir entendeu a
commissão especial dos negocios politicos do Brasil que nada
havia mais efficaz do que o estudo immediato do projecto commercial
[288].
Na commissão que elaborou o projecto de 15 de
março havia dous brasileiros da Bahia, Bandeira e Pinto da
França. Este propendia a harmonizar as conveniencias das
duas secções do imperio em vantagem da Europa, e
aquelle que não fallava nem fazia proposta
sómente agora dava occasião de se formar juizo de
seu espirito. Com elles trabalharam quatro europeus, e todos tinham a
boa nota de se não recommendarem á
admiração dos gremios
[289],
e um d'elles,
Braamcamp, acompanhou a minoria corajosa que acceitava duas camaras.
O projecto começava por se valer do conceito de ser o Brasil
provincia de Portugal, para considerar de cabotagem o trafego entre os
portos da nação atravez do oceano e concluia, por
isso, que se conduzissem as marcadorias de um o outro continente em
navios de construcção e propriedade
portuguêsa. Surgia, porém, uma questão
preliminar; dispunha a monarchia de vasos sufficientes ás
necessidades dos povos ultramarinos?
[246]
De ha muito a marinha, que no meado do seculo XVI desfraldava as quinas
por todos os mares, perdera o esplendor, mas agora se afundava no
abysmo da miseria
[290].
Falleciam-lhe barcos de guerra, em virtude da
penuria do thesouro não permittir a
renovação dos
que se estragaram, ou desappareciam no fundo das aguas, e as raras
embarcações mercantes,
escapadas por milagre á pirataria, apodreciam nos
ancoradouros, incapazes de disputar os carregamentos de ultramar aos
forasteiros, por causa de encargos impostos pela rotina administrativa
ao levantarem ferro
[291].
Sujeitar o Brasil a se servir dos transportes
do Reino era aggravar os seus generos com fretes excessivos, e acaso
retardar o seu progresso attrahindo para o commercio maritimo, tornado
altamente remunerador,
capitaes
destinados primativamente ao
desbravamento das florestas e ao amanho das terras. Ferreira Borges e
Guerreiro não admittiam, por isso, se vedasse absolutamente
a navegação aos extranhos, e
alvitraram que por meio de tributos sobre os alienigenas se habilitasse
a marinha nacional a entrar em competencia com elles.
Os americanos, salvo Villela Barbosa e Pinto da França,
partidarios da proposta, perfilharam essa opinião moderada,
sem embargo de privar a patria da livre concorrencia internacional, da
qual colhiam todas as vantagens e de sobrecarregar os fructos de
ultramar com despesas desnecessarias.
[247]
O proprio Barata
não pensou de modo differente, e reconheceu, pela primeira
vez, a nenhuma influencia dos brasileiros nas decisões
legislativas a respeito de sua terra. Começa
então a apparecer nos seus discursos a
feição de se despicar do menospreço da
maioria, com encarecer a patria e deprimir desapiédadamente
a antiga metropole. As figuras primaciaes da
regeneração trouxeram ao debate todo
pêso do seu prestigio, e as côrtes subscreveram o
artigo em todo o rigor. Em acto continuo á
votação, um dos autores do projecto. Luiz
Monteiro, abalado pela discussão, receou não
bastarem as naus
portuguêsas para o serviço do ultramar, e lembrou
a conveniencia de ser licito a este em certos casos ou mediante
determinadas condições,
valer-se dos navios de fóra. Fernandes Thomaz appressou-se
em lhe remover o escrupulo com auctoridade, allegando que, por se
tratar de simples lei e não de preceito constitucional, se
lhe não tornaria difficil dar remedio na
occasião.
[292]
Não ignorava o orgulhoso regenerador que a
modificação ou creação de
uma lei percorre os mesmos tramites lentos e que, no transcurso
d'elles, se exporião os da America a damnos irreparaveis.
D'isso, porém, não cogitava,
comtanto que se salvaguardassem de modo inilludivel os interesses da
nação, os quaes, ao seu parecer, não
eram outros que os do Reino.
Sacrificava tambem a proposta as conveniencias da America com a obrigar
a consumir o vinho, vinagre e sal da mãe patria, proscriptos
[248]
dos mercados de além-mar os
productos similares extrangeiros. Verdade é que tambem
Portugal não receberia assucar, tabaco e café e
cacau senão do Brasil. Isto, porém, que
á
primeira vista parecia justa compensação,
realmente o
não era. Ao passo que as vinhas francêsas e
hespanholas concorriam vantajosamente com os vinhedos do Douro
[293], a
natureza do solo, o clima, a qualidade da canna, e o trabalho escravo
asseguravam ao Brasil para o seu principal artigo de
exportação, o assucar, preeminencia nos mercados
que lh'a não disputavam as colonias de Inglaterra, de
França e de Hespanha
[294].
O que tornava tambem o contracto
notavelmente desegual, é que proporcionava á
antiga metropole meio de collocar approximadamente a metade de sua
exportação de vinhos, emquanto que ao Brasil
não garantia a venda senão de oito por cento de
seu assucar. Das duzentas mil caixas produzida pelo reino
transatlantico, a secção
europeia da monarchia absorvia em media somente dezesseis mil.
[295] Os
brasileiros, todavia, inclinaram-se a aceitar a clausula lesiva com a
reserva de não ser absoluta a
prohibição.
Entendiam que, tributada com rigor a competencia extrangeira,
protegia-se a agricultura indigena e não se tirava ao
consumidor o recurso de se abastecer fora nos annos de escassez de
vinho em Portugal ou de assucar no Brasil. Não vingou o
[249]
intento, e a maioria ainda sanccionou a
disposição sem mudança substancial
[296].
A proposta não acautellava melhor os interesses industriaes
de alem-mar. Parece extranho que se refira a industria do Brasil n'esse
periodo, limitada, como era, ao cortume e a tecedura do
algodão por processos rudimentares. A commissão
alludira, comtudo, a ella, disposta a protegel-a permittindo que
entrassem em Portugal, isentos de impostos, os seus modestos productos,
em troca porem, exigia reciprocidade para os artefactos
portuguêses. Era zombar dos brasileiros semelhante
proposição, apresentada,
além d'isso, como penhor de generosidade e desvelo da
mãe patria. A courama do ultramar, disputada pelos
extrangeiros, excusava estimulo para ter escoamento, e o Reino
precisava d'ella para as suas fabricas de sapatos, malas e arreios
[297].
Não havia tão pouco favor em franquear aos
mercados de Portugal os tecidos de Minas, insufficientes para o consumo
local e que, caros e de qualidade inferior, cediam a qualquer
competencia, como eram vencidos os do reino pela
fabricação
extrangeira. O projecto, porém, não só
não amparava mas tendia a destruir a nascente manufactura
ultramarina, deixando entrar ao abrigo de
contribuições a lençaria
portuguêsa, sujeita então ao imposto de 15%.
Não cuidem que os ultramarinos achariam
compensação ao desbarato de suas
fiações na excellencia dos pannos do Reino,
[250]
que os iam cobrir.
Portugal tinha a industria que póde existir n'um paiz sem
carvão de pedra e habituado a trocar os seus artefactos com
povos que não commerciavam com europeus. Fabricava mal e
fabricava caro, houvesse ou não em casa a materia prima
[298].
Fernandes Thomaz assignalara o atraso das manufacturas
«apesar do que os nossos naturaes dizem e com quem
não nos devemos illudir»
[299].
Para favorecer esses industriaes negligentes, obrigava o projecto aos
brasileiros usarem mercadorias inferiores e adquiridas mais caro do que
pagavam as semelhantes de Inglaterra, consideradas então sem
rivaes no mundo. Mas de todos os inconvenientes da proposta nenhum se
avantajava ao seu effeito desastroso nas rendas publicas do ultramar.
As taxas aduaneiras constituiam a principal fonte de receita, e entre
ellas tinham parte conspicua os direitos sobre a
importação de fazendas. Na
situação angustiosa do erario brasileiro, a qual
servira de pretexto para a
extincção dos tribunaes superiores do Rio,
renunciar a uma contribuição antiga, bem acceita
dos povos e que certamente se não substituiria sem provocar
novas queixas geraes, bastaria para testemunhar o menospreço
com que se tratavam os interesses de uma parte da monarchia; mas os
portuguezes aggravaram a negligencia não cogitando de
preencher o vacuo do thesouro de além-mar. Verberada a
injustiça do artigo por Lino Coutinho e Antonio Carlos, este
acabou,
[251]
todavia, por subscrevel-o
generosamente com a clausula de vigorar até 1825.
Então
expiraria o
tratado de commercio com a Inglaterra, de
1810, e gravados fortemente os productos britannicos, e de outras
partes, virião as mercadorias do Reino a pagar 15% com que
se acautelarião os interesses das alfandegas ultramarinas.
Assim resolveu o Congresso
[300].
Como se não bastassem essas
disposições eminentemente damnosas ao Brasil, a
commissão quis attender ao commercio da antiga
metropole,
desconsolado com a perda do privilegio de distribuir os productos
brasileiros aos mercados do mundo, privilegio mais rendoso que as suas
industrias
[301].
Revogar francamente o decreto de 28 de janeiro de 1808,
considerado o agente poderoso do progresso de além-mar,
alienaria as derradeiras sympathias do novo reino pelas
côrtes; e, por outra parte não satisfazer a
mercancia de Portugal, que na união não divisara
mais que as suas conveniencias, arriscava esfriar o zelo pela
regeneração dos influentes traficantes do Porto e
de Lisboa. A commissão intentou atravessar o passo escabroso
por via de combinação de taxas no presupposto
ingenuo de não serem os deputados da America mais sagazes
que os seus collegas Bandeira e Pinto da França. Propunha
pagassem os generos americanos exportados em navios nacionaes um por
cento e levados por barcos extrangeiros seis por cento, salvo o
algodão obrigado a dez por cento.
[252]
Até ahi excusava-se a providencia com côr de
protecção á marinha nacional, sem
embargo de estancar as receitas de além-mar. Zefirino dos
Santos, que
patenteou na
discussão
intelligencia e saber, advertiu que vingada a proposta, a renda fiscal
resultante somente da exportação do
algodão, tributado approximadamente em
15%
desceria a zero,
porque seria expedido o importante producto em navios
portuguêses e o um por cento a que estaria sujeito, mal
custearia o serviço aduaneiro. Onde, porém, a
commissão se mostrou sem pejo e confirmou plenamente o temor
de recolonisação que sobresaltava o Brasil
inteiro, foi na disposição immediata, na qual
facultava aos alienigenas carregarem os seus navios nos portos de
Portugal mediante dous por cento, aquellas mercadorias que procuradas
no paiz de producção soffrerião
á
sahida o imposto de seis a dez por cento. Era afugentar puramente e
simplesmente o europeu da outra secção da
monarchia. De feito se não aventuraria á
travessia longa e perigosa para buscar cousas offerecidas em seu
continente com menores encargos; e se não as procurava na
America, tambem lá
não mandaria os seus artefactos, porque não
queria fazer o pessimo negocio de trazer sem carga a sua
embarcação. Portugal tornava-se, por
conseguinte, o emporio do commercio da monarchia, resuscitava-se o
monopolio sem se fecharem os portos da antiga colonia ás
nações
amigas. Borges de Barros, Zefirino dos Santos e Antonio Carlos
desvendaram os intuitos da commissão. «Os
brasileiros, disse o fogoso paulista, tem os precisos conhecimentos dos
seus verdadeiros interesses, estão muito adiantados em
civilização
e cultura para serem tratados como selvagens. Elles
[253]
vêem, e todo o mundo
vê, a tendencia occulta desta medida. Portugal viria a ser o
deposito unico das producções do Brasil, a elle
só concorrerião os extrangeiros a fornecer-se
destes productos, e no mercado brasileiro desde então
deserto de qualquer outra competencia, dictarião leis os
negociantes portuguêses e os seus agentes, e deste modo
restabelecer-se-ia indirectamente o odioso exclusivo
colonial»
[302].
Os autores do projecto desnortêados com a
revelação de seus designios e sem meios de
destruir a accusação, referiram-se a esta com
desdem como se fora cousa indigna de lusitanos sacrificar ao
torrão natal as
conveniencias
de além-mar, Zefirino dos Santos
desmacarou-lhes o arreganho de altivez e de liberalismo com ler o
relatorio da commissão extra-parlamentar, constituida dos
negociantes mais notaveis do reino e que servira de base á
proposta, «Se conseguirmos, rezava, em virtude das
providencias sujeitas ao soberano congresso sobre o commercio do Brasil
que a troca dos productos do mesmo Brasil, Portugal e Algarves pelas
manufacturas extrangeiras se verifique em a Praça de Lisboa,
alcançamos vantagens mui superiores sem duvida as que
poderiamos esperar das fabricas»
[303].
A commissão não fôra mais feliz
tentando amparar a sua obra com a conveniencia de auxiliar a marinha da
nação. O implacavel Zefirino dos Santos retrucou
que de facto o projecto promoveria a navegação
mas exclusivamente á
[254]
custa do novo reino, porque os generos
portuguêses, quaes o vinho, o sal e a fructa não
solviam encargo algum fiscal transportadas para fóra por
extrangeiros, e os proprios productos de além-mar
saídos de Portugal em vasos extranhos contribuiram
tão pouco para o erario, que não era licito
considerar protectora a tarifa.
Frustrado o intento machiavelico com os golpes certeiros dos
americanos, o congresso deliberou devolver os artigos incriminados
á commissão para ella os modificar de accordo com
as emendas apresentadas na discussão, entre as quaes
sobresaia a de Zefirino dos Santos conciliadora dos interesses de uma e
outra parte da nação. Propunha o atilado
pernambucano a mesma
contribuição sobre generos ultramarinos fossem
elles exportados do paiz productor ou reexpedidos da mãe
patria
[304].
Passava-se isto no mês de julho, e sem embargo do presidente
das Côrtes estimular a commissão a apresentar o
seu trabalho rectificado
[305]
ella guardou silencio até 14 de
setembro
[306].
Assignaram o projecto os mesmos portuguêses que
elaboraram a proposta anterior mas por parte do Brasil o não
subscreviam agora Bandeira e Pinto da França, que, por
doentes fallaram ás sessões havia alguns dias:
substituia os Fernandes Pinheiro, mandatario de S. Paulo com assento no
congresso desde 27 de abril.
Era um espirito grave e culto, e acabara de
[255]
se salientar superiormente nos agitados debates ácerca da
evacuação militar de
Montevideu. Este precedente induzia a acreditar que os interesses da
America terião solicito patrono. Infelizmente,
porém, os collegas da commissão, ou por
méra coincidencia ou por calculo, submetteram o novo
trabalho á assignatura do douto varão, quando o
preoccupava um dos negocios que mais apaixonaram a bancada americana.
Em verdade n'esse mesmo dia 14 de setembro, o egregio paulista
declarava o seu proposito de não jurar a
constituição em desaccordo flagrante com as
aspirações do novo reino. D'ahi resultou que
Fernandes Pinheiro veiu a pôr o seu nome no documento que
tendia recolonizar a patria; porque por mais extraordinaria que seja a
cousa nos annaes parlamentares, a
negregada
disposição devolvida á
commissão para ser alterada de conformidade com as emendas e
advertencias apresentadas no debate, resurgiu intacta nas
Côrtes. Já ahi
não vinham Antonio Carlos, Barata, Lino Coutinho, Borges de
Barros e Ferreira da Silva, que tomaram parte nas discussões
precedentes, e os poucos brasileiros, que assistiam a essas derradeiras
sessões, se haviam desinteressado dos trabalhos
legislativos, mais e mais convencidos da imminencia da
separação. Nem por isso deixou a proposta
insolente de soffrer duro assalto de Zeferino dos Santos,
secundado vigorosamente por Castro e Silva, deputado por
Ceará no Congresso desde 8 de maio. Os portuguêses
não queriam renunciar o intento, e entre elles nenhum se
avantajou em tenacidade e ousadia a Ferreira Borges, um dos
próceres da
regeneração. Manhoso e com interesses no
commercio, na qualidade de secretario da Companhia do Alto
[256]
Douro
[307]
lembrou-se, a despeito do
conhecimento dos negocios do Brasil, patentêado na
segurança presumpçosa com que resolvia as
questões mais intrincadas de além-mar, de que
havia cousas simples que ignorava, e estas não eram outras
senão as taxas aduaneiras dos generos americanos sahidos em
barcos extrangeiros. Opinava, por isso, pela
conservação das tarifas
estabelecidas até melhor conhecimento da materia. Os
brasileiros se não deixaram commover com esses testemunhos
de modestia e de zelo pelo bem publico, e repelliram com vivacidade o
alvitre matreiro tendente a reservar exclusivamente a Portugal o
trafico com o ultramar. De feito mantidos direitos em vigor e o que
acabava de ser approvado, os de fóra não
levarião
algodão do Brasil sem dar 15% á alfandega, ao
passo que os portuguêses não pagarião
mais
que um por cento. Não atravessarião, pois, o
Atlantico em busca de um producto offerecido em Lisboa alliviado de
tão gravosa contribuição.
Apesar de nova intervenção de Ferreira Borges,
apoiado por Soares Franco, as côrtes devolveram ainda outra
vez o projecto á commissão a fim de o
redigir de conformidade com as idéas de Ferreira Borges e
Zeferino dos Santos
[308].
Eram conceitos antagonicos que a
commissão jámais lograria conciliar. Sabia-o o
Congresso mas não ousava pronunciar-se no sentido da
aspiração
portuguêsa com receio de levante geral por todo o Brasil, e
não se manifestava o favor d'este por não
desgostar os mercadores do Reino com lhes arrancar
[257]
a esperança de rehaver
o suspirado monopolio, justamente quando tomava vulto o
descontentamento contra a regeneração.
Não mais se discutiu o negocio nas Côrtes.
Não é, porem desarrazoado suppor, visto o empenho
ardente do Reino, que o parlamento acabaria por sanccionar a odiosa
medida, se os successos do Brasil o não houvessem levado
á independencia.
CAPITULO XV
SUMMARIO:
Noticias do Rio.―Insultos aos partidarios de D.
Pedro.―Antonio Carlos.―Effervescencia da assembléa.―Os
portuguêses não censuram as tribunas.―Alguns
deputados de S. Paulo e da Bahia resolvem não vir
ás Côrtes.―Antonio Carlos renuncia ao mandato.―O
congresso convida os brasileiros melindrados a tomarem os seus
logares.―Projecto de Feijó.―Impressão nas
Côrtes.―Attitude de Moura.
Apenas encetada a discussão do projecto das
relações commerciaes, veio ao congresso a nova de
graves successos occorridos no Rio de Janeiro. A junta de S. Paulo,
como vimos, representara ao principe a conveniencia de não
attender ao decreto que o revocava á Europa, e paulistas,
mineiros e fluminenses cuidavam fazer petições
analogas. A assemblêa, o
governo, Portugal inteiro confiava, porém, que os regimentos
portuguêses destacados em além-mar, enthusiastas
da regeneração, frustarião os desejos
do Brasil meridional compellindo D. Pedro a obedecer á
resolução legislativa. Ora na
sessão de 15 de abril soube-se por via de Jorge de Avillez,
commandante
[259]
da divisão auxiliadora, que não
só o regente decidira ficar na America mas tambem que elle e
os seus soldados haviam, para evitar os horrores da guerra civil,
desertado a capital brasileira pela Praia Grande, de onde
tomarião a caminho da Europa, em chegando os
batalhões que os deviam render. Antolha-se-lhe, contudo,
incerto que pudessem aguardar essas tropas por causa da insistencia de
D. Pedro para que embarcassem immediatamente. Queixava-se tambem o
general de que a despeito dos seus protestos, o herdeiro da
corôa desfazia os regimentos do Reino com dar illegalmente
baixas a todas as praças que lh'as requeriam.
[309]
Era um golpe profundo no
prestigio das Côrtes; e á
indignação resultante do menoscabo
de suas determinações accrescia a impotencia de
reagir, attenta a defficiencia dos recursos militares e economicos da
metropole para crear naquella parte do ultramar poderoso nucleo de
resistencia. Comprehende-se, pois, a exaltação, a
raiva
crescente do povo, apinhado nas galerias, e nas constituintes, os quaes
através dos officios enxergavam o exercito lusitano recuar
perante as milicias «frades armados, clerigos e
cidadãos»
sob os risos de mofa e um diluvio de injurias. Finda a leitura desses
documentos, Borges Carneiro, o menos proprio para orar em tal
conjuntura, em consequencia do temperamento ardente e impulsivo,
requereu o exame da representação de S. Paulo de
24 de dezembro, e a exhibição dos papeis
relativos a Montevideu com o intuito de pôr ás
ordens do governo as forças portuguêsas
[260]
destacadas na Banda
Oriental para com ellas castigar os rebeldes; não
porém, sem ter previamente injuriado do modo mais desabrido
os partidarios de D. Pedro. «Eram homens depravados e
ladrões que roubaram sempre a
nação»
[310].
Nesse partido figuravam parentes e
amigos dos deputados paulistas e pela primeira vez um brasileiro
occupava o cargo de ministro, José Bonifacio. Dizia o
pessimista Correio Brasiliente que era principalmente esta novidade que
irritava os irmãos mais velhos. Com José
Bonifacio estava no conselho da regencia na qualidade de gestor da
fazenda publica, Caetano Pinto de Miranda Montenegro, o integro quanto
molla capitão general de Pernambuco
por occasião de revolta de 1817. Era licito a um
irmão deixar sem resposta semelhantes conceitos? Antonio
Carlos capitulou-os de calumniosos e affirmou que os actuaes
collaboradores do principe real e os fautores do movimento politico do
sul brasileiro não cediam em probidade a nenhum dos membros
da assembléa. Não pôde continuar
suffocado por gritos, «á ordem» e protestos
vehemente do recinto, e por
insultos e
ameaças vomitadas das tribunas.
[311]
Restabelecido o silencio,
proseguiu estimulado pela borrasca, com voz sonora e vibrante, relevada
por gesticulação sobria e grave.
[312] Apesar dos
sussurros, aliás despreziveis
[261]
das galerias
não teme repetir que em inteireza moral, nenhum deputado
vence a qualquer dos parciaes conspicuos de D. Pedro. Desafia que lhe
apontem um desfallecimento da honra na vida longa dos ministros do
reino e da fazenda.
O congresso, em vez de verberar o procedimento insolito dos
espectadores, aos quaes o presidente nem intimou o silencio, de algum
modo o applaudiu pela boca de Fernandes Thomaz.
O congresso declarou o egregio varão a Antonio Carlos,
disposto a abandonar o mandato por causa das insolencias do publico,
que lhe tiravam a isenção de animo, o congresso
não podia responder pelos actos do povo nas galerias, povo,
aliás, o mais socegado da Europa
[313],
como se não
tivessem as assembléas meios de cohibir os desmandos dos
assistentes.
Os ultramarinos mostraram-se grandemente magoados com a attitude dos
collegas europeus perante os descommedimentos das tribunas. Muitos
faltaram ás reuniões subsequentes e Barata,
Agostinho Gomes, Feijó e Bueno persuadidos de que lhes
fallecia liberdade para a defêsa dos interesses da patria,
solicitaram escusa para não comparecer no congresso,
emquanto perdurasse em Lisboa a exaltação dos
animos
[314].
Antonio Carlos, em carta ao Diario do Governo dada
á publicidade, affirmou determinadamente que deixava de ser
deputado da nação
[315].
[262]
O pacato Fernandes Pinheiro, que assistia á
discussão da tribuna, e devia prestar juramento no dia
immediato, retirou o seu diploma da commissão de poderes
«duvidando fazer parte de um congresso que injuriava a um
membro seu, como o havia sido o meu collega por S. Paulo»
[316].
Villela Barbosa confirmou o desrespeito dos espectadores e
disse que os mandatarios do Brasil soffrião insultos nas
ruas e em pasquins e cartas anonymas
[317].
Sousa Monteiro, a despeito de
os desestimar, reconhece que a populaça se excedeu contra
elles
[318].
Não é licito, pois,
contestar que os do novo reino padeceram vexames senão
perigo. Assim devia ser, pois que os successos do Brasil attrahiam o
odio do povo, e na effervescencia dos espiritos não
faltarião
certamente energumenos que lançando á conta dos
mandatarios americanos aquelles acontecimentos, julgavam desaggravar o
resentimento nacional com doestos contra os suppostos responsaveis.
Diz La Rochefoucauld que sempre temos energia e
resignação para supportar os males alheios.
Podiam repetil-o agora os do Brasil aos deputados europeus que
não sentiam a
indignação purpurear-lhes o rosto á
increpação de
perjuros e ingratos atirada contra elles. De feito, os regeneradores
não acharam motivo para censurar as tribunas, onde,
disseram, não houvera mais que simples sussurro, com que se
não deviam incommodar os collegas de além-mar. E
valeram-se da opportunidade para entôar louvores
[263]
ao povo. Fernandes Thomaz, que recebia
das galerias, dos clubs, de Portugal testemunhos de sympathia e
admiração, podia ser insensivel a uma ou outra
injuria esporadica. Aconselhou aos brasileiros imitassem a sua
philosophia sorridente perante as affrontas, e a proposito observou com
bom humor: «Ainda hontem fui pintado ao pé de uma
forca, a subir pela escada acima. Verdade é que eu
não parecia nada com o que lá estava
pintado»
[319].
O Congresso não acceitou a excusa dos bahianos e paulistas,
allegando que sómente a impossibilidade physica justificava
o não comparecimento dos deputados ás
sessões, e quanto a Antonio Carlos declarou não
ser licito ao representante da nação renunciar o
mandato. Rogava a todos viessem tomar os seus postos
[320]. Acquiesceram.
No correr do debate os portuguêses não duvidaram
attribuir o gesto dos ultramarinos ao terror, terror panico,
[321] e com
isso ainda mais affrontaram os collegas. Contra semelhante
arguição reagiu do modo mais atrevido que
comportava a situação um dos accusados, e este
foi um padre. Era o primeiro discurso de Feijó nas
Côrtes.
Vamos apresental-o em substancia por exprimir o caracter resoluto e
intrepido do estadista que licenciou mais tarde o exercito brasileiro
tornado bando de facciosos. Arredara-se, disse,
[264]
até agora da tribuna
não tanto por lhe faltar eloquencia e lhe sobejar
acanhamento, senão por haver reconhecido que a sua voz se
perderia na assembléa, dominada por ideias contrarias
ás de S. Paulo e, acaso, de todo o Brasil. Apenas tomara
assento, formulou uma moção com o fim de conhecer
as disposições das Côrtes
ácerca de certos negocios do Brasil. Submetteu-a ao
secretario para que a
lesse em
sessão. Excusou-se
este com o fundamento que o chamarião á ordem.
Como lhe falleciam talento, eloquencia e prestigio para fazer medrar a
proposta, deixou de a apresentar e contentou-se d'ahi por diante com
votar conforme a sua consciencia.
Em virtude dos tumultos occorridos na sessão de 15,
communicou á assembléa a sua
resolução de não comparecer a ella
até que o tempo
acalmasse os animos excitados com as cousas da America. Insultados pelo
povo aqui e em toda a parte sem que as Côrtes e o governo
deligenciem refrear taes attentados, os mandatarios do novo reino,
principalmente os de S. Paulo, não guardam a serenidade
indispensavel ao exercicio livre e justo de seus direitos. Como ousa o
Congresso contestar aquellas affrontas feitas aqui dentro, nas ruas,
reproduzidas em pamphletos? Como se aventura a julgar as queixas dos
representantes do Brasil sem inquerito, sem forma de processo?
Não o salteou o mêdo na sessão ruidosa,
e se não peja de confessar que lhe conhece as angustias, por
as haver experimentado. «O valor e coragem consistem em
vencer o temor quando convém encarar o perigo: parece-me
tambem que os terei quando chegar a occasião».
Como lhe asseguram ser licito apresentar a sua opinião, vai
submetter á ponderação das
Côrtes um projecto
[265]
accommodado ás circumstancias presentes do Brasil a
fim de tolher a explosão imminente de guerra intestina.
Importa, porém, antes considerar o aspecto do reino
ultramarino. Na realidade as provincias estão independentes
entre si, e qualquer d'ellas tem governo autonomo, e tão
legitimo, porque partiu de sua livre escolha, como o que se deu a si
mesmo Portugal em 15 de setembro. Não ha,
por conseguinte, mandatarios do Brasil, os americanos n'este recinto
representam exclusivamente as provincias que os elegeram; e como nenhum
povo tem o direito de impôr a outro as suas
instituições
propõe:
O reconhecimento da independencia das antigas capitanias até
a publicação da
lei constitucional;
O pacto social obrigará sómente aquelles povos
que pela maioria de seus representantes o approvarem;
Sem requerimento das juntas, o Congresso não
mandará batalhões ás
terras de além-mar;
Compete aos governos provinciaes remover as tropas
portuguêsas julgadas desnecessarias ou perigosas, e sem a sua
sancção não
terão vigor nos limites de sua
jurisdicção os actos do
governo de Lisboa.
Quando as occorrencias do Brasil exacerbavam os animos, como prenuncios
de separação, e moviam contra os da America a
cólera da metropole, levantar-se um dos representantes da
provincia rebelde para, em vez dos protestos habituaes de
união, convir na independencia, era a maior das audacias.
Quem suppuzesse, porém, que Feijó não
intentava senão alardear
coragem, mostraria desconhecer o seu caracter grave e destituido da
preoccupação do effeito. Era elle
[266]
resoluto e notavelmente intrepido,
como testemunham mais de um acto de sua agitada vida politica, entre os
quaes sobresahe o desejo de abolir o celibato clerical, a mais
extraordinaria das reformas aventadas por estadista brasileiro.
Grandemente inquieto com o malestar do Brasil por causa dos decretos
das Côrtes votados contra o alvitre dos deputados da America,
afigurou-se-lhe que para conseguir do Congresso a
revogação d'aquellas
resoluções e tornar d'óra
avante decisivo o voto dos ultramarinos nas cousas da patria,
não havia senão uma medida, e esta era a
consagração da autonomia absoluta das provincias,
tanto mais que com isso se não fazia mais que reconhecer a
realidade.
As provincias julgavam-se, de feito, independentes mas entendiam
ligar-se a Portugal por laços de sua escolha, que eram a
constituição feita nas Côrtes de
conformidade com os mandatarios dos povos transatlanticos.
Feijó obedecia a este sentimento e repellia a
separação
definitiva, de que aliás não cogitavam o seu
mandato, a bancada americana e os fautores do movimento de S. Paulo,
Minas e Rio.
A proposta esteve a pique de provocar tumultos. Se em alguns
constituintes renovou o empenho de acudir aos desejos da America,
quanto permittisse a integridade da monarchia
[322], pareceu a outros
provocação insolente que a provincia detestada
atirava pela boca de um padre, o seu mais humilde representante, aos
brios de nação.
Moura assim o sentiu. Depois de haver concordado
[267]
com o presidente
ácerca da remessa do projecto á
commissão especial dos negocios do Brazil, julgou de extrema
urgencia a discussão das cousas da America
«principalmente das medidas que se hão de adoptar
para punir os que verdadeiramente sejam rebeldes, devemos tratar da
representação de S. Paulo, isto em primeiro
logar»
[323].
Cuidava, por ventura, o arrogante regenerador que
desse modo intimidava Feijó e atalhava nos brasileiros as
tendencias para
proposições revolucionarias.
Mandado á commissão a especial proposta,
Feijó concordou fosse examinada depois de outras materias em
estudo na mesma commissão
[324].
Não mais,
porém, se falou d'ella, afundada no esquecimento de envolta
com outras proposições.
CAPITULO XVI
SUMMARIO:
Os deputados do Pará, Goyaz e Espirito
Santo.―D. Romualdo de Sousa Coelho.―Desembargador
Segurado.―Hostilidades contra o Brasil.―A questão de
Montevideu.―Fernandes Pinheiro.―O congresso não admitte o
despejo militar da Banda Oriental.―Opinião singular de
Segurado.―Incidente Barata.―Irritação com as
noticias do Rio.―O governo resolve mandar tropas ao Brasil.―Odio dos
americanos do norte aos regimentos da metropole.―A
deputação do Ceará.―Os regeneradores
querem reduzir o Brasil pelas
armas.―Felicitações de Jorge de Avillez ao
congresso.―As Côrtes approvam o acto do
governo.―Resolução de Borges de Barros.
No correr de abril fizeram-se representar nas Côrtes,
Pará por D. Rumualdo de Souza Coelho,
[325] Espirito Santo pelo
Dr. João Fortunato
[269]
Ramos dos Santos
[326]
e Goyaz,
comarca das Duas Barras pelo desembargador Joaquim Theotonio
Segurado
[327].
O deputado paraense que acabara de ser investido do
episcopado de sua provincia, recebeu sem desvanecimento a honrosa
incumbencia de collaborar na
constituição da monarchia. Foi o bispo por
excellencia attento aos severos preceitos do concilio Tridentino, que
se inspirára, para os compôr, na vida dos pastores
primitivos. Desvelava-se pela pobreza e pelos infelizes, promovia a
criação de bons
sacerdotes, e ninguem mais do que elle na extensa diocese cumpriu o
encargo da visitação, sempre duro mas penosissimo
em terras escassamente povoadas e sem gasalhados, cobertas de florestas
mortiferas ou cortadas de rios com passos perigosos. Com elle
fôra eleito em 19 de dezembro 1812,
Francisco de Souza Moreira, o qual, por motivos que não
alcançamos, só
compareceu nas côrtes em 2 de julho. Devia substituil-os
Joaquim Clemente da Silva Pombo, que não teve
occasião de o fazer. Apenas entrado no parlamento, o
virtuoso prelado confessou com simplicidade enternecedora a sua
penuria, porquanto a junta do Pará negligenciara de prover
ás suas
despêsas de viagem e de estada em Lisboa
[328], como
aliás, fizeram muitos governos do ultramar ou por falta de
recursos, ou, o que é mais provavel, por lhes fallecer tempo
para cuidarem de
[270]
outra cousa que não conter
as ambições
desabrolhadas com a regeneração. Em taes casos,
consoante a determinação das Côrtes,
competia ao erario da monarchia subministrar ao representante da
nação o subsidio estipulado de 4$800 reis por
dia. Não se procedeu de modo diverso com o insigne
sacerdote
[329].
O mandatario do Espirito Santo, eleito na Victoria aos 20 de setembro
de 1821 juntamente com o substituto o bacharel José
Bernardino Pereira de Almeida Baptista exercia o magisterio na
universidade de Coimbra
[330].
Todos esses deputados eram naturaes da
provincia que representavam, salvo o desembargador Segurado que
nascêra no Alemtejo, mas residia em Goyaz ha mais de sete
annos, praso necessario para os de fora receberem poderes politicos da
terra de seu domicilio
[331].
Exercendo na capitania a judicatura desde ao
menos 1809 em que fôra despachado ouvidor da nova comarca de
S. João das Duas Barras, cuja séde se transferira
ulteriormente para a Barra da Palma, o alemtejano lograra a
confiança do mais prestadío capitão
general da vasta zona central, D. Francisco de Mascarenhas, e, mais
administrador que jurista, se empenhára com
próspero resultado em dotar a região de
melhoramentos de monta. Promovêra a
navegação do Tocantins, com que favoneara
grandemente
[271]
as populações ribeirinhas, abrindo-lhes o mercado
do
Pará, onde permutavam os seus productos mais vantajosamente,
em virtude da differença de distancia, do que com a Bahia e
S. Paulo, como faziam anteriormente; e despertara o gosto pela
agricultura lucrativa e moralizadora em detrimento da pesquisa e
mineração do ouro, aleatorias e as mais das vezes
corruptoras. Não surprehende, pois, que acclamado em Goyaz o
novo regimen, os eleitores, que nos periodos de
exaltação patriotica antepõem os
interesses da collectividade aos calculos de
ambição pessoal ou ás
paixões mesquinhas, escolhessem para deputado aquelle que se
desvelara pelo bem publico, supposto não fosse seu
conterraneo. Com Segurado fora eleito outro benemerito da terra, o
conego Luiz Antonio da Silva e na qualidade de supplente Placido
Moreira de Carvalho
[332]
com domicilio no Pará. Apparece,
todavia, o ouvidor nas Côrtes como representante da comarca
de S. João das Duas Barras e é seu substituto
Lucio Luiz Lisboa. A explicação do facto
está na agitação politica que, em
seguida á queda do despotismo lavrou por todo o Brasil, e
não poupou a miseranda capitania, em caminho, contudo, de
emergir da penuria resultante do exgottamento dos veios de ouro e da
procura sem fructo de novas minas. De feito, proclamada a causa de
Portugal, os goyanos não se conformaram com aguardar a
constituição que haviam jurado para terem o
governo de sua eleição, e á
semelhança de S. Paulo e outras terras intentaram substituir
o capitão general por uma junta ou agregar-lhe
[272]
collaboradores de sua
nomeação. Não o
conseguindo era razão da resistencia do governador Manuel
Ignacio de Sampaio apoiado com efficacia nas forças
militares, os patriotas abandonaram a capital, uns constrangidos da
autoridade e outros livremente, mas todos concordes em estabelecerem a
administração na parte septentrional da
capitania. Theotonio Segurado, emprehendedor e querido,
pôs-se á frente do movimento
insurreccional, e na comarca da Palma, de sua
jurisdicção, promoveu a
criação da junta provisional, da qual se tornou
presidente.
Feitas as eleições e escolhido representante do
districto não hesitou em aceitar o encargo com mira de
alcançar das Côrtes o fraccionamento de Goyaz em
duas provincias, uma ao norte, outra ao sul
[333],
de conformidade com os
seus committentes. O prestigio de que gozava na capitania, qual nenhum
outro deputado tinha perante o seu eleitorado, e a circumstancia de ser
português, que nos levaram a occupar com
individuação dos antecedentes do prestante
alemtejano, nos induzem tambem a notar os seus gestos nas
Côrtes perante os negocios da America.
Esses tres mandatarios vinham encontrar os regeneradores e o governo de
Lisboa dispostos a domarem o Brasil pela força, uma vez que
resistia aos decretos da metropole e expulsava do seu seio os
regimentos do Reino. No Rio a divisão auxiliadora continuava
a teimar em não sahir da terra, sem que a rendessem novas
tropas enviadas de Portugal, mas em Pernambuco os
[273]
batalhões recentemente desembarcados com José
Maria de Moura se aprestavam a volver á Europa, coagidos do
Povo. O primeiro acto de hostilidade foi a
prohibição por via do consul de Portugal em
Londres de se exportarem armas e munições de
guerra para além-mar.
Assignala-o o correio Brasiliense e ao mesmo tempo que zomba da
providencia, empregada outróra sem exito pela Hespanha
contra as suas possessões revoltadas, com solicitude pelos
compatriotas lhes indica a composição da
polvora
[334]
Vergueiro requer explicação ao Governo
de semelhante medida capaz de irritar o novo reino com a
desconfiança de que o intentam bloquear
[335]. E o congresso em
vez de pedir simplesmente
informação ao governo, trata o requerimento como
se fôra projecto de lei, não deixando por isso
duvida ácerca de sua connivencia com o executivo.
Não bastava, porém, difficultar aos da America a
acquisição de armas para que fossem cumpridos os
decretos das Côrtes; urgia subjugal-os e isto se
não alcançaria senão pela
força. Os regeneradores tiveram então uma
idéa
diabolica. Estava por esse tempo em Montevideu a flor do exercito
lusitano que varrêra da peninsula os regimentos temerosos de
Napoleão. Eram os voluntarios reaes, e chamara-os D.
João VI ao Brasil para com elle se assenhorear da Banda
Oriental, que, dominada da anarchia nascida da lucta dos partidos pelo
poder, não podia offerecer resistencia á
invasão, solicitada, aliás,
[274]
por uma parcialidade, que julgava
não existir outro meio de dar tranquillidade a patria do que
a encorporar na nação portuguêsa. O
monarcha saíu com o intento, a pretexto da
insurreição determinar frequentes
incursões em seus dominios de Artigas para se por ao abrigo
dos adversarios. Após varios episodios, o estado oriental
reconheceu a soberania da corôa portuguêsa e,
até,
chegou, como as provincias brasileiras, a eleger deputado para as
Côrtes de Lisboa, retido, porém, no Rio pelo
regente, então em conflicto com o poder legislativo da
nação. A titulo da
occupação contrariar os principios de
justiça proclamados pela regeneração
mas na realidade para
não exacerbar a Hespanha, que não desistia de
seus direitos metropolitanos e, principalmente, para habilitar o
governo a submetter promptamente a opposição do
Brasil commissão
diplomatica constituida de Moura, Fernandes Thomaz, Xavier Monteiro,
Miranda e outros liberaes, afoitou-se a propôr a
evacuação de Montevideu e que
o exercito português ficasse á
disposição do poder executivo para lhe dar
«o ulterior destino que julgar conveniente».
Certamente que a boa razão não suffraga a
dominação de paiz vizinho por ferverem n'elle
discordias. Em taes occasiões prescreve a justiça
que a nação limitrophe se acautele de
irrupções provaveis em seu territorio por meio de
regimentos distribuidos na raia, e mais tarde exija do vizinho
indemnização dos damnos e perdas que lhe
occasionaram as suas luctas domesticas. Mas além da
justiça não passar de
idéal assás vago e sem
applicação entre as collectividades e os
individuos, a tomada de Montevideu de algum modo se justificava. Os
seus primeiros habitadores
[275]
haviam sido portuguêses, persuadidos de que os limites
meridionaes do Brasil ficavam na margem
septentrional
do Prata, e por mais
de dous seculos persistiu nos seus descendentes essa
pretenção, impugnada, todavia, pelos hespanhoes.
