The Project Gutenberg eBook of Notas d'arte This ebook is for the use of anyone anywhere in the United States and most other parts of the world at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this ebook or online at www.gutenberg.org. If you are not located in the United States, you will have to check the laws of the country where you are located before using this eBook. Title: Notas d'arte Author: António de Lemos Release date: January 11, 2010 [eBook #30926] Most recently updated: October 24, 2021 Language: Portuguese Credits: Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team *** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK NOTAS D'ARTE *** *Nota de editor:* Devido ‡ quantidade de erros tipogr·ficos existentes neste texto, foram tomadas v·rias decisıes quanto ‡ vers„o final. Em caso de d˙vida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final deste livro encontrar· a lista de erros corrigidos. Rita Farinha (Jan. 2010) NOTAS d'ARTE [Figura: NOTAS D'ARTE] PORTO TYPOGRAPHIA UNIVERSAL (a vapor) Travessa de Cedofeita, 54 1906 Ao INSTITUTO de ESTUDOS e CONFERENCIAS ¡ SOCIEDADE de BELLAS ARTES pelo que podem fazer em bem da Arte. [Figura: (EsboÁo para um retrato) VASCO FERREIRA] NO LIMIAR _O philosopho Taine, dizia, ha bons vinte annos, no seu Curso Esthetico para a Escola de Bellas-Artes_:--A Arte È o reflexo dos costumes. _E, de facto, assim È. A Arte vae evolucionando sempre na ordem directa do aperfeiÁoamento e da illustraÁ„o dos povos_. _Assim, quanto mais illustrado fÙr o publico, tanto mais perspicaz, mais estudioso e mais observador deve ser o artista, para que tenha o applauso geral e sincero a obra que executou e apresenta. E, È mesmo por isso que entre nÛs, os artistas, pintores e esculptores, dia a dia fazem, na incessante lucta pela vida, os esforÁos mais lidimos e mais honrados para resolverem esse enorme e sublime_ desideratum:--_ser grande!_ [Figura: (1904) Caricatura do dr. M. Monterroso] _Infelizmente nem todos o podem conseguir. E, n„o o conseguem, porque para isso n„o s„o precisas sÛ a boa vontade e a persistencia no estudo. Alguma coisa mais lhes È necessaria, e essa, primacial:--ter talento!_ _Felizes os que teem esse delicioso e bello predicado; porque esses, v„o gloriosamente para diante e s„o verdadeiramente grandes_. * * * * * _Ha alguns annos, poucos ainda, a pintura entre nÛs era uma especie de_ Arte mystica, _que apenas raros tentavam, n'um arroubamento de eleitos_. _Esses mesmos, faziam a pintura a seu modo, dentro de restrictas e acanhadas normas, sem pensarem sequer que o_ fluido ether _que nos cerca e enche triumphantemente toda a natureza, em pulverisaÁıes vibrantissimas de luz e de cÙr, precisa de ser estudado e quiÁ· pintado_. _Mas, se elles limitavam os ambitos do seu modo de executar, era que o publico tambem n„o exigia mais, e a critica n„o se preoccupava absolutamente nada com isso_. _Tanto_ elle _como_ ella _eram feitos por individuos, que ao visitar os museus e as exposiÁıes de pintura n„o tinham a intuiÁ„o nitida e verdadeira da Natureza em todo o seu explendor, como manifestaÁ„o psycologica da vista_. _Habitualmente todos elles amavam a Natureza pelo simples consolo que lhes dava, quando ao domingo, deixada a cidade, iam para o campo, n„o para fruir o delicado encanto de admirar um bello panorama, mas... para gosar o pantagruelico prazer de devorar um gordo carneiro assado, com o seu alguidar de loiro e assafroado arroz de forno, ou a saborosa pescada frita, com negras azeitonas e fresca e appetitosa salada de alface, acepipes estes que copiosamente regavam com tinto de Basto ou espumoso verde de Amarante_. _E, se um ou outro tinha uma tal ou qual intuiÁ„o artistica, porque, l· fÛra, nos grandes museus do estrangeiro, tinha visto qualquer cousa que lhe fizera notar tal, esse, ficava-se n'uma banal indifferenÁa, sem se manifestar aggressivamente contra os systemas adoptados pelos pintores do seu tempo, que apresentavam nos seus quadros composiÁıes de convenÁ„o e feitas no ar morno dos atelieres, sem a inspecÁ„o constante e immediata dos motivos a pintar.._. * * * * * _Uma Era nova e refulgente, desponta por fim, e os artistas que comeÁavam pondo de parte os velhos preceitos archaicamente usados, saltam por sobre as barreiras das convenÁıes e correm pelos Campos da Arte, fÛra, em procura de elementos verdadeiramente verdadeiros, com que possam satisfazer as exigencias do publico mais illustrado e da critica mais independente que auctoritariamente se impıe, cheia de raz„o, para que nos seus trabalhos haja mais naturalidade e menos ficÁ„o_. _E, È sob este refulgir de um novo sol, que orientado l· fÛra, com as mais modernas noÁıes d'Arte, estudando nas melhores e nas mais celebres escolas de pintura do Mundo, que nos apparece, entre outros, como Columbano, Malhoa, Salgado. Sousa Pinto, Marques de Oliveira, etc., etc., o grande, o sublime Silva Porto! Aquelle que para mim È o maior dos paysagistas portuguezes dos ultimos tempos. E que, com o seu modo de ser e de ver, marca d'uma maneira deslumbrante o inicio d'essa nova Era para a pintura portugueza_. _Assombra-nos esse artista com os seus primorosos quadros feitos n'uma larguissima e franca sentimentalidade d'alma de homem de talento, exuberantes de verdade, geniaes de execuÁ„o. Era um grande! Era um sublime artista!.._. _Mas, a Morte rapidamente o ceifa, avara de que elle tenha conseguido t„o sincera, t„o verdadeira e t„o lealmente_ roubar _· Natureza verdadeiros e flagrantes pedaÁos do seu grandioso_ Ser, _para t„o maravilhosamente os transplantar · tela_. _Ao morrer porÈm Silva Porto tinha hasteado, bem alto e bem firmemente, a bandeira gloriosa sob que se devia agrupar a nova pleiade dos pintores portuguezes_. _E, de facto, È sob a egide d'essa bandeira que a Arte em Portugal brilha hoje mais fulgurante, podendo pÙr-se sem vergonha ao lado da Arte dos paizes onde Ella tem um culto mais largo e mais acerrimo_. _Se n„o em quantidade, pelo menos em qualidade, os artistas portuguezes de nome, chegam onde podem chegar os artistas notaveis estrangeiros, sem temerem confrontos_. _E isto porque Portugal d'hoje, embora os pessimistas n„o queiram, vae avanÁando intellectualmente um pouco na civilisaÁ„o moderna_. _E em taes circunstancias, como dizia Taine, ha bons vinte annos_:--A Arte È o reflexo dos costumes. Antonio de Lemos (Alvaro). [Figura: CabeÁa de negra (Bronze) DUQUEZA de PALMELLA] NOTAS d'ARTE 1 Impressıes d'uma ExposiÁ„o Ha muito tempo j·, deveria ter vindo dizer da bella impress„o que me causou a 1.^a ExposiÁ„o organisada pelo _Instituto de Estudos e Conferencias_, mas os meus affazeres obrigaram-me, para gaudio dos meus leitores (pois critica incompetente como a minha quanto mais tarde melhor), a sÛ hoje cumprir este dever. Fui vÍr a exposiÁ„o sete vezes, e de cada vez que l· ia, novos encantos encontrava nos trabalhos expostos, pois a tentativa do Instituto teve o resultado mais brilhante que podia desejar-se. Concorreram a este certamen desde os nossos melhores artistas atÈ aos mais modestos amadores, e na generalidade todos se apresentaram dignamente, n„o obstante um _critico d'arte_ ter dito, em um semanario d'esta cidade, que aquelles trabalhos eram meras _chromolythographias_. Uma duvida me assalta o espirito relativamente aos conhecimentos artisticos e criterio de tal critico. Saber· elle o que s„o chromolythographias? Mas, deixemos a cada um o seu modo particular de vÍr... e de apreciar, e vamos ao que importa... Demais, a lua est· t„o alta?... [Figura: JosÈ Malhoa] Vi, como disse, varias vezes os cento e dezesete quadros expostos, os dous bustos e o medalh„o em marmore. Dos trabalhos de esculptura direi apenas que os dous primeiros s„o obra de Fernandes de S·, pensionista do Estado, que em Paris completa a educaÁ„o artistica do seu muito talento. A cabecita de creanÁa, em marmore, È um encanto, aquella boquita admiravel de bÈbÈ pedia milhares de beijos... [Figura: JosÈ de Brito] O medalh„o de Joaquim GonÁalves È uma bella copia de um primoroso trabalho do grande mestre Soares dos Reis. Agora, emquanto a quadros, ponho em primeiro logar, dÙa a quem doer, os dous trabalhos de Malhoa, esse admiravel artista da Luz e da CÙr. Eram um assombro os seus quadros. O _Gozando os rendimentos_, estudado com cuidado e traÁado largamente, empolgou-me por completo e fez-me gosar, conjunctamente com o personagem estudado, toda aquella commodidade natural de bom burguez que procura um amplo jardim publico para fazer socegadamente o seu chylo. Esta impress„o forte que tive, confesso-o, foi devida talvez ao meu burguesismo. [Figura: Que grande calamidade--JOS… MALHOA] No _Que grande calamidade_, as figuras trabalhadas com um rigor de verdadeiro mestre, s„o flagrantes na sua dor, ao verem o seu querido porco, morto na pocilga. Talvez que, se entre as cabeÁas das figuras e o rebordo do caixilho houvesse um pouco mais de tela, mais imponentes ellas ficariam. E depois d'isto, de ter dito o meu modo de pensar sobre t„o primorosos trabalhos, vou, salteando o catalogo, dar a nota dos quadros que mais me prenderam a attenÁ„o. Marques de Oliveira, como sempre, distinctamente. … inegavelmente um grande desenhista. As suas _Impressıes de Espinho_, s„o bellas e tanto, que uma foi adquirida pelo Instituto por indicaÁ„o do jury competente. _A Azenha_, um encanto, _CabeÁa de estudo_, um primor. [Figura: Chrysantemos--ANTONIO COSTA Greno, a fulgurantissima artista, bem, admiravelmente. Ent„o os _Pensamentos_? Esse, era uma delicia. Antonio Costa, para mim o unico pintor portuguez de flores, n„o desmereceu a sua grande fama e, os _Chrysantemos_ e _Na vindima_, deram-me a prova evidente da sua muita aptid„o para este genero de pintura. [Figura: Candido da Cunha] Candido da Cunha, um novo de muito talento, com o seu _Ultimos raios de sol_, que j· conheciamos e que foi adquirido tambem pelo Instituto, com os seus--_Mar calmo_, _Martyr_ e _Barcos de pesca_, merecem hoje, como sempre, os nossos elogios. Julio Ramos, outro novo, paisagista apaixonado e distincto, dando ·s suas paisagens um tom de verdade admiravel. O _Macieiras em flor_, em especial e as outras dezeseis telas, lindas a valer. JosÈ de Brito, um mestre, talvez abusando um pouco das cores finas; todos os seus quadros s„o bons, mas para mim superior a todos È o _Mulher do novello_, estudo admiravelmente feito de uma velha repelenta, flagrantissima de verdade na express„o do rosto. Na _Infancia de Diana_, bello estudo do n˙, alguma coisa me desagradou · vista, especialmente um c„o que se via nos ultimos planos... Jo„o Augusto Ribeiro, bem nos seus pequeninos quadros _Retalhos_, _Lar_. [Figura: Jo„o Augusto Ribeiro] D. Lucilia Aranha, uma verdadeira artista, cheia de talento e de forÁa de vontade, mais uma vez affirmou, com os treze quadros expostos, as suas aptidıes artisticas. Torquato Pinheiro veio marcar n'esta exposiÁ„o o seu logar definido e assente ao lado dos bons artistas. _Um caminho encharcado_, _Manh„ d'Abril_, _Margens do LeÁa_, e todos os demais s„o feitos com alma de verdadeiro artista. Mas, a destacar, como primor de execuÁ„o, o _Retrato de minha M„e_, que È um trabalho notavel. [Figura: Retrato de minha m„e--TORQUATO PINHEIRO] D'entre os amadores, extremarei D. Leopoldina Pinto, com as suas flores, especialmente o _Pelargonios_, que senti n„o tivesse preÁo para ser adquirido. Mais artistas e amadores concorreram a este delicado certamen, mas, n„o me demorarei na enumeraÁ„o dos seus trabalhos, porque isso iria ainda muito longe e os meus leitores, decerto, se atÈ aqui chegaram, j· bastante se tem aborrecido da semsaboria d'esta minha despretenciosa prosa, que do modo algum aspira ao nome de critica. II PINTORES PORTUENSES JULIO COSTA Convidado a delinear um artigo sobre o pintor portuense Julio Costa, pensei primeiro esquivar-me a tal empreza porque me julgo insignificantemente pequeno para fallar d'este artista. Mas, antepondo a esse primeiro impulso a amizade que lhe dedico, resolvi acceitar o encargo, e, tal como posso, desempenhar esta miss„o. [Figura: Julio Costa] Ser· um artigo despretencioso, sem preoccupaÁ„o do estylo ou requinte de forma, um artigo modesto como eu e como o temperamento do pintor illustre de quem me vou occupar. N„o conheÁo escolas, n„o discuto artistas, n„o cito nomes estrangeiros, nem rebusco particularidades de _metier_. Quando me occupo da pintura e de pintores nacionaes digo simplesmente, indiscretamente, a impress„o que os quadros me deixam. Nada mais. E hoje, ao traÁar estas linhas a respeito de Julio Costa, n„o venho, acreditem, fazer a apreciaÁ„o, pretenciosa ou sabia, da obra d'esse pintor; venho simplesmente deixar-lhe, sob o seu nome j· aureolado pela critica consciente, o laurel amigo da minha admiraÁ„o. E posto este preambulo, ahi vae o que me parece dever dizer do Julio Costa. * * * * * Portuguez de nascimento e condiÁ„o, alma que se espande na mais suave de todas as alegrias--a familia--Julio Costa vem, de ha tempos para c·, vivendo quasi exclusivamente para os seus parentes, para os seus discipulos e para os seus trabalhos. … um d'estes homens com quem, mesmo sem fallar, se sympathisa logo · primeira vista. … lhano de trato, affavel, de maneiras delicadas, cavaqueador emerito, tendo sempre um dito alegre para retorquir a um remoque que se lhe atire. Nunca deixa de chalacear, a n„o ser quando tem algum dos seus doente. Ent„o, sim, ent„o abate-se todo na dÙr d'aquelle que soffre e deixa-se levar n'essa corrente de magua que o subjuga brutalmente. … uma luminosa alma dada ao bem e a tudo quanto È bom, e d'ahi a uncÁ„o deliciosa e meiga com que elle concebe