D'ahi procedeu controversia ardente e não raro
sanguinolenta, que, convenios successivos, em consequencia de
redacção pouco precisa, não
vingaram dirimir, até que o tratado de 1777 attribuiu a
Hespanha a propriedade das duas margens do rio. Altamente irritados com
esse accordo, os portuguêses da America valeram-se com
diligencia do rompimento das hostilidades, em 1801 entre as duas
metropoles, para o rasgar, e começaram a sua marcha
triumphante para o sul com o fim de restabelecer a
demarcação primitiva.
A reconciliação de Portugal e Hespanha
não fez os brasileiros largarem mão do proposito.
Allegavam agora que as commoções intestinas dos
estados platinos com trazerem em sobresalto os moradores da fronteira
do Rio Grande, os contragiam a procurar um ponto estrategico para
conterem as guerrilhas turbulentas, e esse não era outro que
a margem esquerda do Prata. D. João VI algum tempo
hesitante, senão contrario
á emprêsa, adoptou-a com enthusiasmo, sendo
informado de que o tratado de paz geral de 1814 o mandava restituir a
Guyana aos
francêses sem compensação, e que o
congresso de Vienna não cogitava de devolver a Portugal
Olivença, retida pela Hespanha. O menos bellicoso dos
monarchas resolveu então se desaggravar na America da
injustiça e menoscabo das grandes potencias, desde que se
não podia
desforçar dellas na Europa. Mandou vir cinco mil
[276]
homens aguerridos do seu exercito e os
collocou no extremo sul do Brasil sob o commando do general Lecor.
[336] A
presença dessas tropas disciplinadas, o desejo de socego por
parte da população, a crença de
algumas personagens conspicuas que a sujeição ao
vizinho mais poderoso restauraria a ordem na patria e tambem o suborno
dos chefes de algumas facções, determinaram a
Banda Oriental a encorporar-se na monarchia portuguêsa por
acto de 31 de julho de 1821. Aquillo, pois, que no começo
não passava de conquista insidiosa tornava-se por esse
documento annexação livre, que devia escapar
á
censura dos liberaes e punha D. João VI em boa attitude
perante a Hespanha, a Inglaterra e a França, que viam com
desprazer o alargamento dos dominios do soberano português.
Os brasileiros reprovaram com energia o alvitre da commissão
diplomatica, o qual, como vimos tendia a lhes tirar a fronteira
cobiçada ha seculos com as armas nas mãos e agora
readquirida sem derramento de sangue. Invocaram a posse primitiva
sanccionada por differentes convenios, a caducidade do tratado de 1777
em consequencia da guerra de Hespanha com Portugal em 1801 e mais que
tudo se firmaram no auto da encorporação.
Não concebiam
que a Hespanha se pudesse magoar com a annexação,
porquanto os estados platinos absolutamente autonomos eram livres de se
associar consoante as suas conveniencias. Desfaziam o argumento dos
regeneradores baseado na miseria do thesouro
[277]
de Portugal com a proposta de assumir o Brasil o encargo da
occupação, tanto mais que
já carregavam os paulistas a parte mais dura da
emprêsa, que era a defensão das fronteiras.
Batidos em todos os pontos, os magnates da
regeneração acabaram zombando do empenho dos
brasileiros em ter por limites aguas navegaveis. Replicou-lhes com
desdem o barão de Mollelos, militar experimentado, que
semelhante parvoice não merecia
refutação. O congresso depois de porfiados
debates não acceitou o parecer de Fernandes
Thomaz, de Moura, da commissão
diplomatica, em summa, não porque os successos do Brasil o
persuadissem da conveniencia de attender aos americanos nos negocios da
sua patria mas por outros motivos. Dos constituintes uns não
ousavam contrariar o soberano em cousa tão do seu
coração e outros pretendiam servir-se em tempo da
occupação para futuras
transacções com os hespanhoes ou com outro povo
no interesse exclusivo de Portugal.
[337]
Estreou então nas côrtes Fernandes Pinheiro
deputado por S. Paulo, que prestara juramento aos 27 de abril
[338]. Ha
mais tempo devêra tomar assento, não o fizera,
contudo, porque assistindo á sessão tempestuosa
de 15 de abril,
intimidara-se a termos de hesitar em fazer parte de uma
assembléa hostil aos collegas de
deputação. Trouxe para a bancada
cooperação valiosa,
demonstrada nesses debates em discurso que merecêra do
Correio Brasiliense o mais bello elogio
[339].
[278]
Infelizmente, como se colherá da
prosecução da narrativa, faltava-lhe a energia e
a resolução
que caracterizavam a bancada paulista.
Dos mandatarios de além-mar se singularizou pelo voto o
desembargador Segurado, aconselhando o abandono prompto de Montevideu
antes que fossemos forçados a evacual-a vergonhosamente
[340].
Os acontecimentos consagraram a previsão do alemtejano, mas
não deixa de causar mossa que um representante da America
désse semelhante aviso que tendia a por á
disposição da metropole forças
destinadas a reduzir os brasileiros. Seria tão inimigo da
independencia, que tambem entrevira
[341],
a ponto de a querer suffocar
pelas armas? Custa crel-o. Provavelmente não cogitara
daquelle effeito do parecer da commissão diplomatica, e
suppunha que, decretado o despejo da Banda Oriental, se frustraria o
intento infernal da regeneração com a ordem de
regresso ao Reino dos voluntarios reaes.
A sessão de 30 de abril se não assignalou somente
pela questão de Montevideu mas tambem por incidente que deu
a Barata mais renome que os seus discursos de áspera ironia,
que as suas convicções extremadas, que a
Sentinella da Liberdade
[342]
e que a sua prisão politica:
Barata aggrediu Pinto da França.
O episodio mereceria apenas rapida menção se
não repercutira com estrondo no Brasil e não
andara associado ao nome do famoso bahiano
[279]
como o documento mais eloquente de seu fervor
patriotico. Naquella reunião receberam-se no congresso
officios de Madeira expondo as occorrencias da Bahia no acto de tomar
posse do commando das armas. A municipalidade, apoiada em
representação de mais de quatrocentos
cidadãos, protestou contra a nomeação
do official
português e pedia continuasse no
posto
o brigadeiro Manuel
Pedro de Freitas Guimarães, natural do Brasil e muito
querido. A junta governativa, não ousando desatar a
difficuldade, chamou em conselho as autoridades, os membros
proeminentes do clero, e as personagens conspicuas da terra para
resolverem o negocio que inquietava a cidade. Depois de longa
discussão, protrahida até
a madrugada, a assembléa entendeu dirimir a pendencia
confiando o cargo disputado a uma commissão presidida por
Madeira e da qual farião parte Manuel Pedro e mais cinco
officiaes, dous escolhidos pelo militar português e dous pelo
seu rival brasileiro. A sorte designaria o setimo membro do governo
militar. Dizia Madeira que aceitara o alvitre, apesar da reluctancia de
seus subordinados em consentir fosse frustrada uma carta regia por
outro poder que não as Côrtes. Divulgada
semelhante
resolução, os soldados da terra acommetteram o
quartel português, pelo que as tropas do Reino sahiram a
repellir os aggressores e a lhes sitiar o forte. Restrugiu o
canhão de parte a parte, mas em menos de 24 horas, rendidas
as fortalezas e dispersos os batalhões brasileiros, com a
fuga de uns e o desarmamento de outros, Madeira restaurava a ordem e
assumia o commando contra a determinação da
assembléa. Assim rezavam os officios.
[280]
Aos brasileiros não causou surprêsa a
opposição movida contra a escolha de Madeira,
desestimado na terra desde a acclamação do nosso
regimen. Aconselhara nesse dia ao capitão general conde da
Palma resistencia ao movimento liberal, e se não
fôra a audacia e destreza do brigadeiro Manuel Pedro
não se faria sem sangue e tão promptamente a
adhesão da Bahia
á causa de Portugal. Não era o unico acto que
desluzia o official do Reino no conceito publico. Ignorante, estupido e
singularmente credulo, esteve a pique aos 12 de julho de
lançar os reinoes contra os indigenas, em consequencia de o
ameaçarem de assassinato em carta anonyma. A escolha de
semelhante homem com preterição de Manoel Pedro
de patente superior e empossado no cargo desde 10 de fevereiro por
assenso dos povos, conculcava as conveniencias politicas, affrontava o
sentimento publico e por isso determinara a revolta. Pinto da
França concordava rigorosamente com os collegas
ácerca do desacerto da nomeação, e
até o declarara aos
ministros da marinha e de extrangeiros em uma das reuniões
da commissão dos negocios do Brasil
[343], divergia
porém, dos amigos no tocante a Manuel Pedro. Sem contestar
os seus serviços valiosos prestados á causa
liberal, não o julgava idoneo para o cargo nas
circunstancias actuaes, por lhe regatearem confiança as
classes conservadoras
[344].
Encerrado o debate com a resolução de se
[281]
submetterem ao governo os officios de
Madeira, Barata, que se conservara mudo, saíu do recinto, e
num dos corredores topou um grupo que discorria sobre o acontecimento
da Bahia. Nelle estava Pinto da França a exprobar Manuel
Pedro por se haver recusado entregar o commando militar a Madeira
regularmente provido. Assim o queria a disciplina. Barata, o idealista
Barata a quem leis sem espirito de justiça não
passavam de abuso de poder, e não deviam ser respeitadas,
explodiu acerbamente contra o collega. Trocaram-se injurias e os
contendores resolveram desaffrontar-se por meio das armas. No alto da
escada, porém, o sexagenario, no paroxysmo da colera, atirou
o adversario pelos degráus abaixo
[346].
Attribuir-lhe a
intenção de maltratar perfidamente o contrario,
é desconhecer a força irresistivel das naturezas
violentas e impulsivas, as quaes se não compadecem com a
premeditação e estouram com a inconsciencia da
polvora ao contacto do fogo. Nas Côrtes, onde ainda se
não dera episodio egual, a occorrencia
tomou
proporções
exageradas. A commissão de policia e a commissão
de regimento interno pronunciaram-se severamente contra o
férvido ancião, propondo a ultima a sua
exclusão da assembléa até que a
justiça ordinaria
julgasse o crime
[347].
Lino Coutinho e Antonio Carlos impugnavam o
parecer por applicar pena sem devassa e prevenir, por conseguinte, o
animo dos juizes.
[282]
Quem era o delinquente? perguntavam com o intuito de crear
confusão no interesse do collega querido. Borges Carneiro
com argumentos juridicos ponderosos vem-lhes em auxilio, e as
Côrtes subscreveram o seu alvitre, que era sujeitar o caso a
um tribunal de deputados consoante o regimento interno do congresso
[348].
Neste meio tempo correu voz de duello entre os adversarios, e
Feijó aterrado supplicou a
intervenção do parlamento para os acalmar
[349].
Não consta dos annaes a decisão do tribunal, que
chegou todavia, a se constituir em 25 de junho
[350]. O restabelecimento
de Pinto da França, ferido no rosto e contundido em outras
partes, a acção anesthesica do tempo sobre a
sensibilidade moral, os successos graves do Brasil e talvez, a
intervenção generosa do aggredido, fizeram os
julgadores não exercer o mandato. Barata que se excusava de
não comparecer nas Côrtes, em 20 de junho voltou a
tomar parte nos trabalhos legislativos significando desse modo que, se
não considerava morto o incidente, ao menos já
lhe não temia as consequencias para o seu mandato.
Não cessavam de resoar na alma dos regeneradores as palavras
estonteadoras de Madeira lidas em 30 de abril. «Se V. M. quer
conservar esta parte da monarchia, precisam-se mais tropas...
É tambem de primeira necessidade que existam sempre aqui
algumas embarcações de
[283]
guerra. Mediante taes providencias terei
a felicidade de conservar nesta parte do mundo a indivisibilidade da
monarchia portuguêsa».
Negado pelas côrtes o despejo de Montevideu, que permittiria
reforçar a guarnição
da Bahia com tres mil e quinhentos voluntarios reaes, não
havia outro meio de corresponder á sollicitude do
commandante das armas senão desfalcando o exercito do Reino.
Era, porém, este tão minguado que não
soffreria
reducção sem perigo para a patria, principalmente
agora que se toldavam os horisontes politicos da Peninsula. A
reacção emergia na Hespanha animada da Santa
Alliança, e em Lisboa fôra decretada por um
mês a suspensão das garantias individuaes por
melhor se acautelar a ordem contra os absolutistas
[351]. Nisto
divulgaram-se aos nove de maio os successos do Rio que demonstravam a
disposição do ultramar de se constituir sem
dependencia do parlamento.
José Bonifacio ministro dos negocios do Reino e extrangeiros
aconselhava a D. Pedro a criação de um conselho
de procuradores eleitos pelas provincias com o duplo fim de
restabelecer a auctoridade da regencia sobre todo o Brasil e de prover
ás necessidades geraes da antiga colonia e ás
particulares das capitanias. Como se não bastara
tão pungente menoscabo do poder legislativo do Reino, o
principe communicava a situação desesperada da
divisão
auxiliadora, que, acantoada em Nictheroy ou havia de tomar aos
[284]
5 de fevereiro o caminho da Europa, que
o povo lhe apontava com arrogancia, ou morrer de fome
[352].
Houve indignação por toda a Lisboa, e o governo
tratou de servir Madeira, que desaffrontava galhardamente os brios do
velho Portugal nos dominios revôltos, sem se preoccupar com o
descalabro do thesouro e do exercito. Publicaram-se editaes convidando
os proprietarios de navios a fazerem propostas para o transporte de
tropas para a Bahia.
Nada irrita mais uma colonia em discussão com a
mãe patria do que esta trancar o debate com
expedição militar. É a forma mais
brutal do despotismo e rebaixa o povo á
condição de escravo que não
póde pleitêar os seus
interesses com o senhor. Os individuos determinados julgam-se em taes
conjunturas com direito ás represalias mais extremadas. Os
americanos do Norte proeminentes legitimavam o assassinio
não só d'aquelle que pedia batalhões
ao governo britannico, mas ainda dos pobres soldados inglêses
em serviço na America
[353].
No Brasil,
seja
dito de passagem, as cousas não
chegaram
a
esse ponto: nunca um brasileiro de valor intellectual ou social
auctorizou violencias sanguinolentas contra os reinoes.
Inquietaram-se os bahianos com a resolução do
governo, e requereram ás Côrtes fizessem o
ministro sustar a expedição para serem ouvidos
[285]
sobre ella os mandatarios da America.
Todos os pernambucanos, salvo Malaquias impedido, todos os paulistas e
os unicos representantes da Parahyba, Espirito Santo e Santa Catharina,
o alagoano Martins Ramos, o fluminense Villela e o goyano Segurado se
empenharam em assignar aquelle documento em testemunho de solidariedade
das suas provincias com a Bahia. O Maranhão (Beckman e
Belford) e o Pará (D. Romualdo) não accudiram ao
appello.
Houve, porém, uma terra vizinha, sem commercio e sem minas,
conhecida da metropole tão sómente por suas
calamidades que revelou não ser esse sentir commum ao Brasil
septentrional e se associou aos irmãos do Centro
[354]. Era o
Ceará. No primeiro decendio de maio haviam entrado no
congresso os seus representantes Antonio José Moreira,
Manuel do Nascimento Castro e Silva, Manuel Filippe
Gonçalves e José
Martiniano de Alencar. O ultimo era o primeiro substituto e occupou a
cadeira de José Ignacio Gomes Parente, que, em
razão de enfermidade chronica aggravada recentemente,
desistira do cargo apenas eleito
[355].
Pedro José da Costa
Barros, outro deputado, que se achava no Rio de Janeiro no momento da
eleição, deixou-se ahi ficar sem que jamais lhe
preenchesse o logar o segundo supplente Manuel Pacheco Pimentel. Era
notorio o liberalismo do padre Moreira e de Castro e Silva. Aquelle
mostrára sympathia pela revolta pernambucana de 1817, e este
promovêra
[286]
o juramento das bases da constituição e o
estabelecimento da junta governativa vencendo a reluctancia do
capitão general Francisco Alberto Rubim
[356]. Nos
serviços á liberdade,
porém, ninguem se avantajava á
Alencar. Ainda menor e estudante em Olinda quando estalou o levante
Pernambuco, alcançou, todavia, dos chefes rebeldes a
missão de fazer proselytos na villa do Crato, terra de seu
nascimento. Preso immediatamente e transferido para as masmorras da
Bahia, juntamente com a mãe, ahi expiára
duramente a sua imprudencia juvenil
[357].
Julgado urgente o requerimento dos bahianos, nessa mesma noute em
conselho demorado reuniram-se os brasileiros em casa de Lino Coutinho
para determinar a orientação do debate
[358]. No dia
immediato instaurou-se a discussão, não sem
surprêsa dos ultramarinos, que, attentos os usos do
parlamento, não pensavam se iniciasse
tão promptamente o exame da proposta. O motivo da diligencia
não podia ser outro senão a anciedade do povo de
Lisboa por conhecer a solução do negocio. Os
clubs e as lojas do Chiado regozijavam-se, em verdade, com o acto do
governo e verião com prazer o exercito inteiro de Portugal
escoar-se para a America afim de, sob o commando de Madeira,
restabelecer ahi o prestigio da metropole. Coube primeiro a palavra a
Lino Coutinho.
[287]
Não acerta, disse, com o motivo de
expedição militar contra provincia que
não está em revolta. A Bahia presta
adhesão ao regimen constitucional com o fervor dos primeiros
tempos e não cogita de se separar da monarchia. O que ahi
occorreu não passa de briga entre dous militares, Madeira e
Manuel Pedro. Este não queria largar mão do
commando das armas, que exercia provisoriamente, mas com applauso de
todos, e aquelle investido do mesmo posto pelo governo de Lisboa,
tratou de se apoderar delle, e conseguiu-o pela violencia. Para
desfazer a disputa cumpre prudencia e não armas; e porem-se
batalhões ao serviço de um dos adversarios revela
a parcialidade de Portugal e vai accirrar o
descontentamento
de outra parte, tanto mais que o Brasil
não quer tropas europeias. Devolveu-as Pernambuco, e o Rio
acaba de as fazer sahir. Se corre perigo a integridade da monarchia,
não é a
força armada que restabelecerá a
confiança, como
judiciosamente assignalou o principe regente, o principal interessado
na união. De mais, que valeram os regimentos britannicos e
hespanhoes quando os Estados Unidos e Buenos Ayres resolveram
emancipar-se? Não contestava competir ao governo, em
consequencia de ser o responsavel pela tranquillidade publica, a
disposição da
força armada; mas semelhante poder
não
é de natureza
especial para escapar á fiscalização
do congresso.
A esse discurso moderado e prudente Moura respondeu com o desabrimento
de tribuno saborêado do vulgacho. Desvenda o pensamento
hediondo da regeneração, que é tornar
a Bahia o acampamento de Portugal de onde se irradiarão as
hostes contra os povos recalcitrantes aos decretos das
Côrtes. Fala com desdem da população
[288]
do Brasil, inclinada á
anarchia em consequencia de a constituirem «negros, mulatos,
brancos creoulos e brancos europeus»... «A
heterogeneidade destas castas põe paixões
diversas em effervescencia, e esta agitação
não
pode ser contida nos seus respectivos deveres senão pela
força, e a força indigena não
é capaz de os conter: é sim antes capaz de
promover as mesmas desavenças porque se compõe
dos mesmos elementos». Era difficil a esse liberal ardente
que pregava sem cessar o direito dos povos de se governarem a seu
gosto, conciliar a doutrina com a defesa de um acto que presuppunha o
desconhecimento formal daquelle
direito. Esfalfou-se, por isso em explicar
que approvava a expedição,
não por ser elle contrario á independencia, mas
porque esta contrariava a opinião dominante em
além-mar.
Podia-se-lhe responder que não havia necessidade de
batalhões, e batalhões europeus, para reduzir
semelhante minoria; mas Araujo Lima teve uma replica fulminante. O
respeito da vontade geral da America, ponderou, que persuadia o
brilhante regenerador a impugnar a facção
separatista, devia agora pol-o ao lado dos
brasileiros; porquanto se havia em além-mar um sentimento
unanime e formulado com nitidez, era a aversão aos
regimentos da metropole. Delles todos se queixavam, Pernambuco e Rio
repelliram-nos com as armas; e no entanto qual era a attitude do Moura?
Promover e animar essas expedições negregadas.
Castello Branco, muito prolixo e mellifluo, se surprehendia da
apprehensão inspirada aos americanos pelas tropas do Reino
possuidas do mais fervente liberalismo. Os brasileiros advertiram que
os militares portuguêses que merecem
[289]
louvor das cidades da metropole para onde
são transferidos, destacados ao ultramar, presumem que se
acham entre povos inferiores ou conquistados; tornam-se altaneiros e a
cada passo molestam o melindre dos camaradas da terra. Resentidos,
estes não deixam escapar ensejo de reagir, e d'ahi
conflictos mais ou menos cruentos. Não são isto
assertos da imaginativa. Onde não ha
forças portuguêsas domina a tranquillidade;
Pará, Maranhão, Ceará e Rio Grande do
Sul que as não tiveram, vivem em paz. Em Pernambuco a
retirada do batalhão do Algarve e do general Luiz do Rego
restituiu á provincia socego, de que se achava privada havia
tantos annos. Está fresca na memoria de todos a carnificina
da Praça do Commercio fluminense pela divisão
auxiliadora.
Na Bahia os regimentos lusitanos não procedem de modo
diverso. Iniciaram os seus feitos matando a abbadessa do convento da
Lapa, venerada pela
prelazia,
virtudes e edade, e vão servir
ao general Madeira, detestado dos povos, mal visto da Camara, cuja
auctoridade desconheceu por haver assumido o commando sem
préviamente submetter ao «cumpra» d'ella
o seu titulo de nomeação.
Importa notar que Madeira com dispersar os batalhões
indigenas e se apoderar dos arsenaes, annullou os adversarios e pode,
portanto, encarar o futuro com desassombro sem necessidade de
reforço, gravoso, aliás, ás
finanças depauperadas da provincia
[359].
O debate proseguiu no dia immediato precedido
[290]
de incidente que lhe deu novo
estimulo. Jorge de Avilez receoso
de incorrer na censura do monarcha, em consequencia do conflicto com o
regente, procurou seduzir as Côrtes com cumprimentos
férvidos. O presidente devia archivar simplesmente o
documento, mas os regeneradores exaltados não consentiam que
o parlamento acolhesse sem expressão de gaudio as
demonstrações de estima de official determinado a
guardar os decretos legislativos com a espada. Os brasileiros e outros
constituintes perfilhavam o voto de Guerreiro: como D. Pedro accusava
Avillez, emquanto este se não justificasse perante os
tribunaes, não era licito ás Côrtes
exprimirem o sentimento com que ouviram as suas
congratulações. Antonio Carlos falou com lucidez
e independencia. «Este congresso não commetteu a
execução das suas ordens ao general Avillez;
commetteu-as ao governo, e este ao seu delegado. Se o delegado obrou
mal, ao delegado cumpre responder, e não ao general tomar
contas ao delegado; aliás adeus, governo: ás duas
por tres estava tudo perdido. O principe regente ha de responder, ha de
se lhe pedir contas de sua conducta».
Venceu o alvitre de Guerreiro, depois de militares deputados terem
considerado suspeito de indisciplina o comportamento do commandante da
divisão auxiliadora. Mostrou a discussão que a
divergencia do Pará e Maranhão com as outras
provincias se acentuava mais e mais. De feito o bispo do
Pará e Beckman, do Maranhão, acompanharam,
não sabemos por que motivo, os energumenos radiantes com o
gesto do general
[360].
[291]
Irritados com a derrota, os regeneradores se empenharam na
discussão da vespera com maior vehemencia. Encetou agora o
debate Borges Carneiro, que procurou avigorar a sua popularidade,
abalada nos gremios e nas ruas, em virtude da
disposição generosa anterior de
attender aos desejos do ultramar, com as violencias habituaes de Moura.
Como este, o luminoso regenerador lamentou a exiguidade das
forças destinadas ao Brasil; pedia que fossem para a Bahia
ao menos dous mil e seiscentos homens que, reunidos aos 1.400
existentes na provincia, constituirião exercito
assás poderoso para conter as facções;
mas, e nisto divergia dos consortes, queria a
expedição acompanhada de
resoluções a favor da America.
«Mostre-se ao Brasil, exclamou todavia com estouvamento, que
o não queremos avassalar como os antigos despotas:
porém contra os faciosos e rebeldes, mostre-se que ainda
temos cão de fila ou leão tal, que se o soltarmos
ha de os trazer a obdecer ás
Côrtes, ao Rei, e ás authoridades constituidas no
Brasil por aquellas e por este».
Do longo discurso de Borges Carneiro nada commoveu mais os brasileiros
que esse trecho, e os proceres da deputação
entenderam que não devia passar despercebido.
«Advirto o illustre deputado, bradou Villela Barbosa, que ali
tambem se sabe açaimar cães; que nas veias dos
brasileiros tambem gira sangue português e que já
hoje ali se não hão de receber leis
com o arcabuz no rosto». Lino Coutinho
exclamou: «Contra os cães atiraremos
onças e
tigres.»
Ninguem, porém, ultrapassou em violencia e audacia Antonio
Carlos: «Declaro que o Brasil não está
em estado de temer as fatuas ameaças
[292]
com que o
pretendeu intimidar o snr. Borges Carneiro: para cães de
fila ha lá em abundancia páu, ferro e bala, e nem
nos podem assustar cães de fila aos quaes fizeram fugir
dentadas de simples cães gozos.»
Referia-se á divisão auxiliadora recuando deante
das milicias mal armadas.
Ninguem contesta ao poder executivo, incumbido de assegurar a paz
publica, a faculdade de destacar regimentos para os pontos em
convulsão, sem necessidade de consultar ás
Côrtes, mas tambem ninguem nega ao Congresso o direito de
fiscalizar os actos do governo, e entre estes nenhum avulta ao emprego
da força armada. Despojal-o desta
attribuição a fim de evitar a confusão
dos poderes, envolve
diminuição moral da assemblêa nacional,
pois que a reduz a julgar faltas e não a prevenil-as. Assim
pensavam os brasileiros, e se surprehendiam dos escrupulos dos
constituintes que a cada passo invadiam a esphera de
acção do executivo. Lembraram muito a proposito
do caso recente do provimento da corregedoria do Lamego, que occupara
uma longa sessão. Se ha assumpto, diziam, de
alçada
administrativa é a nomeação de
funccionarios e se ha materia secundaria para as Côrtes
é a
designação de magistrado para cidade de terceira
ordem. Quando se quer discutir uma providencia governamental prenhe de
effeitos funestos, o parlamento entra-se de respeito religioso pela
divisão dos poderes e procura trancar o debate.
Havia, demais, uma circumstancia a favor da doutrina dos brasileiros. A
commissão dos negocios politicos do Brasil propuzera se
não mandassem tropas ás provincias americanas sem
que as pedissem as suas juntas governativas, e a Bahia
[293]
não as havia sollicitado. Não
fóra ainda submettida á discussão a
proposta; um governo, porém, prudente não devia
encontrar uma medida formulada por commissão importante das
Côrtes. Trigoso, moderado e circumspecto, e por isso suspeito
aos regeneradores, comprehendeu a importancia do argumento mas sem
coragem para se oppôr a um acto administrativo considerado
patriotico, ao mesmo passo que o justificou quiz saber se o conselho de
estado fôra ouvido ácerca d'elle e qual o ministro
que assumia a responsabilidade da medida. Não teve resposta.
Não era licito attribuir o descontentamento da America ao
espirito de revolta sem provar que este existia independentemente dos
decretos recentes. Não o fizeram os regeneradores;
limitaram-se a proclamar que as bases da
Constituição declaradoras dos direitos e
vantagens dos cidadãos eram communs ao Brasil e ao Reino, e
não perderam o ensejo de fazer os protestos habituaes de
amor aos povos ultramarinos.
Moura, porém, teve a lealdade de affirmar que
jámais consentiria exercesse a regencia da antiga colonia o
successor da Corôa. Não havia, comtudo, medida
pleiteada com mais calor no Brasil meridional que essa. Os brasileiros,
receosos de comprometterem a causa com questão descabida e
irritante, se não preoccuparam della mas responderam com
vigor ás generalidades. As bases da
Constituição, retorquiram, causaram na verdade
prazer ao Brasil com assegurar a egualdade mais perfeita de direitos
aos portuguêses de um e outro lado do Atlantico,
principalmente com prometter que as Côrtes não
legislarião para o ultramar sem o concurso de seus
mandatarios.
[294]
O Congresso,
porém, não guardou o compromisso solemne.
Organizou os governos provinciaes, supprimiu os tribunaes do Rio e
determinou o regresso do principe na ausencia da maioria da
deputação brasileira, isto é,
reformou completamente a administração do reino
americano sem audiencia dos interessados. Allega agora que constituindo
o governo das provincias como decretou, não fez mais que
sanccionar o systema estabelecido pelos mesmos povos no acto de
acclamarem o regimen constitucional. Ha todavia, uma
differença profunda entre a
administração creada pela provincia e a imposta
pelo parlamento. Naquella a junta exercia auctoridade suprema sobre a
fazenda, o exercito, sobre todas as repartições,
ao passo que o Congresso quebrou a unidade salutar do governo tornando
o commando das armas e a mêsa da fazenda independentes do
executivo provincial. É contra o enfraquecimento extremo do
poder local eleito directamente pelo povo e contra a sua impotencia
perante os descommedimentos do governador militar e os abusos do fisco
e do erario, subordinados immediatamente e exclusivamente á
metropole, que clamam os brasileiros, esbulhados de seus direitos.
Com os decretos das Côrtes a situação
politica dos ultramarinos peiorou, não só em
comparação com o que as provincias criaram,
senão tambem relativamente ás vantagens que lhes
resultavam do regimen colonial. Então nas capitanias
promoviam-se postos até a patente de major; o
capitão general e a junta da fazenda preenchiam cargos civis
e os bispos por via de commissão examinadora creavam
parochos e vigarios. Hoje os accessos de qualquer categoria
[295]
sahem do ministerio, de Lisboa; os
pretendentes aos empregos publicos, civis ou ecclesiasticos, devem vir
buscar a nomeação em Portugal, por que
são obrigados a concursos, realizaveis somente na capital da
metropole.
Os regeneradores, que, na sessão precedente haviam allegado
que por falta de disciplina os batalhões brasileiros se
não achavam em termos de reduzir as
facções, agora mais exaltados
duvidavam de sua coragem. Foi ainda Moura o imprudente, assignalando
que duas companhias de Madeira desarmaram um regimento. No Brasil pode
haver facciosos como os ha em Portugal, redarguiu Villela Barbosa, mas
para as soffrear, bastam as forças da terra, de cujo valor
dão testemunho o batalhão do Algarve e a
divisão auxiliadora que não ousaram defrontar-se
com ellas. São factos que em sua forte simplicidade vencem a
eloquencia dos que as intentam vilipendiar neste recinto.
Os oradores não fazendo mais que repetir os argumentos, o
presidente julgou encerrado o debate depois de falar Xavier Monteiro,
um dos mais resolutos constituintes, que patenteou o designio da
regeneração de congregar na Bahia exercito
assás forte para resguardar o norte da desobediencia
ás Côrtes, em progresso no sul do novo reino. Por
80 votos contra 43 ou 44
[361],
o congresso resolveu rejeitar a proposta
bahiana, que pedia ao governo não fizesse a
expedição sem ouvir os mandatarios de
além-mar
[362].
Salvo
[296]
Malaquias, de Pernambuco, enfermo e Barata impedido,
compareceram ás duas sessões memoraveis
todos os deputados da America; mas desgraçadamente houve
tres dissidentes. D. Romualdo, Beckman e Lemos Brandão
bandearam-se com os portuguêses
[363].
Calaram as
razões do seu acto; facil é, todavia, atinar com
a causa do comportamento dos dous primeiros. O Pará e o
Maranhão que representavam, se haviam tornado dependencias
de Portugal, e não do Brasil, desde 1624 por ser a
navegação para o Sul, contrariada
de constante vento léste e das correntes maritimas, lenta e
penosa. Os seus habitantes vinham, pois, procurar os recursos judiciaes
e administrativos em Lisboa em vez de os buscar na séde do
governo geral da America portuguêsa, como praticavam as
outras capitanias. Demais, ao passo que em todas as mais provincias
estava em decrescimento a influencia dos reinoes, ella mantinha-se
naquella parte decisiva nos negocios publicos e na opinião.
Timoratos e conservadores, o bispo e Beckman não ousavam
reagir contra a
tradição secular do berço nem contra o
partido dominante nella, e entendiam faltar á fé
do mandato se associassem aos seus compatriotas do sul contra os
lusitanos. A explicação do voto de Lemos
Brandão não se acha em factos externos mas na
nullidade absoluta do «bom homem da
roça» como o designa com piedade repassada de
desdem o seu contemporaneo Vasconcellos Drummond.
Acompanharam os deputados do Brasil seis ou sete constituintes
portuguêses, dos quaes conhecemos tres por haverem declarado
o voto.
[297]
São elles Corrêa de
Seabra e Osorio Cabral, deputados da Beira, e Peixoto, do Minho. Nenhum
delles era regenerador. Tirante Fernandes Thomaz, doente, tomaram parte
no debate as figuras proeminentes do lado português, quaes
Moura, Borges Carneiro, Castello Branco, Pereira do Carmo e Trigoso, e
os astros de primeira grandeza da bancada brasileira, Antonio Carlos,
Lino Coutinho, Villela Barbosa, Borges de Barros, Araujo Lima, Moniz
Tavares e Marcos Antonio, o sabio, consoante D. Romualdo de Seixas. Se
dos oradores de Portugal occupou o primeiro plano no debate Moura,
ninguem excedeu a Lino Coutinho na copia dos argumentos e dos factos
justificativos das queixas do Brasil contra as Côrtes, os
batalhões do Reino e os commandantes das armas e ninguem
orou com eloquencia tão vigorosa, tão commovente
e tão
captivante.
Nunca os brasileiros se haviam manifestado com egual conformidade de
sentimentos e nunca manifestaram maior empenho em conquistar a
assembléa. Mostraram-se destros e condescendentes e
não foram aggressivos senão em
defêsa.
Conhecida a votação, Borges de Barros, muito
commovido por antever os soffrimentos do berço com o
reforço do elemento oppressor, e desenganado das
Côrtes, declarou que o seu comparecimento ás
sessões de ora avante era o mais duro sacrificio que lhe
impunha o mandato
[364].
De feito não mais fez propostas, as
bellas propostas reveladoras do nobre sonho de ver a patria
transformada na mais invejavel morada dos homens pela
instrucção, liberdade e
[298]
justiça e só excepcionalmente interveio nos
debates. Os collegas adheriram tambem a essa
resolução, consoante o accordo estabelecido na
reunião em casa de Lino Coutinho
[365].
Não tardaram
porém, em a pospôr, aconselhados da boa
razão, que não suffraga semelhante
concepção do cargo, a despeito do reparo
justissimo do Correio Brasiliense: «Os deputados do Brasil de
nada servem senão de testemunhar os insultos
feitos ao seu paiz, porque o seu
pequeno
numero os deixa sem influencia e só por acaso apparece
alguma cousa em que a justiça do Brasil seja
contemplada»
[366].
Lisboa acclamou com jubilo a determinação do
Congresso. Em honra da mentalidade portuguêsa importa dizer
que o mais notavel jornalista da épocha não
participou do enthusiasmo geral. Não só profligou
a
expedição, senão tambem
propôs a revocação á
metropole de todos os militares destacados no reino ultramarino, e
capitulou de grande erro politico a união pela
força
[367].
Resulta com evidencia dos debates, dizemol-o com mágua, que
se a mãe patria não
expediu forças avultadas contra os da America, devemol-o
não ao liberalismo das Côrtes e do povo de Lisboa
nem
á supposta
brandura dos
irmãos mais velhos, mas unicamente ao vazio do erario, em
atrazo ha mais de um anno com os vencimentos dos funccionarios.
CAPITULO XVII
SUMMARIO:
Embarque da divisão auxiliadora.―O desfecho
da expedição de F. Maximiliano de Sousa.―A
convocação do conselho de estado.―Votos dos
governos do Rio, de Pernambuco e de Minas e da camara do
Rio.―Necessidade de assembléa legislativa no
Brasil.―Effeito nas Côrtes das cartas de D.
Pedro.―Vão estas á commissão
especial.―Moura oppõe-se a que as Côrtes recebam
uma
representação da junta de S. Paulo.―Os
brasileiros pedem a responsabilidade do ministro e de Madeira.―O
parecer da commissão de
constituição.―Perdão aos degredados
da revolução de 1817.―Triumpho de Fernandes
Thomaz.―Novos membros da commissão especial.―Voto em
separado de Moura, de Ledo, Pinto da França, de Almeida
Castro e de Vergueiro.―Anciedade de Lisboa.―Borges
Carneiro.―Bueno.―Moura e o juramento das Bases.―Castello
Branco.―Vergueiro.―Guerreiro.―Antonio Carlos.―Serpa
Machado.―Corrêa de Seabra.―Alencar.―Barata.―Lino
[300]
Coutinho.―É
approvado o parecer da commissão sem
alteração capital.
Resolvida a remessa de tropas para a Bahia, os constituintes
portuguêses querendo inculcar que entendiam reger a America
não só com a força, proposeram se
creasse uma commissão de deputados brasileiros com o encargo
de formular os artigos da constituição relativos
ao novo reino
[368].
Apenas nomeada, soaram novas do ultramar que
desnortearam o Congresso. A divisão auxiliadora
fôra mais uma vez vencida, pois não lograra
demorar-se no Brasil até á chegada do regimento
provisorio que a devia render. D. Pedro alcançando que Jorge
de Avillez mirava aguardar esses oitocentos soldados para com elles
avassalar a cidade e constrangel-a a observar os decretos das
côrtes, intimou-lhe a sahir barra fóra com os seus
homens sob pena de os considerar inimigos e os anniquillar entre os
fogos de terra e de mar. Partido afinal aos 15 de fevereiro o exercito
lusitano, o regente entrou a reorganizar o novo reino. Foi o seu
primeiro acto o decreto de 19 de fevereiro assignado por
José Bonifacio na qualidade de ministro do Reino. Creava a
nova resolução um conselho de procuradores geraes
das provincias, nomeados pelos eleitores de parochia reunidos nas
cabeças de comarca com as seguintes
attribuições:
Responder ás consultas que lhe
fossem
submettidas pelo
regente ou informar sobre os projectos relativos á
administração geral e
provincial;
[301]
Propôr as medidas mais convenientes á
federação luso-brasilica, ao Brasil e as suas
provincias.
Por cada quatro deputados em Côrtes a provincia designaria um
procurador mas nenhuma provincia teria mais de tres
procuradores.
[369].
Assistia ás Camaras
Municipaes em
vereação geral e extraordinaria o direito de
revogar o mandato, aliás indefenido, dos conselheiros.
Semelhante acto julgado exotico por Antonio Carlos
[370] e que tinha o
defeito de deixar sem procuradores as terras que davam menos de quatro
deputados, não deslustra, contudo, o espirito de
José Bonifacio. Urgia firmar a todo o custo no Brasil
inteiro a auctoridade de D. Pedro, desconhecida pelas juntas, para
salvar a integridade do novo reino, e não havia meio mais
habil para attingir esse resultado que mostrar o principe desvelo pelos
povos com os ouvir ácerca de seus interesses. O decreto,
como inculcam os seus fundamentos, tambem visava apparelhar a
nação para o governo constitucional, repugnando a
intelligencia disciplinada do egregio paulista fazel-a passar do
despotismo ao regimen representativo sem preparo, e este não
podia ser senão a deliberação em
commum dos representantes a respeito das necessidades das suas
provincias e o contacto delles com a
administração suprema.
O activo governo do Rio tratou em seguida
[302]
de se acautelar contra o desembarque das
tropas de Portugal, as quaes por esse tempo deviam sulcar as aguas
americanas, determinando a junta de Pernambuco que á
passagem dellas, notificasse ao commandante a
resolução da regencia de as não
receber e ao mesmo passo não deixasse de as prover
promptamente de refrescos para tornarem sem perda de tempo a Europa
[371].
A flotilha já havia levantado ferro do littoral pernambucano
e proseguia na sua rota. Aos nove de março surgiu na ilha
Rasa. D. Pedro apressou-se a recebel-a em armas, e da fortaleza de
Santa Cruz partiu a ameaça de bombardeio, caso tentasse
penetrar na
bahia.
Convidados a comparecerem no paço imperial o chefe naval e o
coronel do regimento, ahi souberam de D. Pedro que os desatinos da
divisão auxiliadora a tal extremo de
indignação haviam levado os animos, que elle os
não toleraria na capital sem conhecer dos seus intentos
[372].