os seus quadros de genero. [Figura: Conselheiro Jo„o Franco--JULIO COSTA] Hoje, posto em foco, pelo brilhantismo dos seus ultimos trabalhos, deve orgulhar-se de ser um dos pintores preferidos nas commemoraÁıes aos homens notaveis do nosso paiz. O retrato È inegavelmente o genero que Julio Costa mais accentuadamente trata e que mais em evidencia o tem collocado. O retrato de El-Rei pintado para o sal„o do Tribunal da RelaÁ„o, os retratos de Oliveira Martins, Dr. Ricardo Jorge, Jo„o Ramos, Dr. Eduardo Pimenta, Conselheiro Campos Henques, Conselheiro Jo„o Franco, e muitos outros, s„o affirmaÁıes publicas do que digo. O primeiro, È largo de ideia, magestatico de pose, tocado de iriadas cÙres, pois assim o pedia o grande do personagem. Collocado no amplo sal„o do Tribunal toma um aspecto soberbo, que nos infunde respeito. O segundo, em que a figura de Oliveira Martins, essa imagem de santo e de philosopho, se nos apresenta sentada em larga cadeira de espaldar, em posiÁ„o natural de quem entretem uma conversa, ao contemplal-o, como que se escuta a sua voz de mestre, que discreteia sabiamente sobre os intrincados problemas economicos do nosso paiz, ou sobre os notaveis factos da nossa historia. [Figura: Oliveira Martins--JULIO COSTA] E todos os outros, todos, s„o verdadeiras obras primas. N„o esquecerei fallar do seu ultimo trabalho, do retrato do Conselheiro Jo„o Franco, o homem forte e duro que emprehendeu, n'um arranco de verdadeiro portuguez, remodelar, n'um molde novo e n'uma nova orientaÁ„o, a marcha dos negocios publicos. D'esse retrato j· eu disse, quando tive occasi„o de o ver pela primeira vez, o seguinte: ´… grande, na magestade da sua tela ricamente emmoldurada, o retrato do snr. Conselheiro Jo„o Franco. ´Absorve por completo a nossa attenÁ„o. Est· executado n'um correctissimo desenho, tocado d'uma distincta tonalidade de cÙres, n'um flagrante de pose e de semelhanÁa. Ao retrato do Conselheiro Jo„o Franco sÛ lhe falta fallar para ser o proprio. ´Quanto mais o contemplamos, mais correcto e mais perfeito achamos este trabalho. A figura parece que se destaca da tela, tal È a perspectiva que Julio Costa lhe deu; ·s vezes como que a vemos mexer-se. Depois, ha um n„o sei que de vida, que nos faz imaginar que os olhos se movem, que os labios se v„o descerrar para fallar. ´E as roupas, que delicada feitura, que _nuances_ de verdade! Na facha que ella ostenta, vermelha, ha reflexos de _moirÈ_. ´O retrato em quest„o n„o È simplesmente um retrato; È mais do que isso:--È um quadroª. * * * * * Todos estes seus trabalhos nos encantam e deslumbram, porque Julio Costa sabe apanhar tudo quanto vÍ em volta de si. Sabe ver, que È o essencial. D'ahi o colher a express„o da Impress„o. Mas a Impress„o escolhida, n„o da natureza selvagem, mas sim da natureza civilizada e culta. Julio Costa È um civilizado! … um delicado! … um _raffinÈ_ (desculpem o francez). E È esse effeito de _raffinerie_ e essa predilecÁ„o pela impress„o escolhida que elle transporta aos seus retratos. Elle conhece bem o indefinivel e delicado interesse que se desprende das linhas d'um rosto. Elle sabe que nada È t„o impressionante, para nÛs que contemplamos os quadros, como essas figuras immoveis e mortas... mas que est„o vivas!... E os seus retratados vivem nos seus retratos. Em uma palavra, Julio Costa n„o pinta _um retrato_ do seu modelo... pinta _o retrato_. Cada uma das nossas sensaÁıes, das nossas emoÁıes, dos nossos sentimentos, cada um dos nossos desejos, das nossas esperanÁas, dos nossos pensamentos secretos altera constantemente a nossa physionomia. A cada minuto, a cada segundo, qualquer de nÛs se transforma, e deixamos de ser ent„o semelhantes a nÛs mesmos. Mas, Julio Costa sabe discernir n'essas fugitivas transformaÁıes aquelle _momento_, que È sempre da nossa figura, sabe fixar na mobilidade imperceptivel das linhas d'uma physionomia o seu aspecto caracteristico. Sabe reunir n'um gesto a multiplicidade das nossas attitudes. E È por isso que Julio Costa, ao pintar o retrato, tem uma grande preponderancia sobre outros artistas. Demais a mais elle possue o que falta a muitos outros, uma bella correcÁ„o no desenho. Que o desenho n„o È sÛ como muita gente pensa o esqueleto da pintura. N„o, o desenho È uma parte integral d'ella, o desenho È a propria pintura. J· um celebre pintor francez, cujo nome n„o recordo agora, dizia dos seus desenhos--_A cÙr dos meus desenhos_... como se o desenho n„o fora unicamente uma apresentaÁ„o do claro escuro. Mas È que a pintura sem um bom desenho, onde se definam os tons e meios tons, onde se delineem as distancias e as perspectivas, seria uma coisa chata, sem vida, sem relevo. O Soler architecto, esse bello rapaz cheio de talento que a Morte avidamente nos levou ha um bom par d'annos, dizia-me uma tarde em que me fazia uma prelecÁ„o sobre as vantagens do desenho:--´Olhe, se vocÍ quizer um bom quadro desenhe-o primeiro em todas as suas minudencias, com todos os seus effeitos de perspectiva, com todos os seus claro-escuros e, depois, a esmo, cubra isso com as tintas d'uma paleta e ter· um bom quadro. Olhe que n'isto de pintura o desenho È tudoª. E de facto assim È: para se poder pintar bem o que È preciso primeiro È saber desenhar. E Julio Costa sabe desenhar. D'ahi o elle dar aos seus trabalhos uma corecÁ„o distincta. Mas, Julio Costa n„o È sÛ notavel no retrato. Julio Costa È-o tambem em outros generos de pintura. No assumpto religioso deu este artista provas indiscutiveis das suas aptidıes. O _Calvario_, que elle pintou para a egreja do Bomfim, È o melhor attestado do seu _savoir faire_. D'essa obra prima, que veiu abrir uma polemica entre um critico da _Palavra_ e o conego Alves Mendes, dizia este ultimo no seu opusculo--_A crucificaÁ„o de Jesus:--Outros quadros de egual natureza adoecem de monotonia e languidez. Este n„o. … tal a firmeza do desenho, tal a riqueza das tintas, tal e tanta a genial inspiraÁ„o artistica, que a gente admira irresistivelmente e applaude enthusiasticamente esta magistral pintura de Julio Costa_. [Figura: O Calvario--JULIO COSTA] Que melhor e mais auctorisada opini„o que a d'este _pintor_ da oraÁ„o, este artista genial da palavra, que desenha com o seu verbo inexgotavel os mais fulgurantes e mais flagrantes quadros? Como consagraÁ„o a um artista n„o as tenho visto melhores nem mais perfeitas. Quando Julio Costa se entretem a fazer o quadro de genero, tambem, n'esses momentos, n„o deixa o seu nome em m· posiÁ„o. Ahi, como nos outros trabalhos, elle sabe dar aos seus typos e aos seus assumptos o quer que seja de suggestivo, de impressionante. N„o È cousa simples enumerar a sua obra, porque ella n„o È uma insignificancia. No entretanto, como È do meu desejo levar o mais longe possivel a resenha dos seus trabalhos, ahi vae o titulo d'alguns d'elles, que mais se notabilisaram nas exposiÁıes onde teem apparecido. [Figura: A Ti Anna--JULIO COSTA] Em primeiro logar colloco eu o _No Vago_, uma pastoral de cÙr, como lhe chamou Oliveira Alvarenga. Era uma larga tela que resumia um delicado poema d'amor. Em plena primavera, sob a luz do lindo sol, uma moÁoila trigueira e forte, de seios proeminentes, encostada a um pedaÁo de terreno alto e florido, sonha n'um vago presentimento triste. Ia para os trabalhos do campo, levava a sua foice, o seu cesto vindimeiro, o seu chapeu de palha; marc·ra ao namorado uma entrevista, na esperanÁa d'um doce idyllio, mas o tempo passa, o namorado n„o vem, e ella, na sobrexcitaÁ„o do seu amor e do seu ciume, vae desfolhando malmequeres que ora lhe dizem _sim_, ora lhe dizem _n„o_, e, por ultimo, como que adormece n'uma febre d'amor, olhos semi-cerrados, com o pensamento esvoaÁando no _vago_... Eis o quadro, que figura l· fora, em Berlim, para onde foi vendido. N„o esquecerei a _Romeira_, uma fresca rapariga que, em descantes alegres, parte para a romaria. E uma _CabeÁa de estudo_, que appareceu na exposiÁ„o de Arte de 1894, uma linda cabeÁa de rapariga de olhos vivos, labios de coral e com o seu lenÁo de xadrez multicor, que È um encanto! O _retrato do Quinsinho Souto Mayor_, È um estudo de creanÁa finamente trabalhado com o seu vestidinho de velludo, onde assenta uma romeira de renda, t„o bellamente pintada, que dava a perfeita illus„o de que eram rendas que alli estavam collocadas sobre a tela. O _Vencido_, que È um bom trabalho tambem, consiste em um rapazito que, apÛs uma refrega com outros, sae com um braÁo deslocado; que suavidade de cÙr, que tristeza nos olhos humidos! O _retrato da Ti Anna_, essa velhita encarquilhada que, no fundo do seu casebre, junto da lareira, vai fiando a loira estriga a pensar no tempo lindo que passou, quando era rapariga e cantava ao desafio nas esfolhadas e nas espadeladas, È soberbo. Hoje, a pobre velha canta as tristes canÁıes com que embala os netos, e fia o linho com que veste os filhos, que outras, que s„o novas, v„o espadelando a rir e a cantar. E tudo isto se traduz n'aquelle quadro, e todo este romance se vÍ alli representado n'uma sentida impress„o e n'uma ideal concepÁ„o. O _Costume dos arredores do Porto_, È tambem um lindo quadro--uma cabecita de rapariga do campo cheia de vida e de frescura. E a _Mimalha_ e a _Varanda dos Mangericos_ e mil outros trabalhos d'elle?... Ah! mas vae muito longo este artigo e o leitor n„o tem obrigaÁ„o nenhuma de estar infinitamente a ler-me; por isso, ponto. Julio Costa È para mim um pintor que sabe muito da sua arte, digam l· o que disserem, e se, dentro da sua modestia, n„o gostar do que eu agora digo d'elle que me perdoe porque eu sÛ sei dizer o que penso, e isso muito rudemente ainda. III PINTORES PORTUENSES ANTONIO CARNEIRO JUNIOR Conhecendo Carneiro Junior ha muito, por ter tido j· occasi„o de apreciar os seus trabalhos em outras exposiÁıes, corri, apressadamente, incumbido por a redacÁ„o da _Vida Moderna_, a vÍr a nova exposiÁ„o dos seus ultimos trabalhos, com o grande interesse de conhecer o progresso e o desenvolvimento artistico d'este bello cultor da arte da pintura. [Figura: Antonio Carneiro Junior] E, francamente o confesso, as minhas espectativas confirmaram-se. Carneiro Junior, que era um dos novos que mais promettia, obteve, com o seu estudo no estrangeiro, a verdadeira comprehens„o da arte de pintar, affirmando-o desde j· com os magnificos trabalhos expostos no atrio da Misericordia. Pintando em todos os generos, como elle mais se avigora, e mais demonstra o seu talento È, a meu vÍr, como pintor de figuras. A paisagem e a marinha n„o s„o o genero que mais o tentam, o que n„o quer dizer que n„o tenha paisagens adoraveis e marinhas deliciosas. … preciso porÈm notar-se que, quem escreve estas linhas, È um mero amador que vem simples e unicamente dar a resenha dos quadros expostos e a sua impress„o pessoal, dizendo simplesmente gosto ou n„o gosto, sem me prender nunca em consideraÁıes sabias sobre o modo de pintar de cada um. N„o citarei escolas hollandezas, flamengas, etc., etc. com ares sabios de critico emerito. E n„o o farei, porque entendo que para se escreverem artigos substanciosos e chorudos sobre tal assumpto È necessario, antes de mais nada, ter visto alguma coisa d'essas escolas e d'essa pintura, acompanhado isso da leitura de livros da especialidade. E, vulgarmente, n„o succede assim. Muitos dos nossos criticos conhecem esses quadros e essas escolas porque algum amigo, vindo l· de fÛra, lhes trouxe, como recordaÁ„o, catalogos dos muzeus que viu por l·, e È por ahi que elles fazem, a maior parte das vezes, critica. Ora eu, como nunca vi muzeus, nem tenho lido livros sobre pintura, n„o faÁo critica, faÁo a minha reportagem, deixem-me assim dizer. E posto isto, l· vae a impress„o pessoal que me ficou d'alguns dos trabalhos de Carneiro Junior. E elle que me perdÙe se n„o gostar. Em primeiro logar, se bem que n„o sejam estes os principaes trabalhos, ponho eu os desenhos a sanguinea---que figuram no catalogo com os n.^{os} 27 e 28, _Figuras para a fonte do Bem_; 10, _Estudo para o quadro do Amor_; 6, _Estudo para a figura EsperanÁa_; 25, _Estudo de creanÁa para a fonte do Bem_. [Figura: Retrato--ANTONIO CARNEIRO] Os retratos do _Marcos Guedes_, n.^o 43; do _dr. Alfredo de Magalh„es_, 34; do _Antonio Patricio_ (filho), 32; de _J. Teixeira Lopes_, 36; do _Claudio_, 40; e os dous retratos de _R. C_., 37 e 38, s„o magnificos. Em todos elles ha um tom de vida e muito de alma, especialmente nos dois ultimos, em que o artista pıe todo o seu sentimento de amor. O quadro _Tarde no mar_, n.^o 56, È delicioso; como que se sente, ao olhal-o, aquella cadencia ou melopeia que o grande mar sabe cantar quando suavemente beija a areia fina da praia. _Campo de trigo_, n.