Ou por prudencia ou por convicção de
não
poder a esquadrilha forçar a barra, que a estrategia por
longos annos considerou efficazmente defendida com os
canhões de Santa Cruz, os officiaes protestaram por escripto
obedecer ao Regente e não intervir nos negocios
politicos
[373].
A declaração tranquillizou os
espiritos e permittiu aos officiaes munirem-se com segurança
de provisões para o regresso. D. Pedro escreveu triumphante
ao pai: «A obediencia dos commandantes fez com que
[303]
os laços que uniam o Brasil a
Portugal, que eram de fio de retrós podre, se
reforçassem com amor cordial á mãi
patria»
[374].
Resguardados da expedição, entendeu o conselho da
regencia
indemnizar-se do sobresalto que ella lhe causara, e D. Pedro teve um
alvitre que divertiu os deputados brasileiros e exasperou os
regeneradores. Encorporou na armada da America a fragata Real Carolina,
uma das joias da flotilha, e attrahiu ao exercito do Brasil 394
praças das forças expedicionarias com reduzir o
serviço militar a tres annos. E o principe que de tudo dava
conta ao pai disse com gravidade: «Dou parte a V. M. como
é meu dever, que uma grande parte da soldadesca do regimento
provisorio passou por sua mui livre vontade para os corpos do exercito
deste reino, e egualmente participo que eu não quis que
official algum passasse a fim de não corromperem os soldados
e poder manter a união do Brasil com Portugal.»
Mais de uma vantagem enxergava D. Pedro nesse acto. Fortificava a
malicia da terra com
guerreiros provados, os quaes, concluido o
curto
engajamento, se tornarião colonos uteis, e testemunhava
não haver
no Brasil antipathia ao português senão
aos corpos arregimentados
[375].
Com essas informações, havia concorrentemente
outras que definiam o espirito publico da America. O governo de Minas,
pelo seu vice-presidente, em discurso ao regente, e a junta de
Pernambuco e a camara do Rio em officios ás
[304]
Côrtes, applaudiam a resolução de D.
Pedro de ficar no Brasil a bem da cohesão das provincias
americanas e da integridade da monarchia, e representavam contra o
decreto de 29 de setembro que desligava das juntas o commando das armas
e a inspecção da fazenda para os subordinar ao
poder executivo de Lisboa. Instaram pela
conservação do regimento provincial, qual os
povos haviam creado até que a
constituição
regulasse a materia, ouvidos todos os deputados do Brasil
[376].
Num ponto o governo pernambucano se afastava da municipalidade
fluminense e da
administração de Minas: repellia a
constituição do conselho de estado acolhida com
alvoroço por estas autoridades. Assim procedia por se lhe
afigurar que esse acto invadia as attribuições
das Côrtes e d'el-rei, que os povos juraram acatar e por
temer que aquelle corpo se convertesse em instrumento docil do governo
do Rio, visto que não deliberarião os
procuradores senão
convocados pela regencia. Presidia a junta de Pernambuco Gervasio Pires
Ferreira liberal hesitante como todos os homens ricos, que temem damno
aos seus bens das transformações sociaes. O
respeito, porém, agora invocado, ao poder legislativo
não merecia fé emanado de quem acabára
de expulsar as tropas enviadas de Lisboa e se mostrava determinado a
não cumprir os decretos das mesmas côrtes; em
verdade não passava de argumento especioso para rejeitar uma
instituição
que não assegurava a liberdade individual contra os abusos
do poder. Mas se a tibieza de Pires Ferreira lhe não
permittia indicar o que só era
[305]
capaz de conter uma
autoridade que emancipada do Congresso de Lisboa, ficava sem freio,
fizeram-no José Clemente Pereira, do Rio, e José
Teixeira da Fonseca Vasconcellos, de Minas. Ambos resolutamente
ponderaram a necessidade de se chamarem côrtes legislativas
no novo reino, e o primeiro declarou mui terminantemente que sem ellas
o Brasil não teria parte na soberania da
nação portuguêsa
[377].
Não faltavam, por conseguinte, aos constituintes europeus
indicações do pensamento do Brasil e homens
dotados do mais elementar senso politico se sentirião
felizes com ter á
mão meios de reduzir o descontentamento inquietador de uma
parte importante da monarchia sem effusão de sangue e sem
fraccionamento do imperio. Os regeneradores, porém, tinham
mais orgulho que razão. Nesses documentos enxergaram
tão sómente os termos desabridos de D. Pedro
contra as Côrtes, e Borges Carneiro definiu com
justêza a agitação dos legisladores
em seguida á leitura das cartas e officios da America, ao
exclamar: «havemos de ouvir á calada injurias, e
injurias feitas por um rapaz á
nação representada n'este recinto
sacrosanto?»
Restabelecido o silencio, abriu-se discussão sobre o destino
das cartas do principe, em consequencia de Guerreiro por escrupulo
entender conveniente dirigil-as a outra commissão que
não a especial dos negocios politicos do Brasil. O congresso
sujeitou-as á mesma commissão, sem aceitar,
todavia, o alvitre estupendo de Castello
[306]
Branco no sentido de se declarar o
parlamento em sessão permanente até que fosse
apresentado o parecer sobre a correspondencia de D. Pedro.
Conhecida a representação da junta de S. Paulo,
os regeneradores anceavam por se desaggravar da autoridade que
condemnava a sua politica ultramarina, e entendiam que não
era licito ao Congresso desvelar-se pela antiga colonia sem primeiro se
pronunciar a respeito d'aquelle officio audaz. Protrahiram, por isso, a
discussão do sabio parecer lavrado em 18 de março
pela commissão especial creada para providenciar com
urgencia ácerca da irritação do
Brasil por causa dos decretos de 29 de setembro, discussão
que regularmente se devia instaurar na derradeira semana de
março. Serviram-se com avidez da
excitação do Congresso para saciar o despeito.
Como indignavam aos portuguêses os termos asperos de D. Pedro
contra as Côrtes―as Côrtes facciosas,
escrevera―parece que os corypheus da regeneração
se levantariam na
assembléa revôlta mais para fulminar a D. Pedro
que aos paulistas. Mas Moura era um farçante: teve o despejo
de negar a responsabilidade do principe na
agitação do ultramar e de attribuir esta
exclusivamente ao governo de S. Paulo. «Portanto, rematou,
é preciso que a
commissão hoje mesmo se reuna e hoje mesmo formule o seu
juizo sobre a representação de S.
Paulo»
[378].
A commissão, porém, não deu o parecer
no mesmo dia nem na semana immediata, e a demora se não
acalmou o impetuoso regenerador, tão pouco attenuou a
combatividade dos americanos.
[307]
A junta paulista pedira ao
Congresso, por via dos deputados da mesma provincia, a
revogação
dos negregados decretos de 29 de setembro. Era
uso
nas
Côrtes receberem-se todos os officios e mensagens, uns com
agrado, outros com menção honrosa, ess'outros sem
declaração alguma, mas não havia
precedente de repellir o congresso qualquer
representação. Moura, todavia,
aconselhou ao parlamento recusasse acolhida ao requerimento, e desta
maneira o apostolo do constitucionalismo negara a uma autoridade o
direito de petição que a lei fundamental
outorgava aos individuos e ás collectividades.
Não valia a pena debate sobre materia de interesse
tão secundario, e Antonio Carlos, que formulára
os votos da junta de S. Paulo, assentiu com o presidente em
consubstanciar os desejos de sua provincia em proposta assignada por
elle e pelos collegas de deputação, conciliados
assim os
sentimentos da facção dominante com o respeito
apparente da constituição
[379]. Se o paulista cedeu
agora, não tardou em mostrar que o fazia por outro motivo
que desfallecimento da energia. De feito na mesma sessão
requereu a responsabilidade do ministro da guerra e de Madeira;
daquelle por não haver referendado a carta régia
que designava o commandante das armas, e d'este por ter assumido o
commando sem legalisar o titulo de nomeação. Com
elle assignaram a petição quinze brasileiros. Os
motivos
allegados justificavam plenamente nos termos da lei
[379] a
formação da culpa, mas os accusadores se
não firmaram em documentos comprobatorios. A
[308]
commissão parlamentar a quem
foi affecto o negocio, da qual faziam parte Moura e outros
regeneradores de menor tomo, valeu-se habilmente da omissão
para declarar que não emittiria juizo sobre elle emquanto os
autores da denuncia a não robustecessem com provas.
[380] Era
suffocar a querella. De feito só
investigações
na secretaria da guerra de Lisboa e do commando das armas da Bahia
subministrarião provas do delicto; mas
desde
que os liberaes
se negavam a constranger Candido Xavier e Madeira a taes diligencias,
era loucura crer que os denunciados acudissem ao empenho dos
accusadores. Comprehenderam-no os brasileiros, e não
impugnaram o parecer dictado pela paixão politica, a qual
determinara o encarceramento do conde dos Arcos por
allegações vagas, e recusava agora reconhecer a
procedencia de accusação precisa por
não entibiar a energia do homem que lutava pelos foros da
metropole.
Os regeneradores cogitaram immediatamente de desfazer o desgosto dos
irmãos mais novos por causa daquelle parecer. Não
eram ferozes, e se não houvessem empregado contra o ultramar
uma politica de violencias, resultante do despeito e não da
indole, certamente entreterião nos
americanos, que lhes deviam a liberdade, gratidão fertil e
duradoura, com os seus multiplos actos de clemencia. A
acclamação do regimen
constitucional na Bahia e em Pernambuco soltara todos os encarcerados
em consequencia da insurreição pernambucana de
1817 salvo José Marianno de Albuquerque e Pedro da Silva
Pedroso, condemnados a degredo perpetuo na ilha de Momulgão
[309]
da costa asiatica, ou
porque repugnasse á consciencia popular estender o
perdão a homens,
que, nos conflictos civis, matam sem excusa, ou porque os sentenciados
já não estivessem no Brasil. Em abril se achavam
nos calabouços do castello de Lisboa com escala para o
exilio infamante, e o pernambucano Ferreira da Silva, que solicitara o
indulto delles, alcançara não
seguissem viagem sem ordem das côrtes.
[381].
Se se podia discutir o crime do capitão José
Marianno, que, a pretexto de defender o sogro, o famoso Leão
Coroado, assassinara o brigadeiro Barbosa, seu superior e protector,
ninguem se alargava a attenuar o comportamento de Pedroso. Moniz
Tavares, deputado de Pernambuco e historiador favoravel
áquella insurreição, pela
qual, aliás, soffréra, fala com horror desse
consorte feroz que arrancava os desertores da prisão, para
os fuzilar sem processo, e que justificava o frenesi de matar com o
desproposito de se alimentarem de sangue as
revoluções
[382].
O congresso,
porém, por comprazer aos collegas de alem-mar,
não pesou as responsabilidades de um e outro delinquente,
concedendo-lhes o perdão pleno, tal qual requeriam os
pernambucanos e desejavam os brasileiros, que, possuidos de sympathia
pela revolução illuminada do mais puro idealismo
e da generosidade mais vasta, não quiseram attentar na
figura sinistra e singular de Pedroso
[383].
[310]
Apresentaram-se afinal os pareceres da commissão especial e
da commissão incumbida de formular os artigos da
constituição concernentes ao ultramar. Freire
propôs se examinasse primeiramente o relatorio que alvitrava
a responsabilidade criminal da junta de S. Paulo, allegando a urgencia
de se declarar aos povos do Brasil que deviam obediencia ás
Côrtes e não ao
Regente
[384].
Presidia a assembléa Gouvêa
Durão, que
até agora nas votações se
não
singularizara da
facção regeneradora mas que se
affastou della na conjuntura, disposto a protrahir o debate sobre o
malsinado officio. Repugnava-lhe começasse o congresso a se
desvelar pelo Brasil, revoltado com os decretos de 29 de setembro,
punindo justamente o governo que não fizera mais que
interpretar os sentimentos do povo; parecia-lhe que antes de tudo se
devia attenuar ou remover a causa do descontentamento e em seguida
deliberar ácerca do acto de S. Paulo. Distribuir de outro
modo os trabalhos legislativos mostrava, na verdade, que as
Côrtes eram mais solicitas em attender ao seu amor proprio
que promover a tranquillidade da nação. A
despeito da insistencia de Freire e da hesitação
da
mêsa, a maioria em um rasgo de energia esclarecida, resolveu
iniciar a discussão dos negocios de além-mar pelo
projecto de sua organização
[385]. Tratou-se delle
na assembléa de 26 de junho, mas não proseguiu na
sessão immediata como prescrevia
o bom senso, porque o bom senso, em
[311]
politica, faltava absolutamente aos
regeneradores. De feito, Moura e Fernandes Thomaz declararam com
vehemencia não ser licito adiar por mais tempo o exame das
resoluções do governo paulista sem rebaixamento
das Côrtes. O energumeno Moura previu até
effusão de sangue caso não fosse desaggravada
immediatamente a soberania da nação dos insultos
da
administração de S. Paulo
[386]. O presidente,
desajudado agora da maioria, que se intimidara com a vozearia dos
gremios e das ruas, acquiesceu, determinando para o dia seguinte a
discussão exigida.
Não constituiu dos menores triumphos de Fernandes Thomaz o
facto de se não haver discutido em fins de março
o parecer da commissão especial
[387].
Lembra-se o nosso leitor
que, em virtude das cartas de D. Pedro communicando a
opposição determinada do Rio, S. Paulo e Minas ao
seu regresso a Europa, nomeara-se uma commissão dos negocios
politicos do Brasil com o encargo de estudar os meios convenientes a
reduzir o descontentamento do ultramar, e recorda-se mais que por essa
occasião tiveram as Côrtes noticia da
representação de
S. Paulo. A commissão ao mesmo passo que propôs um
complexo de providencias no sentido, em geral, dos votos dos
americanos, declarou que por agora não podia formular juizo
sobre o officio do governo paulista, porque não sabia se
este falava em nome proprio ou exprimia os sentimentos dos seus
administrados. O congresso deferiu aos seus desejos, sem embargo das
protestações
[312]
energicas dos radicaes, que propugnavam a
responsabilidade criminal immediata dos autores da
representação, porque, allegavam, nada poderia
sobrevir capaz de tirar o cunho de rebeldia estampado no mesmo
documento. Fernandes Thomaz era orador notavelmente laconico, mas na
conjuncção se demorou na tribuna e fez um dos
seus maiores discursos. Julgava desacerto de tomo o Congresso alterar
resolução recente, qual a
organização das juntas ultramarinas, por causa de
cartas particulares e papeis sem credito, e aconselhava a
commissão não reformasse os decretos de 29 de
setembro sem averiguações minuciosas
ácerca do espirito publico do Brasil. Concluia o
revolucionario declarando que esta materia e a decisão sobre
o officio de S. Paulo sendo questões connexas,
não consentiam
discussão distincta
[388].
Guerreiro adoptou o alvitre, e
lentamente proseguiu na diligencia de colher
informações a respeito da America. Ouviu
commerciantes em contacto com ella
[389],
e não houve individuo
de marca desembarcado de fresco da antiga colonia que não
comparecesse no Congresso para dar á commissão o
seu juizo sobre o estado politico do reino ultramarino. De todos esses
depoimentos nenhum certamente causou maior alvoroço nos
delegados portuguéses que o de Caula, o ex-ministro de D.
Pedro, apeado do poder em janeiro, em consequencia dos successos do
Rio. Affirmou com a auctoridade de sua alta patente militar que nada
mais facil do
[313]
que a conquista do Rio
[390].
Não
sabemos se este general e os outros informantes criam facil
impôr ao Brasil os decretos odiados de 29 de setembro, mas o
que está acima de toda a prova é que Fernandes
Thomaz continuava a defender aquellas resoluções,
e entendia não
dever o Congresso discutir a reforma da
administração de além-mar, sem se
pronunciar ácerca do officio de S. Paulo. E assim fez a
commissão no seu novo relatorio apresentado em 10 de junho.
Continuavam a trabalhar nella portuguêses e brasileiros, e
aquelles eram os mesmos que em 18 de março aconselhavam o
Congresso satisfizesse aos desejos do ultramar. Do lado dos americanos,
porém, houvera
modificação. Vergueiro substituira Antonio
Carlos, que se dera por suspeito para julgar a
administração de sua provincia
[391] e ficou vago o
logar de Belford, do Maranhão, arredado ultimamente do
parlamento por motivo de saude
[392].
Sem embargo de conter a nova
proposta allegações em parte conhecidas, vamos
reproduzil-a nos pontos capitaes. Começa por analysar
minuciosamente a
representação da junta de S. Paulo, a quem
considera a principal autora do movimento do Brasil meridional contra a
organização dos governos ultramarinos, a
extincção dos tribunaes e o
regresso do principe. Não cabe ao Congresso, pondera, a
responsabilidade da criação das juntas
senão aos proprios brasileiros, os quaes as nomearam,
[314]
e no acto de adhesão á causa de
Portugal, renderam preito e homenagem ás Côrtes,
recusando obediencia ao regente. A assemblêa não
fez mais que sanccionar o voto popular e lhe não era licito
obrar de modo differente sem affrontar a opinião. Os
tribunaes do Rio, que prestavam serviço á
monarchia absoluta como orgãos consultivos do soberano,
tornam-se desnecessarios no regimen constitucional, que attribue aos
representantes do povo a direcção suprema dos
negocios publicos. De todos os decretos verberados no Brasil,
continuava, nenhum se justifica mais cabalmente que aquelle mandando
volver a Europa o principe. Desde que as juntas provinciaes
não reconheciam a sua auctoridade e o deixavam sem recursos
para prover ás necessidades do Estado, não podia
decorosamente permanecer no Brasil. Reconhecia-o, aliás, o
proprio D. Pedro, que em 17 de julho escrevia a el-rei.
«Espero que V. M. me faça a honra de mandar
apresentar esta minha carta ás Côrtes para que de
commum accordo com V. M. dêm as providencias tão
necessarias a este reino, de que fiquei regente e hoje sou
capitão general, porque governo só a provincia, e
assim assento que qualquer junta o poderia fazer, para que V. M. se
não degrade a si, tendo o seu herdeiro como governador de
uma provincia só».
Declarando a commissão que o Congresso julgava interpretar a
vontade dos povos com aquellas resoluções,
parecia concludente que,
vistas as representações de Minas, S. Paulo,
Pernambuco e Rio não consentirem duvida ácerca
dos
sentimentos das provincias, propuzesse ella, reconhecido o erro, a
alteração dos decretos de
[315]
accordo com os votos expressos agora com
clareza. A commissão, porém, tinha outra
preoccupação que a tranquillidade de uma parte da
monarchia, e não cogitava senão de affirmar o
poder das Côrtes e de as desfarçar daquelles que
menos cabavam a sua auctoridade. Começa por ordenar a
installação immediata das juntas quaes as creava
o decreto 29 de setembro. Lançada esta
provocação aos ultramarinos,
acirra-lhes
o
descontentamento com mandar submetter a processo os magistrados de S.
Paulo que haviam protestado contra as resoluções
do Parlamento.
Eram elles: os membros do governo que assignaram o famoso officio de 24
de dezembro
[393];
os signatarios do discurso ao regente proferido em 26
de janeiro
[394]
e o bispo D. Matheus, que subscreveu a
representação do clero
[395].
Propõe mais
a responsabilidade dos ministros de D. Pedro por haverem convocado os
procuradores das provincias. A respeito da ficada de D. Pedro no
Brasil, solicitada pelos povos, opinava a commissão para que
o
principe se demorasse ahi
até á
publicação da carta constitucional. Governaria,
porém, com sujeição ao
[316]
poder legislativo
e a
El-rei, assistido de
secretarios de estado, designados pelo
soberano.
Na faina de trazer á obediencia os povos de
álem-mar, não
se esqueceu a commissão de Minas Geraes. Mandou abrir
inquerito ácerca da detença de seus
representantes em comparecerem nas Côrtes. De ha muito haviam
sido eleitos, mas os que estavam na America não partiam, e
os que estanciavam em Portugal não podiam entrar no
congresso por falta de diploma. Explicavam aquelles que não
virião occupar os seus logares na
representação nacional sem conhecerem as
determinações definitivas da
assembléa constituinte a respeito do Brasil
[396]. Emquanto,
porém, a antiga metropole se não pronunciava, a
junta da grande provincia, rica e culta, não só
guardava os titulos de nomeação dos deputados
dispostos a entrarem no Congresso, quaes José Eloy Ottoni,
residente em Lisboa
[397]
e o desembargador da
Relação do Maranhão Francisco de Paulo
Pereira Duarte
[398],
mas ainda agia com desembaraço de governo
autonomo. Promovia
[317]
militares e cogitava de reformar o
systhema fiscal e, até, de cunhar moeda, e completava esses
actos de soberania com a determinação de se
não cumprirem nas terras de sua
jurisdicção as leis e decretos de Portugal sem o
seu beneplacito
[399].
Transpira por isso ironia desses fortes mineiros a
solicitação ao Congresso para approvar
a creação recente de um corpo de tropas, o
batalhão constitucional de caçadores, determinada
justamente por causa dos successos politicos do Rio
[400].
Dos portuguêses houve um que não concordou com o
parecer da commissão, e este foi Moura. O amor da
justiça e a rigidez de principios, assoalhados com voz de
trovão, manifestaram-se propondo a
exoneração de D. Pedro da regencia e a
responsabilidade criminal de seus subordinados. Era inverter os
preceitos de Direito que na graduação dos
delinquentes
antepõem os superiores herarchicos aos subalternos.
Não podendo justificar o extranho voto com a inviolabilidade
do successor da corôa, allegação
contraproducente e não sanccionada pela
constituição, o fogoso liberal invocou a sua
mocidade, a qual não era, todavia, tão verde que
lhe servisse de excusa. D. Pedro transpuséra 23 annos e
não ha jurisprudencia que considere esta edade attenuante da
responsabilidade.
Dos brasileiros apenas o alagoano Grangeiro subscreveu sem
restricções o relatorio.
Não lhe determinando o voto razões politicas nem
conveniencias pessoaes, não o seria facil explicar se
[318]
não existira a pusillanimidade, que nos homens se
disfarça com o instincto de
conservação ou com a prudencia. Grangeiro tinha a
singularidade de a apresentar em toda a nudez, sem jactancia nem
reserva. Assignara o parecer de 18 de março e agora
subscrevia esse diametralmente opposto, porque assim o desejava a
maioria e Grangeiro não ousava afastar-se da maioria.
Ledo e Pinto da França entendiam que a commissão
devia fazer indagar quem animara as auctoridades de S. Paulo a
empregarem expressões insultuosas contra as
Côrtes. Assim se exprimindo não pretendiam,
contudo, insinuar, como parece, que D. Pedro soprara a José
Bonifacio a conveniencia de usar de linguagem desabrida: o presupposto
repugna á cortesania do bahiano e a sisudeza do fluminense;
intentavam simplesmente suffocar o negocio por meio de providencia
capaz de acalmar a opinião de Lisboa sem expor o congresso a
serios conflictos com o Brasil.
O pernambucano Almeida e Castro mostrou-se mais resoluto que esses
compatriotas. Attendeu tão somente ao empenho da
commissão em punir e, sem contestar a acrimonia do documento
em questão, ponderou com acerto que o congresso se
não devia occupar com
representações que lhe não eram
dirigidas, e que procederia com bom senso e generosidade mandando-as
recolher simplesmente ao archivo.
Vergueiro desenvolveu as razões por que não
concordava com os lusitanos, e o seu parecer é notavel
documento de lealdade e patriotismo.
Apesar de vehemencia de linguagem, adverte o illustre transmontano, com
que os documentos sujeitos á commissão reclamam
contra os decretos
[319]
de 29 de setembro, em todos se manifesta de modo irrecusavel o empenho
de manter intacta a vasta monarchia. É este o ponto que deve
merecer o desvelo do congresso. Se no fervor das paixões
pronunciaram-se phrases violentas, ao poder judiciario compete
determinar e graduar a responsabilidade dos seus autores, e
não ás
Côrtes, que têm por tarefa principal assegurar a
união e prover á felicidade dos povos com leis
justas e
accomodadas
ás differentes terras.
A irritação do Brasil, que agora explode, se
prende
a causas remotas. Gerou-a o facto do congresso legislar para o reino
americano na ausencia de seus mandatarios, e o projecto da
constituição que o apresentava
«reduzido
á provincia de Portugal». Contiveram,
porém, os
ultramarinos o resentimento na esperança de que a
assembléa, exclarecida pelos deputados do Brasil, sem cuja
sancção não era licito dar cumprimento
a disposição alguma relativa ao ultramar por
força do artigo 21 das Bases, modificaria os seus actos de
conformidade com as aspirações do imperio
americano. Pouco durou, porém, a illusão
acalentadora. De feito, a poucos passos cuidou a assembléa
de executar a lei dos governos de além-mar, com nomear os
commandantes das armas e ordenar o regresso immediato do principe D.
Pedro. Ao mesmo tempo, por conseguinte, que esbulhava as juntas da
administração militar e da fazenda, da qual se
achavam investidas pelos povos desde a acclamação
do novo regimen, despojava o Brasil da unica autoridade capaz de lhe
assegurar as vantagens resultantes da permanencia del-rei no Rio de
Janeiro e em risco de se perderem com a
trasladação da
séde da monarchia para a Europa.
[320]
A desconfiança de que havia nas côrtes um partido
disposto a restaurar o regimen colonial, tomou corpo naquelles povos, e
os animos mais extremados proclamaram que sem a
separação o Brasil não poderia
defender os seus foros. Que cumpria fazer aos cidadãos
amigos da patria em tão grave conjuntura, senão
se oppôrem
aos actos inconciliaveis com a integridade da
nação?
É o sentimento que domina todas as
representações.
Propala-se aqui que os povos do Brasil e, até os de S.
Paulo, Minas e Rio não perfilham as idéas do
conselho da regencia. «É um erro de facto que pode
ter
consequencias fataes». Desfaz-se á luz dos
documentos
presentes á
commissão e de muitos successos referidos na imprensa do Rio
e confirmados em cartas particulares. O povo em armas para resistir
ás velleidades de opposição por parte
de Avillez, a organização de clubs á
chegada dos
decretos e a harmonia dos portuguêses com os brasileiros
demonstram cabalmente o commum sentir do Rio. Em Minas prevalece a
mesma opinião, como testemunham a
deputação da junta do governo, as
representações de muitas camaras entre si
distantes, os offerecimentos especiaes de alguns cidadãos e
o soccorro de tropa.
A junta de Pernambuco, ao agradecer ao principe a sua
resolução de ficar no Brasil, «louva o
patriotismo de seus caros irmãos de S. Paulo».
Onde,
porém, se patentêa com mais energia e enthusiasmo
a solidariedade do povo com o governo é na terra de Amador
Bueno. As suas tropas com singular rapidez chegam ao Rio, vencendo
distancia longa e caminhos ásperos; as mãis
dão os filhos ao exercito sem outras lagrimas que as da
commoção de contribuirem
[321]
para a salvaguarda da dignidade da
patria; uma subscripção popular cobre de prompto
as
despêzas da expedição, e quarenta
mancebos das familias principaes se offerecem espontaneamente para a
guarda do principe.
Em virtude de correspondencias particulares e de outras
informações, não
é temerario conjecturar que sobresalta as demais partes do
reino americano o mesmo temor de recolonização. E
aos olhos dos povos não ha mais evidentes testemunhas desse
designio sinistro do que os commandantes das armas dependentes de
Portugal e as expedições militares. Urge a bem da
união remover taes instituições e
tropas, consideradas agentes de oppressão.
As noticias vindas da America, que contestavam a importancia do
movimento contra as Côrtes, não devem influir em
nossas
deliberações. Promanam da parcialidade europeia
sem interesses estaveis na terra e animada de rivalidades
tão mesquinhas quanto violentas com os brasileiros. Demais,
está em decressimento, e é tão
pouco numerosa que nem com o auxilio de batalhões do Reino
logrará o triumpho de seus votos.
Atravessamos a conjuncção mais grave de nossa
historia e della resultará a união ou o
desmembramento. «Só a generosidade, a franqueza e
a tranquilla prudencia podem-nos conduzir á primeira, e
todos os outros caminhos vão dar ao segundo». Do
emprego da força a
mãe patria acolherá porventura algumas vantagens,
mas demasiado tenues para assegurarem a obediencia do filho e
assás importantes para germinarem odio inextinguivel na
familia. Não devemos tão pouco cuidar de punir as
auctoridades
[322]
paulistas que se descommediram nas representações
ao regente, porque os nossos actos de desaffronta correm risco de
não attingir os responsaveis, resguardados pela sympathia
popular: os povos não entregarão á
justiça os defensores dos seus foros.
Importa não perder de vista o elevado conceito que o Brasil
forma de si mesmo, conceito nascido de grandeza do territorio, da
fertílidade do solo, de sua população
livre, tão
grande como a de Portugal, e de seu progresso. Não se
curvará, pois, deante do reino europeu: «quer ser
seu egual».
Firmado nessas considerações, entende que,
emquanto as disposições constitucionaes
referentes ao Brasil não forem sanccionadas por seus
deputados, no interesse da integridade da monarchia cumpre decretar:
A continuação da regencia do reino americano com
o principe herdeiro;
Salvo o Rio de Janeiro, as provincias serão administradas
por juntas responsaveis aos poderes publicos de Portugal;
Todas as auctoridades das provincias estarão na dependencia
do governo local;
Sem requerimento do Regente ou das juntas, Portugal não
mandará tropas
ás
antigas capitanias;
Sem o cumpra-se da regencia ou dos governos provinciaes não
se executarão no Brasil os decretos das Côrtes.
Assim se exprimiu Vergueiro.
Ao revés dos europeus que cataram minuciosamente nos papeis
publicos elementos de culpabilidades dos magistrados de S. Paulo,
desprezados os votos do Brasil, o transmontano
[323]
procurou descobrir, através da violencia das
expressões, os sentimentos da America para os attender. Ao
seu parecer, Portugal, falto de meios para compellir á
obediencia os povos de além-mar,
nada tinha que fazer de mais acertado do que acolher as suas
resoluções, até as
mais ousadas, a fim de não levar o descontentamento ao
extremo da independencia.
Lembrara-se por isso de incluir na sua proposta o ultimo artigo, que
não figurava no parecer de 13 de março. A exemplo
da junta de Minas, o conselho da regencia decidira em 21 de fevereiro
não mandar cumprir os decretos do Reino sem a
approvação do principe D.
Pedro
[401].
Era um acto attentatorio da auctoridade soberana da
metropole, mas com o qual se devia conformar o Congresso porque, acaso
tentasse reagir, lhe inflingiria a America
humilhação mais
funda com a victoria de sua rebeldia.
O empenho de evitar a scisão da monarchia transparece nesse
documento com evidencia luminosa. Tinham-no, aliás, todos os
deputados do Brasil mas em nenhum se revestia da
feição
commovente que apresentava em Vergueiro. Araujo Lima, Moniz Tavares,
Lino Coutinho, Barata, Antonio Carlos, os mandatarios da America sem
excepção repelliam o desmembramento, receosos,
principalmente, de que gerasse conflictos entre brasileiros e reinoes;
no transmontano a esse temor accrescia a magua de se tornar extrangeiro
á terra de seu nascimento ou á de seus filhos
[402].
[324]
Esta circunstancia, que fazia carinhoso o seu
esforço pela união, mais que a brandura do seu
temperamento contribuiu para que não houvesse em seus
discursos as impaciencias aggressivas da generalidade dos ultramarinos
e os sarcasmos de Barata.
Opprimia Lisboa grave
commoção
com arripios de terror do
futuro em 27 de junho, marcado para o exame do relatorio da
commissão. Aos menos atilados não escapava que
estavam em jogo as Côrtes, a integridade do imperio e a
successão da corôa
[403].
Se a anciedade pelos debates era
profunda
no povo,
se não manifestava nos deputados transatlanticos com egual
intensidade. Viram-se mais claros na sua bancada no correr dessa
prolongada discussão do que ordinariamente nas
sessões consagradas aos negocios importantes do Brasil.
Desinteressavam-se das Côrtes os ultramarinos, e Antonio
Carlos e Barata declararam que falavam por dever, e não com
a esperança de modificar a resolução
do congresso de approvar
o parecer da commissão. Isto, contudo, não
impediu de ser rude a peleja. Iniciou-a Borges Carneiro, e o seu
discurso, vista a sua indole impulsiva e honesta, revela-nos a
impressão gerada no publico pelo relatorio da
commissão. O bom senso simples da multidão
não se conformava com um julgamento mais severo com os
inferiores do que para com o chefe. Todos se haviam rebellado contra os
decretos; ao passo, porém, que se mandava submetter aquelles
a processo apenas se extranhava o comportamento
[325]
de D. Pedro, que acolhera com
alvoroço a desobediencia de seus subalternos em vez de a
atalhar. Na humilhação tão dolorosa ao
pundonor nacional por que passára a divisão
auxiliadora, ninguem sabia a parte de José Bonifacio e da
junta de S. Paulo mas em todos estava presente o papel do successor da
corôa, exposto por Jorge de Avillez. Era patente a insolencia
do governo paulista contra as Côrtes, mas não o
era menos o descommedimento do Regente e se cabia a um delles excusa,
não a podia pretender o principe. Os officios de S. Paulo se
não dirigiam ao poder legislativo, e aos seus signatarios
era licito allegarem que, caso previssem o destino de suas queixas, as
exporião em linguagem menos aggressiva. D. Pedro
não podia invocar essa attenuante, porque recommendava ao
pae submettesse ao parlamento as suas cartas injuriosas. Que
justiça era essa que a uns processava e ao principal
responsavel nem lhe tirava o posto de confiança de que fora
investido pelo rei e pelo Congresso, e de que se servia sem lustre para
o soberano e em damno da vontade nacional?
Borges Carneiro sentindo a necessidade de satisfazer de algum modo ao
reparo publico, insta com as Côrtes para que censurem a D.
Pedro com mais energia do que propõe a commissão,
e insinua a conveniencia de o ameaçar com a perda da
corôa, se não mudar de attitude perante os poderes
publicos do Reino. Reconhece, todavia, que a responsabilidade dos actos
reprovados do principe cabe principalmente á junta de S.
Paulo, porque foi depois de conhecer a
representação deste governo provincial, que se
revoltou o Regente contra a assembléa constituinte
[326]
e se descommediu com os
batalhões europeus. Parece que Borges Carneiro devia
concluir pela revocação a Portugal de D. Pedro,
não o fez: opina para que se conserve no Rio, até
a carta constitucional providenciar sobre a
organização definitiva do ultramar, o qual com
assegurar áquelles povos a liberdade os
persuadirá da desnecessidade de terem em seu seio o herdeiro
da corôa para se preservarem da
reconducção ao regimen colonial
[404].
Succedeu-lhe Bueno, deputado por S. Paulo e sobrinho de José
Bonifacio. Impugnou coubesse a iniciativa dos acontecimentos a sua
provincia com argumento irrefragavel da chronologia. O officio de S.
Paulo não chegou ao Rio senão em 1 de janeiro e
já em 29 de dezembro o povo fluminense
representára energicamente contra o regresso do principe.
Como, pois, se ousa dizer que José Bonifacio promoveu a
revolta contra os decretos de 29 de setembro e o intentam processar por
isso?
[405]
Moura que tomou em seguida a palavra fez um discurso grandemente
applaudido da maioria. Empenhou-se em provar que, ao revés
das
allegações dos brasileiros, os constituintes
portuguêses não violaram o compromisso solemne
estipulado nas bases com legislarem para o Brasil na ausencia de seus
deputados. Rezava o artigo 21 invocado pelos ultramarinos:
Sómente á nação pertence
fazer a sua
constituição ou lei fundamental.
Esta
lei fundamental
obrigará por ora sómente aos
portuguêses residentes nos reinos de
[327]
Portugal e Algarves, que estão legalmente representados nas
presentes
Côrtes. Quanto aos que residem nas outras tres partes, ella
se lhes tornará commum, logo que por seus legitimos
representantes declarem ser esta a sua vontade. Consoante o sophista, a
lei fundamental de que se tratava eram as Bases, e como estas haviam
sido approvadas pelos povos, os seus mandatarios deviam
forçosamente acceital-as, e tambem acceitar a carta
constitucional que não passava de desenvolvimento d'ellas.
Embora a constituição
expuzesse materias summariadas nas Bases nem por isso eram a mesma
cousa, e nada o provava melhor que a discussão demorada do
pacto social a despeito de sanccionados de ha muito os seus fundamentos
pelos deputados.
Admittir-se que já se houvessem pronunciado os habitantes da
America, e com elles os seus mandatarios, sobre esses debates, que
agora occupavam os constituintes portuguêses, não
era absurdo senão perfidia, pois que visava o apparente erro
de entendimento sujeitar uma parte da monarchia a outra.
O maior defeito, porém, d'essa
argumentação consistia em se não
applicar ella á hypothese. De
feito os brasileiros não clamavam agora contra as Bases nem
contra preceito algum constitucional, levantavam-se contra a ordem do
regresso do principe e a reorganisação das juntas
decretados na ausencia de seus deputados. Se os portuguêses
negavam aos ultramarinos, em consequencia do juramento das Bases, o
direito de recusar a constituição que lhes
quizessem dar, não haviam ainda declarado que na
formação das leis ordinarias, quaes as
resoluções citadas de setembro, se dispensava
tambem o
[328]
seu concurso apezar do
artigo 24 das Bases
[406].
Sem attenção ao alibi em favor da junta de S.
Paulo, allegado por Bueno, alibi que não cogitou de
contrariar, Moura espraiou-se em mostrar pela analyse da
correspondencia de D. Pedro, quanto mudara depois que recebera o
officio de 24 de dezembro, para concluir que não havia outro
responsavel das demasias do principe que o governo paulista.
Não poupou insultos a José Bonifacio, e como se
não conhecia em energumenos, porque o era, acoimou de
energumeno ao grande paulista.
Vergueiro no seu parecer em separado, e Bueno no discurso advertiram
que as Côrtes não podiam julgar a responsabilidade
criminal dos paulistas sem se arrogarem
attribuições da
justiça. Nem Borges Carneiro nem Moura se referiram a
objecção ponderosa. Castello Branco, que depois
de Moura subiu a tribuna, não foi feliz na tentativa de a
desfazer. Concordou que em verdade o Congresso usurpava
funcções judiciaes mas que o fazia por
não haver ainda
constituição. As Bases consagravam, todavia, a
divisão dos poderes e não deixa de ser comico que
para firmar o regimen constitucional, um dos seus apostolos comece por
postergar um dos seus preceitos fundamentaes
[407].
[329]
Depois de haver um constituinte português desenvolvido o
pensamento commum aos regeneradores de pretender o governo do Rio
resuscitar o despotismo no ultramar
[408],
coube a Vergueiro falar.
Limitou-se em discurso sobrio a reproduzir os fundamentos do seu voto,
insistindo em certos pontos que não haviam sido impugnados
pelos adversarios. Repetiu que a commissão
exorbitára do mandato com definir responsabilidades
juridicas e apontou a incoherencia do congresso recusando-se ha pouco
mais de um mês a suspender a expedição
militar
para a Bahia por não invadir a
jurisdicção do
poder executivo e inclinando-se agora a exercer a judicatura.
«Qualificar delictos e designar culpados não pode
caber nas attribuições das
côrtes, pertence ao poder judiciario precedidas as
averiguações necessarias». Assignala
que quem primeiro suggeriu ao regente a conveniencia de não
cumprir as resoluções legislativas foi o povo do
Rio por meio de representação publica assignada
por mais de oito mil pessoas, e não S. Paulo, como assevera
maliciosamente a commissão para colher ahi reos de
desobediencia. A commissão, como dissemos, propunha fossem
submettidos a julgamento os secretarios de estado do regente por causa
do decreto de 16 de fevereiro, que convocava em assembléa
consultiva os procuradores das provincias. Vergueiro dotado de
idéal de justiça que não aureolava os
regeneradores, disse
a proposito: «Não me opporei a que se
faça effectiva a responsabilidade dos ministros do Rio nem
de outro algum empregado; mas no que
[330]
não posso convir é na desegualdade proposta:
exigir a responsabilidade dos ministros e a não exigir do
principe, a quem nenhuma lei faz inviolavel, repugna com a egualdade da
lei: Voto portanto que havendo culpados respondam todos»
[409].
Encerrou a sessão o illustre Guerreiro com longo discurso.
Dentre os portuguêses nenhum o avantajava no desejo e no
esforço de estabelecer o novo regimen com a egualdade
politica mais perfeita para os dous reinos. Justificava o desprazer dos
ultramarinos com a perda da séde da monarchia, que se viam
assim privados de recursos promptos contra os abusos das
autoridades
[410],
e reconhecia a legitimidade das suas queixas contra a
reorganização das juntas provinciaes
[411]. Quando
Moura e outros energumenos em 23 de maio pelejavam para se assignalar
na acta haverem sido recebidos com agrado as
congratulações de Jorge de Avillez, considerado o
defensor das côrtes no Rio, oppôs-se corajosamente
a essa menção por pêsar sobre o general
a
imputação de indisciplina lançada pelo
regente. No diuturno debate a respeito das
relações commerciaes de Portugal com o Brasil, no
qual os constituintes portuguêses sob a apparencia de
reciprocidade de vantagens e concessões, não
attendiam
á porfia senão os interesses da metropole, o seu
papel foi dos mais apagados.
A todos esses motivos de respeito e sympathia á sua memoria
para os que estudam o nosso passado, accrescia-a sua urbanidade para
[331]
com a minoria, a qual o
singularizava dos regeneradores. Por ardente que fosse a
discussão, jamais a sua palavra molestou os ultramarinos com
a insinuação perfida, a impertinencia
rasteira ou a grosseria atroadora. Infelizmente se não
pôde subtrahir á paixão que lavrava por
Lisboa inteira e não divergiu do sentir de Moura. Procurou,
todavia, responder ás duas objecções
graves de Bueno e Vergueiro. Declarou lealmente haver outros criminosos
que as autoridades de S. Paulo, mas que por prudencia não
convinha ao governo alargar o numero dos querelados; e reconheceu
outrosim ter nascido no Rio o movimento contra as côrtes.
Ahi, porém, a
opposição não ultrapassou o direito de
petição
consagrado pela doutrina constitucional, ao passo que José
Bonifacio e os consortes pronunciaram-se quaes verdadeiros rebeldes, e
como foram os primeiros que se manifestaram com esse caracter, deviam
soffrer o rigor da lei. Não era possivel provar que a
commissão com indicar criminosos á
justiça e não admittir
execução da
sentença sem ouvir o congresso não se apoderava
de
funcções do poder judicial. Tentou-o, contudo,
Guerreiro affirmando que se não dava a confusão
de
attribuições porque a commissão
não designava a lei violada nem a pena. A defêsa
não era digna de esclarecido constituinte, verdade
é que o tachygrapho o põe ao abrigo da critica
com notar que reproduziu mal o seu discurso, mutilando alguns periodos
e omittindo outros. Em todo o caso se não pode negar a menos
que se não mude o sentido das palavras que a
commissão com julgar delinquentes certos adversarios dos
decretos de setembro e não admittindo que a
Justiça perseguisse outros, desviava-se de sua
[332]
jurisdicção legislativa
para invadir a esphera de
acção de um outro orgão do Estado.
Disse mais que os brasileiros eram livres de aceitar ou repellir o
regimen de Portugal, mas desde que lhe prestaram adhesão com
os protestos de obdiencia ás
Côrtes e com o juramento da
constituição que ellas fizessem, subscreveram um
pacto, ao qual não podiam faltar sem incorrer na censura do
Direito. Até ahi essa
argumentação, interpretada em termos habeis, era
aceitavel mas desde que o illustre regenerador á
lembrança de uma questão de Feijó,
formulada na famosa proposta definiu a submissão a que se
achavam obrigados os do Brasil, avançou
proposição temeraria e justificativa do
despotismo asiático. Reconhecendo a auctoridade do
Congresso, perguntára Feijó, se as provincias
ficavam sujeitas a uma obdiencia céga e passiva?
«Por obediencia
céga entendo eu, explicou Guerreiro, aquella que obriga
obrar á força, e a esta nunca se está
obrigado; mas obediencia passiva é commum a todos e a esta
obediencia está sujeito todo o Brasil. E porque
está sujeito? Porque elle assim o
quiz»
[412].
No dia immediato proseguiu a discussão, e depois de Moniz
Tavares, como convinha a um padre, aconselhar o esquecimento das
expressões injuriosas dos documentos, levantou-se Antonio
Carlos. Nas sessões de maio quando Moura e os exaltados
clamavam que o Congresso não devia providenciar o respeito
do Brasil sem previamente deliberar sobre o famoso officio de S. Paulo,
não foi das menores surprêsas o silencio
de Antonio Carlos ante os insultos vomitados contra José
Bonifacio. Os que esperavam que a sua paciencia se não
conteria mais ás insolencias, renovadas agora com
vehemencia, extrema,
[333]
tiveram novo desengano: o orador paulista deixou a cargo dos accusados
a
repulsa dos doestos para não inflammar os debates, dos
quaes, ao seu parecer, dependia a integridade da monarchia. Analysados
o discurso do
vice-presidente de
Minas e
o officio da junta de Pernambuco ao principe, nos quaes se reproduziam
as expressões do governo de S. Paulo consideradas offensivas
e de manifesta rebeldia, concluiu que eram criminosos uns como os
outros e que com reduzir a commissão o numero dos culpados
podia fazer politica mas commettia a injustiça mais
repellente, a injustiça nascida da pusillanimidade.
Não atinava com a distincção entre
obediencia cega e passiva, porque na especie considerava os
qualificativos synonymos. Sabia, porém, que o novo reino
adoptando o regimen constitucional, virtualmente reconhecia
não admittir leis que não fossem aceitas por seus
mandatarios. Se pelo facto de haver jurado as Bases e a
constituição futura renunciou áquelle
direito como pretende a maioria, então já
não existe para a
America o systhema representativo e «façam-se duas
secções uma de povo que obedece e outra de povo
que manda. O povo do Brasil quando jurou as Bases, jurou pela bondade
de sua doutrina, jurou o Congresso composto de deputados brasileiros e
europeus; não podia jurar de outro modo e se tão
estupido foi, que o fez de outra sorte, então
o juramento não é valido: não
é contracto bilateral que se não possa desfazer
sem consentimento de ambos». Vingado o parecer da
commissão que intentava restabelecer no novo reino a
influencia das Côrtes por meio da força, era de
temer, ao contrario, novo desprestigio do poder legislativo, porquanto
o Brasil não entregaria
[334]
os defensores de seus direitos á justiça e, por
outra parte, medidas de rigor arriscavam promover a independencia, de
que não cogitavam as auctoridades brasileiras. «O
Brasil não
é mais que um irmão desconfiado do
irmão mais velho, um irmão que se queixa; e
será modo de abafar as suas queixas, irrital-o? Acho mais
coherente quando se está em estado de
irritação,
não usar de remedios heroicos; não é o
cauterio que cura chagas velhas; são
applicações
balsamicas e estas requeiro eu.» Como todos os brasileiros,
votava pela rejeição do
«parecer»
[413].
A este discurso moderado respondeu com ataque pessoal Ferreira Borges,
e, allucinado da paixão, reputou José Bonifacio
despota por haver relaxado da prisão como intendente de
policia do Porto, juizes accusados de serviços aos
francêses na invasão. Não podemos
deixar de produzir a bella resposta de Antonio Carlos na
sessão seguinte: «Justo Deus em que tempo estou!
É despotismo escutar a humanidade! É despotismo
salvar as victimas das injustas prevenções de uma
plebe brutal e furiosa! Bemfaseja providencia que vigias sobre os
destinos da nação portuguêsa! Tu, que
espero e creio, conservarás a integridade d'este imperio
apesar dos encontrados empuxões da inexperiencia, da
ignorancia
presumpçosa e da mesquinha rivalidade, permitte que se entre
o clangor das armas, no silencio das leis, no meio das
convulsões da anarquia, houver de se insinuar alguma
arbitrariedade e poder discrecionario, seja este sempre disposto, como
foi o
grande despota José Bonifacio, a
[335]
desopprimir afflictos, a arredar da garganta
da desgraça a espada do resentimento, a arrancar emfim
ás fauces ensanguentadas da vingança as victimas
que ella já saboreava»
[414].
O debate proseguiu repetidos os argumentos em todas as
fórmas. Alternadamente com Gyrão, Trigoso,
Freire, Serpa Machado, Corrêa de Seabra e Fernandes Thomaz
fallaram Vergueiro, Antonio Carlos, Lino Coutinho e Barata. Salvo Serpa
Machado e Corrêa de Seabra que alvitravam a
rejeição do parecer, todos os
constituintes portuguêses se mostravam partidarios de
severidade contra as auctoridades de S. Paulo. Serpa Machado julgava
absurdo que, vista a
fermentação do Brasil com os decretos de 29 de
setembro, a commissão propuzesse a
conservação delles e
formação de culpa a homens, que haviam
interpretado o sentimento dos povos
[415].
Correia de Seabra
singularizou-se dando ao juramento da
constituição futura e ao artigo 21 das Bases a
intelligencia acceita no ultramar
[416].
O decreto de 16 de fevereiro que creava a assembléa de
procuradores geraes das provincias com o simples voto consultivo, era o
grande argumento apresentado pelos portuguêses das tendencias
reaccionarias de José Bonifacio e do principe. Os
brasileiros contestavam o conceito, e explicavam aquelle acto como meio
de informação
de que se ia servir a regencia para governar tão vasto
imperio a aprazimento geral, e ajuntavam que se com elle intentasse o
ministerio
[336]
do Rio restaurar o
despotismo, não resistiria ao clamor da opinião.
Antonio Carlos chegou a affirmar que mataria José Bonifacio
se lhe descobrisse intenções sinistras contra a
liberdade. Alencar, em excellente discurso, previu com acerto o
sossôbro d'aquelle decreto
[417].
Barata que, por causa do incidente com Pinto da França
andara affastado do parlamento e acabava de tomar o seu posto, orou com
bom humor e audacia. Não apresenta argumentos novos, mas
velhas razões expostas pelo bahiano têm sabor pela
malicia de duende com que as sazona a juventude perpetua do
sexagenario. Zomba de Moura que propunha o embarque immediato do
principe. «Diz o seu parecer que S. A. deve regressar
já e já e que a sua
delegação deve cessar immediatamente: hoc opus,
dic labor est. Minhas opiniões, snr. Presidente,
são mui
differentes: estou persuadido de que S. A. só
voltará por sua vontade e não ha meios para o
forçar. Supponhamos que o mandam vir e que elle diz:
não quero. Que se lhe ha de fazer? Eu não vejo
remedio. Supponhamos que se põem as cousas em figura de
rompimento. S. A. é môço
ardente, fogoso e prompto para tudo e além disso ha de ter
algum lisongeiro que o estimule e que sopre o veneno da lisonja,
dizendo-lhe: Senhor, Vossa Alteza não deve ir; aqui
póde ser muito grande e nada lhe falta, e talvez em Lisboa
não lhe vão bem os negocios, etc., etc., e S. A.
teima e não volta. Que fará o Congresso?
Supponhamos que mande uma esquadra, a naú D.
João VI, a fragata D. Pedro e outras
embarcações; neste caso S. A.
[337]
mandará contra ellas a
naú Martinho de Freitas, a fragata União e
mais quatro. Eis aqui uma guerra civil começada entre as
duas partes da nação. A S. A., snr.
Presidente, nada falta; tem
soldados, tem marujos
inglêses, francêses e
americanos, dinheiro e soccorro de braço forte
[418] e ainda
tem outros meios que eu de proposito não
explico»
[419].
Os meios que não declarava eram os exercitos da triplice
alliança para desbaratarem as Côrtes, os quaes
já ameaçavam a
Peninsula. No final de sua oração já
não
sorria o bahiano. «Se este parecer da commissão
for approvado e chegar ao Brasil na forma em que se acha,
será o grito de alarme, será um tambor tocando
a rebate e chamando as armas por toda
a
parte. Se tal succede, estamos perdidos, e que fazemos
nós brasileiros? Nada mais
nos restará
senão
chamarmos a Deus e a nação por testemunhas:
cobrir-nos de lucto, pedirmos os nossos passaportes e irmos defender a
nossa patria.»
Fernandes Thomaz interveio na discussão com o azedume
habitual com que se referira aos negocios da
America e teve o despêjo de se mostrar surprezo da attitude
do Brasil contra as Côrtes, porque assistia aos seus
deputados o direito de providenciar ácerca dos interesses de
álem-mar. «Quem
dera aos americanos do norte, ponderou, que se lhes concedesse
representação no Congresso; talvez se
não levantassem».
Lino Coutinho doente e com licença por
[338]
trinta dias, interrompeu o tratamento para
acudir á ultima sessão. Ao contrario de Borges de
Barros
que julgava innutil o exercicio de procuração que
não produzia fructo, o grande orador bahiano entendia que a
inanidade do esforço não justificava o abandono
da lucta pelo deputado. Era, aliás, a unica intelligencia do
mandato consagrada pela moral, que prescreve o cumprimento do dever sem
considerar o successo, dependente da vontade alheia.
De que valem os mandatarios da America se não são
ouvidos nos negocios de sua patria? respondeu a Fernandes Thomaz.
Clamaram contra o desbarato dos tribunaes, a
nomeação de Madeira,
a remessa de tropas e a falta de delegação do
poder executivo. «De nada disto se fez caso, e tudo foi
decidido como bem pareceu aos deputados da Europa e o Brasil apesar de
ter aqui uma parte de seus representantes, vê-se hoje
despojado de algumas vantagens que tinha no tempo do antigo despotismo
colonial»
[420].
Poderia ajuntar o orador, que mais sagazes do
que os seus visinhos do sul, os americanos do norte nunca pretenderam
fazer parte do parlamento britannico, persuadidos de que em virtude da
inferioridade numerica de sua representação,
jamais thriumpharião as conveniencias de sua patria
hostilizadas pelos inglêses
[421].
Era o terceiro dia de discussão e a materia estava
exgottada. Passou-se á votação
e a maioria ainda uma vez desattendeu ás
informações e desejos dos collegas americanos,
approvando sem mudança substancial o parecer da
commissão. O
[339]
principe permaneceria no Brasil até a
publicação da carta constitucional, governando
com sujeição aos poderes publicos de Lisboa as
provincias que actualmente lhe prestavam obediencia. Declararam nullo o
decreto de 16 de fevereiro e mandaram responsabilizar o ministerio do
Rio não só por aquelle acto senão por
todos os outros que envolvessem abuso de poder. Decretaram o julgamento
da junta de S. Paulo por causa do officio de 24 de dezembro e dos
quatro signatarios do discurso ao Regente, proferido em 26 de janeiro,
mas a sentença, consoante a proposta da
commissão, não seria cumprida sem
autorização das Côrtes
[422].
O Congresso não tinha duvida a respeito da
execução pontual de suas ordens. Estava
convencido de que D. Pedro, informado pelos debates que nova
desobediencia o exporia á perda do throno, aceitaria os
secretarios de estado que el-rei lhe aprouvesse dar e trataria de
instaurar o processo dos
ministros
de
sua livre escolha e da junta de S. Paulo, deligenciando ao mesmo tempo
os preparativos de seu regresso á patria. Não o
acreditavam os deputados da America,
mas esses, no conceito dos collegas europeus, ignoravam a verdade, ou a
fingiam ignorar porque eram cumplices dos partidarios da independencia.
A verdade, sabiam-na os ministros da regencia demittidos por D. Pedro e
chegados ha pouco a Lisboa e sabiam-na outras pessoas vindas
recentemente de além-mar e os commerciantes em
relações com o nosso reino.
CAPITULO XVIII
SUMMARIO:
Commissão incumbida de apresentar os artigos
addicionaes á Constituição relativos
ao Brasil.―Difficuldade de accordo entre os brasileiros.―A
impressão dos
regeneradores.―Objecções contra a proposta.―A
verdadeira causa da opposição do
congresso.―Defêsa dos brasileiros e a sua
disposição
conciliadora.―Opiniões sobre o Brasil de Borges Carneiro,
Gyrão e Guerreiro.―Divergencia de Silvestre
Pinheiro.―Descontentamento dos
brasileiros.―Consideração judiciosa de
Sarmento.―Não é submettida á
discussão a primeira parte do projecto.―Tomam assento F. de
Sousa Moreira, do Pará, e J. R. da Costa Aguiar de S.
Paulo.―Discussão da ultima parte da proposta.―Conveniencia
de ser o successor da Corôa o agente do poder
executivo.―Opposição de
Moura.―Incidente.―Tendencia da assembléa a multiplicar os
delegados do poder executivo.―Versatilidade dos
regeneradores.―Desalento de Antonio Carlos.―O congresso
[341]
decide que o
principe real não
será jamais delegado del-rei e manda a commissão
organizar novo parecer.
Todas as vezes que os regeneradores inflingiam derrota aos brasileiros,
cuidavam immediatamente de os indemnizar do desprazer com acto de
clemencia a favor dos presos politicos remettidos de
além-mar ou com qualquer
manifestação de desvelo pela antiga colonia.
Votada a expedição militar para a Bahia,
appareceu o gesto
habitual. Em requerimento solemne pelo numero dos signatarios, ao mesmo
passo que deligenciavam a conclusão do pacto social,
propunham se nomeasse uma commissão composta de deputados
brasileiros com a tarefa de apresentar sem perda de tempo «as
addicções e
alterações que julgar necessarias para que a
constituição
portuguêsa possa fazer a felicidade de ambos os
hemispherios»
[423].
Aceito o alvitre, o presidente incumbiu desse trabalho a Antonio
Carlos, Lino Coutinho, Araujo Lima, Villela Barbosa e Fernandes
Pinheiro
[424],
os quaes aos 17 de junho
apresentaram o fructo de seus estudos. Começa a
commissão por declarar que o regimen centralizador se
não accommoda a reinos, separados pela vastidão
do oceano, e com necessidades distinctas por causa da diversidade de
clima, de costumes, de producção e da natureza do
trabalho. Portugal e Brasil exigem legislaturas separadas. Nellas
tratarão os
[342]
deputados das conveniencias locaes e de promover o desenvolvimento
interno da
região. Mas como ha interesses communs ás duas
secções da monarchia, haveria tambem
Côrtes geraes compostas de cincoenta representantes, vinte e
cinco de cada reino, nomeadas por aquellas
legislaturas
com as seguintes attribuições:
regular as relações politicas e commerciaes com
os povos extranhos; legislar sobre o exercito e a marinha de guerra, e
prover á defêsa da
nação; determinar a moeda, pêsos e
medidas e estabelecer os orçamentos geraes da monarchia.
Além destes poderes meramente legislativos cabia-lhes uma
funcção judiciaria de summa importancia: julgar
á luz da união se os actos do congresso
português ou brasileiro contrastavam o bem geral da
nação ou o bem particular do reino
irmão. No caso affirmativo, as Côrtes os
suspenderião, e na outra hypothese, os
sanccionarião para que entrassem definitivamente em vigor.
Tudo quanto não coubesse á assembléa
federal e fosse do interesse exclusivo de qualquer dos reinos, como a
organização do ensino, da policia e do trabalho
dependeria das
legislaturas
especiaes do Brasil e de Portugal. As provincias da
Asia e da Africa portuguêsa serião representadas
na assembléa do reino em que se quisessem encorporar.
Creava mais o projecto uma delegação do poder
executivo no ultramar americano, ampla e permanente, a qual agiria
através do territorio por propostos de sua
nomeação e sob sua immediata
dependencia, e seria actualmente exercida pelo successor da
corôa, e ulteriormente por qualquer membro da familia real, e
na falta d'este por uma regencia. Á
excepção dos bispados e
[343]
dos cargos do Supremo
Tribunal de Justiça que o governo de Lisboa devia preencher,
escolhendo, porém, os titulares entre tres nomes submettidos
pelo vice-rei, assistia a este eleger todos os magistrados e
funccionarios debaixo da responsabilidade do secretario de estado em
cuja repartição iam servir. Era vedado ao
regente: praticar qualquer acto de politica internacional, declarar
guerra offensiva e conceder titulos em recompensa de
serviços
[425].
Não nascêra semelhante plano da imaginativa de
seus auctores; achava-se consubstanciado no regimento dos deputados de
S. Paulo, e o vice-presidente de Minas e a camara municipal do Rio,
alludindo á conveniencia de haver no Brasil poder
legislativo, inculcavam não comprehender a união
com outro regimen que a
federação. Não foi dos menores
triumphos da commissão apresentar a proposta sem voto
divergente e apoiada pela deputação americana.
Villela Barbosa hesitara em a subscrever, mas não sabemos
quaes os motivos de sua reluctancia
[426],
e brasileiros extremados
queriam assembléa legislativa em cada provincia
[427].
O projecto, que estabelecia a unica organização
compativel com a integridade da monarchia, porque punha os dous reinos
no mesmo pé de egualdade politica, promettida pelos
manifestos da regeneração, teve o dom de
exasperar
[344]
os portuguêses. «Não é
possivel que o sangue deixe de ferver nas veias dos lusitanos perante
um projecto que não ousa qualificar em
consideração dos seus auctores». Assim
começa Gyrão, o primeiro que sobe a tribuna; e
nesse tom de exaltação phrenetica rugiram quasi
todos os oradores da maioria, que enxergavam na proposta
independencia
mascarada. Como,
porém, não bastava berrar nem gesticular, e o
decoro da assembléa não admittia a
rejeição dos artigos sem argumentos, allegaram
que os artigos se oppunham ás Bases approvadas solemnemente
por todos os povos da monarchia.
Os principios fundamentaes da carta constitucional, diziam uns,
declaram que não ha senão uma camara formada
pelos representantes da nação; ora, consoante o
projecto
haverá, além das Côrtes Geraes,
legislatura em cada um dos reinos, constituida exclusivamente de
deputados do Brasil ou de Portugal. Acceito o plano, opinavam outros,
as Côrtes lançarião por terra a
instituição de uma só camara
consagrada recentemente após longa e porfiada
discussão. De feito desde que houvesse côrtes
geraes e côrtes
particulares e que áquellas coubesse a faculdade de acceitar
ou repellir decisões d'estas, não ha
negar que existirião dous congressos legislando sobre o
mesmo objecto. Ainda posto de parte este vicio substancial, concordavam
todos, o projecto por trazer em si o germen da independencia do novo
reino, incorre na reprovação do patriotismo.
Não sendo permittido contestar a existencia no Brasil de um
partido da separação, deve-se temer a sua
victoria nas eleições.
«No primeiro dia que se juntarem oitenta deputados em um
ponto d'aquelle paiz, será este
[345]
o dia que acabará a
união com Portugal e
não quero tomar sobre mim tão grande
responsabilidade»
[428].
Quem assim se exprimia era Moura,
aquelle mesmo que proclamava adherir á independencia do
Brasil em sendo reclamada pela maioria dos seus naturaes. O medo do
desmembramento era a razão unica por que os
portuguêses não consentiam parlamento no ultramar;
e todos os argumentos baseados nas infracções do
pacto social não passavam de pretextos para estrangular no
nascedouro a proposta. Moura declarou que se em verdade fôra
ella o meio de garantir a união, não hesitaria em
a
subscrever
[429].
Impugnaram os brasileiros de modo irrecusavel as
objecções. Não se deve perder de
vista, ponderavam, que as Bases concernem toda a monarchia espalhada
nas varias partes do mundo e que o parecer considera Portugal e Brasil
individualmente. Na nação não
haverá
senão um corpo legislativo e este será as
Côrtes Geraes; as Côrtes especiaes terão
esphera de
acção limitada ao territorio português
da Europa e ao territorio português da America e
não
assumirão nenhuma das attribuições do
Congresso Nacional. As bases não prohibem legislaturas
particulares a cada reino. De accordo com ellas continuarão
a competir ao parlamento da nação o approvar
tratados de alliança, de commercio e subsidios e o
determinar o valor da moeda. O projecto, pois, em vez de contrariar as
disposicções
juradas, reconhece-as rigorosamente e apenas investe as
Côrtes Geraes de novo encargo: rejeitar as leis
[346]
promulgadas no Brasil ou em Portugal offensivas do bem geral ou
damnosas ao reino irmão. Neste caso ellas não
legislam, julgam; e semelhante funcção,
porém, podia ser confiada ao Supremo Tribunal ou ao Conselho
de Estado. Cumpre darem-se assembléas legislativas ao Brasil
não porque aquelles povos as pedem, senão tambem
para fiscalizarem o delegado do executivo, o qual, com dispor de
auctoridade formidavel, abusará necessariamente se
não for contido por uma corporação
emanada do povo
[430].
Os regeneradores
reconheceram o valor do argumento, e entenderam alguns que para
enfraquecer tal poder bastava se creassem tantos agentes del-rei
quantas eram as capitanias. Os brasileiros repelliram a
lembrança com calor mas nenhum delles o fez com mais
eloquencia do que Lino Coutinho. «Longe, longe de
nós semelhante
idéa desorganizadora da unidade brasiliense. O Brasil
é um reino bem como Portugal; elle é indivisivel,
e desgraçado daquelles que tentam contra a sua categoria e
grandeza, desmembrando as suas provincias para anniquillar o que
tão liberalmente lhe foi concedido pelo immortal D.
João VI, baseado em seu desenvolvimento politico e em suas
riquezas naturaes. Jamais como deputado do Brasil consentirei em
tão feio attentado: o nosso paiz ha de reviver ou morrer com
dignidade de um reino unico e indivisivel»
[431]. Contrastava
esta linguagem com os conceitos do egregio bahiano chegando ao
Congresso.
[347]
Então a emulação de sua provincia com
o Rio, feito capital da antiga colonia, levara-o a declarar que as
capitanias eram reinos distinctos, a fim de cada uma ter
organização completa que dispensasse
de procurar recursos e receber ordens da cidade fluminense. Devia-se a
transformação
bemfazeja aos deputados paulistas, secundados da voz prestigiosa de
José Bonifacio pregando a união.
Não comprehendiam tão pouco os deputados
americanos como os regeneradores pretendiam negar a sua patria
legislatura, e ao mesmo tempo se achavam dispostos a lhe conceder um ou
mais delegados do monarcha, quando o texto das Bases era tão
imperativo numa materia como na outra. Diziam ellas: o poder
legislativo reside nas Côrtes, o poder executivo
está com o rei. Como interpretar taxativamente aquella
proposição
e dar a esta significação ampla perante a
uniformidade absoluta da redacção? Tanto mais se
deve extranhar a explicação litteral dada ao
preceito acerca do poder legislativo, que se não conforma
com a realidade, a qual mostra outras corporações
que as Côrtes, creando
leis. Já as fazem as Camaras Municipaes, pois as suas
posturas são na essencia actos legislativos, embora com
efficacia somente em determinadas porções do
territorio nacional. Os do Brasil aceitavam, concluiam os seus
mandatarios, quaesquer
modificações ao projecto comtanto que lhes
não recuse o Congresso legislatura, e satisfazendo-os os
constituintes portuguêses, em vez de promoverem a
independencia, dilatal-a-ão para todo o sempre, por
não convir a America affrontar o desmembramento, quando com
a união se compadecem os seus interesses e
aspirações.
Nada queriam ouvir os europeus, e procuravam
[348]
esmorecer os brasileiros,
allegando os perigos para o ultramar da sua
emancipação politica, consequencia certa e
proxima do projecto. Borges Carneiro fez certamente sorrir os collegas
de além-mar, sabedores da
condição desgraçada da mãe
patria, com a
confissão candida de não poder o Brasil progredir
sem o concurso de Portugal
[432].
O ineffavel Gyrão previu a
renovação da tragedia de S. Domingos, a
matança dos brancos pelos negros, caso o novo reino se
desligasse
[433].
No conceito de Guerreiro, o titulo de reino
não dava ao Brasil as prerogativas provenientes dessa
graduação
politica, não passava de mera honraria; e pelo atraso
intellectual, o ultramar continuava a ser colonia e incapaz de se
governar a si mesmo. «Não me posso persuadir,
dizia afoutamente, que haja ali bastantes pessoas aptas para todos os
ramos da administração publica»
[434].
Era a idéa corrente dos que não haviam
frequentado a America portuguêsa, e como se ajustava
á philaucia e conveniencias da metropole, adquirira no
congresso a força de axioma mathematico, inaccessivel,
á refutação. Silvestre
Pinheiro, que servira doze annos em além-mar, e com o qual
não hombreava Guerreiro nem nenhum constituinte na cultura e
na agudeza da intelligencia, acabára comtudo de declarar que
elevando o Brasil a reino, el-rei não fizera
senão reconhecer ter attingido a antiga colonia aquelle
gráu de civilização que reclama o
governo por leis e magistrados, e não por dictadores e
providencias
[349]
de momento
[435].
Era tambem leviano o temor de faltar entre os naturaes da
America administradores habeis, por que o progresso intellectual do
novo reino se manifestava com evidencia na pluralidade de seus filhos
eminentes nas lettras, a termos de assignalar um escriptor moderno:
brasileiros eram na maxima parte os sabios e litteratos
portuguêses de então
[436].
O ardor aggressivo e a má fé da maioria com
persuadirem aos brasileiros da improficuidade de seus
esforços, não os deixaram empregar na
defêsa do parecer a tenacidade ordinaria. De feito ao passo
que do lado português se succediam os oradores tomados do
delirio do verbo, da bancada americana não falaram por assim
dizer senão os autores do projecto; e Araujo Lima, um
delles, enojado da feição
miseranda do debate,
no qual os regeneradores alternavam o sophisma com vituperios contra o
Brasil, arrependeu-se de haver pedido a palavra
[437].
Tres portuguêses mostraram-se favoraveis ao novo reino.
Peixoto e Corréa de Seabra julgaram conveniente conceder-lhe
mais de uma assembléa, vista a vastidão do
territorio, sem o que os deputados serião obrigados a
viagens longas e dispendiosas
[438].
Era tambem um meio de dividir a
antiga colonia.
Sarmento foi o terceiro. Receando que pelo facto de haver nascido no
Brasil, os collegas da
[350]
Europa o considerassem
levado de outro sentimento que a justiça, começa
por affirmar que na infancia deixara a terra de seu nascimento por
Portugal, onde creara relações e affectos que
atam o homem á sociedade.
Adverte judiciosamente que o imperio ultramarino muito desprendido de
Portugal desde que possuira em seu seio a familia real e foi elevado a
reino, manifestara-se, todavia, resoluto a estreitar a
união, acclamado o regimen constitucional. Devia-se
aproveitar este impulso imprevisto para se lançarem os
alicerces de uma vasta monarchia, e para isso cumpria attender as
aspirações dos irmãos mais novos,
formuladas pelos seus orgãos legitimos, que erão
os deputados da America. Supposto não admittisse o projecto
tal qual, preferindo ver em além-mar um corpo consultivo em
vez de legislatura, propunha fosse elle submettido á
discussão
[439].
Não o
quis o congresso, que por forte maioria declarou não dever
occupar a attenção dos constituintes o capitulo
da proposta referente á
creação de poder legislativo no Brasil
[440].
Era tratar com menoscabo a representação de parte
notavel da monarchia, e por isso a mor parte de seus membros
não compareceram á derradeira sessão.
Apenas treze brasileiros concorreram ao escrutinio. O
bispo do
Pará, Grangeiro e Lemos Brandão votaram com a
maioria
[441].
[351]
Por esse tempo tomaram assento Francisco de Sousa Moreira, do
Pará
[442]
e o desembargador José Ricardo da Costa
Aguiar de S. Paulo
[443].
O ultimo parente dos Andradas, que apenas
installado interviera no debate com energia e intelligencia, completava
harmonicamente a mais notavel deputação da
America. Nenhum deputado porém, foi recebido com mais
gosto dos compatriotas que Sousa Moreira, não pelo auxilio
que lhe podia prestar a sua palavra mas por causa de suas
convicções. O comportamento de D. Romualdo em
desaccordo continuo com os collegas da America e a attitude da junta do
Pará, persuadiam aos portuguêses que na vasta
provincia não havia senão um partido e que esse
defendia a sua sujeição incondicional
ás Côrtes e ao governo de Portugal e repellia a
regencia do Rio. Desenganou-os Sousa Moreira, testemunhando que no
extremo norte não faltavam brasileiros solidarios com os
compatricios do sul. O seu primeiro acto na assembléa
é um protesto contra a instituição em
vigor do
commando das armas, e, ao revés do bispo do Pará,
queria assembléa legislativa no Brasil.
Entrou-se em seguida no exame da outra parte da proposta que
estabelecia a delegação do poder executivo no
Brasil. Segundo ella não haveria ahi mais que um delegado, e
este seria o successor da corôa, em sua falta um
varão da casa reinante. Na hypothese, porém, de
não existir
[352]
na familia real sujeito capaz de preencher tão subidas
funcções, confiar-se-ia a
direcção suprema dos negocios de
além-mar a uma regencia. Já dissemos que os
brasileiros não consentiam outra pessoa que principe real no
governo de sua terra, porque ninguem mais do que elle tinha interesse
na integridade da monarchia, e não queriam tambem
senão um unico agente do executivo. Mais de um delegado
além de consagrar o desmembramento administrativo do novo
reino, que punha em contingencia a sua unidade politica, abria campo a
conflictos de competencia entre os governos, enfraquecia a auctoridade
perante os ataques do extrangeiro e, até, ante a
insubordinação de uma ou mais provincias.
Discordavam em todos os pontos os portuguêses com singular
intransigencia. Reputavam a delegação exercida
pelo principe herdeiro
altamente perigosa para o amor proprio nacional, e Moura investiu
contra a proposição com energia e magnifica
eloquencia. «E se vós, illustres
representantes da America, exclamou o fogoso tribuno, recorreis muitas
vezes á opinião geral do Brasil para fundardes
nella as vossas opiniões dentro deste Congresso, sabei que
deste modo pensa Portugal inteiro, e que nós, os
representantes europeus, iriamos manifestamente contra a
opinião universal de todos os nossos constituintes, se
subscrevessemos ou se incautamente conviessemos em que o principe
ficasse na America para nos ser negado, quando o direito de
successão o chamasse para vir sentar-se no throno, que
nasceu nesta parte da monarchia. Se vos não convem a
união deste modo, deveis fallar claro, podeis abandonar este
posto, quando quizerdes; deixae de ser co-legisladores comnosco:
[353]
as bençãos do céo se entornem sobre o
vosso afortunado paiz; sejamos amigos, mas com tal dependencia
não queremos união»
[444].
Não havia outro sentimento nos deputados
portuguêses e na sua patria, mas ninguem o formulou com egual
precisão e violencia.
Pires Ferreira, de Pernambuco, com simplicidade e bom senso respondeu a
esse arremesso oratorio. Os brasileiros nunca occultaram a
razão por que pretendiam o principe herdeiro na regencia e a
tem sem rebuço e á saciedade proclamado.
Não sabem quem melhor que o successor da corôa
possa promover a união, em virtude do interesse de manter
inteira a herança. Quanto ao receio de que morto o soberano,
elle se deixe ficar na America e por conseguinte para lá
volva novamente a côrte, é absolutamente
vão
em virtude da carta constitucional que fixa no velho reino a residencia
do monarcha. Se, porém, a constituição
não hade ser cumprida,
não vale a pena malbaratar tempo em a fazer
[445].
A deputação de S. Paulo, Agostinho Gomes e Barata
accudiram á provocação de
Moura. Na sessão immediata Vergueiro em nome de todos leu
uma moção que terminava com a seguinte
alternativa: ou o Congresso reprova as phrases de Moura como injustas e
injuriosas ao Brasil, declarando que este tem tanto direito como o
reino á séde da
monarchia ou permitte aos signatarios do requerimento darem por findo o
seu mandato
[446].
[354]
Não podia haver attitude mais digna nem resposta mais cabal
aos que enxergavam dobrez nas palavras de paz, nos protestos de
união dos ultramarinos.
O Congresso suffocou a questão, reservando o debate para
segunda leitura da proposta, a qual nunca se realizou.
Da demonstração magistral do parecer no sentido
da necessidade de legislatura no Brasil para fiscalizar e conter a
regencia, sem o que commetteria abusos e se transformaria em tyrannia,
valeram-se com açodamento os lusitanos para propor a
divisão do governo da antiga colonia. Desde que o interesse
da união, ponderavam, não consentia congresso no
ultramar, não existia senão um expediente para
reduzir ahi o poder do representante del-rei: multiplicar as
delegações. Demais, com tal providencia
attendia-se á commodidade dos povos, que terião
mais perto de si a autoridade suprema para o provimento de seus
recursos, o desaggravo de suas queixas. Borges Carneiro chegou a
lembrar que fossem tantos os regentes quantas eram as provincias
[447]. A
maioria a despeito de lhe servir o alvitre, não o ousou
adoptar com receio de exacerbar a suspeita dos americanos de que as
Côrtes miravam avassallar a sua patria por via do
fraccionamento da delegação, e inclinava-se a
crear dous centros
do executivo, um com séde no Rio para as provincias
meridionaes e outra na Bahia central. O Pará e o
Maranhão, em consequencia de lhes ser mais facil o trato com
a Europa do que com aquellas terras do novo reino, ficarião
sujeitas ao
[355]
governo de Portugal. Não
constituia isto, aliás, innovação,
visto que esses povos no periodo
colonial não despendiam da
administração brasileira, e além
disso, assim o desejavam D. Romualdo, e Backman, um dos deputados do
Maranhão
[448].
Os regeneradores fallaram á solta, desinteressados os
brasileiros do projecto desde que o mutilaram não admittindo
assembléa legislativa em além-mar. Disseram-no
Antonio Carlos e Lino Coutinho em
orações
curtas. Este tentou ainda mortificar
os portuguêses assignalando a sua versatilidade. Ha poucos
mêses proclamavam repugnar á natureza indivisivel
do poder executivo, consagrada nas Bases, que elle fosse delegado, e
agora porfiavam em multiplicar os representantes do monarcha. Antonio
Carlos, desenganado de dissipar as prevenções
espessas do Congresso contra os irmãos
mais
novos e possuido
de desalento, protestou renunciar para todo o sempre á
palavra e ao voto
[449].
Protestos, porém, logo abandonados por
inconciliaveis com a sua indole batalhadora.
As Côrtes resolveram, por grande numero de votos, que o
principe real não exerceria a
delegação no Brasil, e nada decidiram sobre o
numero das regencias, mandando a commissão apresentar outro
parecer
[450].
CAPITULO XIX
SUMMARIO:
D. Pedro resolve convocar
Côrtes.―Discussão do projecto de 18 de
março.―Entram no Congresso os deputados substitutos de
Piauhy e da Parahyba.―O principal motivo da
opposição das provincias ao decreto de
setembro.―Debate sobre o art. 5.º
Mal acabava o Congresso de decidir com arrogancia que não
tomava em
consideração a proposta creando legislaturas no
Brasil por attentatorias da integridade da monarchia, que D. Pedro o
fulminava com contradicta humilhante. Justamente por manter a
união dos dous reinos, importava estabelecer entre elles
egualdade politica mais completa, e esta não poderia existir
sem se outorgarem ao ultramar americano côrtes particulares,
quaes pediam os seus deputados. O atilado mancebo estava, portanto,
determinado a convocal-as no Rio ainda contra a vontade da
assembléa constituinte
[451].
Nada exprimia de modo mais evidente a uniformidade de vistas entre os
povos e os seus procuradores que essa noticia, e demonstrava
[357]
melhor o erro daquelles que apregoavam no
parlamento que os collegas da America não representavam a
opinião de sua terra. Parece, por conseguinte, que a
lição devia abrir os olhos aos peores cegos e os
convencer da necessidade de attenderem nos negocios de
além-mar aos seus mandatarios. Os regeneradores,
porém, não entendiam governar a outra
secção da monarchia consoante a vontade dos seus
naturaes mas segundo os impulsos do seu amor proprio e os interesses
materiaes da metropole expressos no restabelecimento mais ou menos
disfarçado do monopolio mercantil; e uns e outros se
não accommodavam com regimen que não fosse a
supremacia indiscutivel da mãe patria sobre as antigas
colonias.
Não hesitaram, por isso, em menosprezar a
pretenção manifestada com unanimidade no Brasil
inteiro de ser o commando das armas sujeito ás juntas
provinciaes.
A materia fazia parte do projecto 232, apresentado em 18 de
março pela commissão especial constituida de
europeus e americanos. Devêra entrar em discussão
apenas submettida ao parlamento, mas como a parcialidade exaltada das
Côrtes não queria tratar das cousas de
além-mar sem que o Congresso primeiro considerasse rebeldes
José Bonifacio e outros adversarios dos decretos de 29
de setembro, a
commissão
condescendeu com Fernandes Thomaz e outros regeneradores de
pêso. Mandadas submetter a processo as auctoridades de S.
Paulo em 1 de julho, na sessão immediata o congresso entrou
a examinar o relatorio de 18 de março.
Compendiadas em outra parte as providencias nelle suggeridas, apenas
lembraremos que a
[358]
commissão, salvo a remoção do Brasil
das tropas europeias solicitada pelos ultramarinos, attendia a todos os
mais desejos do novo reino
[452].
Assim propunha a permanencia de D. Pedro
na America, conforme acabara de ser decretada, a
extincção dos tribunaes a juizo do Regente e o
reembolso ao Banco do Brasil. O ultramar americano teria uma ou mais
delegações do poder executivo. O que,
porém, no projecto agradava sobremaneira aos brasileiros era
a subordinação da mêsa da fazenda e do
commando das armas ás juntas governativas. Os chefes da
força armada
virião a fazer parte das
administrações provinciaes com votos,
porém, tão sómente nas
materias de sua jurisdicção. Era esse,
aliás, o
parecer de Silvestre Pinheiro, ministro dos negocios extrangeiros,
ouvido sobre o negocio, mas o preclaro estadista ia mais longe: opinava
que ao governo local devia competir a nomeação do
commandante das armas.
A commissão rejeitou o conselho, recêosa de tirar
ao poder executivo da metropole a influencia que lhe resultaria de ter
um official de sua escolha na testa dos regimentos do Brasil.
Decretado que o regente supprimiria os tribunaes do Rio como e quando
lhe conviesse e que a junta da fazenda seria presidida por um dos
membros do governo da provincia
[453],
o congresso resolveu tratar do
commando das armas após vehemente
opposição dos
próceres da revolução. Entendiam uns
que como os artigos addicionaes em estudo não
deixarião de attribuir
[359]
aos delegados do poder executivo auctoridade
sobre o exercito, não valia a pena estabelecer reforma
provisoria, mandava a prudencia se conservassem as cousas taes quaes
até a organisação
definitiva do Brasil. Entendiam outros ser indecoroso ao parlamento
legislar para povos que não observavam as suas
determinações
[454].