^o 77; em _Auvay_, impress„o de frente, 89; impress„o, (_Bretanha_), 71; em _LeÁa_, impress„o, 68; o _Tamega_, (Amarante), 67; o _Sena em Auteil_, 62; _Pinheiros ao cahir da tarde_, 57; ...s„o, para mim, sentidissimas paisagens onde a nossa vista se perde e o nosso espirito se embrenha como em paginas brilhantes da _Viagem da minha terra_, de Garrett. Ha alli tambem um quadro, _Leitura_, de que muito gostei. N'um interior de casa escura, · luz de um candieiro, tres mulheres, uma das quaes lÍ. … admiravel n„o sÛ de execuÁ„o, como de composiÁ„o. O esboÁo do quadro _Fonte do Bem_ È apreciavel e bem desejariamos vÍr o quadro definitivo. E, antes de terminar, deixe-me Carneiro Junior dizer-lhe que o seu triptyco, È, para o meu fraco entender, um d'estes geniaes poemas que sÛ os grandes artistas sabem conceber. Emquanto · sua execuÁ„o acho-a primorosa. _A EsperanÁa_, deliciosa virgem estudada e delineada com toda a pujanÁa d'um bello espirito;--_O Amor_--assombroso de execuÁ„o; ha n'aquelle cavalleiro todo em aÁo vestido, a virilidade d'um cavalleiro andante; _A Chimera_, fundamente abstracta, na sua cÙr doentia e na sua express„o de verdadeira Fatalidade olha o quer que seja de horrivel, guiando o fogosissimo cavallo em que monta o cavalleiro;--_Saudade_--na base d'uma sphinge sonha uma mulher, toda de negro vestida. Quanta doÁura n'aquella express„o de tristeza! Como o pintor soube dar ·quella delicada mulher a nota melancolica do que È na realidade a saudade! Este quadro seria bastante, para definir o grande talento do artista e o seu temperamento subtil de poeta. Que o artista me perdoe se n„o disse tanto quanto merecia a sua obra e acceite o parabem sincero de quem sÛ diz o que sente. MarÁo 1901. IV Thadeu Maria d'Almeida Furtado PALAVRAS DITAS ¡ BEIRA DA CAMPA DO FALLECIDO PROFESSOR N„o È, o que vou dizer, uma biographia, nem um necrologio; representam simplesmente estas despretenciosas palavras como que um punhado de saudades espersas sobre a campa, ainda mal fechada, do illustre morto. Conhecendo-o desde ha muito, tive sempre por elle uma d'essas veneraÁıes respeitosas de consideraÁ„o e amisade, que se tem por aquelles que vivem sempre de cabeÁa levantada e aos quaes n„o podem attingir nunca as settas envenenadas da m· vontade e da calumnia. E È por isso que hoje n„o posso deixar de vir dizer aqui algumas palavras a respeito de quem, sempre se fez querido de todos quantos, uma vez sÛ que fosse, d'elle se aproximaram. [Figura: Thadeu Maria d'Almeida Furtado] Thadeu Furtado foi um dos mais antigos professores de desenho do Porto e dos de mais nomeada; cumpridor dos seus deveres, como poucos, recto nas suas apreciaÁıes, como ninguem, quantas vezes fez elle rebentar essas bolhas de balofa vaidade, com que muitos mediocres se julgavam notabilidades, e a quem o publico inculto tecia os mais rasgados elogios; mas, sincero como era, nunca se pejava de dizer as verdades por mais duras que ellas fossem. Trabalhador incanÁavel, atÈ ao ultimo dia, em que um desastroso acontecimento o impossibilitou, foi regularmente occupar o seu logar na Academia, onde hoje era secretario e onde em outros tempos fÙra professor sapiente. E inegavelmente È a este trabalhador indefeso, a este morto illustre, que se devem os melhoramentos ultimamente feitos n'aquella casa de ensino artistico. Quantas e quantas vezes, reclamados esses melhoramentos ao governo, foram elles lanÁados no rol dos esquecimentos, rol lendario, onde s„o archivadas todas as cousas uteis do nosso querido Portugal. Mas, Thadeu Furtado, com a sua vontade de ferro, ao saber no Porto o conselheiro Elvino de Brito, ent„o Ministro das Obras Publicas e antigo discipulo da Academia das Bellas Artes do Porto, a elle foi e depois de lhe mostrar, provando de _visu_ a necessidade urgente d'aquelles melhoramentos, conseguiu o que atÈ ali ninguem tinha conseguido. E È portanto a este querido morto que se deve o ser hoje a Academia de Bellas Artes, sen„o um modelo de escolas para o seu genero, pelo menos um estabelecimento que n„o nos envergonhar· quando mostrado a estrangeiros profissionaes. E, doa a quem doer esta minha affirmaÁ„o, mas Thadeu Furtado vae fazer muita falta · nossa Academia. Como professor foi sempre correctissimo, muito sabido no seu _mÈtier_, e a prova d'isso est·, em que, todos os nossos grandes pintores de ha sessenta annos para c·, foram todos seus discipulos e todos teem manifestado esta mesma opini„o. N„o fui seu discipulo, mas fui seu amigo e È unicamente como tal que venho aqui depÙr tambem a minha eterna saudade, que È t„o grande, como foi a minha consideraÁ„o e a minha amisade. E, para terminar esta minha sincera e triste despedida, consenti, meus senhores, que vos manifeste tambem aqui um grande desejo:--Como todos bem o deveis comprehender, uma divida tem a Academia a pagar ao seu respeitavel professor e ao seu incanÁavel secretario; e essa divida sÛ poder· ser paga perpetuando-lhe a memoria com um monumento digno d'elle. Grato me seria, portanto, saber que os alumnos da Academia de Bellas Artes, reunidos aos professores, lanÁaram m„o da ideia de que seja collocado o busto de Thadeu Furtado nos claustros da mesma Academia. E, para realisar tal ideia, n„o ter„o mais do que fazer fundir em bronze um busto, que a familia do fallecido possue, feito, salvo erro, pelo brilhante estatuario Teixeira Lopes. E assim, como preito de homenagem ao professor morto, ficar· ligado ao seu nome o nome d'um professor vivo que È inegavelmente a primeira gloria da esculptura portugueza.--Disse. 12 MarÁo 1901. [Figura: LenÁo em rendas--D. MARIA AUGUSTA BORDALLO PINHEIRO] V PINTORES PORTUENSES ARTHUR LOUREIRO Arthur Loureiro, esse grande artista que durante tantos annos viveu longe de nÛs, n'esse bello paiz, a Australia, e que uma vez c·, filho do Porto, amando o seu ninho com um amor especial de artista, apoz a sua primeira exposiÁ„o onde nos mostrou que era um delicado pintor de figura, com os seus retratos, e os seus typos admiravelmente executados, vae para bem perto do Porto, para Villa do Conde e cheio de vontade e repleto de _savoir faire_, lanÁa · tela lindos quadros que s„o como filigranas da arte pintural. [Figura: Arthur Loureiro no seu atelier] Antes porÈm de atacar o assumpto que nos obriga a tomar da penna e rabiscar estas linhas permittam-se-nos algumas phrases ligeiras de introito. Ao entrarmos no atelier de Arthur Loureiro, decorado com uma distincta simplicidade, tem-se a suave impress„o que o artista que ali trabalha È um bom e um delicado. Confortavel e amigo, aquelle atelier sem pretenÁ„o a luxo, todo elle resuma elegancia e bom gosto. Sem estofos custosos, meros cobrejıes de farrapos, em tons escuros, biombos simples de couro lizo, moveis de linhas correctas desenhados por o proprio artista e executados sob a sua direcÁ„o, È d'um effeito soberbo! O indifferente, que ao acaso ali v·, tem com certeza a impress„o de que entrou na casa d'um amigo. [Figura: Barra, Foz-Douro--ARTHUR LOUREIRO] D'entre os moveis, que guarnecem o atelier, destaca-se um largo divan-estante com as costas pintadas a sepia, que nos d· a impress„o de uma pirogravura. Mas n„o vamos occupar-nos do atelier, vamos unica e exclusivamente fazer uma resenha despretenciosa e sincera dos quadros expostos e do effeito que nos deu a visita · exposiÁ„o aberta agora ao publico. Arthur Loureiro n„o È somente um pintor. … mais do que isso, È um esculptor consummado. O caixilho para espelho, o do quadro _Convalescente_, e um outro onde se ostenta o seu retrato aguarellado por Columbano, s„o bellos. Mas, o que me encanta, o que me fascina, È o frontal para uma arca, onde se guardar· o enxoval d'um filho querido. Este frontal, desenhado e executado por Arthur Loureiro, È como que uma symphonia d'amor, sob o thema sublime do martyrio da maternidade. [Figura: Frontal d'uma arca (esculptura)--ARTHUR LOUREIRO] Sem minudencias de descripÁ„o, sempre diremos que a bordadura que cerca a figura da m„e tendo no regaÁo o filhito querido, È feita com flores de martyrios em todas as suas evoluÁıes, desde o pequenino bot„o atÈ · flor completamente aberta e em todo o seu frescor. Flores, folhagem e figuras soberbamente executadas. E agora, posto isto, entremos pela pintura dentro. N„o somos do _mÈtier_, nem aspiramos a critico de arte; mero amador, vendo talvez um pouco bem, sentindo a dentro da alma qualquer coisa de meigo, por uma paisagem triste, e qualquer coisa de vibrante em frente d'um retalho da natureza, que o sol banha luxuriantemente. Amando os quadros pela poesia que infundem, subjugado pela impress„o, que nos deixa qualquer cousa que nos agrada. Eis o modo como vemos as obras d'arte, quer ellas sejam d'um novo, quer ellas sejam d'um mestre. E por isso a despreoccupaÁ„o do meu modo de escrever. Pondo em evidencia ·s vezes quadros d'um valor mediocre e deixando no escuro verdadeiras obras de arte. Que nos perdoem os artistas essas faltas e vamos · exposiÁ„o de Arthur Loureiro que foi o que aqui nos trouxe. Fallarei d'esses quadros pintados em Villa do Conde, antes porÈm deve ter especial menÁ„o o largo quadro da nossa barra, pintado n'um pÙr de sol irisado, cheio de poesia, com tons d'ouro que se reflectem na agua superiormente. … um quadro este, de si bastante notavel para definir o artista. E agora, que puz em evidencia o quadro que para mim se affigura mais notavel, vou dizer da minha impress„o dos outros quadros expostos. Um grande ramo de lilaz, que parece espalhar no ambiente o seu perfume doce e meigo, est· feito com tanta frescura e tal graÁa, que nos tenta a cortar um pequenino ramo para a nossa botoeira. As bellas rosas escuras, d'um avelludado meigo e fino, como que tentam na sua confecÁ„o a uma offerta gentil para a nossa namorada. [Figura: O Passado--ARTHUR LOUREIRO] S„o pedaÁos vivos de natureza, lanÁados · tela, com proficiencia e carinho. Um c„osito _mops_ com o seu focinho birrento e negro e o seu pello amarellado d·-nos, a mim pelo menos (que eu sou doido por c„es), vontade de o ameigar, de o chamar carinhosamente e roubal-o ao artista. Collocado · entrada, talvez por acaso, È como que um fiel guarda d'aquelle encanto de atelier. Este quadro est· feito com cuidado, o que me d· a entender, que o artista segue a theoria d'um escriptor celebre que dizia: --Quanto mais conheÁo os homens, mais amigo sou dos c„es. Andam os nossos pintores delineando paisagens, por esse paiz em fÛra e nenhum, que me lembre, tinha ido pintar para Villa do Conde. Talvez porque julgassem n„o haver alli nada que pintar e Arthur Loureiro, que ha vinte annos estava fÛra do seu paiz, chegou e para socegar dos seus trabalhos escolares foi para essa linda praia descanÁar e que descanÁo o seu, voltou trazendo na sua bagagem deliciosas telas, formosissimas. Querer citar as melhores seria cital-as todas, eu porÈm notarei como primordial--_A Senhora da Guia_--depois, as _Azenhas_ e d'estas n„o sei se o que resplende de sol, se o outro, feito por uma manh„ triste de chuva. [Figura: N„o voltar· mais--ARTHUR LOUREIRO] A _Igreja matriz_, tambem o noto pelo bello do effeito. Como uma mancha retumbante, n'aquella suavidade de cÙr, os reposteiros da igreja fazem resaltar o quadro (ora aqui est· onde eu decerto dou raia, em ter recebido uma bella impress„o pelo vermelho que destaca do quadro, mas sou assim e n„o ha nada que me atrapalhe). A _Paisagem geral de Villa do Conde_, com o seu convento e a sua cazaria branca È formosa. _O Passado_, quadro cheio de poesia e de candura. Como um poema, de amor, de dÙr e de miseria aquella velha sentada · porta da igreja, onde talvez ella se baptisara, cas·ra e seria enterrado o seu companheiro de muitos annos, talvez um pescador, que ella hoje chora, pedindo esmola, na sua miseravel e angustiosa viuvez. Mas vamos fechar este artigo que vae j· longo de mais. Antes porÈm notaremos dous quadros, um que se intitula--_N„o voltar· mais_, e que È outro poema de dÙr. Junto d'uma bella arvore em flor, um redondendro, uma viuva e uma creanÁa olham o mar. Esse mar gigantesco e barbaro que foi, decerto, quem subjugou para sempre o ente querido d'essas duas figuras insinuantemente bellas nas suas _silhouetes_. _O Convalescente_ È um retrato primoroso do nosso amigo dr. Francisco Loureiro, irm„o do distincto artista. … um trabalho feito com muito amor e muito saber. Flagrante de verdade e correctissimo de desenho. … um bello retrato. Que me perdoe o artista esta prosa desenchabida e vulgar, mas, mais n„o pÛde dar a minha pena. No entanto ha-de ver o publico que eu n„o quiz fazer o rÈclame do pintor nem a apologia do homem, fiz unica e exclusivamente a resenha rapida e sincera do trabalho correcto d'um poeta lyrico da pintura que entre nÛs vem, se n„o, fazer uma revoluÁ„o na arte, dar no entanto a nota brilhante, do que deve ser o paisagista portuguez; pintar a nossa paisagem, sem tons exoticos de cÙr trazidos dos paizes estrangeiros. Porque Portugal com o seu ceu e os seus verdes n„o pÛde ser pintado com as cores das paisagens bret„s. E mais nada. Outubro 1902. [Figura: Na Eira--LUCILIA ARANHA] VI ESCULPTORES PORTUENSES FERNANDES DE S¡ Uma das manifestaÁıes mais vivas da arte È a esculptura. Esculpir em marmore ou em bronze a figura de um individuo, È, como que, deixal-o por toda a vastid„o dos seculos · admiraÁ„o, ao respeito ou · saudade dos seus concidad„os ou dos seus amigos. … a nota constantemente vibrante de uma individualidade. Mais duradoura do que a pintura, È ella que, arrostando nos logares publicos com a intemperie dos tempos, mostra aos que passam um capitulo da historia dos povos, um acto de alta philantropia, ou a saudosa recordaÁ„o d'um ente querido que a morte nos roubou. E n„o È sÛ isso; empolgando o nosso espirito, d· a concepÁ„o perfeita d'uma ideia genial que o artista quiz vivificar, dando · dura e informe pedra ou ao frio bronze a pulsatibilidade da natureza viva. [Figura: Fernandes de S·] A esculptura, na sua larga e educativa esphera, desde o poema grandioso da patria, nos heroes que faz reviver, atÈ aos santos, que a religi„o faz venerar nos altares, com a larga escala de mil variadas manifestaÁıes, È uma das mais difficeis, se n„o a mais difficil de todas as manifestaÁıes artisticas. E d'ahi o insignificante quociente de esculptores, em relaÁ„o aos pintores. E, todo este preambulo para vos dizer, que visitei hontem a exposiÁ„o de esculptura, que o notavel estatuario Fernandes de S· abriu no seu gracioso _atelier_ da rua de Alvares Cabral, d'esta cidade. Este moÁo esculptor, cujo nome n„o È j· uma esperanÁa, mas sim uma affirmaÁ„o segura, d·-nos, com a exposiÁ„o dos seus trabalhos feitos aqui e em Paris, a demonstraÁ„o mais definida e assente, de que È um d'aquelles artistas que mais futuro teem, dentro da sua especialidade. [Figura: Desafio--FERNANDES de S¡] N„o o queremos collocar a par do grande, do genial Soares dos Reis, mas pomol-o aproximadamente no mesmo plano de Teixeira Lopes; depois, elle È novo e tem uma vontade de ferro; ora estes dois bellos elementos, a mocidade e a energia, juntos ao seu grande talento e ao seu muito saber, d„o-nos a garantia de que elle ha de fulgurar, como um astro de primeira grandeza, na sublime arte de Milo. Fernandes de S·, a continuar assim, n„o ha-de ser notavel sÛ entre nÛs, ha-de sel-o tambem l· fÛra, no estrangeiro. E bom ser· que assim succeda, para que no mundo civilisado se faÁa a verdadeira justiÁa aos nossos artistas e se n„o pense que isto aqui È uma terra de selvagens. Mas, deixemos estas divagaÁıes e entremos no assumpto que me proponho expÙr: Notar as obras que Fernandes de S· expıe, e isto ao de leve, como quem quer e n„o pÛde, por falta de elementos, embrenhar-se em philosophicos problemas d'arte. Dezoito s„o os trabalhos expostos, qual d'elles o mais empolgante, qual o mais bem executado. [Figura: Camıes (estatua em marmore de Carrara)--FERNANDES de S¡] Desde o largo trabalho--_Camıes_--atÈ · pequenina cabecita da galante--_BÈbÈ_--todos elles s„o soberbos e dignos de especial menÁ„o. _Camıes_, estatua em marmore de Carrara, destinada ao Museu de Artilheria de Lisboa. ApÛs o naufragio, o grande epico portuguez salva, n'um heroico esforÁo, a sua espada e o seu poema--eis o assumpto representado por esta bella estatua. N'uma attitude de desesperada ancia, o corpo fidalgo de Camıes, sobre uma rocha, a m„o direita crispada agarrando-se a uma saliencia da penedia, na esquerda a espada e o poema sobre o coraÁ„o, parece escorregar, resvalando na voragem da onda, que n'um desespero revoltoso se quebra de encontro ·quella molle de marmore. Sublime de concepÁ„o. Na figura elegante e adelgaÁada de Camıes ha linhas d'uma senhoril fidalguia. Tratado aquelle marmore com o encanto e o amor d'um verdadeiro portuguez, o esculptor n„o perdeu uma minudencia, por mais pequena que fosse. Tudo estudado com perfeita seguranÁa, com verdadeira mestria, desde a musculatura reteza e vigorosa d'um desesperado em lucta com o mar, atÈ ao desalinho da roupagem, tudo elle viu, tudo elle estudou conscienciosamente. E, fugindo da vulgaridade das concepÁıes sobre este thema, Fernandes de S· realisou--segundo o nosso modo de vÍr--uma obra genial. _Rapto de Ganimedes_, È um grupo em gesso, que vÛs j· conheceis de quando esteve ahi exposto na ExposiÁ„o da Sociedade de Bellas-Artes, onde mereceu a segunda medalha, tendo j· adquirido a terceira medalha na exposiÁ„o de Paris de 1900. _Beijo Materno_, (grupo em gesso). Verdadeiro poema de amor maternal. Uma linda mulher, deliciosamente esculpida, sustendo no collo um formoso _bÈbÈ_, que ella beija n'uma subtil ancia de ternura. Foi este o seu trabalho final para o concurso de esculptura em Paris, como pensionista do Estado. … um encanto. _Vaga_. Este gesso È d'uma bella idealisaÁ„o. Uma formosa mulher, completamente nua, de linhas primorosas, pousa sobrenadando nas ondas revoltas d'um profundo mar e reclina-se docemente, como adormecida ao marulhar da agua. Ao contemplal-a deu-nos o coraÁ„o um baque e confrontando na mente a mnemonica de quadros vistos, lembr·mo-nos d'um, que nos pareceu a reproducÁ„o em pintura d'aquelle soberbo trabalho, e no nosso espirito ficou como que um espinho a esse respeito. Alguem, mal intencionado, poderia dizer que JosÈ de Brito tinha ido alli beber a sua inspiraÁ„o e o modelo para o seu quadro _A Vaga_. NÛs n„o nos abalanÁamos a tanto, nem isso queremos pensar sequer, porque JosÈ de Brito È um grande pintor... [Figura: Beijo materno (grupo em gesso)--FERNANDES de S¡] _Dois bustos_, em marmore que s„o a reproducÁ„o exacta das pessoas que representam. O _retrato do dr. Correia de Barros_, È um trabalho bem feito, cheio de verdade e de vida. Ha tambem uma _CabeÁa de velha_, que È primorosa. No _Pobre_ (bronze dourado) e no _Desafio_ (bronze) ha flagrancias de express„o, detalhes minuciosos de execuÁ„o, que revelam o cinzel subtil, consciencioso e correcto de quem os executou. Ah! Mas, onde se revela o coraÁ„o delicado e a alma poetica do moÁo esculptor, È no grupo _Irm„s_. Que soberba obra! Com que carinho, com que amisade n„o foi executado aquelle gesso! VÍ-se que o artista poz alli toda a sua alma de moÁo e de moÁo apaixonado. Aquellas duas raparigas, d'um olhar meigo e terno, que o estatuario delineava, com certeza emquanto elle trabalhava cobriam-no com os seus doces olhares n'uma caricia amiga de irm„s. Alli poz elle toda a sua alma lyrica, como no _Camıes_, poz toda a alma patriotica. Ha tambem uma _CabeÁa de velha_ (bronze dourado), muito bem feita. Notavel tambem um _Estudo em barro_, coberto com _patine_ verde que lhe d· um tom de novidade. O assumpto È uma cabeÁa de mulher do povo, com o seu lenÁo. Nas linhas de aquelle rosto ha muita verdade, e um tal ar de languidez, que logo se nota que dentro da alma do modelo havia um certo quÍ de pena ou de saudade. E tudo isto È lindo e tudo isto È bello, n„o esquecendo fallar nas cabecitas de creanÁas que l· vimos. Deixei para o fim isto, porque tendo eu uma predilecÁ„o especial por creanÁas, comprazia-me todo em ser n'ellas que fallasse por ultimo. S„o quatro estes trabalhos: _CabeÁa de creanÁa_, _BÈbÈ_, _Beija-flor_, _Estudo de creanÁa_. Que encantadores! Com que amor elle n„o esculpiu no frio marmore aquellas quatro perolas, aquellas deliciosas creanÁas, que s„o mesmo um primor! Uma vez, n'uma exposiÁ„o que Teixeira Lopes fez no pateo da Bolsa, havia l· um _bÈbÈ_, o retrato d'um sobrinho d'elle, e eu, estando alli sÛ, n„o me furtei ao desejo de o beijar e beijei-o, tal era o seu encanto. Pois quando visitei a exposiÁ„o de Fernandes de S·, se l· me visse sÛ, posso affirmal-o, beijava todas essas creanÁas n'uma infinita alegria, porque as julgava vivas. S„o realmente uns delicados e subtis bustos, que me deslumbraram. E eis em meia duzia de linhas a noticia da visita que fiz, por uma linda manh„, ao atelier de Fernandes de S·, onde a luz forte do sol, coada atravez dos brancos transparentes, n'uma doÁura meiga, fazia resaltar os marmores esculpidos, como n'uma luminosa penumbra de sonho. E permitta o moÁo esculptor, que t„o gentilmente nos recebeu, e com tanta modestia nos apresentou os seus gloriosos trabalhos, que lhe digamos que o seu talento lhe d· direito a mais um pouco de orgulho, e n„o a querer deixar-se ficar na modestissima sombra dos que pouco valem. O seu nome e a sua obra, repito, n„o s„o uma esperanÁa, n„o; s„o uma affirmaÁ„o segura de que elle È um dos primeiros estatuarios portuguezes. Outubro 1902. [Figura: Busto (Antonio Cano)--FERNANDES de S¡] VII ExposiÁ„o da Sociedade de Bellas-Artes de Lisboa CARTA A UM REDACTOR DO "CORREIO DA NOITE" N„o me conhece, nem isso È necessario, para o que eu lhe quero confiar. N„o È um segredo e, portanto, se achar interessante o que lhe vou dizer, conte-o ao publico, a esse publico despreoccupado, que lÍ as gazetas, n„o para se instruir, mas para ver se o seu nome figura no _Carnet Mondain_, ou se alguma cousa m· succedeu aos seus conhecidos para ter o pretexto de os consolar nas suas amarguras e nas suas desditas. Conte-lhe o que lhe vou dizer e estou convencido, que isso lhe ser· agradavel, porque eu, com o meu genio desinteressado e independente, dou abertamente, picadelas em quem as merece, levantando ao ar em apotheoses de gloria, tambem, aquelles que a ella teem direito, segundo o meu modo de ver. [Figura: El-rei] Sou sincero, apenas; nunca me embrenhei nos escaninhos da politica e, por isso, n„o conheÁo a intriga; nunca calquei os tapetes dos palacios dos nobres e da aristocracia e, por isso, n„o conheÁo a bajulaÁ„o; n„o me tenho accorrentado ao jornalismo militante e, por isso, n„o conheÁo as conveniencias de redacÁ„o. Sou, ainda, mais independente do que o chefe do partido novo, que n„o quer para seus soldados sen„o os que est„o isentos do peccado politico. Sou, emfim, como os homens do norte; duro como um sobreiro, ingenuo como uma creanÁa... de bigode, sincero como um convicto e delicado como uma dama. [Figura: Paisagem (pastel)--EL-REI] E feita a minha apresentaÁ„o, ahi vae o que eu lhe queria dizer. Fui, levado por intensa curiosidade, visitar a exposiÁ„o da sociedade Nacional de Bellas-Artes e dei o meu tempo por muito bem empregado. E dei por bem empregadas as tres horas que l· passei, porque morro por coisas d'arte. A Arte, a grande Arte, cuja definiÁ„o perfeita, para mim, È um mytho, atrae-me como uma feiticeira deslumbrante e maravilhosa. Mas a Arte pinctural e esculptural, essa, extasia-me e n„o È para extranhar o vÍr-me parado em frente d'um bom quadro ou d'uma bella esculptura, tal qual como em frente d'uma mulher formosa. Mas, deixemos estas divagaÁıes e entremos no assumpto da minha carta. Demais, que lhe importa a si que eu goste ou desgoste, se o meu caro nem sequer me conhece de nome. Antes, porÈm, de continuar, ou por outra, de comeÁar, desculpe esta franqueza: as aguas de Lisboa s„o m·s e pozeram-me o figado n'um pessimo estado, o que deu em resultado eu ter tido um ligeiro extravasamento de bilis, que pode ser se manifeste, ainda que ao de leve, no decorrer desta minha despretenciosa carta. [Figura: CabeÁa de estudo--ERNESTO CONDEIXA] Uf!... que comeÁo a massar, n„o acha? Mas que quer, eu sou assim, o mal È dar-me corda, h„o-de aturar-me depois. E posto isto, l· vae. Fui vÍr a exposiÁ„o e fui sem a preoccupaÁ„o de critico d'arte, unica e exclusivamente como amador, como _dilletanti_, e como tal È que escrevo. Que me perdÙem os _artistas_, se nada fÙr, a minha apreciaÁ„o aos seus trabalhos, que me tolerem os _criticos de arte_ se a minha incompetente opini„o brigar com as regras do _metier_, e que se ria o _publico_ se n„o gostar da minha prosa e o meu caro redactor se entender que a pimenta È forte, ou o guizado est· mal condimentado, j· sabe o que tem a fazer, È, cesto dos papeis inuteis com elle. [Figura: Barbeiro d'Aldeia--JOS… MALHOA] ComeÁarei tal qual como indica o catalogo, apreciando, sob a impress„o perfeitamente pessoal d'um provinciano, os trabalhos expostos, pela sua ordem numerica. Primeiro est„o os de S. M. Este artista-amador est· l· t„o alto que nada poderei dizer dos seus trabalhos. Unicamente o que me agradou mais foi o _No Sado--processo Raffaelli_, se bem que j· tive occasi„o de vÍr trabalhos de muito maior valor executados pelo mesmo monarcha, que È inegavelmente um artista de temperamento definido. E agora sem respeito nem consideraÁ„o pelos artistas e quiÁ· amadores, que eu n„o conheÁo, ahi vae a minha opini„o sincera. QUADROS A OLEO D. Bertha Alcantara, n.^{os} 1 a 4--_Natureza morta e flores_--Natureza morta e t„o morta que d· vontade de... decorar uma cosinha com ella.--Amores perfeitos, imperfeitos.--Um agrupamento de lyrios e mimosas, os lyrios bastante densos, n'um demasiado ajuntamento, que parece esmagarem-se uns aos outros. D. Luisa Almedina, n.^o 5--Uns cravos sem cheiro, desconsolados... Almeida e Silva, n.^{os} 6 a 15. Pinturas varias, assaz recortadas e lambidas, com ar pretencioso de oleographias caras; este artista parece andar para traz, quem pintou _O Viatico na aldeia_, _Um critico d'arte_, _CabeÁa de cabrito_, (que eu possuo) tinha obrigaÁ„o de se apresentar melhor. Tem n'esta exposiÁ„o um quadro--_O abat-jour japonez_, que È verdadeiramente uma japonesice de caixa de ch·. No entanto recommenda-se o seu quadro--_Tarde calma de junho_, que est·, a meu vÍr, bem, e È o unico que se salva de todo aquelle mont„o de arte de recorte... [Figura: Paisagem--MARQUES d'OLIVEIRA] Condessa d'Alto Mearim, n.^{os} 17 a 19. Tem merecimento, e muito, esta amadora--_A Nossa Senhora do Refugio_, bem lanÁada de linhas, largas pinceladas dadas sem feminismo, talvez um pouco coquete, na express„o, para Nossa Senhora, no entanto um bello quadro. O n.^o 17 parece-me estar trocado, pois n„o È crivel que s. ex.^a pintasse um retrato de F. V. n'um velho em traje de fantasia; mas se o pintou, diremos que o trabalho È bom, a figura est· bem estudada, boa carnaÁ„o, boas roupagens, m„os bem trabalhadas, um bom quadro, emfim. D. Maria Luiza Alto Mearim, n.^{os} 19 e 20, o _Five Û clock tea_ È um bom quadro traÁado amplamente, com boa luz e muita express„o da figura, talvez um pouco de branco a mais na cara da dama, que deve ser da primeira sociedade e que naturalmente usa muito pÛ de _veloutine_, e d'ahi o tal branco!... Viscondessa de Ameiro, n.^o 11. _Arvoredo_--eu chamar-lhe-ia--_Alvoredo_. Est· l· muito no alto, t„o alto, que se perde de vista. Lembra uma travessa de hortaliÁa picada para gallinhas. [Figura: Mendiga--CARLOS REIS] D. Virginia Avellar, n.^o 22. _Supplica_.--Uma deliciosa irm„ da Caridade, estudada com carinho e amor, tal quanto merecia aquelle lindo rosto, que um bello sol banhava n'uma suavissima emoÁ„o de castidade e... affecto. Merecia, a meu ver, uma menÁ„o honrosa, mas... foi para outros... D. Laura Bandeira, n.^o 23. _D. Ignez de Castro_, esguia e airosa, um pouco theatral, regularmente pintada. O galgo que a acompanha, parece feito de _grafite_, e se a D. Ignez continua, por muito tempo, com a m„o esquerda n'aquella posiÁ„o, acaba por cegar o pobre cachorro, pois a metter-lhe um dedo pelo olho dentro, aquillo d· pelo menos uma conjunctivite... Leopoldo Battistini, n.