Nem uns nem outros falavam com sinceridade. Os regeneradores
não podiam, em verdade, discutir a proposta senão
para a condemnarem, porquanto Madeira protestava abandonar o posto, na
hypothese do poder militar ficar dependente da auctoridade civil. Ora,
como só na Bahia se exercia com efficacia a
acção das
Côrtes, não era licito a estas adoptarem uma
reforma que as deixaria ao abandono na America e desbarataria o sonho
daquelles, e eram numerosos, que enxergavam no official
português o restaurador glorioso da influencia da metropole
por todo o reino ultramarino. Por outra parte, o projecto, divulgado em
além-mar, fazendo antever a
reparação das queixas dos brasileiros,
não o podia repellir a assembléa sem estimular o
descontentamento contra a mãi patria. Sobravam, pois,
razões aos portuguêses para não
ventilarem a materia. Comprehenderam-no os deputados americanos, e
alcançaram tambem que, tratado o negocio, eram por demais
tenues as
probabilidades de
solução consentanea com os
seus desejos. Insistiram, todavia, com ardor pela discussão,
porque por vaga que fosse a esperança de desopprimir a
grande provincia da presença de Madeira, era uma
esperança, e não deviam esses
[360]
lidadores tenazes abrir mão do que
a gerava. Villela Barbosa, os bravos deputados do Ceará, os
paulistas e Araujo Lima aconchegaram-se aos bahianos, reclamando o
exame do artigo.
Per essa epoca entraram nas Côrtes os padres José
da Costa Cirne e Domingos da
Conceição, representantes substitutos da Parahyba
e do Piauhy. Ultimara-se a constituição em 12 de
julho, e como urgia que a assignassem o maior numero de deputados, o
Congresso não quis por mais tempo aguardar os mandatarios da
Parahyba, o dr. Francisco de Arruda Camara e o vigario Virginio
Rodrigues Campello que, eleitos com Monteiro da França,
deixavam-se, comtudo, ficar em Pernambuco
[455],
e os do Piauhy, Ovidio
Saraiva de Carvalho, domiciado no Rio, e Miguel de Sousa Borges
Leal
[456].
Se deste corria noticia de se achar em viagem para o Reino,
presumia-se que aquelle sob a influencia dos acontecimentos do Brasil
meridional não se apartaria de sua residencia. As
Côrtes convidaram, pois, os substitutos dessas
deputações retardatarias, os quaes eram os
sacerdotes referidos, a tomarem assento
[457].
Já nos occupamos
em outra parte da
representação da Parahyba. No Piauhy a
acclamação do novo regimen operou-se sem abalo, e
aos 30 de outubro realizaram-se as eleições. O
substituto agora installado era português como Segurado e
Vergueiro mas os não egualava no amor da
[361]
terra adoptiva. Tão intenso,
porém, se mostrava a grita contra o decreto 124 de 29 de
setembro, que Domingos da Conceição tomou parte
no debate com a vehemencia dos brasileiros mais resolutos.
«Adiar este artigo, exclamou o sacerdote com energia que
não mais se reproduziu, adiar este artigo é
lançar polvora e applicar toda a lenha para incendiar o
Brasil»
[458].
Barata, pequenino e intrepido, levantou-se irado, despojada a sua
eloquencia da ironia e malicia habituaes. O assumpto não
soffria
protelação por causa da anciedade com que o
Brasil aguardava o seu desenlace. Importava, demais, aos deputados de
além-mar conhecerem o voto da assembléa, para
tomarem posição
perante a carta constitucional, porque caso as juntas não
guardassem os poderes, de que foram investidas pelos povos, os
brasileiros não a sanccionarão
com o seu nome.
Surgia pela primeira vez a formidavel questão da assignatura
da constituição pela America.
«Se o parecer for adiado e as desordens continuarem no
Brasil, rematou o bahiano, já declaro que não
assigno a
constituição, e desde agora protesto que emquanto
existir na Bahia um europeu de farda com bayoneta ou espada,
não assigno a constituição porque me
julgo coacto e em guerra».
[459].
Succedeu-lhe Costa Aguiar, de S. Paulo. Em verdade, declarou, a
organização dos governos
[362]
ultramarinos estava
dependente do que a constituição decretasse, mas
agora se
não cogitavam de providencias definitivas senão
de revogar um acto provisorio, qual a resolução
de 29 de
setembro. Se estivessem em jogo os interesses do Brasil meridional,
continuou com lealdade, julgaria desassisado providenciar o Congresso
ácerca delles porquanto corria perigo de ser desobedecido.
Tratava-se, porém, de attender ás provincias
do Norte, tranquillas e doceis,
e que,
até, haviam requerido contra a actual
constituição do commando das armas.
As Côrtes resolveram tratar do assumpto na sessão
seguinte.
Sem embargo da opposição que o decreto 124
encontrou em S. Paulo
[460]
e em Minas
[461],
foi mais a circumstancia de
caber a direcção da força armada aos
officiaes portuguêses do que ser ella independente das
juntas, que o fez considerar no Brasil instrumento de
oppressão ao serviço da mãi patria.
José Bonifacio
e Teixeira de Vasconcellos arriscavam não formar proselytos,
quando clamavam que os governadores militares subordinados ao poder
executivo da metropole eram proconsules, resurgiam os
capitães generaes, se o ministerio e as Côrtes
não nomeassem officiaes europeus para o commando dos
regimentos ultramarinos. Ninguem attribuiria, em verdade, a um militar
brasileiro intuitos de molestar
[363]
os compatricios
no interesse da preeminencia de Portugal. O acto de 29 de setembro
determinando que assumiria a gestão militar das provincias
administradas recentemente por governadores e capitães
generaes o general mais antigo, e nas outras a patente mais graduada
até coronel, sem indicar a nacionalidade,
entendêra o Brasil que exerceria o posto o general ou o
coronel que se achasse na capitania, fôsse europeu ou
americano. Sem duvida que a discussão deixara entrever ser
idéa dos constituintes portuguêses tornar aquelle
cargo privativo dos seus conterraneos mas como isso não
constava do decreto, podia-se acreditar que semelhante conceito
não merecêra a sancção das
Côrtes.
As provincias do Norte acolheram, por
isso, não só sem desconfiança mas com
alvoroço a resolução legislativa. As
juntas eleitas e os
novos commandantes apressaram-se em communicar á
assembléa constituinte a tranquillidade dos povos e em lhe
protestar fidelidade
[462].
Se por acaso em alguma parte, como aconteceu
na Parahyba
[463]
o acto das côrtes não teve
cumprimento rigoroso, não foi porque repugnasse aos
moradores a independencia do chefe militar para com a autoridade civil,
senão porque as tropas indisciplinadas recusavam obediencia
ao official investido, pela lei, do commando. Até
Pernambuco
[464]
e a sua vizinha meridional mostraram-se satisfeitos com
[364]
a reforma: o general Manuel Pedro que tomara a
direcção das forças da Bahia por
portaria do ministro da marinha, lisongeado da confiança do
Reino, communica estar tranquilla a provincia e sempre animada
«dos mais energicos sentimentos de amor á
constituição e á
união dos tres reinos»
[465].
Quando, porém, se tornou conhecida a portaria de 9 de
dezembro que investia da administração militar
das provincias ultramarinas aos naturaes do Reino, excluidos
systhematicamente os brasileiros, estes se escandalizaram, confirmando
a previsão do atilado Hippolyto da Costa
[466]. Apenas os novos
titulares desembarcavam, as juntas que até então
se haviam mostrado accordes com os chefes do exercito, já
não podiam tolerar os recem-chegados. Consideravam com
prevenções esses representantes da mãe
patria, que na realidade evocavam os antigos capitães
generaes, de memoria detestada, porquanto não
responderião pelos abusos do poder senão ao
governo distante de Lisboa; e o official português, de outra
parte, orgulhoso de sua origem e julgando-se por isso superior aos
povos que vinha reger, não sabia ou não podia
desfazer a desconfiança geral
já nas relações com a auctoridade
civil,
já no contacto com os moradores. Mal desembarcava o
commandante das armas, o primeiro correio trazia á Europa
queixas das juntas e das camaras contra elle. O proprio
Pará, onde o elemento reinol preponderava como em nenhum
outro ponto do Brasil, e cujo governo era submisso ás
[365]
Côrtes, não pôde deixar de representar
contra José Maria de Moura por tratar com menosprezo o poder
civil
[467].
Salvo Villela Barbosa que precedentemente reputara altamente injurioso
á officialidade brasileira o preteriram-na do commando das
tropas ultramarinas, os deputados brasileiros não encaravam
o assumpto sob esse aspecto irritante, mas á luz do Direito
publico que não consente o poder executivo sem a
disposição da
força armada. Nem outro foi o ponto de vista do
representante fluminense no debate instaurado em 22 de julho.
A discussão em 22 de julho correu tão breve
quão animada e com escassa assistencia dos americanos.
Encetou-a o arrebatado Girão que previu o exterminio dos
portuguêses pelos brasileiros, caso os governadores militares
fossem dependentes das juntas. Não acreditava tão
pouco que o congresso fosse assás temerario para decretar
uma providencia que entregaria a Bahia aos facciosos, perdendo desse
modo Portugal o ultimo baluarte que lhe restava na America,
graças ao valor de Medeira e aos
sacrificios de
gente e de dinheiro, da patria, despovoada e pobre.
Borges Carneiro estava allucinado. Attribuiu a D. Pedro a
intenção sinistra de attrahir a
Portugal os exercitos da Santa Alliança, adversarios da
liberdade dos povos, por vestir á moda austriaca a sua
guarda de honra. Convencido tambem do que o ministerio do Rio cogitava
de se apoderar das colonias das Asia e da Africa, aconselhara a
expedição de um vaso de guerra a
[366]
Angola e de quatro ou cinco mil
praças ao Brasil. O general proclamaria ás
provincias «offerecendo em uma das mãos a
constituição e os decretos liberaes das
Côrtes e com a outra lhes apontaria a possibilidade de
bloquear qualquer ponto rebelde, de punir uma cidade sublevada e de
fechar em Africa a fonte da industria e cultura do Brasil».
Falou em seguida Antonio Carlos, cuja posição por
haver assignado o parecer se tornara difficil. A proposta em
questão fôra formulada com o intuito de conciliar
os constituintes de um e outro hemispherio. Os portuguêses
transigiram sobre assumptos em que até então se
haviam mostrado intolerantes, e os brasileiros corresponderam
condignamente a esse empenho de congraçamento. Um dos pontos
de mais difficil accordo fôra justamente esse commando das
armas. Os europeus recusavam sujeital-o ás juntas com receio
de perderem toda a autoridade sobre o reino americano, em
razão de não terem
influencia nos governos provinciaes, eleitos pelo povo; e os
ultramarinos não queriam saber da independencia dos chefes
militares para com o poder civil provincial, por que sem
acção sobre a força armada,
elle se
tornara fraco e até
exposto a ser annullado pelas tropas, no caso de conflicto com o seu
commandante.
Irritava, demais,
os povos que no acto da
acclamação do novo regimen haviam investido da
gestão militar a administração da
provincia que lh'o
arrebatassem as Côrtes; parecia-lhes isso
usurpação,
abuso do poder. Para resolver a difficuldade os commissarios
brasileiros e portuguêses assentiram que o governo local
teria acção sobre o exercito, mas
que o chefe deste seria membro da junta com
[367]
voto, todavia, tão sómente nos negocios
militares. Conhecido no Brasil o projecto, por esta e outras clausulas
desagradou aos exaltados, que não admittiam fizesse um reino
em cousas de sua organização interna
concessões a um egual senão inferior, e Antonio
Carlos confessou ulteriormente, aliás sem resentimento, que
a sua condescendencia para com os europeus o despopularizara na
patria
[468].
Por outra parte, em consequencia dos recentes successos do
ultramar, o parlamento já não estava disposto a
transigir sobre o assumpto. Antonio Carlos entendeu, contudo
não deixar ao desamparo a proposta, impugnada tanto pelos
europeus como pelos brasileiros. Se aquelles rejeitavam a
subordinação do commando das armas ás
juntas, estes não admittiam que o chefe militar fizesse
parte do governo. Villela Barbosa, major do exercito e lente da escola
naval, poucos dias antes a commettêra com vigor o artigo. A
sua intelligencia
luminosa e o seu subido patriotismo se não compadeciam com o
espirito de classe, tacanho e funesto, e o insigne fluminense se
expressou de modo a ser renegado dos camaradas de hoje. Propugnava a
dependencia absoluta do exercito para com a autoridade civil, porque
não admittia a intervenção dos
soldados nos negocios da republica. Temia «o orgulho e
capricho militar». Oppunha-se, rematou, a que o chefe das
tropas tivesse assento nas juntas, embora fosse ouvido nas materias de
sua jurisdicção mas nunca influindo com a sua
presença e votos nas deliberações do
governo.
Antonio Carlos não cogitou de responder
[368]
aos compatricios, em desaccordo,
aliás, com elles sobre uma clausula accidental da proposta e
não sobre a sua substancia. Reconhecia que o submetter o
commando das armas á administração
local, já assás poderosa pela
confiança do povo, que a nomeara, parecia investil-a de
jurisdicção exorbitante e por isso perigosa. Se
não devia, porém, perder de vista que as juntas
sendo na realidade o poder executivo provincial não poderia
viver destituida de acção sobre o exercito.
Não era de temer que abusassem, porquanto respondiam de seus
actos ao ministerio da metropole e nenhuma dellas se achava em
condições de lhe resistir. Se o Brasil austral em
virtude de se oppôr ás
resoluções
legislativas, não merecia o desvelo das côrtes, as
provincias septentrionaes tão solicitas nos seus testemunhos
de respeito e obediencia ao congresso, tinham jus a serem ouvidas; ora,
ellas clamaram com vehemencia pela adopção
parecer. Dizia-se,
porém, agora que as attendendo, a assembléa
compromettia a segurança da Bahia e a sua influencia nos
povos fieis e que o momento, vista a convulsão progressiva
do reino americano, se não prestava a politica de paz mas
exigia
repressão severa. Se Portugal, advertiu, pôde
alterar, mudar modificar a forma de seu governo, egual direito tem o
Brasil.
D'alli por diante a oração, que não
transpusera até agora os limites de eloquencia mediocre,
porque Antonio Carlos se não sentia á vontade com
repetir argumentos repisados ou porque considerava vão o seu
esforço, vai
attingir região superior. Combate as
expedições
militares e pleitêa a causa da Bahia. O trecho é
longo; reproduzil-o-emos por constituir um bello
[369]
documento da coragem e lisura do grande
paulista. «...A constituição mutilou a
realeza
para a accommodar aos direitos e utilidade da
nação. Isto que Portugal tem feito é o
que o Brasil pode fazer tambem, sem ser taxado de rebelde, e sem que
para tolher-lhe o imprescreptivel exercicio da sua liberdade, haja
justiça de se lhe mandarem tropas. A mascara de amor e
fraternidade não pode mais excusar semelhante comportamento;
o véo é mui raro, traz luz por entre elle e a
verdade. Não é a presumida independencia
que pode justificar a remessa de tropas; ella não existe,
nada ha que a prove, nem mesmo o manifesto da camara do Rio a sua
Alteza Real; Côrtes especiaes subordinadas ás
geraes, delegado do poder executivo sujeito ao chefe supremo da
nação não formam elementos de
independencia, antes é uma união bem que mais
frouxa e complicada, porém a unica possivel. Se o temor de
independencia não justifica as medidas de rigor adoptadas,
menos as pode justificar o allegado pretexto de salvar os
portuguêses europeus da brutal vingança dos
brasileiros. O rancor não existe senão em alguns
pontos; as provincias do sul que mais energicas tem sido em se
oppôr á suspeitada injustiça de
Portugal, a nenhum só português tem offendido;
Pernambuco mesmo tem respeitado, quanto tem sido possivel, os
laços de parentesco, apesar de
provocações recentes e dos velhos resentimentos
de 1817. A Bahia descansava, no regaço da boa fé
e da inabalavel irmandade, quando attentados do mais criminoso dos
officiaes portuguêses, como o estampido do trovão,
destruiram de um sò golpe a sua até
então intacta
seguridade: mas que fez ella? Sacrificou a seus irmãos da
[370]
Europa? Não: antes
sangrando por todos os póros, humilhada e insultada,
é ella quem soffre mas não tem attentado nem
contra a vida nem contra os bens dos seus crueis oppressores: como,
pois, mandar novos janizaros para soccorrer a quem opprime e tornar
mais pesado o jugo já imposto? É nova
generosidade
embraçar as armas em favor do oppressor que não
precisa auxilio, e ensurdecer-se aos lamentos do opprimido que
só demanda justiça?! Mas clamam uns nobres
preopinantes, e tem-se neste recinto atturdido a todos com a
repetição da mesma linguagem: é para
guardar os brasileiros contra os negros que se lhes mandam os
batalhões não pedidos, antes detestados.
Assombrosa audacia! Terrivel zombaria accrescentada á mais
escandalosa oppressão! Tão ignorantes nos
acreditam que imaginam recebemos como obsequio insultos e offensas?!
Não sabemos nós melhor que ninguem que os
escravos não são para temer, que o seu numero
é insignificante comparado com o dos livres, e que a
doçura da servidão domestica entre
nós, tem feito dos nossos escravos antes amigos, do que
inimigos? Tudo sabemos, conhecemos as traças com que se
pretendem restabelecer as antigas cadêas, e apesar da nossa
repugnancia jurámos de antes morrer do que nos sujeitar aos
nossos eguaes: não temeremos as borrascas da intempestiva
independencia, se de outra sorte nos não pudermos salvar da
escuridão.
Obre-se com franqueza comnosco, declare-se-nos embora a guerra
generosamente, cesse de uma vez a burlesca farça de uma
illusoria
representação. Até quando
hão de inimigos estar sentados entre inimigos?
Até quando ha de continuar o vergonhoso commercio de
falsidades e
[371]
enganos, que
prodigas entornam linguas de mel, ao mesmo tempo que o
coração está
ensopado do mais refinado fél. Declare-se emfim a guerra
abertamente: deputados haverá, e eu sou um d'elles, que
preferirão a manejar inutilmente a imbelle lingua o
lançar-se nas fileiras dos seus irmãos, e morrer
nellas repulsando a injusta aggressão de qualquer parte que
ella venha»
[469].
Depois do primeiro orador da bancada americana subiu á
tribuna o mais eloquente dos portuguéses,
Moura. Fora um dos signatarios do parecer mas não teve
embaraço em o repellir allegando a mudança da
situação. Em
março todas as juntas acatavam as ordens das
Côrtes e do governo, e agora imperava no ultramar a anarquia.
«A junta de S. Paulo desobedece, injuria e até
nega a authoridade do Congresso; a de Minas legisla; a de Pernambuco
obedece numas cousas e desobedece noutras, a da Bahia faz
raciocinios; a do
Maranhão
hesita, e a camara do Rio reclama a independencia: e é
porventura no meio de tão vacillantes opiniões
que havemos de arriscar as ordens do governo a serem desobedecidas e
mallogrados os projectos que tendem assegurar a tranquillidade daquelle
paiz? Não é já tempo de subscrevermos
semelhante
concessão?».
Segundo Moura o designio de recolonizar o Brasil imputado ao congresso
não passava de tactica dos fautores da independencia para
inflamarem os animos contra a metropole no sentido de sua
aspiração, porquanto a carta
constitucional que regulava as relações, dos dous
povos não
[372]
concedia a uns direitos negados a outros.
Na verdade sob o ponto de vista da segurança e liberdade
individuaes assim acontecia: mas affirmar que a America ia achar-se em
egualdade politica com o Reino era protervia inqualificavel. Portugal
teria comsigo o rei, o ministerio e o parlamento: d'ahi resultaria a
vantagem inestimavel da fiscalisação immediata e
portanto efficaz do poder executivo pela
representação nacional; ao passo que a antiga
colonia seria regida por propostos não de sua escolha mas de
nomeação de metropole, e isto por
deliberação exclusiva dos constituintes europeus.
Não se podia dizer com seriedade que o Brasil fosse
representado nas Côrtes, visto que os portuguêses
em maioria legislavam para elle sem deferencia alguma para com os
deputados americanos. Vencia o que elles queriam e não o que
propunham os brasileiros. Que differença substancial havia
entre o regimen reservado á mais importante
secção da monarchia e aquelle applicavel
ás colonias da Asia e da Africa? Não
receberião todas como o ultramar americano governador da
Europa e designado pela mãi patria? Não era isto
reduzil-o a condição das dependencias africanas e
asiaticas de Portugal e por conseguinte degradal-o da categoria
indisputada de reino?
Moura repetiu com os collegas que as tropas portuguêsas
preenchiam no Brasil tres fins: conter os independentes, proteger as
pessoas e bens dos europeus e guardar os brancos da gente servil.
Rematou o seu copioso discurso declarando que mais do que Portugal
padeceria o Brasil com a separação. Aquelle
não soffreria
senão no prestigio politico, e este além de
perder a vantagem de pertencer ao systema europeu, fica exposto
[373]
á ambição de
nações poderosas e emprehendedoras e se
lançaria «em fragil barco ao mar tempestuoso e
embravecido da anarquia e das convulsões
populares».
Costa Aguiar, ha pouco installado no parlamento, não
perdêra provavelmente a esperança
de rectificar o juizo dos portuguêses acerca dos negocios do
Brasil. De feito não havia outra razão para
intervir no debate, do qual se affastaram desilludidos os brasileiros
mais pugnazes, quem não representava a Bahia nem
subscrevêra o
projecto. De todos os successos da America nenhum sobresaltava
presentemente mais os regeneradores do que a nova dignidade do regente.
Acclamado defensor perpetuo do novo reino pelas tropas e povo, a camara
do Rio ao felicital-o em 13 de maio pelo anniversario do monarca,
pediu-lhe acceitasse aquelle titulo em signal de sua
resolução de não abandonar o Brasil.
D. Pedro acquiesceu com bizarria. Exasperados com essa investidura, que
lhes burlava o intento de ter em Portugal o successor da
corôa, os portuguêses acommettiam com violencia aos
ultramarinos a titulo de pretenderem estes o despedaçamento
da patria.
Costa Aguiar começou tentando desfazer essa
apprehensão. A municipalidade, disse, com aquelle
requerimento não cogitava de proclamar rei o regente nem de
desunir a nação, mas simplesmente queria
pôr o novo reino ao abrigo de convulsões, que
resultariam necessariamente da ausencia de D. Pedro. Era, ao contrario,
uma medida para salvaguardar a integridade da monarchia e acceita com
enthusiasmo por todas as provincias. «O que os brasileiros
querem é ter os mesmos direitos e em tudo ser equiparados
[374]
aos povos de Portugal. Muito
embora se possa dizer que ha dissidencia de idéas politicas
nas terras do sul, porque em verdade ellas pensam de modo differente do
que aqui se quer, por forma alguma, porém, semelhante
diversidade de pensar deve ser denominada independencia, por que ha
grande differença entre uma e outra cousa».
A escravatura no reino americano, prosegue, não é
assás numerosa comparativamente
aos brancos para gerar temor de se reproduzir ahi a tragedia de S.
Domingos. Na Bahia, que contém a maior
população negra, ha um escravo para tres homens
livres e em outras partes a proporção
varia de um para cinco e oito. Se em além-mar ninguem teme a
gente servil, não ha razão para o Reino se
despojar de seus soldados com o fim de a conter. O facto, continua, de
reinar em Pernambuco harmonia entre o chefe militar e a
administração civil quando por toda a parte
subsiste entre elles discordia persuade que a
instituição, presuppondo nos que exercem esses
cargos qualidades excepcionaes, se não accommoda
á indole commum dos homens. No Pará a junta geria
os negocios publicos a contento geral e sem conflicto entre os seus
membros ou com outras auctoridades, quando á chegada de
Moura os horisontes politicos se turvaram. Este general invade a cada
passo attribuições alheias e menoscaba o poder
provincial.
Aceita, pois, o projecto na parte que subordina o exercito ao governo
local mas não admitte que o commandante da força
armada faça parte, por direito, da junta, supposto tenha
voto nos negocios do seu ministerio. O mandato d'aquelles
administradores vigorando por dous
[375]
annos e sendo sem prazo a
commissão militar, os eleitos do povo ficariam de alguma
fórma na dependencia do chefe das tropas, por causa do
receio que, finda a sua missão, o collega militar que
continuava no poder, os molestasse ou os não servisse.
Propunha, rematou, que os commandantes votassem nas materias de sua
jurisdicção discutidas pela junta mas que
não fossem membros natos d'ella.
Os levianos têm sempre alguma cousa que dizer, e por isso
Miranda, o mais leviano dos homens, galgou a tribuna com desempeno. Era
um d'esses espiritos singulares que não vendo
senão o reverso da realidade, proporcionarião a
estadista sagaz modo seguro de se recommendar ao louvor da historia:
não teria mais que seguir a direcção
opposta á apontada por
elles. Começa por affirmar que os deputados da America se
cansavam em vão por illudir o Congresso com os protestos de
não haver no Brasil partidarios da independencia, e insinua
que surprehenderam a boa fé dos portugueses que collaboraram
no parecer. Não o intimidam as facções
do
reino americano incapazes de resistencia ás armas da
metropole, no presupposto do poder executivo obrar com vigor, tanto
mais que, dominado em geral de sympathia ao Congresso, o Brasil acolhe
com alegria os regimentos europeus. Apesar, porém, de sua
confiança na fidelidade dos povos de além-mar,
recêando adoptem as juntas a maneira de pensar do governo do
Rio, reprova a proposta.
Melindrado com a imputação de perfidia irrogada
aos representantes americanos, Antonio Carlos apenas Miranda acabara de
fallar, exigiu do offensor desaffronta. Presidia a assembléa
[376]
Gouvêa
Durão, circunspecto e conciliador, e que até ha
pouco se não mostrara hostil aos
ultramarinos. Os negocios, porém, haviam inflammado os
animos a termos de se tornar suspeito ao patriotismo lusitano quem
procedia sem injustiça para com os irmãos mais
novos. O presidente não descortinou, por isso, injuria nas
palavras do compatriota, allegando que se exprimira genericamente.
Antonio Carlos
retrucou com
escandalo da assembléa:
«Eu pela minha parte digo com toda a franqueza que a minha
opinião será sempre o da minha provincia; se o
Brasil quiser a separação e independencia julgo
dever religioso
para mim adoptar o que elle seguir».
Uns suspeitavam, outros estavam certos de que a revolta de D. Pedro
contra as Côrtes, tendia a desbaratar o regimen.
Entre estes figurava Fernandes Thomaz
[470]. Parece, pois,
que os reaccionarios, os corcundas como lhes chamavam os regeneradores,
deviam esforçar-se por enfraquecer a authoridade do poder
legislativo no Brasil. Os corcundas, porém, eram
portuguêses e os portuguêses queriam maiormente
manter sob o jugo do Reino o ultramar. Havia, contudo,
differença entre os liberaes e conservadores nas referencias
aos brasileiros: aquelles molestavam com frequencia os
irmãos mais novos, e os ultimos na defesa da preeminencia da
mãi patria se não serviam de termos aggressivos.
Não havia corcunda mais corcunda que o barão de
Mollelos, e no entanto o projecto em discussão
não teve nunca adversario mais antigo nem mais tenaz. Aos
seus argumentos perfilhados agora pelos
[377]
corypheus da
revolução, ajuntou na presente sessão
uma consideração nova. Declarou
que o segredo das operações militares
constituindo um dos elementos do exito dellas, subordinado o commando
das armas ás juntas, corria risco de ser divulgado com
antecipação o
movimento das tropas e quaesquer planos de estrategia.
Barata fez um longo discurso, desordenado e violento, mas que
certamente colheu applausos na patria indignada com a metropole. O
exordio evoca o seu primeiro contacto com a
representação
nacional em 17 de dezembro. Lembra que em consequencia das Bases
declararem obrigatorias para o Brasil as
disposições constitucionaes approvadas por seus
mandatarios, propusera então que se não
discutisse o pacto social na ausencia dos americanos. Não o
quiseram attender, allegando que com representarem os deputados a
nação, assistia a maioria, fosse constituida de
europeus ou ultramarinos, o direito de legislar para qualquer parte da
monarchia sem dependencia dos seus mandatarios directos. Como
extranhasse semelhante comprehensão do Direito Publico e
insistisse no seu requerimento, o presidente, de accordo com os
regeneradores, protestou que, finda a carta constitucional, se trataria
de organizar o novo reino a aprazimento dos brasileiros.
Este começo rigorosamente verdadeiro, pois que se estribava
nas actas do parlamento, devia magoar os constituintes, que, na
effervescencia das paixões, não houvessem perdido
o sentimento da honra. Infelizmente Barata, ou por temperamento ou
porque os brasileiros falavam agora mais para os patricios distantes do
que para as Côrtes,
[378]
surdas ás suas vozes, trocou esse terreno solido pelo
vago das generalidades. É todavia, interessante o seu
discurso. Combatido o projecto segundo o pensamento dominante da
bancada americana, disse que os ultramarinos formando minoria
não tinham esperança de triumphar nas
decisões legislativas. «Mas que successo pode ter
o meu discurso, quando os illustres membros são mais de cem,
e nos brasileiros trinta ou quarenta, que,
á
excepção de poucos, os mais são taes e
quaes e nada valem. (Alguns deputados gritam á
ordem! e o orador continuou). Falo com os meus amigos e companheiros,
não offendo a ninguem, estou na ordem».
Talvez na esperança de que as demasias do bahiano irritassem
os compatriotas a termos de crear dissidencia avultada na
deputação da
America, os portuguêses, em reconhecendo que elle se dirigia
aos compatricios, não mais o interromperam. Barata, que
formava singular conceito da amizade, pois, entendia que os amigos eram
feitos para ouvir impertinencias, acaso por descobrir a manobra,
não proseguiu na digressão inflammavel
e voltou ao assumpto com
vigor.
O empenho de desfazer nos lusitanos a
apprehensão do desmembramento da monarchia em ordem a
alcançar a sujeição das armas
ás juntas, induziu Barata a encarecer o amor da integridade
nacional. «O Brasil não se quer separar de
Portugal, desde que os seus deputados aqui chegaram, tém
procurado a união: eu mesmo tenho falado sempre com a maior
sinceridade e enthusiasmo; mas o Congresso é incredulo; pois
eu affirmo que Portugal se não ha de separar do Brasil,
por
que o Brasil não quer; o
Brasil ha de lançar-lhe arpéus com que o ha de
unir e
[379]
prender a si; e ainda
haverá quem diga que o
Brasil aspira á desunião?»
Semelhante linguagem quando os acontecimentos do novo reino o
arrastavam para a independencia, não exprimia o pensamento
do liberal mais exaltado da bancada ultramarina. Nem Antonio Carlos,
Lino Coutinho, Moniz Tavares, Alencar, nenhum dos mais ardentes da
deputação se expressaria nesses termos, mais
proprios de reinol fanatico. A falta, porém, é
venial, por
não envolver perfidia. Barata anciava por alliviar a patria
de Medeira e não cuidava de
promover a independencia, dando á junta a
disposição da força armada.
Encerrou o debate Fernandes Thomaz. Ninguem ignorava a sua
opinião sobre o negocio. Quando os regeneradores propendiam
a sanccionar o parecer, o astuto constituinte que o não
approvava, recommendou o adiamento a titulo de se aguardarem novas
informações mas na realidade
esperançado de recrescerem occorrencias capazes de modificar
a disposição da
assembléa. Ainda desta vez não falhou a sua
sagacidade. O liberal que fizera a revolução em
sua patria, negava peremptoriamente aos da America o direito de se
governarem a seu gosto, e baseado na intelligencia cavillosa da
formula,―os deputados representam a
nação,―descoberta por elle, alcançara
annullar a deputação
da America e entregar a sorte do Brasil aos europeus. O propugnador
mais habil e mais tenaz da dependencia do Brasil para com o Reino
combateu o artigo com brevidade. Sujeito o governo militar
ás juntas, disse, será mistér mandar
com o decreto navios que tragam as tropas lusitanas destacadas no
ultramar. Se não houvera mais que
[380]
essa consideração
não mereceria
referencia o seu discurso; mas contém cousa mais grave, e
que justifica a aversão dos brasileiros aos militares do
Reino. Acredita, advertiu, não haver official deste lado do
Atlantico que se submetta ás juntas provinciaes. Moura
falara no mesmo sentido, attenuando, porém, com artificios
de linguagem o que poderia haver no conceito de offensivo ao amor
proprio dos brasileiros e não com a nudez brutal da
philaucia metropolitana do revolucionario. A allusão a esse
sentimento estupido, desacompanhada de censura, era sanccionar a
arrogancia aggressiva desses soldados, da qual se queixavam os povos do
Brasil. Não bastava esse commum sentir da officialidade
europeia para que um prudente estadista a desviasse do Brasil? Rematou
o seu discurso alvitrando se não alterasse com medidas
provisorias o que devia ser corrigido definitivamente pela carta
constitucional. «Está para se acabar a
constituição com a sua
addição para o Brasil: diz-se aos
brasileiros: aqui está o pacto social, se o quereis, muito
bem; se não, tratai da vossa vida, que nós
trataremos da nossa».
Enganar-se-ia, porém, quem o julgasse inclinado a reger o
ultramar pela persuasão. Mais bem informado da miseria
financeira da patria do que Miranda, Gyrão, Borges Carneiro
e outros sabia perfeitamente que a situação do
erario não comportava expedições
militares
assás importantes para serem efficazes, e por isso cuidou de
estimular o clero, o commercio e os capitalistas com exemplos de
civismo, colhidos na historia nacional, a proporcionarem recursos ao
governo. O clero, o commercio e os argentarios, que assistiram
impassiveis ás difficuldades e angustias
[381]
do Thesouro por
occasião de se enviarem a Bahia seiscentas
praças, não acudiram
á suggestão, persuadidos talvez da inanidade dos
sacrificios. O artigo foi rejeitado, e não sabemos quaes os
brasileiros, se os houve, que acompanharam a maioria, por
não ter sido nominal a votação.
Com o intuito de desembaraçar a Bahia de Madeira, Alencar,
propôs em seguida se removessem para outras provincias os
commandantes em conflicto com as juntas. O congresso suffocou o negocio
reservando a discussão para a segunda leitura do
requerimento
[471].
Em testemunho de sua politica energica, publicaram-se no dia immediato
os decretos declarando temporaria a permanencia de D. Pedro no
ultramar, mandando processar as autoridades de S. Paulo e annullando o
acto do governo do Rio, que convocara os procuradores das provincias
brasileiras
[472].
CAPITULO XX
SUMMARIO:
Os novos artigos addicionaes.―Indifferença
dos brasileiros.―Os portuguêses querem mais de uma
delegação no Brasil.―Guerreiro.―Voto manhoso do
Congresso.―José da Costa Cirne presta juramento.―Padre
Virginio Rodrigues Campello.―Manuel Felix De Véras,
deputado do Sertão de Pernambuco.―A
representação do Rio Grande do
Norte.―Montenegro.―Resoluções hostis contra o
Brasil.―Proclamação.
Os brasileiros eminentes que haviam formulado o parecer de 17 de junho,
condemnado com violencia,
pela
maioria,
abstiveram-se quasi unanimemente de collaborar no novo projecto,
convencidos de que nenhum outro plano de governo do Brasil satisfaria
esses povos, ou molestados com os doestos nascidos do calor do debate.
O brando Fernandes Pinheiro, aggravado com as injurias de Moura,
sollicitou com lagrimas na voz, excusa da commissão
[473]. Regeitaram-lh'a,
[383]
mas o sensivel deputado não se determinou a
trabalhar nella, no que o imitaram Antonio Carlos, Lino Coutinho e
Araujo Lima. Ou porque assignasse o primeiro relatorio mais por
comprazer a estes do que por convicção
espontanea
[474].
ou porque a sua dependencia do governo
português, em razão de leccionar na escola de
Marinha de Lisboa o obrigasse á deferencia para com as
Côrtes, Villela Barbosa foi o unico dos signatarios do
projecto repellido, que se conformou com a ordem do Congresso
á commissão para apresentar outro trabalho.
Não enxergue o leitor em nossa conjectura o intento de
desluzir o caracter do eximio lente de geometria. Sobejam nos annaes
das côrtes provas de solidariedade estreita do fluminense com
os collegas mais estrenuos na defêsa da causa do Brasil e
exemplos de altivez e patriotismo.
Para o demonstrar basta lembrar que antes de soar com estrepito no
Congresso o clamor da America contra o famigerado decreto sobre a
organisação dos governos ultramarinos, o futuro
marquês de Paranaguá o verberara com vehemencia
nunca excedida, desvendando os intuitos de
recolonização que n'elle se escondiam
[475]. O
emprego publico podia leval-o a certas attenções
para com o governo e o parlamento, mas por causa d'elle não
comprometteu jámais a sua honra ou as conveniencias
sacrosantas da patria. Por eloquente e subtil orador que
fôsse o interesse, Villela Barbosa tinha a intelligencia
assás vasta
[384]
para lhe alcançar os sophismas e o
coração assás puro para resistir
á sua seducção.
Além de Villela subscreveram o novo plano o fluminense
Martins Basto, o desembargador Belford, do Maranhão, e
Fortunato Ramos do Espirito Santo, os quaes se não
hombreavam com aquelle em facundia e illustração,
não haviam patenteado
desfallecimentos no exercicio do mandato. Fortunato Ramos e Belford,
mais que Martins Basto
[476]
tinham invariavelmente seguido nas
votações os
principaes da bancada brasileira. Não eram, pois, homens
desestimados desta como o bispo do Pará e Beckman, que
preferiam submetter as suas provincias, Pará e
Maranhão, ao governo da metropole á regencia do
Rio; quaes os bahianos Pinto da França e Bandeira, que por
leviandade ou servilismo assignaram sem reserva o projecto commercial
tendente a tolher o trato da Europa com a antiga colonia, e como o
alagoano grangeiro, signatario do parecer que condemnava
José Bonifacio e outros defensores da dignidade e interesses
da patria. A despeito de não condemnarem em todas as suas
partes o novo projecto e do apreço em que tinham os seus
auctores, as figuras primaciaes da representação
ultramarina não tomaram parte na discussão, salvo
Antonio Carlos, o mais pugnaz dos americanos, persuadidos de que a
sorte do Brasil não dependia mais das Côrtes. De
feito já corria voz que o regente chamara os representantes
do Brasil em assembléa legislativa e que Pernambuco com o
enthusiasmo tradicional com que
[385]
servia
as idéas liberaes, adherira ao movimento do Rio e expedira
emissarios ao Norte para propugnarem a boa causa. Os deputados
pernambucanos que, reconhecidas as prevenções das
Côrtes contra a antiga colonia, começavam a faltar
ás
sessões, e deixaram absolutamente de as frequentar depois do
voto de 22 de julho no sentido de permanecer o commando das armas
independente das juntas, nem agora, que se ia discutir projecto de
tão alta importancia para o ultramar, julgaram conveniente
quebrar o proposito.
Mais
de um deputado
português perfilhava tambem a
idéa de que as Côrtes já
não governavam o Brasil. Gyrão propôs o
adiamento do debate, grandemente desconsolado com o estado economico da
patria por não comportar expedição de
dez mil homens armados de
«syllogismos de aço» a fim de convencer
os de além-mar de que os parentes os não
intentavam reduzir a colonos
[477];
e o abbade de Medrões
ponderou que só uma esquadra os reconduziria á
obediencia e que a acompanharia de bom grado. Antonio Carlos redargiu
ao caritativo religioso que essa armada não podia ter
capellão mais digno. O Congresso, porém,
entendendo que se não devia desinteressar da antiga colonia
emquanto houvesse algumas provincias fieis, encetou a
discussão.
A assembléa ao repellir os primeiros artigos addicionaes,
determinara que o novo projecto estabeleceria uma ou mais
delegações, investidas em authoridade collectiva
ou singular, mas nunca
[386]
no successor da corôa ou em
qualquer membro da familia real.
A commissão, preoccupada com assegurar a integridade do
reino ultramarino, propôz a
creação de um só centro do poder
executivo com o titulo de regencia. Comporião a regencia
sete membros nomeados pelo monarcha entre as pessoas que as provincias
lhe houvessem indigitado; porque cada provincia no acto de eleger a
junta, escolheria tambem o seu candidato para o governo supremo. Os
regentes designarião um dos collegas para dirigir os seus
trabalhos assim como o vice-presidente, e serião assistidos
de tres secretarios de estado tirados por el-rei da lista proposta pela
regencia. A cargo dos secretarios ficarião os negocios
ecclesiasticos e da justiça, do reino e da fazenda, e os da
marinha e da guerra.
Todos esses funccionarios responderião de seus actos perante
o governo da metropole. Era vedado á
delegação: preencher os
arcebispados e bispados; prover os cargos do Supremo Tribunal e os
postos elevados do exercito desde tenente general, praticar actos de
politica externa e conceder titulos honorificos
[478].