^{os} 24 a 27--dois estudos de velhos, um d'elles passavel--o 25. _Avarento_, horrido de luz e de express„o, parece um _paranoÌco_ fugido ao tratamento do dr. Bombarda. O 27--_Barqueiros do Mondego_. Extraordinario. Parece incrivel que se podesse metter uma barcaÁa d'aquellas dentro d'um quadro de 1,26 por 1,87. Effeitos de luz, detestaveis. A mulher ou tem o peito em fogo ou quer dar a comer candeias de cebo ardendo, · pobre creanÁa que parece ter ao collo. D. Emilia A. S. Braga, n.^{os} 28 a 31--_A Maria de S. Jo„o_ (28) È uma velhota com cara de boa pessoa, regularmente pintada; acho-lhe as m„os, o rosto e o cabello bem estudados e com boa cÙr. _A oraÁ„o_ (29) _Estudo_ (30) s„o dois bons quadros, traÁados com superior criterio, pincelados largamente, com soberbas expressıes, luz boa, cÙr magnifica; no n.^o 30 notamos ainda o bem executado do collo d'uma linda mulher. JosÈ de Brito, n.^o 32--_A Vaga_.--… j· meu conhecido este quadro, d'um pintor portuense, que tem o seu nome ligado a obras de muito merecimento. _A Vaga_, na sua idÈa symbolica n„o me agrada, mas na sua execuÁ„o, como estudo do n˙ È superior e irreprehensivelmente feito; no bem trabalhado do desenho e no bem dado da cÙr, sente-se a curva avelludada e macia d'uma mulher nova e de carnes duras. … um bom quadro. Arthur A. Cardoso, n.^{os} 33 e 34--Dois retratos.--O n.^o 33 bem feito; que para mim, desde que s„o retratos, o que eu quero È que elles se pareÁam, quanto ao mais n„o me importa. [Figura: Marinha--JO√O VAZ] Jo„o Luiz Cardoso, n.^{os} 35 a 42--Especialidades em _Arredores_. Arredores de Aveiro e de Thomar. Notarei como dignos de menÁ„o o n.^o 39, um bello poente, e os n.^{os} 40, 41, e 42, onde a luz È bella, distribuida com methodo e muita uniformidade. Antonio Carneiro Junior, n.^{os} 43 a 45.--Este artista È um melancolico, um triste, e se nos quadros expostos o n„o mostra È que se limitou a expÙr retratos. O que dizer d'esses retratos, quando o jury j· disse tudo, dando ao seu quadro--n.^o 43, _Retrato de Teixeira Lopes_--uma medalha. … innegavelmente um trabalho magnifico. O retrato n.^o 45, de uma senhora, tambem È muito bom. Bernardino Trindade Chagas, n.^{os} 46 e 47.--Uma paisagem e um retrato.--Ataca dois generos differentes com a mesma galhardia e o mesmo _savoir-faire_. O retrato teve uma menÁ„o honrosa.--A paisagem È boa: Uma mulher sobre um burrico, vae, n'um chouto doce, atravez um caminho de aldeia, para a capellinha, em Tavira. Boa luz, boa cor, destacando no tom amarello saibroso da estrada as figuritas, que o artista estudou com cuidado. Jorge CollaÁo, n.^{os} 48 a 50.--Este artista È o collaborador artistico do _Seculo Illustrado_, julgo eu, e por isso preciso ter cuidado com elle para n„o ter o desgosto de succeder · minha despretenciosa critica o que succedeu ao monumento de Sousa Martins, feito pelo Queiroz Ribeiro. Por isso... fico calado... Mas n„o fico... ahi vae o que eu penso. Na _Partida interrompida_, que teve a 2.^a medalha, acho-lhe o pÈ esquerdo, que est· no plano anterior, um tanto mais delgado do que o pÈ direito, que est· n'um 2.^o plano, um pouco mais atraz e bastante cheio. O _Nos campos de Arzilla_, È um largo quadro feito com todo o interesse e correcÁ„o de quem sabe tratar com pinceis. Uma bella tela cheia de cor e de um largo poder decorativo. _Guarda negra_. Talvez n„o fosse peor ter adelgaÁado um pouco as m„os ao cavallo, que avulta no 1.^o plano do quadro. Os cavallos arabes s„o, por via de regra, d'uma gracilidade especial de m„os, que caracterisa bem o seu genio nervoso e a ligeireza do seu galopar. Ernesto Condeixa, n.^{os} 51 a 56.--Este È tambem um artista cuja reputaÁ„o est· feita. Pinta com muita consciencia, muita pratica e bastante saber. Notarei, para mim como melhor, o 52, em que ha um bello effeito de sol sobre a agua do mar. O 53, delicioso _Cantinho da praia de PaÁo d'Arcos_, e o 56, um soberbo poente nostalgico e poetico na _Ribeira de AlgÈs_. Candido da Cunha, n.^{os} 57 a 61.--Poeta sentimental da pintura, lanÁa nos seus quadros as suas impressıes com um sentimento desusado; n„o È o pintor do grande sol e da cÙr que retine como toques de clarim, n„o; repassa-os de uma uncÁ„o suavemente triste, que encanta. … inegavelmente um quadro de mestre o seu _Hora nostalgica_, 57. Os outros s„o pequenas manchas, feitas com muita correcÁ„o. [Figura: Vaga--JOS… de BRITO] Mademoiselle Helene Eisembard, n.^{os} 62 e 63.--_Portrait ‡ huile_, 62, regular, sem espantar. _Fleurs_, 63. Chrisantemos, uma chinesice a oleo, que se supporta... como chinesice. Lizzie Escolme, n.^{os} 64 a 70.--Alguns quadros de flores e paisagens. Sem interesse para mim, a n„o ser o n.^o 65, _Primeroses e violettes_, e o n.^o 66, _Lil·s_, que s„o regulares, com alguma frescura. O resto... n„o vale nada. Duarte Faria e Maia, n.^o 71.--Uma _miniatura_ lambidita... como retrato... C. Gomes Fernandes, n.^{os} 72 a 78.--Tem-se desenvolvido este amador, desde que se lembrou de querer ser artista; progride innegavelmente, demais para quem viu, como eu, os seus ultimos trabalhos no Porto; pasma do modo como est· pintado o seu quadro n.^o 72, _Margem do Tejo_. Bem tocado de luz, regularmente pincelado, com uma certa largueza e um doce tom, que nos encanta. … tambem interessante o seu _Caminho_ (_Granja_), n.^o 78. Os outros s„o quadros de amador com pretensıes... JosÈ S. Moura Gir„o, n.^{os} 79 a 87.--SÛ podemos admittir com a rubrica d'este bom artista os quadros n.^{os} 84 a 87, onde ha gallos e gallinhas soberbamente pintados, porque, ainda atÈ hoje n„o encontr·mos ninguem, que tenha na sua palleta cores t„o brilhantes e t„o accentuadamente definidas, para pintar a plumagem retumbante dos gallos. S„o estes trabalhos de molde a fazer impor · admiraÁ„o do publico um artista como Gir„o. Mas... pena foi que elle se n„o limitasse a isso e tentasse pintar animaes de pello... Os seus gatos (n.^{os} 81 a 84), s„o horrorosos; parecem, bem como os coelhos (n.^o 79), _biblots_ de algod„o em rama, para creanÁas; d'estes que se vendem no Benarde, no Cardoso da rua Nova do Carmo... Fique-se com esta snr. Gir„o, que eu, infelizmente, n„o conheÁo. Nunca pinte sen„o aves, se n„o quer perder o grande nome que tem, como primoroso artista que È. D. Isabel Laver, n.^{os} 88 a 93.--O quadro n.^o 88, _CabeÁa de velho_, fez-nos parar algum tempo na sua frente e, ao fixal-a, saltou-nos, instinctivamente, da mente, aquelle pedaÁo de poesia de Caldeira, _A Mosca_: .............................o maldito do velho, Da cor d'um rabanete, ou ainda mais vermelho... Porque de facto o tal velhote parece esculpido n'um presunto de Lamego... O n.^o 90, _Rosas_, duras e compactas como se fossem talhadas em porcelana da Vista Alegre, pousadas n'uma jarra d'um detestavel effeito e cor. _O ch·_, (91). Um bule de prata oxidado e sujo, doce de dezoito vintens o _arratel_, para velhotas coscovilheiras, que vieram atÈ nÛs dos tempos dos francezes. JosÈ Leite, n.^o 94.--Um bello retrato de mulher nova, feito com mestria, e dando a conhecer que o auctor tem disposiÁ„o e sabe do _metier_. Foi-lhe conferida uma menÁ„o honrosa, uma das mais bem applicadas do certamen. Adriano Lopes, n.^o 95.--Um retrato do general Castel-Branco--muito bem cuidado,--È o seu auctor um discipulo que d· honra aos seus professores. JosÈ MalhÙa. Eis-me chegado emfim ao Artista que mais me deslumbra, e mais me fascina. Chegado aqui, o meu desejo È pousar a penna, curvar-me reverentemente deante da sua obra genial, e limitar-me a gritar enthusiasmadamente: SalvÈ, pintor da grande luz, do bello sol, da soberba cÙr que retine nos teus quadros, como pedaÁos de crystal finissimo que se parte. Era este o meu desejo, mas, alguem, os mal intencionados, esses, ficariam na sombra a rir-se de mim, e diriam: Porque n„o falla este _critico_ do MalhÙa?!... Eu responderia, porque elle enche com os seus trabalhos t„o por completo o meu espirito, que me julgo muito pequeno para fallar d'elles. Mas, como quero levar de seguida a minha carta, ahi vae a impress„o que tive com os quadros de JosÈ MalhÙa, n.^{os} 96 a 108. [Figura: Velloso Salgado] Destaco como primordial o seu quadro, _Barbeiro da aldeia_, 98, assombroso de execuÁ„o, sublime de express„o nas figuras, mesmo nas que se perdem nos ultimos planos. Luz soberba, e... desenho rigorosamente estudado. A seguir _A Descamisada_, 97--magnifico--e o 98, _O Antigo phosphoro_, em que se vÍ perfeitamente, muito definido, a impress„o asphyxiante do enxofre que arde morosamente, obrigando a pÙr a distancia o phosphoro. Que bello trabalho, que primor de express„o na figura, que distender de braÁo t„o naturalmente lanÁado! e o 99, _CabeÁa de estudo_, optimo de luz, e o 102, _Ao cair da tarde_, quanta melancholia doce n„o nos imprime, aquelle quadro, e o 108, esse largo quadro decorativo para a sala de musica do snr. Lambertini? Com que gracilidade n„o est„o lanÁadas todas aquellas figuras, n'umas posiÁıes naturaes e flacidas que parecem cheias de mocidade e de vida. E, deixei para o fim o n.^o 106, que, embora eu esteja em erro, È para mim um dos trabalhos mais fulgurantes do grande artista. Aquelle retrato de mulher, com uma elegancia finissima de palmeira, desenhada com uma distincta correcÁ„o de linhas e colorida com um mimo especial de carnaÁ„o, que palpita, fez-me sentir o grande desejo de me curvar n'uma postura palaciana e beijar respeitosamente as pontas d'aquelles dedos, que t„o despreoccupadamente pousam no teclado do piano. Este quadro È para mim d'um encanto inexcedivel. E que me perdÙe o artista se eu n„o soube dizer d'elle o que elle merecia. Raul Maria, n.^{os} 109 a 112.--Quatro retratos, sendo regularmente bem feito o 109, de Carlos Malheiro Dias, o 111, retrato de Eduardo Braz„o, foi feito decerto em occasi„o, em que o grande actor estava soffrendo de _vertueja_, uma especie de erisypela. O retrato n.^o 112, sÛ se admitte como caricatura. D. Branca Marques, n.^o 113.--_Uma velha alde„_, que nos faz lembrar uma _batata_ ingleza. Adolpho Manon, n.^o 114.--_A Costa_. Perfeito quadro para as Messageries Maritimes; eu chamar-lhe-ia o vapor _City of Lisbon_. Thomaz de Mello Junior, n.^{os} 115 a 121.--… um paisagista interessante e de merecimento. Destacaremos os seus quadros: 115, _Salgueiral d'Azambuja_, paisagem cheia de luz, com uma fita d'agua muito bem estudada; _O Gerez_, estudado com cuidado, na cÙr e na luz. O Gerez È aquillo, conhece-o bem. O 121, _Torre de S. Juli„o_, que È muito interessante, e, ent„o, o 118, _Praia de Nazareth_! uma soberba marinha, feita com muito criterio e muito saber. As vagas, que se levantam em cachıes espumantes, est„o, na verdade, feitas magnificamente, e o barco, que as tende galgar ao esforÁo dos remos, est· estudado com precis„o e rigorosidade. Thomaz de Moura, n.^{os} 122 a 128.--… um artista que vem l· de fÛra, com as suas impressıes de Paris e da Bretanha; os seus quadros s„o tocados de um certo _gris_, que nÛs n„o temos, uma cÙr acizentada que me fere mal a retina, o que n„o quer dizer, que elle n„o tenha merecimento, que o tem. Especialmente o seu 122, _Carinhos de m„e_, est· muito bem feito. D. Fanny MunrÛ, n.^{os} 129 a 133.--Muito gelo, muito gelo e muito gelo, no entanto n„o me desagradou o 133, _Na Montanha_. Isaias Newton, n.^{os} 135 a 149.--… um professor e bem me custa dizer mal d'elle, mas que querem, a bilis c· est· ·s voltas commigo; o seu 134, _O Lago_, parece feito de vidro fiado e os seus, 137, _Entrada para a quinta do Ex.^{mo} Snr. Novaes_, 139, _Campo do Bomfim_, lembram oleographias, o unico aproveitavel, È a meu vÍr, o 135, _Um trecho de paisagem_. D. Mariana Palma, n.^o 140.--_Depois do jantar_. Um mel„o phantastico com pevides que parecem dentes, queijo cabeÁa de preto com manchas de bolor. Um mau vinho, dentro de uns crystaes e d'uns vidros da fabrica da Amora ou da Marinha Grande. Torquato Pinheiro, n.^{os} 141 a 145.--_O retrato de seu filho_, 141.--… sem discuss„o o seu melhor quadro n'esta exposiÁ„o. Torquato Pinheiro È um paisagista distincto, mas n„o È menos como retratista. Os seus quadros s„o tocados sempre de uma certa ingenuidade, que nos encanta, s„o para notar o 144, _LeÁa de Bailio_, profundamente melancholico, e o 145, _Fim da Tarde_, bem feito, com muita suavidade de luz. [Figura: Busto de ingleza--TEIXEIRA LOPES] Columbano Bordallo Pinheiro, n.^{os} 146 a 154.--Eis outro artista que se impıe firmemente · nossa admiraÁ„o, este n„o È um artista do sol, È, deixem-me dizer, um artista psychologo. Faz talvez mais o retrato da alma do que o retrato do corpo, mas, o que elle sabe È, dar umas pinceladas t„o originaes, t„o suas, que os seus quadros conhecem-se ao longe, sem precisarmos de lhe vÍr a assignatura. O quadro 146--_A PeliÁa_ È d'uma execuÁ„o t„o subtil, que apetece passar-lhe ao de leve a m„o sobre aquella pelle, para se sentir o aveludado da lontra, o 147--_Scena d'interior_, ha tal express„o na cara de mulher, que se est· a sentir e a vÍr, o que ella est· pensando l· dentro do seu cerebro de velhota matreira. Mas, superior a todos, a meu vÍr, o 152, _Retrato do Conde de Arnoso_. … extraordinariamente superior. Manuel H. Pinto, n.^{os} 155 a 156.--Nunca tinha visto nada d'este artista, e fiquei gostando de vÍr os seus quadros; s„o ambos bons, mas o 155, _Dar de comer a quem tem fome!_ È muito bem estudado. Ha ali vida, n'aquella mulher que cuida dos seus bacorinhos com boa _menagÈre_ e os bacoritos, esses, na sua _suinissima_ figura de resmungıes, est„o tambem muito bem estudados. E n„o fui sÛ eu que gostei dos quadros, foi tambem a commiss„o, que lhe deu uma medalha. Jo„o Porfirio, n.^{os} 157 a 158.--O quadro 158 È um especimen comprovativo das theorias de Darwin. Carlos Reis, n.^{os} 159 a 164.