Os portuguêses não quiseram saber de uma unica
regencia com o fundamento de não satisfazer os intuitos da
delegação. Esta fora admittida a fim de facilitar
aos habitantes do ultramar a interposição de
recursos para a authoridade suprema; ora um só representante
del-rei, embora com séde no ponto mais central do paiz, em
virtude da extensão do territorio e das difficuldades
[387]
de communicação, não
approveitaria aos povos distantes. A bem da commodidade geral devia
haver ao menos dous centros do poder executivo, um no Rio com
jurisdicção sobre as provincias austraes e outro
talvez na Bahia para as provincias do centro e do norte
[479]. Alguns
propunham além das duas regencias, que o Brasil
septentrional desde o cabo S. Roque se tornasse sujeito a Portugal
[480].
Do estabelecimento de dous governos não resultaria, ao seu
parecer, a mutilação do
Brasil, porque ambos emanavam da mesma fonte, enfeixavam-se no poder
executivo. De mais, «se desligamos de Portugal esse centro do
poder executivo, não o havemos de desligar no Brasil para o
bem dos seus habitantes?»
Era Serpa Machado, quem assim se exprimia. Não é
possivel precisar até que ponto
lhe interessavam as vantagens dos brasileiros mas se não
pode contestar que o desmembramento da delegação
não divergia na essencia de
conceito seu expresso precedentemente. Confessara elle em 29 de junho
não haver meio mais apropriado ao enfraquecimento do Brasil
perante as Côrtes, que lhe dar tantas regencias quantas eram
as capitanias.
Os brasileiros contradiziam semelhante modo de ver por se
não conformar com a vontade do reino americano manifestado
em cartas, em jornaes e sobretudo nas
representações das juntas e
[388]
das municipalidades
[481].
Sobre as conveniencias particulares prevalece o
interesse supremo, que é manter um unico agente do poder
executivo, a fim de evitar conflictos de
jurisdicção e de
assegurar a unidade do commando das forças brasileiras, sem
a qual se compromette a defêsa contra o extrangeiro e a
reducção das revoltas domesticas. De feito no
caso de duas regencias, as tropas de uma não passam
á
disposição da outra sem consentimento daquella, e
como não está na natureza dar cousas que a
authoridade se enfraqueça
scientemente, ao governo solicitado se deparará pretexto
para não servir ao visinho, tanto mais que lhe é
licito adduzir a necessidade de se acautelar contra o contagio da
insurreição ou contra a surprêsa do
inimigo. Para obviar a este
inconveniente,
tornar-se-á
mister supprir as delegações com exercitos
assáz fortes.
Gravar-se-hão, porém, deste modo as
finanças do novo reino, e não será o
unico augmento da
despêsa que gerará a dualidade do governo.
Convirá em verdade, que em cada regencia se achem todos os
recursos administrativos e judiciarios e não ha
razão para que se negue a uma o que se dispensa a outra.
Muito devia affligir a esses lidadores incomparaveis que, estimulados
senão esclarecidos por José Bonifacio, reputavam
o elemento essencial da importancia futura do Brasil a sua integridade
territorial, a attitude extranha do bispo do Pará e Beckman,
os quaes haviam manifestado anteriormente o desejo de sujeitar as suas
respectivas provincias a Portugal de preferencia ao governo
[389]
do novo reino. D.
Romualdo parece, todavia, ter abandonado aquelle alvitre, porque
propugnava agora a creação no Brasil de duas
delegações por assim o querer a sua provincia.
Antonio Carlos advertiu-lhe com acerto que confundia
administração com governo. Devia haver tantas
administrações locaes quantas as
provincias, mas todas subordinadas a um só poder supremo a
bem da ordem e indivisibilidade do Brasil.
Havendo os povos do reino americano formulado a sua vontade nesse
sentido, não era licito aos seus mandatarios affastarem-se
della. Se por acaso, porém, alguma provincia se recusava a
submetter á regencia para ficar na dependencia de Lisboa,
devia declaral-o sem rebuço. «Se o Pará
quer ser desmembrado do Brasil, diga-o claro». O cearense
Castro e Silva começa por invocar contra o bom do prelado o
Evangelho: «todo o
reino
dividido será assolado. Nem o bispo do Pará nem
qualquer representante americano, prosegue, podem aceitar duas
delegações sem trahirem o mandato, porque os
deputados do Brasil não trouxeram poderes para a
mutilação da patria. A
separação de qualquer provincia, vista a
gravidade extrema do acto, exige expressão da vontade muito
positiva daquella que se intenta desligar das irmans»
[482].
Dos portuguêses nenhum interveiu no debate com vistas mais
elevadas nem com mais isenção de animo que
Guerreiro. A bem do engrandecimento futuro da antiga colonia, ponderou,
devemos promover o sentimento da nacionalidade, o
[390]
qual por assim
dizer ainda não existe ahi, tão dominante se
revela o espirito provincial, e para o conseguir não ha
expediente mais apropriado que submetter aquellas partes a um
só agente do poder executivo. D'ahi promanarão
sem duvida inconvenientes aos povos que não puderem appellar
para a auctoridade central sem viagens longas e penosas. O interesse,
porém, attenuará grande parte do mal com a
abertura prompta de boas vias de communicação, e
o que ainda restar de máu, liberalmente resgata-o a
união e a solidariedade das provincias, sem o que o Brasil
jámais será nação
poderosa. Demais, aquelles povos querem viver debaixo de uma
só regencia, como revelam tantos testemunhos. Mas emquanto a
séde da delegação se
não transfere do Rio para ponto mais central, parece que
Pará e Maranhão affeitos a recorreram aos
tribunaes de Portugal, devem-se manter dependentes da antiga
metropole
[483].
Com assignalar que o bairrismo provincial preponderava a termos de
não consentir que vingasse o espirito nacional, Guerreiro
reconhecia um phenomeno social plenamente averiguado e confirmado pela
historia
[484].
De feito esta não mostra a solidariedade das
provincias nem até perante as incursões
extrangeiras. Repellia-as o ponto aggredido, ajudado das
regiões limitrophes levadas do instincto de
conservação e
não de qualquer sentimento de unidade politica. O magnifico
enthusiasmo que provocou a guerra do Paraguay
[391]
attrahindo das terras menos expostas
ás violencias do inimigo ás fronteiras do sul
numerosos voluntarios, é um facto sem precedente nas guerras
hollandêsas e nas invasões francesas. O espirito
nacional acordava agora sob o impulso de José Bonifacio,
cuja fama incontestada de sabio e de patriota sem mácula,
dava a sua palavra uma auctoridade tal que ninguem jámais a
possuiu tão grande no Brasil.
O parecer de Guerreiro lograria certamente conciliar as
opiniões se, não fôra o
facho de esperança,
acceso
por Madeira, de
trazer a Bahia submettida a Portugal e talvez todo o norte. Com uma
unica delegação, comprehensiva da Bahia, cessava
virtualmente o poder do energico cabo e por conseguinte Portugal vinha
a perder o apoio mais solido, que, consoante as apparencias, lhe
restava no novo reino. Se bem não soasse nos debates o nome
do official português, não escapou a maioria esse
temeroso effeito da proposta e por isso a rejeitou absolutamente.
Approvou o Congresso houvesse no Brasil uma
delegação do poder executivo confiada a regencia
collectiva mas que della
pudessem
ficar independentes algumas provincias e subordinadas ao governo de
Lisboa.
Era um voto manhoso. Parecia significar que as terras tinham a
faculdade de optar pela delegação ou pelo governo
de Lisboa, e a maioria manifestava desse modo respeito á
vontade dos povos com o que tingia de justiça o seu gesto.
Não era esse, contudo, o pensamento real da
regeneração. Aceitava, ou melhor, tolerava a
auctoridade substabelecida apenas nas provincias do sul; todas as mais
partes que intentassem render preito e homenagem ao governo do Rio,
considerava-as
[392]
rebeldes e, por isso, sujeitas á
repressão do Reino
[485].
Não proferira, ainda a
ultima palavra a astucia mais de saloio que de estadista. No caso,
porém, de desbarato de Madeira e de reconhecerem a Bahia,
Pará e Maranhão a regencia do sul, os
regeneradores, na impotencia de reagir, darião ao texto
constitucional a unica interpretação compativel
com a lettra delle, para
cohonestarem a sua fraqueza com a observancia da lei fundamental.
Os brasileiros se não deixaram embahir, e declararam
não aceitar para todas as provincias outra authoridade que o
delegado do soberano. Seguiram-nos Guerreiro e mais doze
portuguêses D. Romualdo, Beckman, e o padre Domingos da
Conceição e Borges Leal, representantes do
Piauhy, votaram com a maioria
[486].
O projecto, como deixamos dito, determinava o rei escolher os membros
da regencia entre os nomes propostos pelo povo. Não se
contrariava com tal disposição o systhema
constitucional, ponderavam os defensores da proposta, porquanto
já o governo tirava certos funccionarios da lista formada
pelo conselho de estado vindo indirectamente da
eleição popular,
porquanto o nomeava a representação nacional.
Certamente, proseguiam, se houvesse em além-mar
assembléa legislativa, a
commissão não cogitaria de coarctar desse modo a
liberdade do soberano. Mas sem aquella guarda dos interesses
brasileiros, não havia
outro
meio de assegurar as
[393]
conveniencias da
administração nem de resguardar os povos de
vexações e abusos que confiar delles a
indicação dos que os deviam governar. Adoptada,
além d'isso, a providencia, os ultramarinos responsaveis da
nomeação, se não
podiam queixar senão de si mesmos, e não de
Portugal, de sorte que se supprimiria poderosa causa de
descontentamento contra a mãe patria.
A maioria não concordava. Não era licito,
advertia, tirar ao poder executivo que escolhia livremente os seus
auxiliares a liberdade de eleger aquelles que mais que nenhuns outros
eram delegados immediatos do monarcha. O conselho de estado propunha ao
rei magistrados mas esses não representando o poder
executivo e sim o poder judiciario, não colhia o argumento
por analogia. Não se deviam temer irregularidades ou
descommedimentos da regencia, porque a imprensa, livre e independente,
não deixaria de clamar contra o máu uso das
funcções
governativas e, demais, o Congresso de Lisboa, onde havia deputados da
America, fiscalizaria com efficacia o governo do Brasil.
Em virtude do respeito religioso que os regeneradores mostravam
tributar ás maximas de Direito Publico já
não era licito esperar a
sancção de um projecto que fazia a
delegação do poder executivo dependente do
escrutinio popular. Ou porque o sentissem ou porque se interessassem
cada menos pela discussão nas Côrtes dos negocios
da patria, os americanos defenderam essa parte da proposta ainda mais
frouxamente que a primeira. Venceu por formidavel maioria que os
membros da regencia serião nomeados pelo rei, ouvido o
conselho de estado, e approvaram-se todas as outras
clausulas da
proposição de somenos
[394]
importancia com pequenas
modificações
[487].
Revia-se a constituição e em breve se procederia
á sua assignatura. Importava que a subscrevessem os
importunos americanos para não mais repisarem que se haviam
resolvido os negocios de além-mar sem a presença
delles. As
Côrtes, por alvitre de Borges Carneiro, entenderam completar
as deputações ultramarinas com os substitutos que
se achassem em Lisboa e ordenou á commissão de
poderes apontasse os brasileiros em condições de
occupar as cadeiras vazias pela ausencia sem excusa dos proprietarios.
Não havia mais que o padre José da Costa Cirne
[488]
supplente da representação de Parahyba. Chegara
ao Reino em fevereiro com Monteiro da Franca, mas lhe não
deram posse por haver
informação que o dr. Arruda Camara e o vigario
Rodrigues Campello, deputados proprietarios, estabelecidos no interior
da provincia não tardarião em
partir
[489].
Desde, porém, de abril não mais houve
noticia d'elles. Bem avisado andou o Congresso com investir Cirne do
mandato aos 15 de julho, pois Arruda Camara jámais
compareceu nem enviou diploma julgando inutil senão ridicula
a sua presença em conselho que não attendia aos
votos da patria; e o padre Virginio Rodrigues Campello, desembarcado em
Lisboa no mêado
[395]
de Agosto, nunca se apresentou nas
Côrtes a despeito de sollicitado com instancia
[490], por
não jurar o pacto social que não convinha ao
reino ultramarino.
Aos 16 de agosto prestou juramento Manuel Felix De Veras, representante
do interior de Pernambuco. Para accelerar a
eleição Luiz do Rego determinara considerar
provincia distincta a vasta comarca do Sertão; e em 6 de
dezembro na villa de Garunhuns o povo designou seus deputados em
côrtes Theodoro Cordeiro e o vigario Seraphim de Souza
Pereira e supplente Manuel Felix De Veras
[491].
Não se ouviu
mais fallar de Theodoro Cordeiro, que nem apresentou o seu diploma, e o
vigario falleceu antes de verificados os seus poderes.
Amazonas, que nesse tempo era a capitania de S. José do Rio
Negro dependente do Grão Pará, elegeu a 14 de
janeiro de 1822 na Barra de Nossa Senhora da
Conceição de
Manáus procurador José Cavalcanti de Albuquerque
e substituto João Lopes da Cunha. Aos 29 de agosto tomou
posse o substituto com a condição de se retirar
em comparecendo o deputado proprietario
[492].
Se os constituintes portuguêses se não conformaram
com a ausencia acintosa dos mandatarios de Minas, comprehende-se quanto
se irritarião com a attitude da
representação do Rio Grande e do Norte. A pequena
provincia nomeara a 8 de
[396]
dezembro deputados
Affonso de Albuquerque Maranhão e Antonio de Albuquerque
Montenegro e substituto Gonçalo Borges de Andrade. O
primeiro e o supplente não vieram ao Reino mas Montenegro
que cogitara de entrar no Congresso, pois apenas desembarcado em Lisboa
lhe submetteu o diploma, mudou de resolução em
conhecendo as disposições dos regeneradores para
com o reino ultramarino e não acudiu ás ordens da
assembléa para vir occupar a sua cadeira
[493].
A attitude do padre Campello e de Albuquerque Montenegro Moura honra
sobremaneira a energia e patriotismo desses modestos deputados que
passam no fundo da Historia. De feito succediam-se nas Côrtes
a breves intervallos medidas contra o ultramar. Acabavam ellas de
auctorizar um emprestimo de quatro mil contos para consolidar a divida
fluctuante e custêar emprêsas militares contra a
America. «Todos sabem, dizia a commissão de
fazenda, que a posição
de Portugal ácerca das provincias ultramarinas é
violenta e exige sacrificios extraordinarios»
[494]. Seguiu-lhe
disposição mais temerosa. O governo
alcançara finalmente a faculdade de transportar para onde
lhe conviesse os tres mil e seiscentos voluntarios reaes em
serviço na Banda Oriental a pretexto de resguardar as tropas
mais aguerridas da monarchia da dissolução pela
indisciplina. Os brasileiros concordavam com a providencia, tanto mais
que bastavam para conter a ordem em Montevideu os regimentos de S.
Paulo e do Rio
[397]
Grande, com a clausula, porém, da divisão
portuguêsa volver a Europa, onde poderia ajudar a Hespanha a
defender as instituições liberaes
ameaçadas pela reacção estribada nos
batalhões de Luiz XVIII alinhados ameaçadoramente
nos Pyreneus. Os portuguêses recusaram-se a indicar o destino
ulterior dos voluntarios reaes a titulo de competir a materia ao poder
executivo, gritaram, todavia, com tal vehemencia contra o Brasil que
não era licito duvidar da applicação
daquelle corpo. Comprehendeu-o Antonio Carlos, e advertiu nobremente
que a lealdade e a razão não consentiam
declaração de guerra ao reino
americano sem préviamente serem excluidos das
Côrtes os seus deputados
[495].
Antes de se iniciar esta discussão, o Congresso que
não abandonava o vêso de alternar a brandura com a
violencia não descobrindo o que fazer para acalentar os
brasileiros, deu-lhes palavras sonoras na
proclamação de 17 de agosto. Não
passa, com effeito, de declamação
onde as falsidades e os sophismas se acotovelam em tropel. Com desprezo
raramente egualado em documentos officiaes ha assertos d'estes.
«As Côrtes não pretendem sustentar a
união de Portugal com o Brasil pelas armas»...
«Os vossos
representantes cooperam com actividade e sabedoria para se fazerem na
Constituição aquellas
addições compativeis com a unidade do poder e do
Imperio e que tiverem por fim immediato a geral
utilidade»
[496].
CAPITULO XXI
SUMMARIO:
Os paulistas querem deixar as Côrtes.―A
commissão de constituição estabelece o
criterio da adhesão do Brasil á politica da
Regencia.―Os bahianos querem sair do
Congresso.―Declaração de Fernandes Pinheiro e
Castro e Silva―Projecto de Miranda.―Emenda de Xavier
Monteiro.―Muitos brasileiros querem differir o juramento da
Constituição.―A assignatura da
Constituição.―Partida dos
paulistas.―Côrtes ordinarias.
Os successos que se desdobravam no Rio e a persuasão de que
a voz do Brasil jámais seria attendida dos europeus,
aguçavam mais e mais nos paulistas o desejo de deixarem as
Côrtes. Rejeitados os primeiros artigos addicionaes, esse
empenho assumira em Antonio Carlos a fórma de
obsessão. Os portuguêses, todavia, lhe
não prestavam attenção, crendo
porventura que o grande orador ainda d'esta vez não
saíria com o intento, como acontecia habitualmente; porque
quando o magoavam os debates,
tinha o
vêzo de protestar não mais comparecer
ás
sessões, mas arrastado da indole batalhadora mudava
[399]
promptamente de
resolução. Os proprios
regeneradores proporcionaram-lhe monção de
expôr o seu designio com firmêza de animo.
Discutindo-se a proposta de Xavier Monteiro no sentido de excluir da
deputação permanente os procuradores das
provincias ultramarinas em revolta contra o poder legislativo, um
deputado ponderou que antes de tratar o Congresso de semelhante materia
devia lançar de seu seio os representantes d'aquelles
povos
[497].
Approvou o paulista, e juntamente com Fernandes Pinheiro,
Costa Aguiar e Bueno requereu se declarassem nullas as
deputações das provincias partidarias de D.
Pedro
[498].
Consultada a commissão de
constituição
repelliu a proposta allegando não haver prova de pactuar a
população do novo reino com o governo do Rio na
desobediencia á legislatura de Portugal. Em breve,
porém, se reconhecerião os sentimentos do
ultramar, pois que impendiam as eleições
decretadas concorrentemente pela regencia do Rio e pelo poder executivo
da antiga metropole. As provincias ultramarinas que então
mandassem deputados á assembléa brasileira,
significavam adhesão a D. Pedro e cassavam virtualmente o
mandato dos seus representantes no Congresso português, de
sorte que estes regularmente deixariam de pertencer á
assembléa de Lisboa
[499].
Salvo Xavier Monteiro, os portuguêses interpretando os factos
e documentos ao sabor de
[400]
seus affectos e conveniencias,
entendiam á uma voz que D. Pedro não exprimia o
espirito publico e que os povos inflingirião formidavel
derrota ao seu ministerio não se fazendo representar no
parlamento brasileiro mas sim nas Côrtes do Reino. A indole
portuguêsa, onde a sensibilidade e o amor proprio dominam a
reflexão e a analyse nos negocios da collectividade, nunca
se manifestara com egual relêvo. Borges Carneiro baseado em
carta particular que affirmava rejeitarem os fluminenses a
assembléa, declarou com segurança: O partido do
principe não tem
importancia alguma; mandem-se militares e almirantes não
affeiçoados ao paço e com elles
uma alçada para o exercicio da justiça que se
restaurara promptamente o respeito aos poderes publicos de Portugal
[500].
Diziam-se essas cousas quando já haviam soado no Congresso
informações officiaes do enthusiasmo com que os
povos acolhiam as
resoluções do governo do Rio. Pernambuco, que
andava hesitante, adheria sem reserva á regencia
[501]; Madeira
communicava que as villas mais importantes da Bahia successivamente
prestavam homenagem ao principe
[502],
e desconfiado da propria cidade
enchia de patrulhas o paço municipal para que os vereadores
não affirmassem solidariedade com os compatriotas do sul
[503].
Seguro da opinião publica, D. Pedro affrontava
[401]
resolutamente as
Côrtes. Depois de lhes chamar
facciosas,
horrorosas e
pestiferas, escreve ao pai: «O Brasil
ama a V. M., reconhece-o e sempre o reconhecerá como seu
rei; foi sectario das malditas Côrtes por
desgraça, ou felicidade (problema difficil de se decidir);
hoje não só as abomina e
detesta mas não lhes obedece nem obedecerá mais,
nem eu consentiria tal, o que não é
preciso, porque de todo não querem senão leis de
sua assembléa constituinte e legislativa, creada por sua
livre vontade para lhes fazer uma
constituição, que os felicite
in
eternum se
fôr possivel»
[504].
O debate tomou duas sessões, e dos brasileiros
não oraram mais que Villela Barbosa Antonio Carlos e Borges
Leal. Aquelle entendia que excepto a hypothese de
declaração formal dos povos recusando fazer parte
do Congresso de Lisboa, não deviam os constituintes europeus
eliminar do seu gremio os representantes de alem-mar. Se com esse
conceito se recommendava a benevolencia dos portuguêses, o
illustre fluminense revelou em seguida que a não procurava,
e colheu applausos dos brasileiros com dizer que excluidos das
Côrtes os mandatarios das terras reputadas dissidentes, devia
o poder legislativo consagrar a independencia dellas. «Os
povos não são rebanhos de ovelhas, continuou,
cuja propriedade pertença a alguem. O Brasil tem
tão livre a sua vontade e tanto direito de a manifestar como
tem e teve Portugal no famoso dia 24, em que se separou do Brasil. Que
se diria se então este, não annuindo ao novo
systhema
[402]
aqui proclamado, como podia
não querer
annuir,
pretendesse obrigar
Portugal a permanecer unido contra a sua vontade? Seria o procedimento
mais iniquo, e de certo Portugal resistiria com toda a
justiça»
[505].
Antonio Carlos discorreu magistralmente. Na primeira sessão,
ponderou a necessidade de ausentarem os americanos das
Côrtes, onde assistiam impotentes á
decretação de medidas contra a
patria.
Dahi resultavam remoques e doestos reciprocos que azedavam a
discussão e compromettiam a integridade da monarchia.
«Julgava, pois, que uma pausa a tantos combates seria
vantajosa á união que devemos querer, ainda que
ora pareça o contrario; julgava que era conforme mesmo ao
melindre dos senhores deputados do Brasil e á delicadeza dos
senhores deputados de Portugal adoptar esta pausa».
Precederam estas palavras outras egualmente dignas de
transcripção
por indicarem que o desejo, tantas vezes manifestado de deixar o
Congresso, não tinha outra causa que a sua sensibilidade
apurada. «Ha um não sei que de inexprimivelmente
doloroso na sensação que em nós produz
a vista dos
deputados do Brasil luctando com a indisposição
do povo português, insultados, injuriados, e não
podendo mesmo á custa de tanto vilipendio salvar a patria
afflicta. É preciso que esteja morto de todo o sentimento da
dignidade da patria que os viu nascer para poderem supportar
tão grandes choques, e tão grandes
tormentos»
[506].
Na reunião
[403]
immediata combateu os que concordando com a rebeldia de D. Pedro,
contestavam, contudo, que os povos approvassem os actos do governo do
Rio. Havia, considerou, um facto assás expressivo da
absoluta unidade politica do regente com os seus administrados, e eram
os transportes de alegria com que os povos por toda a parte,
até na Bahia, acclamavam defensor perpetuo do Brasil o
principe que se levantava contra o poder legislativo da
nação
[507].
Tomada de optimismo invencivel, a maioria approvou o parecer da
commissão com o additamento de se não
considerarem desmembradas da monarchia as provincias que, em
razão da dissidencia com a metropole, viessem a perder a
representação na assembléa do
Reino
[508].
Infelizmente se não encerrou o debate sem uma
deserção vergonhosa da bancada brasileira. Borges
Leal deputado do Piauhy disse que, visto o juramento de obdiencia
ás
Côrtes prestado pelos seus conterraneos, só sairia
do Congresso por determinação deste.
Reviam-se os derradeiros artigos da constituição,
e á medida que se approximava o momento dos deputados a
sanccionarem com o seu nome, crescia o malestar na bancada. O astuto
Feijó, que desde julho só apparecia no Congresso
quando ahi se discutiam propostas dos compatriotas ao ultramar,
impetrou em 2 de setembro licença para regressar
á patria em busca de allivio aos seus soffrimentos
[509]. Na
sessão
[404]
seguinte Barata, a
proposito de um protesto da vereação da capital
bahiana contra os soldados de Madeira, declarou terminantemente que em
razão da guerra de Portugal contra o Brasil, os deputados
daquella provincia não podiam continuar nas
Côrtes
[510].
Poucos dias eram passados, que os bahianos em
pêso pela voz de Lino Coutinho requeriam a sua
exclusão das Côrtes e que, no caso de
indeferimento, os dispensassem de jurar a
constituição. Fundamentavam a
petição com uma
representação da Bahia firmada por mais de mil e
quatrocentos cidadãos contra a politica de
recolonização do Brasil seguida pelo parlamento e
applaudiam as resoluções do
ministerio do Rio. Como o Congresso acabava de regeitar a
moção dos de S. Paulo com o pretexto de estar D.
Pedro, e não o povo de alem-mar, em conflicto com os poderes
publicos de Portugal, e provando aquelle documento a perfeita
concordancia da regencia com os seus administrados, ao parecer dos
bahianos, não podia a assembléa os conservar em
seu seio, pois que a rebeldia dos committentes contra a legislatura
revogava virtualmente o mandato para a
representação nacional
[511].
Ainda a
commissão não formulara juizo acerca da
resolução dos bahianos que Fernandes Pinheiro e
Castro e Silva, do Ceará, perfilharam a idêa com
argumentos ponderosos. Declararam
categoricamente que
não assignarião a carta
constitucional repellida do reino americano. O Brasil proclamara D.
Pedro seu defensor perpetuo e na Constituição
elle não
[405]
passa de delegado temporario e amovivel.
No pacto social negaram-se Côrtes a outra parte da monarchia
a despeito de pedidas pelos deputados ultramarinos, e agora
lá se vai installar assembléa constituinte. Se
aceitassem, por conseguinte, a constituição,
irião contra os votos dos seus constituintes,
faltarião ao mandato. Castro e Silva expressou-se com
energia. Enumeradas as queixas do ultramar contra as Côrtes,
concluiu que não juraria a carta constitucional
senão forçado mas que nesse caso o seu acto
não obrigaria aos seus commitentes.
Persistia inalteravel a illusão dos portuguêses
Ferreira Borges e Miranda declararam que havião sido
precipitados os auctores da proposta: em S. Paulo já se
desencadeava a
reação contra a
politica
de José Bonifacio. Fernandes
Pinheiro, não sem compaixão por esses estadistas,
assignalou a facilidade com que acolhiam noticias agradaveis embora
emanadas de desconhecidos
[512].
Carlos Costa Aguiar, António Carlos e Bueno subscreveram na
sessão seguinte a
declaração de Fernandes Pinheiro
[513]. Nesse mesmo
dia chegava ás Côrtes nova
participação
de Feijó. Se não fôra o estado de
saude, dizia, iria á assembléa apoiar
o parecer dos conterraneos, e que a sua consciencia lhe não
permittindo jurar a
constituição, só o faria
«obrigado, violentado e arrastado»
[514].
A commissão de constituição condemnou
um e outro pedido, allegando não admittir outra
[406]
prova da rebeldia
dos povos que a nomeação de deputados para as
Côrtes convocadas na America. Foi-lhe facil contestar que
exprimisse a vontade de uma provincia o manifesto de 1:400
cidadãos, tanto mais que fallecia ao documento a
condição elementar da authenticidade: o
reconhecimento das assignaturas por tabellião. Os
fundamentos, porém, da declaração de
Fernandes
Pinheiro, offereciam resistencia invencivel. Não os podendo
combater com a razão, recorreu ao sophisma mais
transparente. Proclamou que os ultramarinos por haverem sido regeitados
os seus projectos, não tinham mais direito de não
jurar a
constituição do que quaesquer deputados vencidos
na discussão,
[515]
como se a resolução
dos povos de fazer vingar aquelles projectos não tornasse
descabida a analogia.
Antes de se discutirem esses relatorios, o parlamento teve de se
occupar de um parecer da mesma commissão, provocado por
Miranda, que julgava urgente pôrem as Côrtes cobro
á
insolencia e rebeldia crescentes do Regente.
A commissão
que
não podia aconselhar
expedição de
tropas pela miseria do erario,
tentou lançar por terra o ministerio do Rio e intimidar a D.
Pedro com papeis. Propôs a
annullação do acto de 3 de junho que reunia
côrtes no reino ultramarino, a responsabilidade dos
secretarios de estado, a cessação immediata da
regencia e a volta á Europa do Principe no termo de quatro
mêses sob pena de perder o direito á
corôa. Declarava mais criminosa a obediencia voluntaria de
qualquer auctoridade ao governo
[407]
do Rei e traidor o commandante de
forças de terra ou de mar ao seu serviço
[516].
Alguns
portuguêses
[517]
apoiados dos brasileiros julgavam inutil um
parecer, cujas conclusões notificavam ás
auctoridades e povos de além-mar cousas
sabidas de que terião conhecimento com a carta
constitucional prestes a ser promulgada. A nullidade fulminada
á provisão do ministerio do Rio que chamava em
conselho os procuradores das provincias, persuadindo aos ultramarinos
que devia incorrer na mesma censura o decreto creador de
côrtes no Brasil, os demoveria de nomearem representantes
para a assembléa sem necessidade de novo aviso, Se os
secretarios da regencia por aquella resolução se
tornavam passiveis de penas, deviam prever ao menos egual
sancção para o ultimo acto, evidentemente mais
grave. Determinando-se em julho que, publicada a lei
fundamental
cessarião as
attribuições de D. Pedro, não se fazia
mistér revocal-o ao Reino; mas se porventura elle se
obstinasse em permanecer no ultramar, ali estava a
constituição
que lhe punia a desobediencia com a perda do direito de succeder na
corôa, para o coagir a volver á patria.
Para que, pois, multiplicar providencias que não avigoravam
as que existiam? Na verdade se havia duvida acerca da
aceitação do pacto social pela America, era
licita maior hesitação a
respeito dos novos alvitres propostos pela commissão.
[408]
Os proceres da regeneração replicaram que encarar
a proposta sob esse aspecto era reduzir-lhe a importancia a termos de a
annullar. Não visava o projecto expôr o juizo do
congresso acerca de certas decisões da regencia
senão
desbaratar a propria regencia, que com exercer auctoridade delegada por
el-rei illudia a uns e entibiava em todos a resistencia contra os seus
actos revolucionarios. Proclamada a
insubordinação de D. Pedro e cassado o seu
mandato, removiam-se escrupulos e incertezas. Os officiaes de terra e
de mar desertarião a causa do rebelde; não poucas
juntas e os povos unidos pelo amor da integridade da monarchia e do
regimen constitucional assoberbarião os facciosos e
turbulentos, aliás activos, porque contavam com a
cumplicidade do governo do Rio. «Estou persuadido, bradou
Miranda, que apenas este decreto chegar ao seu destino, o governo do
principe acabou n'um instante»
[518].
Parece que os brasileiros que já nada esperavam do Congresso
senão licença para se irem embora e que conheciam
a inefficacia das
resoluções legislativas contra o Brasil,
não se deviam apaixonar por essa questão.
Assim, todavia, não succedeu; bateram-se com o vigor com que
impugnaram a expedição militar contra a Bahia.
Não acreditavam no regresso do principe, temiam,
porém, que os seus adversarios no Brasil com a proposta
creassem novas forças. É a
preoccupação que os afflige, supposto se mostre
de passagem e accessoriamente em seus discursos. Os paulistas, os
bahianos,
[409]
os cearenses e o fluminense
Villela Barbosa oraram com intelligencia e denodo. Costa Aguiar e
Antonio Carlos mal convalescido, que deixara a cama pela tribuna,
declararam que apesar das injurias e ameaças
formularião o seu juizo sobre o negocio. Começam
os brasileiros por affirmar que, a despeito dos assertos dos
regeneradores, estavam convencidos da installação
de
assembléa constituinte no Brasil em virtude do clamor dos
povos pela convocação de côrtes
brasileiras. Desfeita por conseguinte a unidade da legislatura,
não subsistiria outro vinculo que a
sujeição dos dous reinos ao mesmo poder
executivo. Ora, o projecto tendia a desatar esse laço com
chamar á Europa D. Pedro. No caso d'elle vir, os
ultramarinos proclamarião a independencia,
recêosos de que as Côrtes os privavam do seu
protector, para tornarem effectiva a
recolonização do reino americano. O principe,
porém, certamente não accudiria ao appello.
Acclamado defensor perpetuo do Brasil e aceitando com jubilo o encargo,
não faltaria ao compromisso para com gentes que á
porfia lhe testemunhavam amor e dedicação, para
volver a patria, cujos
representantes no parlamento o qualificavam de ignorante, malcreado e
rebelde
[519].
Dahi resultaria tambem o desmembramento, em virtude de
prever a constituição que na hypothese a
desobediencia importava na perda do throno de Portugal. Antonio Carlos
que punha tanta tenacidade em propugnar a união quanta
energia em protestar que seguiria os destinos da patria, fossem quaes
fossem, mostrou-se conciliador em extremo.
[410]
«Eu queria que se fizesse sentir de uma vez claramente ao
snr. D. Pedro de Alcantara que elle passando a convocar
côrtes no Brasil, punha em desconfiança a
nação
portuguêsa, de que elle faz parte, e por consequente poria a
nação na dura necessidade de o não
reconhecer; que se faça egualmente sentir aos povos do
Brasil as verdadeiras intenções de Portugal; que
se lhe
dê a entender que embora tenha havido alguns descuidos,
porque de facto os tem havido, mas que seguramente não
é intenção
de Portugal escravizar o Brasil e muito menos de o reduzir á
miseria. Que sejamos liberaes com esse paiz, que se lhe mandem
emissarios fornecidos de poderes ad hoc, a fim de se procurar a
união; que sejamos nobres e generosos. Se se puder conseguir
a unidade absoluta, bem, não me opponho. E se se
não puder conseguir, que não sejamos
tão mesquinhos que percamos tudo. Acceitemos a
união talvez unica que a natureza comporta; emquanto
não estivermos nisto nada faremos; e a não se
adoptar, então é necessario
usar de força, declarar guerra a povos irmãos mas
a
declarar-se, é nobre, é generoso despedir os
representantes d'esse paiz, porque em verdade os que tiverem brio e
dignidade hão-de seguir a causa d'elle»
[520].
Nem outras ideias expendia jamais o honesto paulista. Os
portuguêses, porém, suspeitavam da sinceridade de
suas palavras e levados mais da paixão que do senso politico
consideravam orgão do espirito publico da America
não os documentos officiaes e os deputados de
[411]
além-mar, senão alguns commerciantes
sófregos do restabelecimento do monopolio mercantil e
officiaes partidarios da preeminencia do Reino sobre a antiga colonia
que estanciavam ainda na America ou que se finavam de despeito na
patria, por haverem sido enxotados de Pernambuco ou do Rio.
Não queriam saber de
moderação
demasiado branda na
qualificação de seus actos. Xavier Monteiro,
resoluto e sagaz, attribuindo o ardor com que os americanos reprovaram
as providencias ao medo de desfallecimento em D. Pedro, entendeu
assegurar a efficacia do projecto tornando-o mais aspero e
propôs fosse considerada a
convocação de Côrtes no Brasil acto de
rebellião
[521].
Seguiu-se debate assignalado por mais de um
incidente. Miranda perfilhou com o enthusiasmo dos irreflectidos a
idéa do compatriota, e desconhecendo que os ultramarinos
não podiam deixar de defender o principe promotor dos
interesses da patria e guarda de seus foros capitulou de adulador a
Antonio Carlos. Se havia constituinte a quem não cabia o
labéo era justamente aquelle que applaudira a
revolução de 1817 e por ella
soffrêra. Rebatido por essa forma a
increpação, o eximio paulista combateu a emenda
por «fechar as portas do bello palacio da
união». Barata mostrou temeridade inaudita. No
momento nada mais sobresaltava o Reino que a imminencia do desbarato da
constituição hespanhola pelas armas de Luiz XVIII
ao serviço da Santa alliança, e
não havia em Portugal individuos mais detestados que
[412]
os brasileiros reputados capazes de
todos os crimes contra a nação. O fundador e o
agente mais activo da confederação dos reis
contra os povos era Francisco I da Austria, o sogro do D. Pedro.
Exgottados os argumentos, Barata tentou aterrar o congresso,
aconselhando-o não exacerbasse o principe, porque no auje da
colera podia
attrahir contra o
regimen os batalhões
temerosos do sogro. Á evocação dos
exercitos reaccionarios dispersando os regeneradores, as galerias
agitaram-se em tumulto infernal e cogitou-se de suspender a
sessão. Serenados porém os animos, proseguiu o
debate rejeitando-se afinal o additivo de Xavier Monteiro.
O que mais irritava, contudo, os ultramarinos não eram os
medidas de repressão em si mesmas senão
significarem ellas que os portugueses recusavam ao novo reino o direito
de se constituir como lhe conviesse. A primazia, argumentavam, da
mãi patria sobre a antiga colonia cessou com a transferencia
da Côrte para o Brasil, tornado o centro da monarchia.
Então se havia uma parte da nação
subalternizada a outra, era a secção europeia.
Confessaram-na os
revolucionarios no manifesto de 15 de Dezembro. «A
idéa do estado de colonia, são
palavras textuaes, a que Portugal em realidade se achava reduzido
affligia sobremaneira todos os cidadãos que ainda
conservavam e pregavam o sentimento da dignidade nacional».
Indignado, Portugal fez a revolução de 1820
separou-se formalmente dos outros estados da monarchia, porque
já o não governava o delegado del-rei e mudara de
regimen, e começou a se reorganizar abandonando inteiramente
á sua sorte os irmãos mais novos. Este abandono
não provinha de ter em
[413]
casa bastantes cuidados para se poder
occupar das cousas ultramarinas, era voluntario e nascia do desejo de
não
desgostar o
monarcha, que trazia sobre sua immediata auctoridade o novo reino. Que
a Europa portuguêsa estava resolvida a proseguir a liberdade
sem dependencia dos americanos, prova-o o artigo 21 das Bases, o qual
lhes torna obrigatoria a constituição depois
que
a
acceitassem por seus legitimos representantes. Reconhecem,
pois, as
Côrtes que elles são livres de adoptar ou
não a nova
organização politica e até de fazer ou
não parte da mesma nação. Ao passo,
porém, que Portugal
calculadamente se desinteressa da America, esta, informada da
insurreição de 24 de agosto, acclamava-o e adhere
ao seu emprehendimento, persuadida de que a sua
graduação, a sua riqueza e progresso, e o auxilio
inestimavel que prestava aos
portuguêses
da Europa
desamparando o absolutismo, garantiam-lhe a egualdade politica mais
perfeita com a metropole na futura organização
politica. Aos desenganos succederam os desenganos, e o Brasil
reconhecendo a impotencia de seus deputados na obra da
reconstituição social, em razão de
serem as suas propostas repellidas systhematicamente pela maioria,
chamou a si a incumbencia para o delegar em D. Pedro. O mais poderoso
argumento contra o decreto 3 de junho era que D. Pedro convocando
Côrtes exorbitava do mandato confiado pelo pai, pois nelle
não figurava esse poder. O cearense Alencar desbaratou a
objecção e
revelou-se dialectico de pulso e sagaz, mostrando assim aos
portuguêses que tanto no sul como no centro e norte do reino
ultramarino encontravam adversarios terriveis. «O principe,
ponderou, não
[414]
é como suppõe a commissão, auctoridade
illegitima e menos se pode dizer rigorosamente que não cabe
nas suas attribuições o
convocar Côrtes, porque o poder pelo qual elle as convoca,
não é aquelle que lhe delegou o seu augusto pai
é sim aquelle de que o povo immediatamente o revestiu. Sim,
sua Alteza Real como defensor perpetuo do Brasil, podia fazer tudo
quanto julgasse capaz de o defender, e se julgou que as
Côrtes eram o meio de defêsa, podia e devia
convocal-as, tinha para isto o mesmo poder que teve o supremo governo
do Reino em 1820: este tinha o poder que lhe havia dado o povo de
Portugal e Sua Alteza o poder que lhe deu o povo do
Brasil»
[522].
Os irmãos mais velhos desnorteados
já não acham no arsenal dos
argumentos mais que o velho sabre do juramento das Bases, enferrujado e
amalgamado. Manejam-no sem pudor. Jurando os ultramarinos a
constituição
que fizessem as Côrtes de Lisboa, não podem deixar
de a cumprir, salvo se são perjuros. Villela Barbosa
replicou que perjuravam os portuguêses. Na
elaboração da lei fundamental, explicou, conforme
a propria constituição deviam ter parte europeus
e americanos; ora como não foram senão aquelles
que a fizeram, repellidos os votos destes, faltaram ao compromisso
sagrado
[523].
Alguns portuguêses impugnaram a proposta, temendo que
occasionasse a emancipação do reino americano. O
Congresso sanccionou-a, persuadido de que se o acto de energia
não reduzisse
[415]
o Brasil e D. Pedro á obdiencia teria ao menos o
merito de salvar a dignidade do Reino.
Discutia-se ainda esse conjuncto de medidas contra o Brasil quando
dezeseis americanos cogitaram de novo do juramento da carta
constitucional. Ao contrario dos bahianos e paulistas, estavam
dispostos a subscrever o pacto social mas o queriam fazer depois de
conhecida a
resolução dos povos ultramarinos de
não terem outras côrtes que as de Portugal; e no
caso da America annuir á convocação da
assemblêa no Rio, ficariam dispensados de jurar a lei
fundamental. Se o congresso, alvitram, esperava o resultado das
eleições do novo reino para guardar ou
despedir os seus representantes, era tambem esse o momento de decidir
ácerca da melindrosa questão da assignatura.
Subscreveram a
petição Villela Barbosa, Allencar e Antonio
José Moreira (Ceará),
Monteiro da França e Costa Cirne (Parahiba), Assis Barbosa
(Alagôas), Lourenço Rodrigues de Andrade (Santa
Catharina) e a deputação inteira de Pernambuco
sem exceptuar Manoel Felix de Veras, do Sertão
[524]. Villela
Barbosa fundamentou o requerimento. Justificou demoradamente o
resentimento do Brasil com o Congresso por não lhe terem
sido satisfeitas as aspirações expostas
por seus mandatarios, declarou que a attitude actual destes
não decorria da susceptibilidade ferida com as derrotas nos
escrutinios como apregoavam os de Portugal. «Não
é o
nosso voto particular que respeitamos; é o voto das nossas
provincias; são as suas
representações; emfim é o receio bem
fundado de que isto não
[416]
seja ali aceite». Ao concluir
desembaraçou o escrupulo do povo em repellir a lei firmada
por seus procuradores, allegando que o nome do deputado na lei
fundamental significava tão somente o ter elle feito parte
do congresso constituinte e não que a aprovava
[525]. Votado o
projecto de Miranda, na mesma sessão encetou-se o exame das
proposições dos brasileiros
ácerca do negocio que os atormentava. Pouco se tratou do
requerimento de Villela, reputado impraticavel á primeira
vista. Seria em verdade extranho
protrahir
a entrada em vigor do estatuto
constitucional até se averiguar se haveria ou não
parlamento no ultramar. Os proprios signitarios da
petição renderam-se a esta reflexão
judiciosa. Não se illudiam tão pouco a respeito
do exito d'ella, e formulando-a não pensavam
senão em patentear de modo solemne a sua repugnancia em
jurar o novo pacto. Nenhum, e eram dezeseis, se levantou para a
defender, e Allencar, o unico d'elles que interveio na
discussão, instituida a respeito dos requerimentos dos
bahianos e paulistas, cuidou d'estes e não da sua
proposição.
Os bahianos e paulistas haviam protestado não jurar
expontaneamente a
constituição. Apesar de reconhecerem os
portuguêses que poucos assumptos tratados no Congresso
egualavam a esse em gravidade, não discutiram a
pretenção dos ultramarinos com o calor e
arrogancia habituaes, tomados de desalento e apprehensão
melancolica ácerca dos negocios de além-mar.
Repisaram todos a mesma argumentação. Os
brasileiros que haviam trazido procuração para
fazer
[417]
o pacto social com os irmãos
mais velhos não podiam deixar de o subscrever a pretexto da
divergencia de algumas provincias ou de terem sido vencidos na
discussão. A lei essencial do regimen representativo
sujeitava nos corpos deliberantes a minoria ás
decisões do maior numero, e o desaccordo de alguns povos do
Brasil com as côrtes não era assás
provado para se
julgar revogado o mandato de seus representantes.
Os brasileiros aproveitaram o debate para historiar o menoscabo com que
os portuguêses acolhiam as suas propostas a respeito do novo
reino. Ninguem excedeu na materia Lino Coutinho, que rematou o discurso
com estas palavras: «Nós viemos fazer
constituição que fôsse
util aos nossos
constituintes que nos haviam enviado; mas quando se regulam os artigos
mais essenciaes e peculiares áquelle continente, quando a
parte europeia dicta os artigos addicionaes em menospreço
dos que foram apresentados pela commissão de brasileiros
nomeados para isso, poderemos nós sem escrupulo assignar uma
constituição assim feita? De certo que
não. Debalde se diz que nos devemos sujeitar ás
leis da maioria; assignando a constituição, ainda
que tenhamos sido vencidos; mas isto será bem dito quando se
trata de negocio particular em que qualquer deputado emitte seu
parecer; mas não quando deputações
inteiras do Brasil têm feito
suas representações e têm pedido as
cousas necessarias e uteis ás provincias a quem pertencem,
isto é bem differente, e a lei da maioria não
póde achar aqui cabimento algum. Taes são os
motivos que me obrigam a manifestar segundo o foro intimo de minha
consciencia e segundo a caracter de bom representante, que
não posso e
[418]
nem
devo assignar a presente constituição, a qual
ainda que a meu vêr, como homem particular, a julgue obra
prima de
sabedoria e liberalismo, comtudo não a posso julgar
admissivel no Brasil, que, segundo o estado em que se acha, a
não quer receber sem aquellas emendas e
annotações que lhe são
convenientes»
[526].
Nem todos os bahianos se esprimiam com essa
determinação. O delicado Borges de Barros que se
remettêra ao silencio, decretada a remessa de tropas para a
Bahia, rompeu-o agora para patentear o seu torturante escrupulo de
consciencia: quer saber se os brasileiros
faltam
ao dever e á honra, não jurando o
pacto social. O melindre era
descabido, porque os ultramarinos
não podiam approvar uma lei em desaccordo flagrante com o
commum sentir do Brazil. Alencar vai proval-o com evidencia. Pedimos
escusa de amortecer o movimento da narrativa com essas
transcripções.
Não podemos, contudo, deixar de o fazer. As nossas palavras
não darião jámais
idéa da eloquencia do illustre sacerdote cearense que embora
chegado tarde ao Congresso, teve occasião de mostrar que
hombreava com as figuras de vulto da bancada americana.
«Não entrarei em minuciosa
indagação dos artigos constitucionaes
prejudiciaes ao Brasil. Não farei reflexões sobre
a injustiça de se lhes
negar Côrtes peculiares para fazerem suas leis
particulares, sobre a forma do
governo das provincias e nem mesmo tratarei do insulto, que se lhe fez,
julgando-o incapaz de possuir em si a pessoa do chefe da
nação, a quem se comminou a pena
[419]
de perder a
corôa se saisse do reino de Portugal: falarei tão
somente de um artigo constitucional, que sendo prejudicial ao Brazil,
está além disso reprovado e rejeitado
absolutamente dos brasileiros, isto é, que o poder executivo
do Brasil nunca recaia na pessoa do herdeiro da corôa e que
sua Alteza Real regresse para Portugal. Ora, porque fatalidade se faria
este artigo ao mesmo tempo que todo o Brasil obrava em sentido
contrario, acclamando sua Alteza regente defensor prepetuo do Brasil?
Porque fatalidade o soberano congresso, cujas
deliberações
não devem chocar directamente com a vontade dos povos, havia
de sanccionar um artigo contrario á vontade expressa e geral
de uma tão preponderante parte da
nação? E se o soberano Congresso assim quis
olhar, deverão os deputados brasileiros subscrever o acto da
reprovação e indignação dos
seus constituintes? É
porventura ainda facto duvidoso que os brazileiros não
querem que o principe venha para Portugal? Ha alguma
porção do Brazil que se não
tenha declarado a favor delle, se exceptuarmos o Pará e o
governo do Maranhão, mas não o povo do
Maranhão, como já hontem disse? A mesma Bahia,
apesar de subjugada pelas armas europeias, não tem
proclamado o principe em todas as villas do Reconcavo? Pois
então como ainda se duvida da vontade geral do Brasil? E
á vista disso devem os deputados brasileiros assignar a
constituição obrando expressamente contra a
vontade dos seus constituintes?»
[527]
Os deputados do ultramar naturaes de Portugal
[420]
rejeitavam
a maneira de pensar dos bahianos e paulistas. O padre Domingos da
Conceição, representante do Piauhy declarou que
faltaria ao mandato se não assignasse a
constituição. O alemtejano Segurado, que se
mostrara solidario com os brasileiros nas suas principaes
proposições, desertou-lhes a causa com singular
desempeno. Não só approvara a
constituição senão que repellia a
auctoridade do principe, e para se justificar contou o episodio
seguinte:
«Quando eu ha mais de um anno estabeleci um governo
provisorio em S. João das Duas Barras, os moradores
disseram-me logo: Isto é contra el-rei ou contra as
Côrtes? Não, respondi; desconfio do partido do Rio
de Janeiro, do partido republicano. A minha
intenção é unir
isto com Portugal, com as Côrtes e com o senhor D.
João VI. Veja bem o que faz, replicaram-me, porque se isto
fôr a favor do Rio de Janeiro immediatamente o
matamos»
[528].
E Vergueiro? O transmontano, rejeitados os artigos addicionaes dos
brasileiros, não mais tomara parte nos trabalhos
legislativos, convencido de que nada faria de proveitoso ao Brasil o
parlamento. Recolhido em Traz-os-Montes
[529],
no solar da familia,
não se ouviu mais fallar d'elle senão a proposito
das prorogações
successivas de sua licença para não comparecer
ás
sessões.
O Congresso rejeitou todos os requerimentos dos brasileiros, e na
sessão immediata começaram os constituintes a
lançar a sua assignatura por
[421]
debaixo
da lei constitucional. Manifestado o escrupulo em cumprir a derradeira
formalidade da constituição não
restava aos
americanos senão se submetterem á
decisão da assembléa,
tanto mais que o nome no contracto social significava rigorosamente a
participação do signatario na feitura principal
das Côrtes e nada mais. Ainda assim houve
hesitação. Se quatro europeus faltaram por
doença á primeira sessão designada
para a assignatura, dezaseis brasileiros não vieram a ella,
dos quaes apenas quatro justificaram a sua ausencia. Na
sessão immediata e ultima, porém, todos esses
compareceram, salvo Agostinho Gomes, Barata e os paulistas e aquelles
quatro que continuavam com licença. Eram estes Belford, do
Maranhão; Pinto da França, da Bahia; Fortunato
Ramos, do Espirito Santo e Vergueiro; e todos se não
subscreveram mais tarde a nova lei, a juraram, salvo Vergueiro, que
não fez nem uma cousa nem outra. Os paulistas e bahianos
tinham motivos particulares que os excusavam de se não
conformarem com a resolução legislativa. O
protesto d'aquelles redigido por Fernandes Pinheiro rezava que seria
estupida
condescendencia geradora do eterno remorso, fazer um acto
contra a razão e a consciencia. Não era, demais,
requerimento ou proposta, mas a manifestação de
proposito firme que os seus auctores não podiam renunciar
sem merecer a nota de levianos. Fel-o, comtudo, Castro e Silva, que
perfilhara a
declaração mas confessou ingenuamente que assim
procedia com receio do desterro com que ameaçaram os
regeneradores aos recalcitrantes. Não quadrava aos
mandatarios de um povo rebelde semelhante
explicação, custosa, aliás,
á generalidade dos homens.
[422]
A Bahia estando em guerra aberta com os poderes publicos da metropole,
desculpava-se aos seus deputados um acto revolucionario que tomava a
feição de represalias contra os
oppressores da patria.
Os portuguêses estavam inquietos com a unanimidade do
conselho paulista significativo de não haver divergencia na
provincia, e Trigoso tratou de abrir brecha na resistencia
massiça de S. Paulo. Amigo de Fernandes Pinheiro desde os
annos de Coimbra foi visital-o. Ponderou a imprudencia de sua
determinação no caso dos seus committentes
adherirem á carta constitucional: que contas lhes prestaria?
O argumento não era novo mas Fernandes Pinheiro, fraco e
timorato, não pôde resistir á
pressão
do collega. No dia seguinte veio ao Congresso declarar que a sua saude
lhe não permittindo assignar a
constituição no prazo e como este se achava
esgotado pedia licença para o fazer agora. Os europeus, que
o haviam acolhido com demonstrações de jubilo,
satisfizeram-no promptamente
[530].
Aos 30 de setembro procedeu-se ao juramento da lei fundamental e os
deputados que se não achavam presentes, prestaram-no quando
compareceram ao congresso. Com a mão direita sobre as
Sagradas Escripturas, diziam: «Juro guardar a
constituição politica da monarchia
portuguêsa que acabam de decretar as Côrtes
Constituintes da mesma nação».
Agora era mais fundada a hesitação dos
brasileiros, até sem tomarem em conta as noticias
[423]
do Brasil
divulgadas desde a vespera nas côrtes.
Não havia mais duvida sobre a
installação da assembléa constituinte
em além-mar, em virtude
das adhesões que affluiam ao ministerio do Rei; a Regencia
reputava inimigos as tropas lusitanas expedidas de Portugal sem o seu
pedido e proclamara ás nações que o
Brazil
para se subtrahir a recolonização não
cumpriria senão as leis feitas em seu seio por seus
representantes.
[531]
Era melhor, pois, que os brasileiros não
protestassem perante Deus respeitar uma lei que no intimo estavam
dispostos a não guardar. Fazendo-o porém,
não perjuravam, porque agiam constrangidos da maioria. Havia
ainda outra
consideração que pesou no animo d'esses homens de
honra e partidarios do regimen constitucional. A desobediencia ao
Congresso seria um acto revolucionario capaz, attenta a effeverscencia
dos espiritos e a reacção em augmento de
resuscitar o despotismo.
Dos que assignaram a Constituição, todos a
juraram, salvo Moniz Tavares e Lino Coutinho, que se esquivaram
á formalidade, não mais indo ao Congresso.
Barata, Agostinho Gomes e os conterraneos do futuro visconde de S.
Leopoldo continuaram a não dar signaes de vida. Em 2 de
outubro tiveram as Côrtes noticia de Antonio Carlos:
solicitava permissão para se retirar de Portugal.
Passaram-se os dias e a commissão não dava
parecer sobre o requerimento. O odio contra os americanos em
crescimento á medida que progredia em além-mar a
revolta contra os poderes
[424]
publicos da metropole, tornava-se
aggressivo e visava particularmente os intemeratos que se obstinavam em
não approvar a
Constituição. Correu voz de
conjuração tramada nas
associações secretas para os assassinar
[532].
Na manhã de seis de outubro estalou a nova de terem na
vespera tomado barco inglês com destino a Falmonth, Lino
Coutinho, Barata, Agostinho Gomes, Antonio Carlos, Bueno, Costa Aguiar
e Feijó. A colera contra elles explodiu com violencia e de
Portugal estendeu-se as possessões. A imprensa cobriu-os de
injurias; nas Côrtes, Xavier Monteiro requereu que
não fossem considerados portuguêses
[533] e os
madeirenses assanhados tentaram arrebatal-os do navio inglês
de escala em Funchal que os levava a patria
[534].
Prestado o juramento da constituição, as
Côrtes ainda continuaram a funccionar por não
suspender trabalhos inadiaveis. Poucos brasileiros, porém
concorriam ás sessões, e esses
não tomavam parte na discussão, supposto
versassem ácerca da patria. Os assumptos que outr'ora os
exaltavam não conseguiam agora quebrar-lhes o silencio
systhematico. Nem ainda o parecer da commissão a respeito do
conflicto agudo da junta do Pará com o
commandante
das armas, o famigerado Moura,
vingou modificar-lhes a attitude de protesto contra a violencia da
maioria retendo-os no parlamento. Ao congresso constituinte succederam
as Côrtes ordinarias installadas
[425]
em 15 de
novembro. Para o fim do ultramar ser nellas representado desde a
abertura, fôra estabelecido, contra o alvitre judicioso de
Antonio Carlos, que os deputados da America continuarião no
exercicio do mandato até que chegassem os eleitos para a
nova legislatura
[535].
Os cearenses, quasi todos os bahianos e mais seis americanos ou a
titulo de doença ou sem pretexto algum não
compareceram no novo parlamento
[536].
Ao mesmo tempo do Brasil affluiam
noticias tão positivas de revolta contra Portugal que a
commissão de infracções da
constituição entendeu indecoroso escurecer a
verdade. Propôs fossem reputadas dissidentes as provincias
não só que nomeassem deputados para a
assembléa do Rio senão ainda que prestassem
homenagem á regencia ou desobdecessem aos poderes publicos
da antiga metropole, para ficarem excluidos da
representação nacional os mandatarios desses
povos rebeldes. Era a idéa de Antonio Carlos, Lino Coutinho,
Alencar e outros propugnada em agosto. O Congresso, aceito o alvitre,
reconheceu que não assistia ao Ceará,
Alagôas, Parahyba, Pernambuco, Rio de Janeiro e S. Paulo o
direito de terem procuradores no corpo legislativo. Deixaram, por isso
as Côrtes vinte e quatro ultramarinos e agora não
estavam mais que as deputações do
Maranhão,
Pará, Piauhy, Rio Negro (Amazonas) Santa Catharina, Espirito
Santo, Goyaz e Bahia
[537].
[426]
Isto era o que dizia a lei mas na realidade estas provindas
não eram nem foram representadas na assembléa
ordinaria, pois que a maior parte de seus deputados não
tomaram assento no novo Congresso e os que o fizeram, desde
então não mais voltaram a elle, salvo os
portuguêses Domingos da Conceição
(Pranhy) e Segurado (Goyaz), e os brasileiros Francisco de Souza
Moreira (Pará) e o amazonense José
Cavalcante de Albuquerque, os quaes continuaram a comparecer
ás sessões, convencidos de que
não podiam desertar o parlamento sem a vontade expressa de
seus committentes.
E assim terminou o mandato dos brasileiros nas Côrtes
Geraes.
INDICE
CAPITULO I
Causas
da revolução de Portugal de
1820.―Incerteza sobre o regresso d'el-rei.―Necessidade da
adhesão do Brasil para o exito da
revolução.
Pag. |
5 a 12 |
CAPITULO II
Esperança
no apoio do Brasil.―Começam a chegar
novas de além-mar.―Revolução no
Pará.―Pará provincia de
Portugal.―Adhesão da Bahia. Divergencias no governo do
Rio.―As côrtes desconfiam d'el-rei.―O decreto de 18 de
abril.―El-rei aceita a revolução.―O enthusiasmo
de Lisboa. Pag. |
13 a
29 |
CAPITULO III
O
Conde de Palmella.―Hesitação d'el-rei.―O
decreto de 18 de fevereiro.―Irritação
popular.―A junta consultiva.―26 de fevereiro.―O rei resolve
partir.―Protestos do commercio.―Reunião dos eleitores na
Praça do Commercio.―Providencias de Silvestre
Pinheiro.―Dissolução violenta da
assembléa.―Os poderes da regencia.―Embarque do rei.
Pag. |
30 a 74 |
CAPITULO IV
As
responsabilidades do crime de 21 de abril.―O conde dos Arcos.
Pag. |
75 a 82 |
CAPITULO V
Medidas
da regencia.―Descontentamento do povo.―Deputados do
Rio.―Votação.―Regulamento
eleitoral.―Recrutamento.―As bases
constitucionaes.―Resolução de 5 de
junho.―Destituição do conde dos
Arcos.―Targini.―A calumnia no Brasil em Portugal.
Pag. |
83
a 102 |
CAPITULO VI
Os
deputados de Pernambuco.―Luiz do Rego.―Attitude circumspecta das
Côrtes em relação ao Brasil.―A
apprehensão da
independencia.―Organização do governo de
Pernambuco.―Distincção entre as juntas
acclamadas pelo povo e as estabelecidas pelas
Côrtes.―Resoluções
ácerca dos officiaes implicados na revolta de
1817.―Propostas de Araujo Lima e Moniz
Tavares.―Deputação fluminense.―O conde dos
Arcos.―Organização dos governos
ultramarinos.―Decreto sobre o regresso do principe.―Villela
Barbosa.―Os quarenta e dous presos politicos.
Pag. |
103 a 138 |
CAPITULO VII
Expedição
de tropas para
Pernambuco.―Argumentação dos
regeneradores.―Villela Barbosa.―Attitude extranha dos deputados
fluminenses.―Illegitimidade da resolução.―Os
deputados do Maranhão.―Debate sobre a junta
permanente.―Deputado de Santa Catharina.―Chegam os representantes da
Bahia e de Alagôas.―A deputação da
Bahia.
Pag. |
139 a 154 |
CAPITULO VIII
Estreia
de Barata.―Legitimidade da sua proposta.―Os brasileiros
não a defendem com vigor.―Barata
retira-a.―Suppressão dos tribunaes do Rio.―A
emulação das
provincias aproveita aos
portuguêses.―Indignação no Rio contra
Varella.― Decidir-se-ão no Brasil as revistas das causas
ahi julgadas. Pag. |
155 a 167 |
CAPITULO IX
Presos
da Bahia.―Inanidade do parecer da commissão
ácerca dos negocios do
Brasil.―Condescendencia dos deputados brasileiros.―Surge no Rio o
partido da Independencia.
Pag. |
168 a 176 |
CAPITULO X
A
subserviencia da magistratura.―O jury nas causas crimes e civeis.―A
responsabilidade dos magistrados e o direito de os suspender; Borges
Carneiro; argumentos da maioria; replica dos brasileiros.―Prestam
juramento os deputados de S. Paulo.―Antonio
Carlos.―Exaltação dos representantes do
Brasil.―Vergueiro.―Resultado dos debates.
Pag. |
177
a 196 |
CAPITULO XI
O
regimento dos deputados de S. Paulo.―A
preoccupação do congresso em confundir o Brasil
com as possessões ultramarinas.―A
representação da Parahyba do Norte.
Pag. |
197 a 204 |
CAPITULO XII
Confraternidade
dos brasileiros e portuguêses fóra
dos negocios do Brasil.―O liberalismo dos americanos.―Proposta de
Borges de Barros ácerca da composição
do Supremo Tribunal.―Borges de Barros propõe o adiamento do
projecto da administração provincial.―Moura.―A
questão do juramento.―Vergueiro.―Insinceridade dos
portugueses na interpretacão do juramento prestado pelos
povos do Brasil.
Pag. |
205 a
217 |
CAPITULO XIII
Como
o Brasil acolheu os decretos das Côrtes.―Desacertos de
José Maria de Moura.―Protestos dos brasileiros e proposta
de Villela Barbosa sobre o commando das armas.―Effervescencia dos
animos no Rio.―Commissão especial dos negocios politicos do
Brasil.―Informação de Silvestre
Pinheiro.―Parecer da commissão especial.―O officio da
junta de S. Paulo.
Pag. |
218 a 242 |
CAPITULO XIV
O
empenho de Portugal em reformar as pautas da alfandega.―-A
commissão de commercio.―O privilegio de
navegação e a marinha
portuguêsa.―Parecer conciliador dos brasileiros.―Fernandes
Thomaz.―Injustiça do projecto ácerca dos
productos agricolas.―A industria do Brasil e de Portugal.―O projecto
fecha o Brasil ás nações amigas.―Os
brasileiros não o acceitavam.―Devolve-se o projecto
á commissão para ser revisto.―Fernandes Pinheiro
assigna o novo projecto.―O artigo incriminado reapparece
intacto.―É restituido á commissão.
Pag. |
243 a 257 |
CAPITULO XV
Noticias
do Rio.―Insultos aos partidarios de D. Pedro.―A.
Carlos.―Effervescencia da assembléa.―Os
portuguêses não censuram
as tribunas.―Alguns deputados de S. Paulo e da Bahia resolvem
não vir ás Côrtes.―Antonio Carlos
renuncia ao mandato.―O Congresso convida os brasileiros melindrados a
tomarem os seus logares.―Projecto de
Feijó.―Impressão nas Côrtes.―Attitude
de Moura.
Pag. |
258 a 267 |
CAPITULO XVI
Os
deputados do Pará, Goyaz e Espirito Santo.―D. Romualdo
de Sousa Coelho.―Desembargador Segurado.―Hostilidades contra o
Brasil.―A questão de Montevideu.―Fernandes Pinheiro.―O
Congresso não admitte o despejo militar da Banda
Oriental.―Opinião singular de Segurado.―Incidente
Barata.―Irritação com as noticias do Rio.―O
governo resolve mandar tropas ao Brasil.―Odio dos americanos do norte
aos regimentos da metropole.―A deputação do
Ceará.―Os regeneradores querem reduzir o Brasil pelas
armas.―Felicitações de Jorge de Avilez ao
Congresso.―As Côrtes approvam o acto do
governo.―Resolução de Borges de Barros.
Pag. |
268 a
298 |
CAPITULO XVII
Embarque
da divisão auxiliadora.―Necessidade de
assembléa legislativa no Brasil.―O parecer da
commissão de
constituição.―É approvado sem
alteração capital.
Pag. |
299 a 339 |
CAPITULO XVIII
Commissão
incumbida de apresentar os artigos addicionaes
á constituição relativos ao
Brasil.―Discussão.―Tomam assento F. de Sousa Moreira, do
Pará, e J. R. da Costa Aguiar, de S. Paulo.―O congresso
decide que o principe real não será
jámais delegado d'el-rei e manda a commissão
organizar novo projecto.
Pag. |
340 a 355 |
CAPITULO XIX
D.
Pedro resolve convocar côrtes.―Entram no congresso os
deputados substitutos de Piauhy e da Parahyba.
Pag. |
356 a 381 |
CAPITULO XX
Os
novos artigos addicionaes.―José da Costa Cirne.―O padre
Virginio Rodrigues Campello.―Manuel Felix De Veras.―A
representação do Rio Grande do
Norte.―Montenegro.―Resoluções hostis contra o
Brasil. Pag. |
382 a
397 |
CAPITULO XXI
Os
paulistas querem deixar as
côrtes.―Declaração de Fernandes
Pinheiro de Castro e Silva.―Muitos brasileiros querem differir o
juramento da constituição.―Partida dos paulistas
e de alguns bahianos.―Côrtes ordinárias.
Pag. |
398 a 426 |
Notas:
[1] Relatorio
de Fernandes Thomaz, sessão de 5 de
fevereiro de 1821 (Diario das Côrtes Geraes, tomo
1.º pag. 35).
[2] Manifesto
de 15 de de dezembro de 1820. (Documentos para a
historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag.
118).
[3]
Proclamação
da junta do Porto
(Documentos para a historia da Côrtes Geraes, vol.
1.º, pag.
14).
[4] Gama
Barros―Administração
publica,―vol. 1.º pag. 539.
[5]
Documentos
para a historia das Côrtes Geraes,
vol. 1.º, pag. 17.
[6]
Documentos
para a historia das Côrtes Geraes,
vol. 1.º pag. 25.
[7] Carta
do governo supremo, de 6 de outubro de 1820
(Documentos para a historia das Côrtes Geraes, vol.
1.º pag. 75).
[8] O
Campeão em Londres, de 1 de agosto
de 1819 e de 16 de março de 1820.
[9] Moniz
Tavares―A revolução de
Pernambuco de 1817―(Ser. do Inst. Hist. de Bravé, anno
1897, vol.
60.)
[10] Mello
Moraes―Brasil-reino e Brasil-imperio.
[11] Carta
de 2 de setembro de 1820 (Documentos para a Historia
das Côrtes Geraes, vol. 1.º, pag.
125.
[12]
Documentos
para a Historia das Côrtes Geraes,
vol. 1.º, pag. 125).
[13] Maria
Amalia―Duque de Palmella, vol. 5.º cap. 9
pag. 367.
[14] O
Campeão em Londres, de 16 de setembro de
1820, vol. 2.º pag. 120.
[15]
Manifesto
de 31 de outubro de 1820. (Documentos para a
historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag.
80).
[16] A
revolução de Pernambuco em 1817.
(Rev. do Inst. Historico do Brasil, vol. 60 anno 1897).
[17] Diario
das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag.
369―Officio de 5 de fevereiro de 1821.
[18] Rev.
do Inst. Hist. do Brasil, vol. 22, pag. 161 e
memorias do Marquês de Santa Cruz.
[19] Sess.
de 4 de abril de 1821 (Diario das Côrtes
Geraes, vol. 1.º, pag. 455).
[20]
José d'Arriaga―Historia da
revolução de 1820, faz
excepção reproduzindo alguns trechos.
[21] D.
Romualdo, de quem foi discipulo Patroni, reconhece-lhe
raro talento. (Memorias do Marquês de Santa Cruz).
[22] Diario
das Côrtes Geraes, vol. 2.º,
pag. 483. (Sess. de 5 de abril de 1821).
[23]
Margioccli,
sess. de 14 de novembro de 1821 (Diario das
Côrtes Geraes, vol. 5.º pag. 3078).
[24] Sess.
de 5 de abril de 1821 (Diario das Côrtes
Geraes, vol. 1.º, pag. 484).
[25] O
Campeão em Londres de 16 de março
de 1821.
[26] O
que ahi fica dito resulta do Diario das Côrtes
Geraes ou foi colhido na Historia da Revolução
portuguêsa de 1820 e na galeria dos deputados das
Côrtes Geraes extraordinarias e constituintes.
[27] Sess.
de 16 de abril de 1821. (Diario das Côrtes
Geraes, vol. 2, pag. 600).
[28] Sess.
de 17 de abril de 1821. (Diario das Côrtes
Geraes, vol. 2.º, pag. 609).
[29] Correio
Brasiliense, de 16 de janeiro de 1821 (vol. 26).
[30] Maria
Amalia―O duque de Palmella, vol. 1.º e
José d'Arriaga, Historia da revolução
portuguêsa de 1820.
[31] Correio
brasileirense, de abril de 1821 (vol. 26).
[32] Sess.
de 3 de fevereiro de 1821, discussão do
projecto Pereira do Carmo. (Diario das Côrtes Geraes, vol.
1.º, pag. 23).
[33] Carta
do marechal Felisberto Caldeira Brasil Pontes. (O
Campeão português em Londres, de junho
de 1821).
[34] Pereira
da Silva―Historia da
fundação do Imperio brasileiro, vol. 5.º
[35]
José
d'Arriaga―Historia da
revolução portuguêsa de 1820 e Diario
das Côrtes Geraes, vol. 2.º pag.
709.
[36] Sess.
de 28 de abril de 1821. (Diario das Côrtes
Geraes, vol. 2.º, pag. 709).
[37]
Oliveira
Lima―D. João VI no Brasil, vol.
2.º pag. 1037.
[38] Cartas
de Silvestre Pinheiro (Rev. do Inst. Hist. do
Brasil, anno 1888, vol. 51).
[39] Mello
Moraes―Historia do Brasil-Reino e Brasil-Imperio.
Conde de Palmella―Despachos e correspondencia.
[40] Conde
de Palmella―Despachos e correspondencia
(Introducção).
[41] Conde
de Palmella―Despachos e correspondencia (carta de 5
de janeiro).
[42] Conde
de Palmella―Despachos e correspondencia; e Maria
Amalia―Duque de Palmella.
[43]
Palmella―Despachos e correspondencia. (Carta de 26 de
janeiro).
[44] Aviso
de 10 de fevereiro (Mello Moraes, Brasil-Reino e Brasil-Imperio).
[45]
Palmella―Despachos
e correspondencia.
[46] Maria
Amalia―O duque de Palmella (carta de 3 de
março ao conde de Linhares. Sobre o caracter e as
idéas de Thomaz lêr «Despachos e
correspondencia do mesmo Palmella e Considerações
sobre Portugal e
Brasil» (Revista do Inst. Hist. do Brasil, anno 1863, vol.
26).
[47]
Palmella―Despachos
e correspondencia. (Carta a el-rei de
19 de fevereiro de 1821).
[48]
Palmella―Despachos
e correspondencia (Projecto de 21 de fevereiro).
[49] Decreto
de 18 de fevereiro, que foi antedatado e só appareceu cinco
dias depois.
[50]
Palmella―Despachos
e correspondencia; e Maria Amalia.―A
vida do duque de Palmella.
[51]
Palmella―Despachos
e correspondencia, vol. 1.º,
e Maria Amalia.―A vida do Duque de Palmella.
[52] Maria
Amalia―A vida do duque de Palmella. (Carta
á condessa de Palmella, de 3 de março).
[53]
Oliveira
Lima―D. João VI no Brasil, capitulos
28 e 29.
[54]
Memorias
para a historia do reino do Brasil por
Gonçalves dos Santos (Introducção).
[55] Cartas
sobre a revolução do Brasil,
vol. 51 da Rev. do Inst. Historico do Brasil.
[56] Mello
Moraes―Brasil-Reino e Brasil-Imperio,
edição 1871 pag. 53.
[57]
Oliveira―D.
João VI no Brasil, pag. 1091.
[58] Cartas
sobre a revolução do Brasil.
Rev. do Inst. Historico do Brasil, anno 1888 vol. 57.
[59] Revista
do Inst. Hist. do Brasil, vol. 24. Eis os outros
membros da junta: barão de Santo Amaro; monsenhor Almeida;
A. S. Pereira da Cunha; A. Rodrigues Velloso; C. M. Fonellet; J. da
Silva Lisboa; J. de S. de Almeida Corte-Real; J. R. Pereira de Almeida;
A. J. da Costa Ferreira; F. Xavier Pires; José C. Gomes;
Presidente
marquês de Alegrete; procurador da corôa,
José de O. B.
Pinto Mosqueira; secretarios, M. J. Nogueira da Gama e M. Moreira de
Figueiredo; secretarios substitutos, Coronel F. S. da Costa Refoios; e
desembargador J. J. de Mendonça―(Mello Moraes, obra
citada).
[60] Mello
Moraes, obra citada, pag. 58.
[61] As
informações do levante que
não tiverem indicação procedem do
noticioso Mello Moraes. (Brasil-Reino e Brasil-Imperio,
edição 1871, pag. 53 a 58).
[62] Cartas
sobre a Revolução do Brasil,
(Rev. do Inst Hist. do Brasil, vol. 51).
[63]
Herculano
considera-o «o grande pensador
português do seculo XIX.»
[64] Eis
os altos funccionarios indigitados pelos revoltosos
á corôa. O Vice-almirante J. da C. Quintella,
ministro do reino; o vice-almirante J. J. Monteiro Torres, ministro da
marinha e dominios ultramarinos; S. P. Ferreira, ministro da guerra e
de estrangeiros; conde de Lousan, D. Diogo de Menezes, presidente do
Brasil; bispo
capellão-mór, presidente da mêsa da
consciencia e ordem; intendente geral da policia, A. Luiz Pereira da
Cunha; thesoureiro do real erario, desembargador Sebastião
Luiz Tinoco; inspector dos estabelecimentos litterarios, J. da Silva
Lisboa; director do banco do Brasil pela fazenda real, J. R. Pereira de
Almeida; chefe de policia, J. de Oliveira Barbosa; presidente da junta
do commercio, visconde de Asseca; general das armas, o brigadeiro
Carlos Frederico Caula. (Mello Moraes, Brasil-Reino e Brasil-Imperio).
[65] Mello
Moraes. Brasil-Reino e Brasil-Imperio.
[66]
Oliveira
Lima. D. João VI no Brasil.
[67] Mello
Moraes. Brasil-Reino e Brasil-Imperio.
[68] Vida
do Duque de Palmella, por Maria Amalia, vol.
1.º.
[69]
Silvestre
Pinheiro. Cartas sobre a
revolução do Brasil. (Rev. do Inst. Hist. do
Brasil, vol. 51, anno 1888).
[70] Maria
Amalia. Vida do duque de Palmella.
[71] Mello
Moraes. Brasil-Reino e Brasil-Imperio.
[72] Mello
Moraes. Brasil-Reino e Brasil-Imperio.
[73] Cartas
sobre a revolução
do Brasil. (Rev. do Inst. Hist do Brasil, vol. 51).
[74] Decreto
de 21 de abril de 1821 (Documentos para
a historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º).
[75] Decreto
de 22 de abril de 1821. (Documentos para a
Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º).
[76] Moreira
de Azevedo―O Rio de Janeiro, 2.º
vol. (Praça do Commercio).
[77] Sobre
os acontecimentos de 26 de fevereiro e 21 de abril
consultamos: Silvestre Pinheiro, cartas sobre a
revolução do Brasil (Rev. do Inst. Hist. do
Brasil, vol. 51); Mello Moraes―Brasil-Reino e Brasil-Imperio, e
Independencia do Brasil―Astro da Lusitania de 14 de agosto de
1821―Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 27―(memoria de uma
testemunha presencial).
[78]
Silvestre
Pinheiro. Cartas sobre a
Revolução do Brasil, (Rev. do Inst. Hist. do
Brasil, vol. 51, pag. 327-28).
[79]
Armitage―Historia
do Brasil de 1808 a 1831.
[80] Alberto
Pimentel―A ultima côrte do absolutismo
em Portugal.
[81] Luiz
do Rego e a posteridade (Rev. do Inst. Hist. do
Brasil, vol. 24).
[82] Maria
Amalia―Vida do duque de Palmella.
[83] Correio
Brasiliense, março de 1818, vol. 20.
[84] Rev.
do Instituto Historico do Brasil, vol. 2, pag. 98.
[85] Mello
Moraes. Brasil-reino e Brasil-imperio.
[86] Mello
Moraes. Brasil-reino e Brasil-imperio―e Rev. do
Inst. Historico do Brasil (tomo especial do centenario da imprensa).
[87] Correio
Brasiliense de nov. 1817, vol. 19.
[88]
Palmella―Despachos
e correspondencia.
[89]
Silvestre
Pinheiro―Cartas sobre a revolução do Brasil.
(Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 51).
[90] Pessoas
e cousas do Brasil reproduzido sem escripto de
André P. Lacerda Werneck (Rev. do Inst. Hist. do Brasil,
vol. 61).
[91] Ensaio
economico de J. J. da C. Azevedo Coutinho,
edição de 1815.
[92] Mello
Moraes―Brasil-Reino e Brasil-Imperio.
[93] Astro
da Lusitania de
2 de agosto de 1821 (correspondencia do Rio de 29
de maio).
[94]
Apontamentos
de Drummond reproduzidos no artigo
«Pessoas e Cousas do Brasil» (Rev. do Inst.
Hist. vol. 61).
[95] Foi
um dos rarissimos amigos de Pombal, que o não desampararam
na desgraça e «não trepidou de lhe
honrar as exequias com a pompa do báculo» (O
marquez de Pombal e a sua épocha de Lucio de Azevedo).
[96] Sobre
Villela Barbosa, vêr a Rev. do Inst. Hist.
do Brasil, vol. 9; sobre D. Francisco de Lemos a mesma Rev.
vol. 2, e sobre D. J. de Azevedo Coutinho a mesma revista volumes 1 e
7.
[97] Astro
da Lusitania de 31 de julho de 1821 (correspondencia
do Rio de Janeiro).
[98] Rev. do
Inst. Hist. do Brasil, vol. 58.
[99] Rev. do
Inst. Hist. do Brasil, vol. 33.
[100]
José
Liberato―Memorias.
[101]
Regulamento eleitoral de 22 de novembro 1820 (Documentos para a
historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º, pag. 108.)
[102] Astro
da Lusitania de 2 de agosto 1821 (Correspondenciado Rio).
[103]
Pereira
da Silva―Hist. da fundação
do Imperio brasileiro, vol. 5.º
(Proclamação da
regencia de
3 de junho).
[104] Carta
de D. Pedro de 17 de Julho (Documentos para a
Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º, pag. 243).
[105] Mello
Moraes. Brasil-reino e Brasil-imperio,
edição 1871).
[106] Carta
de D. Pedro de 8 de junho (Documentos para a
Historia das Côrtes Geraes vol. 1.º).
[107]
Decreto
de 5 de junho de 1821. (Brasil-Reino e
Brasil-Imperio de Mello Moraes).
[108]
Compuseram
a junta: Marianno J. Pereira da Fonseca; o
bispo capellão-mór; J. de Oliveira
Barbosa; J. C. Ferreira de Aguiar; J. de Oliveira Alves; J. J. Pereira
de Faro; S. Luiz Tinoco; P. J. Fernandes Barbosa, e M. Pedro Gomes
(Mello Moraes―Brasil-Reino e Brasil-Imperio).
[109] Carta
citada de D. Pedro de 8 de junho (Documentos para a
historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º).
[110]
Diario
das Côrtes Geraes, sessão de
27 de novembro 1821, pag. 3242.
[111] O
campeão em Londres de 1.º de agosto
de
1819.
[112] Mello
Moraes―Brasil-Reino e Brasil-Imperio,
edição 1871 pag. 189.
[113] O
campeão em Londres de 16 de novembro de
1819.
[114] O
campeão em Londres de outubro de 1819.
[115] O
Campeão em
Londres de junho de 1820.
[116]
Silvestre
Pinheiro―Cartas sobre a
revolução do Brasil. (Rev. do Inst. Hist. do
Brasil, vol. 51).
[117] Astro
da Lusitania de 9 de agosto de 1821.
[118] Mello
Moraes―Brasil-Reino e Brasil-Imperio.
[119] Luiz
do Rego―Memoria justificativa, pag. 37.
[120] Sess.
de agosto de 1822. (Diario das Côrtes
Geraes).
[121] Moniz
Tavares―Revolução de
Pernambuco de 1817. (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 60).
[122] Moniz
Tavares―A revol. em Pernambuco em 1817. (Rev. do
Inst. Hist. do Brasil, vol. 60).