--Este sim. Os seus quadros confirmam bem o seu bom nome de mestre. Na figura e na paisagem, em ambos È superior. O seu 159--_Retrato de Max Van Ypersele de Strihon_, È magnifico, a carnaÁ„o È flagrante de cÙr e a m„o? ah! a m„o! È um primor de correcÁ„o. Os 160--_Velho castanheiro_--161, _Mendiga_--162, _Souto de Castanheiro_--163, _Poente de abril_, s„o quatro lindas joias da arte pinctural que apetece roubar da exposiÁ„o para revestir o _boudoir_ gentil da mulher que se ama. Augusto Ribeiro, n.^{os} 165 a 170.--Verdadeiro pintor impressionista. Unicamente nos d· impressıes de paisagens do Norte, onde o azul È mais forte e a vegetaÁ„o mais luxuriante, verdes d'um matisado mais doce, mais animado. As suas _pochades_ s„o regularmente tocadas. As que mais me agradaram foram as n.^o 167, _Poente_ (Ancora); 169, _Poente_ (Ponte do Lima); 170, _Poente_ (Paredes do Coura). Foi contemplado com uma menÁ„o honrosa, bem merecida. Jo„o Augusto Ribeiro, n.^o 171.--_Um septuagenario_, interessante e bem feito. Jo„o Nunes Ribeiro Junior, n.^{os} 172 a 181.--Pintor de paisagem, retrato e quadros de genero; muita coisa para um artista sÛ. Os retratos passaveis, alguns mesmo bons. Paisagem com certo ar, especialmente o 177, que est· bem tocado de luz e assumpto bem escolhido; o 178, _Campolide_, que È interessante. _Os fructos e flores_, 180, esse achei-o medonho, simplesmente medonho, muito proprio como reclame para a casa Daupias. Pareceu-me um quadro annunciador. N„o que, as flores e as fructas tÍem que se lhe diga, È preciso muita frescura, para as fazer resaltar com vida, dos quadros... [Figura: Tomando o ch·--COLUMBANO] Adolpho de Sousa Rodrigues, n.^{os} 182 a 195.--O seu maior trabalho È o 182, _No trabalho do campo_. N„o desgostei d'elle, apenas me fez m· impress„o aquelle verde das lombardas ou tronchudas. Parece-me que as figuras se recortam demais n'aquelle fundo verde. O 184, _Sabotier breton_, achei-o com boa luz de officina e as figuras bem estudadas. A cÙr... aquella cÙr bret„, que eu n„o conheÁo, È que me fez esmorecer um pouco. Eu gosto mais da nossa luz. O retrato 195, esse acho-o muito bom, bem executado, bem desenhado. Fernando A. M. de S·, n.^o 196.--_Arredores de Setubal_. Mau de execuÁ„o e de cÙr. JosÈ Velloso Salgado, n.^{os} 197 a 199.--O grande pintor de retratos e de tudo o mais, que È este artista, quasi que me dispensava de dizer qualquer cousa d'elle. Os seus trabalhos veem de ha muito, pondo uma verdadeira nota de arte no nosso pequeno meio. A sua fama est· feita, o seu nome, ao ser dito, retumba como um echo de gloria na arte da pintura portugueza. L· para o norte temos coisas t„o lindas, e t„o primorosamente feitas, d'este artista, no Palacio da Bolsa, que eu acanho-me de fazer opini„o sobre os seus trabalhos expostos, que s„o muito bons. Sobresaindo para mim a todos estes, o 199, retrato de _Adolpho M·sson_. D. Luiza Stephania da Silva, n.^{os} 200 a 202.--Unicamente me fez sensaÁ„o o 201, em que ha uma certa frescura, nos lyrios pintados. Candido da Silva Junior, n.^{os} 203 a 212.--Dois quadros, em que ha retratos, paisagem e flores. Deram-me no goto os n.^{os} 205 a 209--o primeiro uma especie de jardim de velha rabugenta; muita flor, muita flor, e nenhuma disposiÁ„o. N„o sÛ as flores d'este quadro, mas as de todos os outros s„o duras, sem frescura, sem cambiantes de tom, quasi homogeneos na cÙr. A _magnolia_, 209, atÈ parece um lim„o... Acceitavel o 210, _Alfeite_, que È uma manchasita que se suporta bem, para amador. Jo„o Ribeiro Christino da Silva, n.^{os} 213 a 218.--Ai pai! que coisas aquellas! O 213, a meu ver, simplesmente horrivel, os outros... adeante... a n„o ser o 218 que È interessantinho na sua fÛrma miniatural. Viscondessa de Sistello, n.^{os} 219 a 224.--… uma amadora de certo, os seus quadros s„o cheios d'um quer que seja de pretencioso... o n.^o 219, _Retrato_--achei-o sem vida, muito chapado.--Fez-me saudades, porque me pareceu uma imitaÁ„o m·, do bello quadro de Velloso Salgado--_Reflexos_. O 220 passavel, a n„o ser o ar estudioso e pensador de mais, do menino, e o 222 a abarrotar de coisas--um pedaÁo de queijo stilton, que faz lembrar sab„o rajado azul, fructas duras, vinhos maus, agrupamento infeliz. O 221 regularmente tocado, como mancha. [Figura: Retrato de El-Rei--CARLOS REIS] Jo„o Vaz, n.^{os} 225 a 237.--Deliciosa toda a obra d'este _cantor_, pelo pincel, da agua. Inexcedivel artista em marinhas; com que veneraÁ„o eu o admiro, e ao seu _savoir faire_. Ha tanta verdade em todos os seus quadros, tanta e tanta luz nas suas telas, que ao contemplal-as como que se sente o marulhar cadenciado das ondas. _A pesca da sardinha_, 225, È um quadro primoroso. _O barco algarvio_, 229, navegando em pleno mar, parece que se vae afastando pouco a pouco de nÛs e que ouvimos o bater, compassado dos remos na agua. _O moinho do Barredo_, 230, airoso e lindo, batido do sol--e _O Castello de MontemÛr_, 234, que parece sair arrogantemente do fundo d'um azul primoroso, s„o obras que encantam. Alli, ha o que se chama faisca artistica, alli ha a nota caracteristica de quem muito bem conhece a arte de pintar. Emily Wormsley, n.^o 238.--Um largo quadro de flores, louÁa da India e metaes. Boa composiÁ„o, bem estudado e bem tocado de cÙres. Foi-lhe conferida uma menÁ„o honrosa, bem merecida. Francisco Xara, n.^{os} 239 a 240.--As _Papoulas_ do 239, fizeram-me lembrar flores de papel de seda feitas por alguma menina da baixa, em horas d'ocio, entre o crochet e o ch· com torradas, para enfeitar um chapeu de campo ou algum oratorio de velhota amiga. ESCULPTURA JosÈ Simıes d'Almeida (Sobrinho), n.^o 241.--_Modelo para uma medalha_, bem executado. Pedro Cartoccio, n.^{os} 242 e 243.--Fez-me especial attenÁ„o o 242, _Juiz de PhynÈ_. Um ar malicioso de juiz estecta, definidamente traÁado, nas suas bem marcadas linhas, È uma bella cabeÁa lanÁada com energia e rigorosidade. Antonio Teixeira Lopes, n.^{os} 244 a 258.--… sem discuss„o Teixeira Lopes, ao momento, o maior esculptor portuguez. … talvez o unico que pÛde affirmar ao paiz e ao estrangeiro, que sÛ elle tem o poder de fazer resaltar do marmore ou do bronze, as suas figuras, t„o definidamente perfeitas, que se nos afigura terem vida. Notar aqui os seus trabalhos seria fazer a resenha das suas 15 obras, porque todas ellas se nos impıem · admiraÁ„o, do mesmo modo. No entanto, magestosamente solemne, na serenidade do seu ar, sublime na grandeza do seu pensamento est· a figura, da _Historia_, 252, para o tumulo de Oliveira Martins. E o 244, _Santo Izidoro_, n'uma serenidade de justo, esculpido com um carinho doce; ao olhal-o sente-se como que, uma unÁ„o sublime e casta que nos convida · oraÁ„o. … um trabalho soberbo, as m„os, o pescoÁo, a face, as roupagens, tudo emfim, È feito com um rigoroso saber. E os _Velhos_, 245 e a _Flora_, 246 e o _BÈbÈ_, 247, e todos os outros trabalhos? Simplesmente soberbos!... Teixeira Lopes È inegavelmente o primeiro esculptor portuguez. Antonio Augusto Costa Motta (Sobrinho), n.^o 259.--Uma _CabeÁa de estudo_, bem feita. Jorge Pereira, n.^o 260.--_Um typo de marinheiro_, traÁado largamente, sem detalhes de meticulosidade; È na verdade uma bella cabeÁa, bem estudada e melhor executada. ARCHITECTURA N'este genero nada entendo, sou leigo, perfeitamente leigo. No entanto l· vae. [Figura: Olaia em flor--CARLOS REIS] Antonio Couto n.^o 261.--_Casino_, preferia vel-o construido, pois n'esse caso melhor o gosaria. Raul Lino, n.^{os} 262 e 263.--Gostei do 262, _EsboÁo para a casa em Azeit„o_. Talvez, pela idÈa do conforto que se deve sentir n'aquella casa portugueza, com bibelots caros e mobiliario de talha e bilros. Tertuliano Marques, n.^{os} 264 e 265.--_Projecto do mausoleu a Almeida Garrett_. N„o desgostei, acho-o bem estudado. JosÈ Alexandre Soares, n.^{os} 266 e 267.--Achei airosa e bem lanÁada a fachada para o _Club militar_. Deveria depois de feito ficar uma obra digna do ser admirada aquella _PraÁa Publica_. AGUARELLAS … uma das mais interessantes manifestaÁıes da arte pinctural, este genero de pintura, difficil na execuÁ„o, sÛ se admitte quando o desenho È muito correcto e a tinta È dada em pinceladas certas, frescas e vivas... por isso, o terem-me agradado pouco os trabalhos expostos. A ver: Francisco A. Moreira de Almeida, n^{os} 268 a 271.--Francamente, francamente, teem um ar ingenuo de chromo-lithographia. Bartholomeu Sesinando Ribeiro Arthur, n.^{os} 272 a 278.--… a especialidade d'este artista a pintura de costumes militares e com franqueza, tem-nos, primorosos de execuÁ„o, o que n„o quer dizer que tambem os n„o tenha fracos. N'este certamen agradaram-me o 273, _Official do regimento do Maranh„o_, feito com muito ar e muito boa luz, destacando soberbamente no seu arrogante _aplomb_, e o 274, _Official de estado maior_, tambem bem trabalhado. Mademoiselle Helena Eisembart, n.^o 279.--_Fructas_. Uns cachos de uvas com a sua folhagem, boa aguarella, muito fresca, muito leve, transparente. JosÈ Souza Moura Gir„o, n.^{os} 280 a 285.--C· temos outra vez o grande artista das aves. N'esta secÁ„o brilha elle deliciosamente. As suas aguarellas correspondem precisamente ·s condiÁıes exigidas para a boa aguarella, cÙres vivas, transparencia, e frescura; e tudo isso tem as suas. Notaveis todas as dos n.^{os} 280, 281, 282, 284, 285 mas sobretudo o _Fausto_ e _Margarida_, 280, _Entrando_, 282, e _Cantando_, 285, que a meu ver s„o magistralmente feitas. Jorge Ianz, n.^{os} 286 a 295.--Outro aguarelista, que nos enche, com a sua cÙr fulgurante. S„o bem manchadas as suas aguarellas, fazendo-me lembrar, n„o sei porquÍ, as do fallecido Manuel San-Rom„o, o artista mais mimoso, que eu tenho conhecido, como manchista, Ianz e inegavelmente um artista de merecimento. S„o muito bons para mim, os seus 286, em _Toscana_, 288, _Impressıes de viagem_, 292, 293, 294, tres bellas marinhas, muito bem tratadas, o 295, _Descarga no Tejo_, È admiravel de execuÁ„o; a arcada que se vÍ ao fundo do quadro poderia, com honra, ser admittida n'um concurso de architectura. Alfredo de Moraes, n.^{os} 296 e 297.--_Costumes da Judea_. N„o quero dizer que estejam maus, mas fizeram-me lembrar, Deus me perdÙe, (Deus e o artista) os homens das tamaras. [Figura: Entre o almoÁo e o jantar--MARQUES d'OLIVEIRA] Roque Gameiro, n.^o 298.--_Retrato d'El-rei_. Aguarella de difficil execuÁ„o, mas superiormente tratada, boa luz, bella cÙr, roupagem magnifica, tom de rosto bom. As luvas s„o uma perfeita illus„o. … um bom trabalho. DESENHO D. Beatriz Alto Mearim, n.^o 299.--_Um estudo_, regularmente traÁado. Jorge Porphirio, n.^o 300.--_Jardim botanico_. Achei-o palmeirento de mais. Regular. Candido da Silva Junior, n.^o 301.--_Um quadrito com cinco cabeÁas_. SÛ me agradaram as duas feitas a crayon azul. PASTEL N„o imagine o leitor que eu vou discorrer sobre o effeito do pastel de fructa, ou de crÈme, do Baltresqui, n„o, vou fallar do systema de pintar a _pastel_--ou por outra, a crayon de cÙres, e que por signal n„o È l· das coisas mais faceis, para ser bem feito. Para se trabalhar bem n'este genero uma das coisas mais necessarias È saber desenho. Que afinal para se pintar bem o que È preciso È desenhar muito e bem. D. Luiza Almedina, n.^o 302.--_Retrato de sua irm„ Ilda_. N'este trabalho ha varios defeitos, saltando porÈm · vista a differenÁa da cÙr entre o rosto, e o pescoÁo e collo, que muito prejudica o effeito do quadro. D. Beatriz Alto Mearim, n.^o 303.--_Estudo_. Uma velhinha. Regularmente empastado. Condessa Alto Mearim, n.^o 304.--_Estudo_. Este quadro a meu vÍr, devia estar no catalogo na secÁ„o dos desenhos. … bem feito, vÍ-se que esta senhora n„o descura a base principal de pintura. D. Maria Luiza Alto Mearim, n.^o 305.--_Um estudo_. As mesmas consideraÁıes expandidas para o n.^o 304. Leopoldo Batistini, n.^o 306.--_CabeÁa de estudo_. Magnifica de empastamento doce e finura de traÁo, penna È que encha t„o por completo o quadro. Um pouco mais de margem e seria para mim muito mais agradavel · vista. D. Emilia Adelaide Santos Braga, n.^o 307.--_Retrato de Cupertino Ribeiro_. Trabalho bem feito. JosÈ de Brito, n.^{os} 308 e 309.--Superiormente executado o n.^o 309.--_O frade_. Frederico Cezar Camara Leme, n.^{os} 310 a 312.--Recortado de mais o 312, _Ovelhas_. D·-me a impress„o d'estas ovelhas de cart„o e algod„o em rama, tendo ao fundo um vulc„o de theatro, irrompendo bravamente e pondo uma luz forte em todo o ambiente. [Figura: A chegada da diligencia aos Valles em Ferreira do Zezere--ALFREDO KEIL] Bemvindo Ceia, n.^o 313.--_Um velho operario_, regularmente tocado, _comme ci, comme Áa_. Jo„o G. Mattoso da Fonseca, n.^{os} 314 a 320.--Destacarei d'este artista o 314. _Retrato de D. M. E. F_., que tem o cabello e a pelliÁa magnificamente tratado. _Ninete_, 315 regularmente feito--especialmente o cabello, e pluma do chapeu. N„o gostei do 316, _A FÈ_, porque achei a figura com muito pouca fÈ, e o 418, _Ao espelho_, em que noto um determinado abuzo de branco, na cara. Adriano de Sousa n.^o 321.--_Ave Maria_. A carnaÁ„o d'esta figura È muito bem tratada, aveludada e macia. JosÈ MalhÙa, n.^o 322.--_Retrato de mademoiselle C. R_. … simplesmente delicioso este quadro. Como desenho, como technica de execuÁ„o, como posiÁ„o de modelo, como tudo emfim, È sem discutir esse o primeiro trabalho a pastel da exposiÁ„o. Tenho visto muitos trabalhos n'este genero, mas, nenhum me deslumbrou como este. D. Antonio Lobo da Silveira, n.^o 328.--_Um estudo_, mau. Viscondessa de Sistelo, n.^{os} 324 a 325.--N„o tive o gosto de vislumbrar estes trabalhos na exposiÁ„o ou n„o estavam l·, ou passaram-me despercebidos, por isso nada direi d'elles. GRAVURA JosÈ Simıes d'Almeida (Sobrinho), n.^o 236.