[123] Luiz
do Rego―Memoria justificativa.
(Documentos).
[124] Sess.
de 3 de fevereiro de1821. (Diario das Côrtes
Geraes).
[125] Carta
de D. Pedro a D. João VI de 19 de junho de 1822 (Documentos
para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag.
358).
[126]
Silvestre
Pinheiro―Cartas sobre a revolução do Brasil
(Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 51).
[127] Sess.
de 28 de julho de 1821 (Diario das Côrtes Geraes).
[128] Sess.
23 e 25 de agosto 1821 (Diario das Côrtes
Geraes, pag. 1998).
[129] Sess.
164 de 30 de agosto de 1821. (Diario das
Côrtes Geraes).
[130] Sess.
165 de 31 de agosto de 1821. (Diario das
Côrtes Geraes).
[131] Luiz
do Rego―Memoria justificativa.
[132] Sess.
165 de 31 de agosto de 1821. (Diario das
Côrtes Geraes, pag. 2109).
[133]
Reduzida
a revolta, o desgraçado, frustrada a
tentativa de envenenamento, estrangulou-se com uma corda.
[134] Sess.
165 de 31 de agosto de 1821. (Diario das
Côrtes Geraes, pag. 2109).
[135] Sess.
10 de setembro de 1821. (Diario das Côrtes
Geraes, pag. 2205).
[136] Rev.
do Inst. Hist. do Brasil, vol. 6.
[137]
Contava
86 annos, pois nascêra em 1735. (Rev. do
Inst. Hist. do Brasil, vol. 2).
[138]
Officio
da junta da Bahia de 20 de junho de 1821. (Mello
Moraes, Brasil-reino e Brasil-Imperio).
[139] Sess.
17 de setembro 1821 (Diario das Côrtes
Geraes).
[140] Sess.
11 de setembro 1821 (Diario das Côrtes Geraes, pag. 2219).
[141]
Officio
da junta do Pará na sessão de 10 de setembro
de1821 (Diario das Côrtes Geraes, pag.
2206).
[142] Sess.
de 19 setembro de 1821. (Diario das Côrtes Geraes, pag.
2326-2329).
[143] Sess.
179 de 19 de setembro 1821. (Diario das
Côrtes Geraes, pag. 2329).
[144]
Documentos
para a Historia das Côrtes Geraes,
vol. 1.º.
[145]
Correio
Brasileirense de outubro de 1821, vol. 27.
[146]
Representação
do commercio de 20 de
março de 1821 (Mello Moraes―Brasil-Reino Brasil-Imperio).
[147] Salvo
S. Paulo,
do que, porém, se não teve conhecimento nas
Côrtes senão em 9 de outubro. A junta da Bahia com
o fundamento de que ao congresso e não ao ao monarcha
competia a nomeação, terminantemente
não se submetteu á auctoridade de D. Pedro,
declaração aclamada na assembléa
constituinte em sendo ahi conhecida em 7 de agosto. (Mello
Moraes―Brasil-Reino e Brasil-Imperio, officio da junta da Bahia; Sousa
Monteiro, Historia de Portugal, sessão 19).
[148]
Moura, sess. de 6 de julho 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 6.º. pag. 718).
[149] Carta
de D. Pedro de 17 de julho 1821 (Documentos para a
Historia das Côrtes Geraes, vol. 6.º. pag.
243-245).
[150]
Correio Brasiliense de nov. 1821, vol. 27.
[151]
Fernandes Thomaz, sess. 180 de 20 de setembro, 1821 (Diario das
Côrtes Geraes).
[152]
Rebello―Sess.
180 de 20 de setembro 1821 (Diario das Côrtes Geraes).
[153] Moniz
Tavares―A revolução
em Pernambuco em 1817. (Rev. do Inst. do
Brasil, vol. 60).
[154]
Revista
do Inst Hist. do Brasil, vol. 9
(Biographia do Marquês de Paranagua).
[155] Sess.
de 16 de outubro 1821 (Diario das Côrtes
Geraes).
[156] Astro
da Lusitania de 22 de outubro de 1821 e Correio
Brasiliense, n.º 162 vol. 27.
[157] Sess.
16 de outubro 1821 (Diario das Côrtes
Geraes).
[158]
Terceiro
interrogatorio de Francisco de Paulo (Rev. do
Inst. Hist. do Brasil, vol. 31).
[159] Moniz
Tavares―A revolução em
Pernambuco em 1817 (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 60).
[160]
Joaquim
Nabuco―Um estadista do Imperio, vol.
1.º.
[161]
Macedo―Anno
biographico.
[162]
Correio
Brasiliense de novembro 1821 vol. 27.
[163]
Accordam
da Relação de 27 de outubro
1821 (Correio Brasiliense de dezembro de 1821, n.º 163 vol.
27).
[164] Moniz
Tavares―A revolução em Pernambuco em 1817 (Rev.
do Inst. Hist. do Brasil, vol. 60).
[165] Moniz
Tavares e Ferreira da Silva. Sess. de 18 de outubro
de 1821. (Diario das Côrtes Geraes).
[166] Sess.
de 18
de outubro de 1821.
(Diario das Côrtes Geraes).
[167] Voz
cavernosa e sepulchral qualifica o conselheiro
Francisco Gomes da Silva, o chalaça. (Memoria offerecida
á nação brasileira,
edição 1831).
[168]
Bancroft―Historia
dos Estados-Unidos.
[169]
Oliveira
Lima―D. João VI no Brasil, capitulo
27, pag. 102.
[170] Luiz
do Rego―Memoria justificativa.
[171] Sess.
218 de 6 de novembro de 1821. (Diario das
Côrtes Geraes, pag. 2958).
[172] Sess.
223 de 12 de novembro de 1821. (Diario das
Côrtes Geraes, pag. 3045).
[173]
Miranda,
Freire e Bettencourt. (Diario das
Côrtes Geraes, sess. 223 de 12 de novembro) e Miranda,
sessão 225 de 14 de novembro. (Diario das
Côrtes Geraes,
pag. 3046).
[174]
Margiocchi,
Moura e Fernandes Thomaz, sess. 225
de 14 de novembro. (Diario das Côrtes Geraes, paginas 3075,
3078 e 3079).
[175] Sess.
119 de 5 de julho de 1821. (Diario das
Côrtes Geraes, pag. 1450).
[176]
Decreto
de 7 de dezembro de 1821 e
Correio Brasiliense n.º 164 de janeiro 1822 (vol. 27).
[177] Sess.
225 de 14 de novembro de 1821 (Diario das
Côrtes Geraes, pag. 3075).
[178] Sess.
223 e 225 de 12 e 14 de novembro (Diario das
Côrtes Geraes).
[179] Sess.
223 de 12 de novembro (Diario das Côrtes
Geraes, pag. 3048) Vasconcellos na sessão de 14 de novembro
exprimiu-se com a mesma franquêsa.
[180] Sess.
225 de 14 de novembro (Diario das Côrtes
Geraes, pag. 3079).
[181] Sess.
229 de 19 de novembro. (Diario das Côrtes
Geraes, pag. 3389).
[182] Sess.
251 de 15 de dezembro. (Diario das Côrtes
Geraes, pag. 3420).
[183] Sess.
248 de 12 de dezembro. (Diario das Côrtes
Geraes, pag. 3389).
[184] Anno
biographico, 4 de abril.
[185] Sess.
de
18 de março e 22 de abril de
1822. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º, paginas
538 e
907).
[186]
Macedo―Anno
biographico, 2 de junho.
[187]
Elogio
historico. (Rev. do Inst. Hist. do Brasil vol. 4,
supplemento). Mello Moraes (Brasil-Reino e Brasil-Imperio) define-o: um
sabio de grande modestia.
[188] Sess.
de 20 de julho de 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 883).
[189] Sess.
252 de 17 de dezembro de 1821 (Diario das
Côrtes Geraes, pag. 3440).
[190] Bases
da constituição de 10 de
março de 1821 (Documentos para a Historia das
Côrtes Geraes, vol.
1.º pag. 165).
[191]
Miranda―sess.
254 de 19 de dezembro de 1821 (Diario das
Côrtes Geraes, pag. 3475).
[192] Sess.
254 de 19 de dezembro de 1821 (Diario das
Côrtes Geraes, pag. 3475).
[193] Sess.
254 de 19 de dezembro de 1821 (Diario das
Côrtes Geraes).
[194] Sess.
103 de 15 de junho de 1821 (Diario das
Côrtes Geraes, pag. 1214).
[195] Sess.
180 de 20 de setembro de 1821 (Diario das
Côrtes Geraes, pag. 2334). Moura disse então:
Aqui não somos representantes das provincias
senão da nação inteira: eu sou tanto
representante do Rio de Janeiro como os do Brasil são de
Portugal e de qualquer das suas
provincias.
[196]
Trigoso,
sess. de 28 de junho de 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, vol. 6.º pag. 611).
[197] Carta
de D. Pedro de 17 de julho (Documentos para a
Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag.
243).
[198] Sess.
255 de 20 de dezembro de 1821 (Diario das
Côrtes Geraes, pag. 3484).
[199] Sess.
255 de 20 de dezembro de 1821 (Diario das
Côrtes Geraes, pag. 3484).
[200] Sess.
261 de 29 de dezembro (Diario das Côrtes
Geraes, pag. 3542).
[201] Sess.
261 de 29 de dezembro (Diario das Côrtes
Geraes, pag. 3543).
[202] Sess.
179 de 19 de setembro de 1821 (Diario das
Côrtes Geraes, pag. 2329).
[203] Sess.
261 de 29 de dezembro de 1821 (Diario das
Côrtes Geraes, pag. 3543).
[204] Sess.
261 de 29 de dezembro (Diario das Côrtes
Geraes, pag. 3544).
[205]
Sessão
citada 261 de 29 de dezembro.
[206]
Correio
Brasiliense n.º 165 de fevereiro de 1822
(vol. 27).
[207] Sess.
de 28 de maio de 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º, pag. 290).
[208] Sess.
de 31 de janeiro de 1822. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º, pag. 60).
[209] Mello
Moraes―Brasil-Reino e Brasil-Imperio―,e Antonio
Carlos, sess. de 27 de abril de 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º pag. 991).
[210] Sess.
de 4 de fevereiro de 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 82).
[211] Sess.
de 26 de março e 7 de maio de 1822
(Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 621 e tomo
6.º pag. 79).
[212]
Correio
Brasiliense n.º 164 de janeiro de 1822
(vol 27) e Mello Moraes―Brasil-Reino e Brasil-Imperio.
[213] Sess.
270 de 10 de janeiro de 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 3655).
[214] Sess.
de 25 de fevereiro de 1822. (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º, pag. 301).
[215] Sess.
270 de 10 de janeiro de 1822. (Diario das
Côrtes Geraes, pag. 3656).
[216] Mello
Moraes―Brasil-Reino e Brasil-Imperio.
[217]
Correio Brasiliense, de dezembro 1821 (vol. 27).
[218] Carta
de D. Pedro a el-rei de 4 de outubro de 1821
(Documentos para a Historia das Côrtes Geraes vol.
1.º)
[219] Carta
de D. Pedro a el-rei de 9 de outubro de 1821
(Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol.
2.º pag. 257).
[220] Sess.
269 de 9 de janeiro de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, pag.
3639).
[221] Sess.
122 de 9 de julho de 1821 (Diario das Côrtes Geraes, pag.
1474).
[222] Sess.
223 de 12 de novembro 1821 (Diario das
Côrtes Geraes, pag. 3047).
[223]
Arriaga―A revolução de 1820.
[224]
Borges Carneiro.
[225] Carta
de 17 de julho de 1821 (Documentos para a Historia das
Côrtes Geraes,
vol. 1.º).
[226] Moniz
Tavares―A revolução em
Pernambuco em 1817 (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 60).
[227]
Interrogatorio 6.º (Rev. do Inst. Hist. do
Brasil, vol. 30).
[228]
Elogio por Pereira Pinto (Rev. do Inst. Hist. do Brasil,
vol. 11).
[229] Silva
Maia―José Bonifacio (Rev. do Inst. Hist
do Brasil, vol. 3).
[230] Mello
Moraes―Brasil-reino e Brasil-Imperio.
[231]
Macedo―Anno
Biographico.
[232] Carta
de D. Pedro a D. João VI de 9 de novembro
1821. (Documentos para a Historia das Côrtes Geraes).
[233] Sess.
9 e 13 de fevereiro de 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, vol 5.º pag. 138 e 172).
[234] Sess.
de 13 de fevereiro de 1822. (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 183). A materia occupou
as sessões de 9, 11 e 13 de fevereiro.
[235] Olegario
H. de Aquino e Castro. Biographia de M. J. do Amaral Gurgel. (Rev. do
Inst. Hist. do Brasil, vol. 41).
[236]
Instrucções
aos deputados de S.
Paulo de 9 de outubro de 1821. (Mello Moraes, Brasil-reino e
Brasil-imperio, edição 1871 pag. 84).
[237]
Castello
Branco, sess. de 4 de julho de 1822. (Diario das Côrtes
Geraes, vol. 6.º, pag. 661).
[238] Art.
158 do projecto de
constituição. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º, pag. 14).
[239] Sess.
de 31 de janeiro de 1822. (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º, pag. 63).
[240]
Diario
das Côrtes Geraes, vol. 5.º,
pag. 394.)
[241] Sess.
de 4 de fevereiro e de 11 e 15 de julho de 1822.
(Diario das Côrtes Geraes).
[242]
Memoria
justificativa de Luiz do Rego e Correio
Brasiliense de fevereiro de 1822, (vol. 27).
[243] Sess.
271 de 11 e 275 de 16 de janeiro de 1822 (Diario das
Côrtes Geraes). Os paulistas não
faziam ainda parte do congresso.
[244] Sess.
de 25 de fevereiro de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo
5.º pag. 292).
[245] Sess.
de 20 de fevereiro de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo
5.º pag. 246).
[246] Sess.
de março de 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 348, 353).
[247] Sess.
180 de 20 de setembro 1821 (Diario das
Côrtes Geraes, pag. 2334).
[248] Sess.
254 de 19 de dezembro 1821 (Diario das Côrtes Geraes, pag.
3474).
[249] Sess.
de 6 de março de 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 378).
[250] Sess.
de março 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 5
pag. 379).
[251] Sess.
de 6 de março de 1822. (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 382).
[252] A
respeito das attribuições dos
commandantes das armas, consultar a excellente obra de
Fernandes Thomaz,
Indice alphabetico das leis extravagantes.
[253] Lino
Coutinho, sess. 9 de março de 1822 (Diario
das Côrtes Geraes. Tomo 5.º pag. 421).
[254] Sess.
9 de março citada.
[255] Sess.
de 9 e 11 de março de 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º pag. 431 e 441).
[256] Sess.
8 de março 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo
5.º pag. 402).
[257]
Cartas
do Principe de 14 e 15 de dezembro de 1821 (Documentos para a Historia
das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 272 e 273).
[258] Sess.
de 12 de março de 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 446).
[259] Sess.
de 12 de março de 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 460).
[260] Sess.
de 14 de março de 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 495).
[261]
Cartas
sobre a Revolução no Brasil
(Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol 51).
[262]
Cartas
sobre a revolução do Brasil.
(Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 51).
[263] Sess.
de 14 de junho de 1821. (Diario das Côrtes Geraes, pag. 1209).
[264] Sess.
255 de 20 de dezembro de 1821 e de 4 e 3 de março de 1822.
(Diario das Côrtes Geraes, pag. 3478 e tomo
5º, pag. 347 e 465).
[265] Sess.
de 18 de março de 1822. (Diario das Côrtes Geraes,
tomo 5.º, pag. 575).
[266]
Cartas
de 30 de dezembro e 2 de janeiro (Documentos para a Historia das
Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 276).
[267] Mello
Moraes―Brasil-reino e Brasil-imperio.
[268]
Segundo
Mello Moraes escreveu a
representação José Bonifacio
(Brasil-reino e Brasil-imperio).
[269]
Moura, Castello Branco, Feio, Miranda e Fernandes Thomaz (Diario das
Côrtes Geraes, sess. de 22 de março de 1822).
[270]
Xavier de Araujo―Revelações e memorias.
[271] Sess.
5 de abril 1821 (Diario das Côrtes Geraes,
pag. 484).
[272] Sess.
de 22 de março de 1822. (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 583). Rebello da Silva.
Varões illustres e Xavier de
Araujo―Revelações e
Memorias.
[273] Sess.
de 23 de março de 1822. (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º, pag. 592).
[274] Sess.
de 23 de março de 1822. (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º, pag. 597).
[275] Sess.
citada. (Diario das Côrtes Geraes, tomo
5.º, pag. 602).
[276] Sess.
de 20 e 25 de fevereiro de 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 242 e 293).
[277] Sess.
de 23 de março de 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 598).
[278] Sess.
de 23 de março de 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 604).
[279] Sess.
de 23 de março (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 604).
[280] Sess.
citada (Diario das Côrtes Geraes, tomo
5.º pag. 591 e 615).
[281]
José
d'Arriaga―Historia da
revolução de 1820. (Vol. 4.º, pag. 42).
[282] Sousa
Monteiro―Historia de Portugal,
secção 20.
[283]
Borges
de Barros, sess. de 22 de março de 1822
(
Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 583).
[284]
Biographia
de Jannuario da Cunha Barbosa (Rev. do Inst.
Hist. do Brasil, vol. 65).
[285] Astro
da Lusitania de 10 de abril de 1822 e discurso de
Vergueiro, sess. citada de 23 de março de 1822.
[286] Sess.
6 de 3 de fevereiro de 1821. (Diario das
Côrtes Geraes, pag. 24).
[287]
Bettencourt,
Pessanha e Borges Carneiro. (Sess. de 12 a 31
de janeiro de 1821).
[288]
Parecer
da commissão especial. (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º, pag. 531).
[289]
Galeria
dos deputados das Côrtes Geraes.
[290]
Relatorio
de Fernandes Thomaz, sess. 7
de
6 de
fevereiro 1821; sess. 2 de abril
1822 (Diario das Côrtes Geraes, pag. 35 vol. 1.º e
pag. 705 do vol. 5.º).
[291]
Ferreira
Borges―sess. 2 de abril 1822 (Diario das
Côrtes Geraes tomo 5, pag. 702).
[292] Sess.
de 1, 2 e 9 de abril 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 685-728).
[293] J.
Accurcio das Neves. Memoria sobre os meios de melhorar
a industria portuguêsa (Lisboa, 1820).
[294]
Soares
Franco e Antonio Carlos, sess. 27 de abril 1822
(Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag.
980).
[295]
Antonio
Carlos, sess. 15 de abril 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º 807).
[296] Sess.
15 e 27 de abril 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º pag. 807 e 978 e 989).
[297] J.
Accursio das Neves―Memoria sobre
a industria
portuguêsa, e Soares Franco, sess. de 30 de agosto de 1822.
(Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag.
301).
[298] J.
Accursio das Neves―Memoria sobre a industria
portuguêsa.
[299]
Relatorio
de Fernandes Thomaz. Sess. 7.ª de 5 de
fevereiro de 1821. (Diario das Côrtes Geraes, pag. 36).
[300] Sess.
de 14 de maio de 1822. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º, pag. 157 a 159.
[301]
Zefirino
dos Santos, sess. de 17 de
julho de 1822 (Diario das Côrtes Geraes,
tomo
6.º pag. 850).
[302] Sess.
de 17 de julho de 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 848).
[303] Sess.
17 de Julho 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 850).
[304] Sess.
17 de julho de 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º pag, 852).
[305] Sess.
27 de agosto 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 7.º pag. 262).
[306]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo
7.º pag. 435).
[307]
Arriaga―Revolução
de 1820, vol.
1.º,
pag. 660.
[308] Sess.
26 de setembro de 1822. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 7.º, pag. 568-574.
[309] Sess.
15 de abril 1822 (Diario das
Côrtes
Geraes, tomo 5.º pag. 795 e 803.)
[310]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag.
803.
[311] Carta
de Antonio Carlos (Diario do Governo de 17 de abril
1822; Fernandes Pinheiro memorias; e Sousa Monteiro, Historia de
Portugal).
[312]
Pereira
da Silva assignala a excellencia da voz e a
majestade do gesto de Antonio Carlos. (Memorias do meu tempo).
[313]
Diario das Côrtes Geraes, tomo
5.º
pag. 807.
[314] Sess.
de 18 de abril de 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º pag. 850 e 854).
[315]
Diario
do Governo de 17 de abril e Diario das
Côrtes Geraes, (tomo 5.º pag. 853).
[316]
Memorias
(Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 37).
[317] Sess.
de 18 de abril de 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º pag. 850).
[318] Sousa
Monteiro―Historia de Portugal,
secção 20.
[319] Sess.
de 18 de abril de 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º pag. 854).
[320] Sess.
18 e 23 de abril. (Diario das Côrtes, tomo
5.º, pag. 852, 855 e 929).
[321]
Borges
Carneiro e Moura. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º, pag. 850 e 851).
[322]
Castello
Branco, sess. de 25 de abril de 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 594).
[323] Sess.
de 25 de abril de 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º pag. 954).
[324] Sess.
de 27 de abril de 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º pag. 989).
[325] Sess.
1.º de
abril 1822
(Diario das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 677).
[326] Sess.
18 de abril 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º pag. 855).
[327] Sess.
citada de 18 de abril.
[328] Sess.
9 de abril 1822 (Diario das Côrtes Geraes.
tomo 5.º pag. 721). As informações sobre
D.
Romualdo foram escolhidas na sua biographia. (Rev. do Inst. Hist. do do
Brasil, vol. 3.º).
[329] Sess.
de 3 de maio 1822. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 53).
[330]
Memorias
do Espirito Santo por Braz da Costa Rubim (Rev.
do Inst. Hist. do Brasil, vol. 24).
[331]
Regulamento
eleitoral de 22 de novembro de 1820
(Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol.
1.º pag. 108) e sess. de 16 de abril de 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 824).
[332] Sess.
de 16 de abril de 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º pag. 824).
[333] Sess.
de 22 de abril de 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º pag. 914) e Annaes de Goyaz (Rev. do Inst.
Hist do Brasil, vol. 27).
[334]
Correio
Brasiliense de março e abril de 1822
(vol. 28).
[335] Sess.
27 de abril 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º pag. 978).
[336] Mello
Moraes―Brasil-reino e Brasil-imperio e,
principalmente, Oliveira Lima―D. João VI no Brasil.
Excellente obra pela copia de noticias como pelo senso critico.
[337] Sess.
de 30 de abril e 2 de maio 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 1020 e tomo
6.º pag. 17).
[338]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag.
978.
[339]
Correio
Brasiliense de Junho de 1822 (vol. 28).
[340] Sess.
de 30 de abril de 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º pag. 1021).
[341]
Annaes
da Provincia de Goyaz (Rev. do Inst. Hist. do
Brasil, vol. 27).
[342] Folha
redigida por Barata em 1831 e 1832.
[343]
Diario
das Côrtes Geraes tomo 5.º
pag. 1014.
[344]
Trigoso,
sess. 30 de abril 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 1017).
[345] Pinto
da França, sess. citada (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 1015).
[346]
Fernando
Pinheiro. Memorias (Revista do Inst. Hist. do Brasil, vol. 37.) e sess.
2 de maio 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º
pag. 39).
[347] Sess.
4 de maio 1822 (Diario das Côrtes Geraes,
tomo 6.º pag. 65).
[348] Sess.
15 de maio (Diario das Côrtes Geraes, tomo
6.º pag. 167-172).
[349] Sess.
10 de maio 1822 (Diario das Côrtes Geraes,
tomo 6.º pag. 135).
[350] Sess.
de 25 de junho 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 553).
[351] Sess.
29 de abril de 1822. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º pag. 1010). É a
conspiração da rua Formosa. (Souza Monteiro.
Historia de Portugal, secção 20
e Arriaga―Hist. da Rev.
de
1820, vol. 3.º, pag. 574).
[352]
Discurso
de José Bonifacio a D. Pedro, e carta
d'este a D. João VI de 2 de fevereiro de 1822. (Documentos
para a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º, pag.
300 e 285).
[353]
Bancroft―Historia
dos Estados-Unidos.
[354] Sess.
de 20 de maio de 1822. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º, pag. 201).
[355] Sess.
de 9 de maio de 1822. (Diario das Côrtes
Geraes, vol. 6.º, pag. 109).
[356]
Depoimento
de B. J. Teixeira. (Rev. do Inst.
Hist. do Brasil, vol. 38, pag. 159); e Revolução
do Ceará (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 29, pag.
255-262).
[357] A
revolução de 1817. (Rev. do Inst.
Hist. do Brasil, vol. 60).
[358]
Fernandes
Pinheiro―Memorias, (Rev. do Inst. do Brasil,
vol. 37).
[359] Sess.
de 21 de maio de 1822. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º, pag. 203-215).
[360] Sess.
de 23 de maio de 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 249).
[361]
Correio
Brasiliense de junho de 1822 (vol. 20) e Fernandes
Pinheiro―Memorias (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 37).
[362]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag.
221 e
248.
[363]
Correio
Brasiliense.
[364] Sess.
22 de maio 1822 (Diario das Côrtes Geraes,
vol. 6.º pag. 248).
[365]
Fernandes
Pinheiro―Memorias―(Rev. do Inst. Hist. do
Brasil, vol. 37).
[366]
Correio
Brasiliense de junho de 1822 (vol. 28).
[367] O
Campeão português em Lisboa,
n.º 8
de 25 de maio de 1822 (vol. 1.º).
[368]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 256.
[369] O
Rio de Janeiro nomeou procuradores o dr. José
Marianno de Azevedo Coutinho e Joaquim
Gonçalves Ledo, o notavel redactor do Reverbero.
[370]
Considera-o
assim, porque devolve ao povo a
nomeação de um corpo que nas monarchias
constitucionaes deve ser escolhido pelo poder executivo (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 603).
[371]
Officio
do ministro da guerra, sessão 28 de
maio 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag.
289).
[372]
Officio
de Maximiliano de Sousa (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 302).
[373]
Protesto
dos commandantes (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 313).
[374] Carta
de 14 de maio de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo
6.º pag. 313).
[375] Carta
de 19 de março (Diario das Côrtes Geraes, tomo
6.º pag. 313).
[376]
Notavel
representação da camara do
Rio ao Congresso (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º
pag.
285).
[377]
Representação
da camara do Rio e
fala da deputação de Minas Geraes ao regente,
(Diario das Côrtes Geraes, vol. 6.º pag. 283).
[378] Sess.
de 29 de maio de 1822. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º, pag. 313-316).
[379]
§
1.º do artigo 159 da
constituição (Documentos para a Historia das
Côrtes Geraes, vol. 1.º pag.
428.)
[380]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag.
425.
[381] Sess.
de 10 de abril de 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º pag. 753).
[382]
Revolução
em Pernambuco de
1817 (Rev. do Inst. Hist. do Brasil, vol. 60).
[383] Sess.
de 12 de junho de 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 433).
[384] Sess.
de 20 de junho 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 515).
[385] Sess.
22 e 25 de junho 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 541 e 556).
[386] Sess.
26 de junho 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 573).
[387]
Capitulo
XIII.
[388] Sess.
23 de março (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º pag. 611).
[389] Sess.
29 de março (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º pag. 670).
[390]
Fernandes
Pinheiro―Memorias. (Rev. do Inst Historico do
Brasil, vol. 36).
[391] Sess.
15 e 25 de abril 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º pag. 855 e 954).
[392] Sess.
de 7 de junho 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 360).
[393] J.
C. Augusto de Oeynausen, presidente; José
Bonifacio, vice-presidente; Martins Francisco; Lazaro José
Gonçalves; M. J. de Oliveira Pinto; Manuel Rodrigues
Jordão; F. J. de Sousa e Queiroz; J. F. de Oliveira Bueno;
A. Leite Pereira
da Gama Lobo, Daniel P. Múller; André da Silva
Gomes; F. de Paulo e Oliveira.
[394]
José
Bonifacio e Antonio L. P. da Gama Lobo,
deputados pelo governo e camara; José Arouche de Toledo
Rendon, deputado pela camara, e o padre Alexandre Gomes de Azevedo
deputado pelo clero.
[395]
É
a representação de
1.º
de janeiro. Juntamente com o bispo a assignaram o cabido da
Sé, e o clero do bispado por seu procurador o padre A. Gomes
de Azevedo.
[396] Carta
do principe de 15 de fevereiro 1822 (Documentos para
a Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 304).
Eram 13: Antonio Felix da Costa; Belchior Pinheiro de Oliveira;
Domingos Alves Macedo; Francisco de Paula Pereira Duarte; Jacintho
Furtado de Mendonça; J. Gomes da Silveira; J. C. de Miranda
Ribeiro; J. Custodio Dias; J. Eloy Ottini; J. de Rezende Costa; L. A.
Monteiro de Barros; Lucio José Soares; Manuel J. Velloso.
Substitutos: M. Rodrigues Jardim; B. Carneiro Pinto; José
Joaquim da Rocha e Carlos J. Pinheiro (Documentos para a
Historia das Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 126).
[397] Sess.
de 29 de julho 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 965).
[398] Sess.
17 de junho 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 458).
[399]
Discurso
de J. Clemente (Documentos para a Historia das
Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 292).
[400]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo
6.º pag. 393.
[401]
Correio
Brasiliense n.º 169 de junho 1822 (vol.
28).
[402]
Vergueiro,
sess. 1.º de julho 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 628).
[403] Sousa
Monteiro. Historia de Portugal,
secção 20.
[404]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag.
577.
[405]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 6.º,
pag. 580.
[406] Art.
24. «A lei é a vontade dos
cidadãos declarada pelos seus representantes juntos em
Côrtes. Todos os cidadãos devem concorrer para a
formação da Lei.» (Documentos para a
Historia das Côrtes
Geraes, vol. 1.º, pag. 65).
[407] Sess.
de 27 de junho de 1822. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º, pag. 588.
[408]
Barreto
Feio.
[409]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag.
590.
[410]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag.
445.
[411]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 5.º pag.
609.
[412] [Nota
de editor: ausência de nota para esta
referência].
[413] Sess.
28 de junho 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º
pag. 600).
[414] Sess.
de 1 de
julho de 1822. (Diario
das Côrtes Geraes, tomo
6.º, pag. 635).
[415]
Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º,
pag. 626.
[416]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag.
640.
[417] Sess.
de 1 de julho de 1822. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º, pag. 643).
[418]
Referia-se
a Inglaterra descontente com a
disposição das Côrtes de fazer no
Brasil tarifas contrarias aos interesses della.
[419] Sess.
de 1 de julho de 1822. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º, pag. 645).
[420]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag.
653.
[421]
Bancroft.
Historia dos Estados Unidos.
[422]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag.
657 e decretos de 24 de julho 1822 (Documentos para a Historia das
Côrtes Geraes, vol. 1.º pag.
350-351).
[423] Sess.
de 23 de maio de 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 256).
[424] Sess.
de 25 de maio de 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo
6.º pag. 277).
[425] Sess.
de 17 de junho de 1822. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º, pag. 465).
[426]
Villela
Barbosa. Sess. de 26 de junho. (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 567).
[427]
Fernandes
Pinheiro, sess. de 3 de
julho. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag.
674).
[428]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 6.º,
pag. 567.
[429] Sess.
de 3 de julho. (Diario das Côrtes Geraes,
tomo 6.º, pag. 683).
[430]
Antonio
Carlos, sess. 26 de junho 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 560).
[431] Sess.
3 de julho 1822 (Diario
das
Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 677).
[432]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag.
562.
[433]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag.
559.
[434]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag.
691.
[435]
Cartas
sobre a Revolução no Brasil (Rev. do Inst. Hist.
do Brasil, vol. 51).
[436]
Oliveira
Martins―O Brasil e as colonias.
[437]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 699.
[438]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 702 e 703.
[439] Sess.
de 3 de julho de 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 675).
[440] Sess.
de 4 de julho de 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 703).
[441]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag.
703.
[442] Sess.
de 2 de julho de 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 662).
[443] Sess.
citada (Diario das Côrtes Geraes, tomo
6.º pag. 662).
[444] Sess.
de 6 de julho de 1822. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º, pag. 718).
[445] Sess.
citada (Diario das Côrtes Geraes, vol.
6.º pag. 719).
[446] Sess.
8 de julho 1822. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 731).
[447] Sess.
5 de julho 1822. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 710)
[448]
Trigoso,
sess. 6 de julho (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 715).
[449] Sess.
de 5
de julho. (Diario das Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag.
712).
[450] Sess.
de 6 de julho. (Diario das Côrtes Geraes,
tomo 6.º, pag. 722).
[451] Carta
do principe de 28 de abril de 1822. (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 767).
[452]
Capitulo XIII.
[453] Sess.
de 2 de julho de 1822. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º, pag. 659).
[454] Sess.
de 20 de julho de 1822. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º, pag. 579).
[455] Sess.
29 de abril 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º pag. 994).
[456] Sess.
8 de julho 1822 (Diario das Côrtes Geraes,
tomo 6.º pag. 730).
[457]
Sessão
de 8 e 15 julho 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 6.º pag. 739 e 820).
[458] Sess.
20 de julho 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 880).
[459] Sess.
20 de julho 1822 (Diario das
Côrtes
Geraes, tomo 6.º
pag. 884).
[460]
Discurso
de J. Bonifacio ao regente em 26 de janeiro
(Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol.
1.º pag. 300).
[461]
Discurso
do vice-presidente de Minas em 15 de fevereiro
(Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol.
1.º pag. 305).
[462]
Ceará,
Alagoas e Espirito Santo, sess. de 29 de
abril, 7 de maio e 3 de julho (Diario das Côrtes Geraes).
[463] Sess.
de 29 de abril e 16 de julho de 1822 (Diario das
Côrtes Geraes).
[464] Sess.
de 29 de janeiro de 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 5.º pag. 29).
[465] Sess.
de 10 de abril de 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º pag. 749).
[466]
Correio
Brasiliense de janeiro de 1822, (vol. 27).
[467] Sess.
de 11 de julho
de 1822.
(Diario das Côrtes Geraes, vol. 6.º, pag. 770).
[468] Sess.
de 22 de agosto de 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 7.º pag. 204).
[469] Sess.
22 de julho 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 892-893).
[470] Sess.
26 de junho 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 574).
[471] Sess.
de 22 de julho de 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 6.º pag. 889 e 905).
[472]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag.
923.
[473] Sess.
de 6 de julho. (Diario das Côrtes Geraes,
tomo 6.º, pag. 723) e Fernandes Pinheiro―Memorias―(Rev. do
Inst. Hist. do Brasil, vol. 37).
[474]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 6.º,
pags. 567 e 684.
[475] Sess.
de 13 de fevereiro. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º, pag. 179).
[476] Votou
pelo regresso immediato de D. Pedro (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 6.º, pag. 659, sess.
de 1 de julho de 1822).
[477] Sess.
de 7 de agosto 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 7.º pag. 72).
[478]
Sessão
de 2 de agosto (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 19).
[479] Serpa
Machado, Miranda, bispo do Pará, sess. 7
de agosto 1822 (Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º
pag. 73 e 83).
[480]
Borges
Carneiro, Soares Franco e Leite Lobo, sess.
citada.
[481]
Antonio
Carlos e Villela Barbosa, sess. citada.
[482] Sess.
de 7 de agosto de 1822. (Diario das Côrtes
Geraes).
[483] Sess.
de 7 de agosto de 1822. (Diario das Côrtes
Geraes).
[484]
Hendelman,
citado na magnifica obra de Oliveira Lima―D.
João VI no Brasil.
[485]
Miranda
e Fernandes Thomaz, sess. 12 de agosto (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 733).
[486] Sess.
7 de agosto 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 7.º pag. 83).
[487] Sess.
de 8 de agosto de 1822. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 7.º, pag. 85-95) e
Constituição de
23 de setembro de 1822. (Documentos para a Historia das
Côrtes Geraes, vol. 1.º).
[488] Sess.
de 11 de julho (Diario das Côrtes Geraes,
tomo 6.º pag. 770).
[489] Sess.
de 4 de fevereiro. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 5.º, pag. 80).
[490]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag.
168, 772 e 843.
[491] Sess.
14 de agosto. (Diario das Côrtes Geraes,
tomo 7.º, pag. 147).
[492]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag.
279.
[493]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 4.º pag.
235 e tomo 7.º, pag. 158, 168, 833 e 887.
[494]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 6.º pag.
100 e tomo 7.º, pag. 100-115.
[495]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 7.º,
pag. 216.
[496]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 7.º,
pag. 172.
[497]
Castello
Branco Manuel, sess. de 22 de agosto de 1822.
(Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag.
203).
[498] Sess.
de 26 de agosto de 1822. (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 243).
[499] Sess.
de 27 de agosto. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 7.º pag. 261).
[500]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 7.º,
pag.
290-291.
[501] Carta
de D. Pedro de 19 de julho. (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 223).
[502]
Officio
de 7 de junho. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 7.º, pag. 225).
[503] Termo
de vereação de 15 de julho.
(Diario das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 229).
[504] Carta
citada de 19 de junho.
[505] Sess.
27 de agosto (Diario das Côrtes Geraes,
tomo 7.º pag. 281).
[506] Sess.
28 de agosto (Diario das Côrtes Geraes,
tomo 7.º pag. 283).
[507] Sess.
30 de agosto (Diario das Côrtes Geraes,
tomo 7.º pag. 296).
[508] Sess.
citada (Diario das Côrtes Geraes, tomo
7.º pag. 296).
[509]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 7.º pag.
318.
[510]
Diario
das
Côrtes Geraes,
tomo 7.º pag. 324.
[511] Sess.
11 de setembro 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 7.º pag. 411).
[512] Sess.
de 14 de setembro (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 7.º, pags. 433 e 434).
[513] Sess.
de 16 de setembro de 1822. (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 452).
[514]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 7.º,
pag. 437.
[515] Sess.
de 16 e 17 de setembro (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 7.º, pag. 453 e 467).
[516] Sess.
de 19 de setembro de 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 480).
[517]
Trigoso,
Pinheiro de Azevedo, Van-Zeller, Peixoto, sess.
19 e 20 de setembro. (Diario das Côrtes Geraes, tomo
7.º, pag. 480, 502, 507 e 511).
[518] Sess.
de 19 de setembro. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 7.º, pag. 481).
[519] Lino
Coutinho, sess. 19 de setembro (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 487).
[520] Sess.
citada. (Diario das Côrtes Geraes, tomo
7.º pag. 496).
[521] Sess.
20 de setembro 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 7.º pag. 512).
[522] Sess.
de 20 de setembro 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 7.º pag. 505).
[523] Sess.
citada (Diario das Côrtes Geraes, tomo
7.º pag. 511).
[524] Sess.
de 19 de setembro de 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 503).
[525] Sess.
de 20 de setembro (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 7.º, pag. 517).
[526]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 7.º,
pag. 520.
[527]
Diario
das Côrtes Geraes, tomo 7.º,
pag. 532.
[528] Sess.
de 21 de setembro. (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 7.º, pag. 536).
[529]
Fernandes
Pinheiro, Memorias. (Rev. do Instituto Historico
do Brasil, vol. 37).
[530] Sess.
de 25 de setembro de 1822 (Diario das
Côrtes Geraes, tomo 7.º, pag. 554) e Fernandes
Pinheiro. Memorias (Revista do Instituto Historico do Brazil, vol.
37).
[531]
Documentos
para a Historia das Côrtes Geraes,
vol. 1.º, pag. 388 a 402.
[532]
Protesto
de Antonio Carlos (Documentos para a Historia das
Côrtes Geraes, vol. 1.º, pag. 457 a
459).
[533] Sess.
15 de outubro 1822 (Diario das Côrtes
Geraes, tomo 7.º pag. 792).
[534] Carta
de Barata á Gazeta Pernambucana
(Documentos para a Historia das Côrtes Geraes, vol. pag
331).
[535]
Lei de 17 de julho de 1822, artigo 52 (Documentos para a
Historia das Côrtes geraes, vol. 1.º pag.
331).
[536]
Documentos para a Historia das Côrtes geraes,
vol. 1.º pag. 497, 503 e 730 a 740.
[537] Lei
de 20 de janeiro 1822 (Documentos para a Historia das
Côrtes Geraes, vol. 1.º pag. 585).
Lista de erros corrigidos
Aqui encontram-se
listados todos os erros encontrados e corrigidos:
*
correcções feitas com base na errata do
próprio livro.
Na errata ainda se lê: "Ha ainda outros erros que, por serem
manifestos,
não se assignalam."
Foram adicionadas aspas onde se justificavam e que faltavam devido, ao
que penso ter sido, a um lapso tipográfico.
A duplicação de pontuação
existente antes e depois das referências,
para notas de rodapé, foram mantidas nos casos em que se
verificavam.
Não existe referência no texto para a
nota 345, da
página
280 deste livro.
Na
página 307 deste
livro, existem duas referências para a mesma nota
(
nota 379), tendo sido mantidas,
podendo ser no entanto um erro.
A
nota 412 da
página
332 está em falta no livro original: mantive o seu
local sinalizado, embora não tenha nenhuma nota associada.
A numeração das páginas do
índice foi alterada em alguns dos casos,
para estar de acordo com a paginação do texto.