--_Medalha_.--Gostei d'ella. CARICATURA Aqui È que È tremer e tremer como varas verdes, porque, se estes dois pandegos me descobrem, ainda tenho a sorte dos caricaturados expostos. Eu, se tivesse pretensıes · popularidade, bem sei o que fazia: desatava a dizer mal dos dois e elles, para se vingarem de mim, desenhavam-me ahi em qualquer jornal burlesco e eu passava · gloria entre as gargalhadas estridulas do publico e a arrelia das pessoas que me querem bem. Porque eu, aqui para nÛs, dava uma boa caricatura... Mas n„o direi mal dos homens, nem bem... direi sÛ o que sinto... que o primeiro È filho de peixe e sabe nadar e o segundo tambem nada menos mal. Perfilar, que vae passar a patrulha da troÁa e do chiste. Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro, n.^o 387.--Soberbas caricaturas, que pena È, n„o virem mais para o publico, n'esse _Album de Glorias_, que t„o estimado È pelos leitores. Aquelle _Chaby_ est· fulgurantissimo de graÁa. Francisco ValenÁas, n.^o 328.--_Typos_, todos elles bons, mas superior o _Ricardo Jorge_, fazendo-me saltar o riso, naturalmente, expontaneo. ARTE APPLICADA Aqui torce a porca o rabo, ou ainda: o rabo È o peor de esfolar, como muito bem diz o nosso bom povo nos seus annexins. E de facto assim È... eis um assumpto em que eu me vejo assaz embaraÁado--arte applicada!... eis uma coisa onde vejo um largo campo para entretenimento de damas, a pintura dedicada de bibelots adoraveis para _boudoirs_ de luxo. N'esta secÁ„o primam com a sua bagagem artistica todas as senhoras que expıem. Umas mais brilhantemente que outras. N„o vos massarei pois com citaÁıes de numeros nem de nomes. [Figura: O rapto de Ganimedes--FERNANDES de S¡] Fallarei no emtanto, do n.^o 336, _Goblin_, do Jorge Ianz, que na verdade È uma das imitaÁıes mais perfeitas que temos visto. Bem estudado nas cÙres, que d„o a impress„o nitida de estarmos em frente de um verdadeiro tecido; sÛ achamos um poucochinho puxado o preÁo... Um conto de rÈis È dinheiro! A _Moldura-Luiz XIV_, n.^o 337, de JosÈ Emygdio Maior, È bem esculpida, correcta no estylo e no desenho. Tambem gostamos do n.^o 338, _Modelo para uma floreira_, È muito elegante de fÛrma e est· feita com certo mimo. Como arte nova È acceitavel. Ah! mas o que eu achei subtil, e vaporoso, foi o leque exposto por D. Maria Bordallo Pinheiro. Que delicia, que encanto. Aquella senhora vem de ha muito afirmando o seu grande gosto artistico e o seu forte temperamento creador. Que isso n„o nos admira, mal fora que assim n„o succedesse, pois ella È uma grande artista. Todos os seus, s„o verdadeiros artistas, cada qual no seu genero. Bordallo, o incomparavel e inimitavel caricaturista; Columbano, o soberbo pintor; Manuel Gustavo, correcto seguidor dos passos de seu pae, vae largamente pondo-se a par d'elle, na firmeza e na correcÁ„o de caricatura. Mas n„o È d'elles que eu fallo, È da rendilheira sublime que consegue que as operarias de Peniche, faÁam rendas t„o finas e t„o delicadas, que abertamente se podem pÙr ao pÈ d'essas custosas rendas de Bruxellas e de AllenÁon. Por isso, aqui lhe significa, este provinciano, que felizmente j· conhecia os seus bellos trabalhos, recordando ainda hoje ao escrever isto, um lenÁo formosissimo executado por D. Maria Augusta, com peixes e mariscos, a sua muita admiraÁ„o pelo seu grande talento. Notaveis tambem as _Fivellas_ n.^{os} 342 e 343, de Jo„o da Silva, que achei bem executadas, n„o devendo envergonhar-se ao pÈ, das saidas de cinzeladores, como Jerdelet. Ia-me passando falar d'uma japonesice em trez actos, que È, como quem diz, em _trez folhas_, d'um _paravent_, pintado por Pigasson Ricot, que, na verdade, n„o est· feio. Est„o bem copiadas as figuras e os effeitos tirados, n„o s„o maus. Acho-lhes o mesmo defeito do Goblin de Ianz: È muito caro... para amadores. Sobre o concurso para a capa do catalogo, nada tenho que dizer, pois isso era unica e exclusivamente da competencia da commiss„o da exposiÁ„o, que deu o primeiro premio ao trabalho de Francisco dos Santos e o segundo a Tertuliano Marques. E atÈ que em fim, acabou a massada para o benevolo leitor. Desculpe-me, portanto, meu caro redactor, o eu ter estendido tanto a _massa_, como se costuma dizer, mas desagravel me seria, ter promettido falar de todos e deixar passar em claro algum d'elles. … provavel que o publico e, muito especialmente, os artistas, n„o tenham gostada minha prosa, por eu ter dito muitas barbaridades, mas eu sou assim; o que tenho c· dentro È para se dizer, bem ou mal, segundo posso e sei. Mas, se esta minha despretenciosa prosa lhe agradou, de vez em quando, c· apparecerei com noticias d'arte, l· do norte, do Porto, d'essa aldeia trabalhadora e honesta, para onde vou partir, pois j· tenho saudades d'ella... MarÁo 1903. P. S.--As gravuras d'este e d'outros artigos, nem todas s„o copias dos quadros notados nos mesmos, mas, na impossibilidade de adquirir photographias d'elles, usei de provas de quadros dos mesmos artistas, dando assim a conhecer ao leitor trabalhos de artistas de merecimento e valor. [Figura: Guarda arabe--Pastel de S. M. EL-REI] VIII PINTORES PORTUENSES [+] MANUEL SAN ROM√O … com um grande prazer, cheio de saudade, que rapidamente me vou occupar d'um bello e real talento de aguarellista, infelizmente morto. Quando elle se finou, sob a dolorosa impress„o que me deixou a sua morte, n„o me atrevi a vir a publico, depor na sua campa o meu ramilhete de flores, fazendo a apologia do seu saber e das suas largas aptidıes para a pintura. Esperei esse grande acto de justiÁa dos outros, dos que ent„o eram os criticos d'arte da nossa terra. [Figura: Manuel San Rom„o] Mas, nenhum, nem um sÛ, compriu com esse dever e Manuel San Rom„o desceu · mudez profunda do tumulo sem que alguem viesse dizer que a Arte tinha perdido um dos seus filhos mais estremecidos e o mais apaixonado dos seus amantes. N„o me admirou que a critica artistica da nossa terra se esquecesse de San Rom„o, por isso que, o querido morto, n„o era d'aquelles que se expunham · admiraÁ„o de ninguem; vivia para os seus trabalhos apenas, dispensando o reclamo pomposo das gazetas e a vida turbulenta dos _clubs_, exempto de _coteries_. Era talvez um misantropo. Talvez. Mas, o que inquestionavelmente elle sempre foi, era um grande sabedor de cousas d'arte. Conheci-o bem na sua boa intimidade. Era um perfeito cavalheiro, um verdadeiro _gentleman_; cavaqueador brilhante e fluente fallando d'Arte com uma tal elevaÁ„o e enthusiasmo, com uma tal proficiencia e um t„o grande saber que, n'essas occasiıes, fazia-nos lembrar um douto professor preleccionando eloquentemente sobre assumptos da sua especial e authorisada competencia. Ao ouvi-lo discorrer como mestre sobre esses mil problemas intrincados e complexos da Arte na sua mais ampla acepÁ„o, convenciamo-nos de que quem fallava n„o era um _dilettanti_ da pintura, mas um critico justo e sabedor, um verdadeiro homem do _metier_. [Figura: Na Espectativa--Aguarella de M. SAN ROM√O] Com elle tive longas, longuissimas conversas no seu confortavel atelier do largo do Viriato, e foi d'alli, talvez, que me veio este prurido de fallar em artistas e coisas d'arte... Que saudades tenho d'esse tempo, das magnificas tardes que passei, em aquelle atelier pequenino e confortavel como _gabinete_ d'uma delicada dama, replecto d'uma suavidade de luz e n'uma t„o artistica disposiÁ„o e t„o cheio de flores, que fazia lembrar uma capellinha em festa... E capellinha era em verdade, onde a Deusa Aguarella era venerada, com um respeitoso enlevo, pelo seu sacerdote querido, por isso que Manuel San Rom„o era um aguarelista _hors ligne_. Para mim, o querido extincto foi um dos primeiros aguarellistas portuguezes; a sua maneira especial de manchar ainda n„o foi suplantada por mais ninguem. Nem mesmo o grande pintor Casanova, que foi professor de San Rom„o, e que È inegavelmente um mestre na aguarella, nunca conseguiu dar aos seus trabalhos aquelle tom especial de mancha que era uma das grandes superioridades de Manuel San Rom„o. E isto fazia-o elle naturalmente, instintivamente... Aquelle modo era o seu, d'ahi talvez a impossibilidade de ser igualado. Depois, San Rom„o dava aos seus trabalhos uma tal frescura, uma tal transparencia e uma tal suavidade de cores, que as suas aguarellas eram como uma pintura ideal que sempre nos fascinava. E como elle desenhava!... Attestavam bem o seu estudo do desenho as pastas carregadas de trabalhos feitos por elle... Muitos d'esses desenhos tenho-os eu em meu poder, deliciosos pedaÁos dum grande poema d'Arte... [Figura: Paisagem--Aguarella de M. SAN ROM√O] Pelas gravuras que acompanham o nosso artigo, perfeitamente o leitor pÛde verificar que as affirmaÁıes que fazemos s„o, por todos os motivos muito justas e muito verdadeiras. O _fidalgo antigo_ È uma soberba aguarella d'um vigor de execuÁ„o e d'uma correcÁ„o inexcedivel de desenho, e o quadro _No directorio_, e a _Paisagem de Santa Maria de Boure_, e esses pequenos trabalhos, essas lindas figuras de mulher, essas deliciosas paginas de livros e todos esses desenhos n„o ser„o manifestaÁıes seguras do seu talento e do seu valor?!... S„o! ninguem o pode duvidar... Mas, Manuel San Rom„o n„o era t„o conhecido do publico como devera ser, por isso que elle n„o vendia os seus quadros, dava-os. Foi ao menos feliz em n„o necessitar de negociar com o seu trabalho... Vivendo na abastanÁa n„o fazia da Arte um negocio, fazia d'ella unicamente um culto intenso e sincero. D'ahi os seus quadros, esses primores de aguarella estarem apenas espalhados por um meio restrito de amigos. [Figura: Paisagem--Aguarella de M. SAN ROM√O] Manuel San Rom„o n„o era exclusivamente um aguarellista, mas tambem um terrivel _bric-‡-braquista_. Collecionava tudo quanto fosse arte, gravuras, quadros, mobiliario, faianÁas e, em especial, livros artisticos. Era uma delicia visitar a sua moradia... Que encantadoras cousas, formosos contadores, armarios soberbos de talha antiga, arcas abarrotadas de gravuras notaveis e, pelas paredes, quadros assignados pelos mais distintos mestres de pintura. No seu atelier, alli, È que elle reunia o que mais fundamente lhe fallava · sua alma de artista, as faianÁas mais delicadas, os moveis mais requintadamente artisticos, as revistas illustradas e os livros mais preciosos. E n'uma _pele mele_ deliciosa tudo se agrupava para dar ao atelier a forma gentil e suave do gabinete d'uma fina duqueza e o ar sereno d'uma capelinha em festa. Que a memoria saudosa d'este morto querido, que foi um dos mais deslumbrantes aguarellistas portuguezes, me releve o vir eu hoje, o mais insignificante dos seus admiradores, tiral-a da modesta indifferenÁa publica para a expÙr · veneraÁ„o e respeito de todos aquelles que vÍem nos artistas alguma cousa de elevado e de verdadeiramente sublime. 1904. [Figura: Uma sevilhana--Aguarella de M. SAN ROM√O] IX A MULHER ARTISTA Ha dias, n'uma roda onde estavam senhoras, n'uma conversa larga e em que se debateram varios assumptos, um houve, que especialmente me prendeu a attenÁ„o. Discutia-se Arte em geral, e um dos homens, cavaqueador _enragÈ_ emerito e apologista da _n„o_ emancipaÁ„o da mulher, desfechou abruptamente esta phrase: ´N„o posso admittir que a mulher seja uma esculptora ou uma pintoraª. [Figura: S. M. a Rainha] Escusado ser· dizer-vos que esta phrase fez no grupo o effeito de um _duche_ frio e forte. ApÛs, porem o choque, houve, como era de esperar, a reacÁ„o, e, como poderam, os _paladinos_ da sala, debateram e rebateram a estranha declaraÁ„o, com factos, n'uma larga demonstraÁ„o de erudiÁ„o e talento. Eu fiquei-me callado, esperando melhor occasi„o para poder dizer serenamente, sem precipitaÁ„o, as consideraÁıes que tinha a fazer sobre tal assumpto. E hoje, perfeitamente · vontade, sem pressıes de especie alguma nem necessidades de galantear, vou dizer o que penso da mulher artista, e como eu teria desarmado o gracioso se logo me tivesse permittido dizer-lhe alguma coisa em resposta ao seu repto. A mulher È um dos mais perfeitos trabalhos da natureza, quer vista sob o lado plastico e physico, quer sob o moral e espiritual. … como nenhum outro ente dotada d'um espirito, que, quando bem educado, se inclina sempre para o Bello, para o Ideal. Ella, muito mais do que o homem, deixa-se assenhorar das impressıes, e o seu coraÁ„o, muito mais passionavel que o nosso, mais facilmente se commove e se infiltra d'uma doce alegria ou d'uma saudosa tristeza. Como nenhum outro individuo ella descobre e comprehende pequeninos nadas psychologicos, que passam despercebidos aos nossos olhos. [Figura: D. Aurelia de Sousa] Por isso, quando educada e industriada no grande problema da Arte, deve facilmente adquirir elementos magnificos para execuÁıes de vulto, e de obras que venham tocadas d'uma suave poesia. Depois, se a mulher tem o direito de danÁar e de cantar, e se lhe admiram as qualidades raras de eximia bordadora, porque negar-lhe o direito de, tomando os pinceis e o escopro, pintar, esculpir e indo mais longe mesmo, escrever livros, cujo encanto ser· deliciosamente bom? Ora ella canta e danÁa desde a origem do mundo e borda desde as eras mais remotas da antiguidade; portanto, que direito nos assiste a nÛs, que caminhamos para o maximo da perfeiÁ„o, de evitar que ella nos dÍ as manifestaÁıes mais brilhantes do seu ser artistico, do seu temperamento singular? Impossivel. [Figura: Estudo de creanÁa--Aguarella de S. M. a RAINHA] Isto seria verdadeiramente barbaro!... Para que ella cante ou dance, sÛ se lhe exige que tenha talento vocal ou choreographico, tal qual o que se exige ao homem para os mesmos fins. E, se tal succede e a logica existe, qual a raz„o porque durante tanto tempo se puzeram entraves ao franco estudo da pintura, da esculptura e da litteratura, ·s mulheres? Bem sei que o canto, a danÁa e a musica, eram considerados por todos, como dotes necessarios e sem os quaes uma senhora n„o podia briosamente frequentar a sociedade. Menina que n„o danÁasse, em noite de baile, era como flÙr sem aroma, que se ficava estiolando em canteiro, d'onde tinham sido colhidas todas as olorosas rozas e violetas. Havia pois a necessidade de se aprender a danÁar, e todas tentavam ser eximias no _minuete_, na _gavota_, na _pavana_, na _valsa_, na _polka_, e no _pas-de-quatre_. [Figura: Tia Bertha--D. BRANCA ASSIS] Depois comeÁou a desenvolver-se o gosto pela musica; as audiÁıes de operas nos theatros de S. Carlos e S. Jo„o, a organisaÁ„o de escolas particulares de canto, os concertos onde era chic apparecer, foram creando os amadores distinctos que no Porto e Lisboa teem affirmado exuberantemente que n'este nosso torr„o, n„o ha sÛ bom sol, ha tambem boas gargantas e bastante talento, (porque para se cantar bem n„o basta sÛ ter uma boa voz È preciso tambem talento e arte). E assim appareceram em Lisboa e Porto as Ex.^{mas} Snr.^{as} D. Maria Albergaria, D. Laura Gasparinho, D. Maria Viterbo Ferreira, D. Carminda Guerra Andrade, D. Laura Leite, D. Alice Freire Silva Braga, M.^{elle} Lidia Oliveira, M.^{me} Sarah Mattos, M.^{me} Ilda Blanc, D. Stela Pinheiro, M.^{elle} Castello Branco, Condessa d'Almeida Araujo, Condessa de ProenÁa-a-Velha, D. Maria Thereza Valdez Pinto da Cunha, D. Carolina Palhares, D. Leopoldina Kopke de Carvalho, D. Beatriz Arroyo, D. Izabel Vallado, D. Elisa Lear, D. Albertina Arnaud, D. Julia Villares, D. Thereza Wandscheneider, D. Edwiges de Castro, D. Judith Marques, D. Bertha Leaham Camello, D. Camilla Katzeintein, D. Margarida Motta, D. Maria Luiza Mour„o, D. Idalina Castro, D. Laura Leite, D. Anna Fins, D. ConceiÁ„o Castello Branco Albuquerque, D. Margarida Fernandes Braga, D. Bertha Arroyo, D. Julia Pinto Moreira, D. Olinda Rocha Le„o. [Figura: Quem espera desespera--ZE” WAUTHELET BATALHA REIS] Mas, tambem l· estava a necessidade de apparecer, de ser notado. Era preciso cantar para n„o ficar atraz das outras que apareciam, e assim se desenvolveu por completo o gosto pelo canto, essa arte sublime que, como dizia um philosopho, faz um ente transportar-se ao _sol_ sem se lembrar de _si_. Com a musica de pianno e rebeca, etc., o mesmo se dava, era como o canto, um genero de sport artistico. Toda a gente tocava, mas, era preciso ir mais longe, era preciso tocar bem para ser notado. Em qualquer parte onde se estivesse, n'uma sala, havia sempre muitos que podessem exhibir os seus dotes musicaes, mas, no meio deste mar de tocadores-amadores sÛ se foram distinguindo os que tinham verdadeiro talento, e assim se notabilisaram ao pianno: D. Maria Josephina Pacifico, D. Elisa Baptista Souza Pacheco, D. Ernestina Freixo, D. Maria de Magalh„es, D. Leonor Atalaya, D. Maria Ferraz Bravo, D. Esther Coelho de Campos, D. Carolina Suggia, D. Leonilda Moreira de S·, D. Julieta Vieira Barbosa, D. Elvira Mattos, D. Maria Julia Brand„o, D. Maria Helena Carvalho, D. Elisa Allegro, D. Bertha Marques Pinto, D. Aurelia Paiva, D. Maria Augusta Mattos, D. Luiza Margaride, D. ConstanÁa Pinto Moreira, D. Anna Oliveira Ramos, D. Virginia Suggia. Em rebeca: D. Judith de Mello, D. Amelia Marques Pinto, D. Laura Barbosa, D. Irene Fontoura Madureira, D. Rosalia Maia, D. Ophelia d'Oliveira, D. Luiza Coelho de Campos. Em violoncello: D. Guilhermina Suggia. Em harpa: D. Virginia Viterbo e D. Anna Jane Menezes de Mattos. E isto como o canto foi impulsionado, porque era preciso apparecer com vantagens sobre outros. Com a pintura e esculptura porem n„o se dava isso. Os amadores de pintura sÛ tinham occasi„o de mostrar os seus trabalhos, quando algum d'estes _cabrions_ que teem o nome de _possuidores de albuns_, vinha pedir a esmola d'uma collaboraÁ„osinha, para esses repositorios exoticos de coisas varias e quiÁ· exdruxulas, onde se afundaram muitos poetas e se lapidaram muitos desenhadores. E os amadores de esculptura? Esses, nem os havia. E se algum se dedicava a esse genero da divina Arte, era t„o escondidamente que ninguem dava por elle. [Figura: Condessa d'Alto Mearim] Mas, sob o impulso grandioso do desventurado Silva Porto iniciava-se uma nova era d'Arte. ComeÁaram de fazer-se exposiÁıes na cidade de Lisboa e na do Porto, exposiÁıes criteriosas que foram o inicio do renascimento da vida artistica portugueza e o marco milliario do bom gosto e do aproveitamento de muitos talentos ignorados e de muitas notabilidades nacionaes. Promovidas na capital pelo grupo de Le„o, esse brilhante gremio de que fizeram parte Columbano, Ramalho, MalhÙa, Gyr„o, etc.; e aqui, por um grupo de artistas e amadores de Bellas-Artes, sem designaÁ„o especial de nome, mas entre os quaes figuravam Marques de Oliveira, Julio Costa, Marques Guimar„es, Antonio Costa, o saudoso Xavier Pinheiro, Adriano Ramos Pinto,--as exposiÁıes d'arte teem sido actualmente realisadas pelo Instituto de Estudos e Conferencias. D'ahi, do agrupamento desses artistas, e tentados pela gloria de se ver aplaudidos pela opini„o publica e instigados pela critica amiga dos jornaes, fez-se uma como que revolta no meio da sociedade, que vive um pouco do espiritualismo Artistico do Bello, e como que resaltou uma nova pleiade de amadores, que tenta a pintura e a esculptura. No meio d'essa pleiade resaltam como caracteres artisticos definidos e assentes, individualidades cujos nomes temos que notar e descrever. [Figura: D. Alice Grilo Lima] Apparece no alto, como verdadeira fulguraÁ„o na arte de esculpir, a Duqueza de Palmella, a maior alma de artista que pode ter uma amadora. Os seus trabalhos perfeitamente executados s„o confirmaÁıes indiscutiveis do logar proeminente que ella deve occupar entre os que s„o sacerdotes na sublime arte de Milo. No Porto, como sacerdotisa emerita d'essa arte, temos a Ex.^{ma} Sr.^a D. Joanna Andressen Silva, de que mais adeante fallaremos em artigo especial. Na pintura, confirma-se o que a principio digo, sÛ se exige que as amadoras tenham talento, para se lhe poder garantir o logar ao lado dos homens na transplantaÁ„o para a tela da natureza, em todas as suas variadas manifestaÁıes. E assim, tanto no Porto como em Lisboa, todos os dias se fazem novas revelaÁıes de senhoras que s„o verdadeiros sportwomen artisticas. E assim notaremos, D. Francisca Furtado, D. Sophia de Souza, D. Amelia de Souza, D. Julia Molarinho, D. Lucilia Aranha Grave, D. Olympia Faria de Abreu, D. Maria Afflalo, D. Alice Grillo Lima, Condessa d'Alto Mearim, D. Maria Luiza Alto Mearim, D. Branca de Araujo Assis, D. Constancia Avides, D. Maria Idalina Carneiro, D. Margarida Costa Rom„o, D. Josepha Garcia Greno, (fallecida), D. Herminia Victoria Lagoa, D. Amelia Lamas, D. Izabel Areias de Lima Lawer, D. Leopoldina Maia Pinto, D. Maria Teixeira de Moura, D. Laura Nobre, D. Clotilde Rocha Peixoto, Viscondessa de Cristello, ZeÛ Wauthelet Batalha Reis, D. Margarida Ramalho, D. Albertina Falker. E, tudo isto, pela simples raz„o de haver exposiÁıes, onde se pode mostrar que se tem aptidıes para a pintura ou para a esculptura, que se tem talento artistico emfim. Portanto, desde que se tenha esse bello dom natural, que faz de nÛs um poucochinho mais do que a vulgaridade, n„o acho raz„o nenhuma para que se queira tirar · mulher o direito de publicamente mostrar que È um pouco superiora ·s outras. Eu, sou d'aquelles que digo: que o saber n„o occupa logar, e, que, antes quero ver uma mulher pintar bem um quadro, do que pintar os olhos e os labios. No primeiro caso sÛ pode mostrar que a preoccupa o espirito com alguma coisa donde lhe pode vir honra o louvor, no segundo caso... que n„o o preoccupa com nada... Setembro 1904. [Figura: Orchideas--D. ALICE GRILO] X NOVAS EXPOSI«’ES D'ARTE Ao mesmo tempo duas exposiÁıes de pintura, uma organisada pelo Instituto de Estudos e Conferencias, outra organisada pelo snr. LagÙa. Estamos em marÈ d'Arte, n„o ha que vÍr. Ora eu, que sou um bisbilhoteiro de mil diabos, l· fui, n'um d'estes ultimos dias de bom sol, visitar as duas exposiÁıes. Boas e m·s impressıes trouxe d'estes certamens e È o que muito despretensiosamente direi para diante, conforme o meu modo de vÍr. Tem, j· se sabe o primeiro logar, a exposiÁ„o do Instituto, e tem-no por muitos e variados motivos; entre esses porque È formada por trabalhos de artistas, se bem que por l· andem anichados puros amadores... Mas, isso fica para depois, para mais larga conversa quando n„o houver j· que dizer a respeito dos artistas. Ao Instituto de Estudos e Conferencias, se deve, em parte, a ameudaÁ„o de exposiÁıes d'esta natureza; pena È que nem todos os nossos artistas comprehendam o quanto isto È util para elles. Sente-se por isso alli a falta dos nossos melhores pintores, e È pena. N„o sei, nem tentarei desvendar a raz„o porque os bons artistas n„o querem concorrer, mas sinto profundamente que Salgado, MalhÙa, Columbano, Carlos Reis, Gir„o, e outros, se fiquem, l· de longe, sem nos dar o gosto de lhes applaudir e admirar o talento nas suas varias telas, que s„o quasi sempre admiraveis. Talvez porque n„o encontrem no nosso meio quem os saiba comprehender ou quem os saiba pagar, talvez!... A exposiÁ„o, no seu geral, È fraca, sem interesse (que barbaro eu sou). A n„o ser uma meia duzia de telas, o resto È insignificante, sem destaque, morrendo pelo... nem sei mesmo porque... mas fazendo-nos sentir a saudade das exposiÁıes realisadas no Atheneu Commercial, ha tantos annos j·, e organisadas por um nucleo de pintores conhecidos. Isso sim, isso È que foram exposiÁıes onde todos concorriam cheios d'aquella boa vontade e d'aquelle enthusiasmo que È peculiar ·s almas novas; que isto n„o È dizer que as almas d'hoje sejam almas velhas, n„o, s„o almas novas, mas formadas pelo systema arte-nova, t„o cheia de curvas e sinuosidades, que treslouca. Como de costume, l· fui encontrar no catalogo nomes dos que nunca faltam · chamada, honra lhes seja, Marques d'Oliveira, Torquato Pinheiro, Candido da Cunha, JosÈ de Brito e Antonio Costa, e a par d'estes, muitos outros e alguns que comeÁam agora a apparecer. [Figura: D. Sophia de Sousa] D'entre os artistas, que expıem, a meu vÍr, destacam-se Marques de Oliveira e Candido da Cunha, que s„o inegavelmente os que d„o a nota pelo seu modo e pelos seus assumptos. JosÈ de Brito, soberbo no seu pastel _Um frade_, no resto sempre um tom ingente de nevoa que faz os seus quadros baÁos. Torquato Pinheiro, muito bem no _Retrato de meu filho_, assim como, gostamos d'elle, nos seus--_Fins da tarde de outomno_ e _Rua de Villa Real_. Eduardo Moura, esse pintor, cheio de poesia intensa dos encantos cazeiros, veio · exposiÁ„o com dois quadros que j· lhe conheciamos, mas que por isso n„o deixarei de os mencionar, especialisando para meu gosto o--_ServiÁo feito_, que acho primoroso. Prat, com os seus estudos n„o foi completamente feliz; destacam no entanto a _Cabecita de burro_, que me n„o desagradou. Victorino Ribeiro, com o seu--_Esperando um amigo_, est· bem apresentado. D. Sophia de Souza, regularmente, se bem que se nos tenha mostrado em outras exposiÁıes muito melhor. D. Aurelia de Souza, com o seu estudo--_Um africano_, muito bem. Emquanto ao resto dos seus trabalhos achei-os inferiores ao seu muito talento artistico. Antonio JosÈ Costa, como sempre, o primoroso pintor de flores, d·-nos umas _Camelias_ bem tocadas e muito frescas. De Julio Ramos, pouco ou nada mais temos a dizer do que o j· temos dito: tem talento e sabe do _metier_. A sua _Marinha_ È para mim o seu melhor trabalho n'esta exposiÁ„o. Almeida e Silva, esse, parece que desandou; as suas telas s„o demasiadamente recortadas e esmiuÁadas. Lembrei-me com saudade de outros quadros seus, expostos em tempos idos, como por exemplo, um _Viatico na aldeia_ e um _CabeÁa de cabrito_. Augusto Ribeiro, È um trabalhador incansavel, produz de mais. Desenha bem e pinta com certo gosto, mas pinta muito. Tem na exposiÁ„o alguns quadros de valor e a _Marinha da Foz_, _O atalho ao sol_, s„o bons. Como notas typicas do nosso meio s„o interessantes as manchasitas do _Bolh„o_, _Anjo_ e dos _Ferros Velhos_. [Figura: Marques de Oliveira] Francisco Gil, È um pintor da Figueira da Foz que tivemos o prazer de vÍr pela primeira vez; os seus trabalhos s„o (perdoem-me o francez) _comme ci comme Áa_. Lago Pinto, È um novo que promette muito e que se apresenta com vontade de fazer alguma cousa. S„o muito recommendaveis os seus quadros _Fim da tarde_ e _Lavadeiras_, em que a agua est· bem estudada. Teixeira Bastos, È um pintor de Lisboa que veio ao Porto mostrar-nos que tem talento artistico, dando-nos a impress„o de que vÍ muito bem. O que especialmente o torna notado È o magnifico tom de luz que d· aos quadros. _Os castanheiros_, foi para mim o que mais me agradou; s„o dignos de menÁ„o a _CabeÁa da rapariga_ e _Canto do Rato_. D. Leopoldina Pinto È uma amadora distincta. Carlos Gomes Fernandes, È tambem um amador que comeÁa. … provavel, que de futuro nos dÍ quadros, que se tornem notaveis, por emquanto È, a nosso vÍr, um amador que tem vontade de fazer alguma coisa. Fallei de todos mas deixei para o fim Marques de Oliveira e Candido da Cunha, porque a meu vÍr s„o os dous pintores que attestam profundamente o seu temperamento artistico. [Figura: Flores--D. Leopoldina Maia Pinto] Marques de Oliveira È inegavelmente um mestre e n„o era preciso que eu o dissesse, eu que sou um _zero_ no nosso meio critico. Os seus quadros _Cercanias d'Agueda_, _O Combro_ e as _Lavadeiras_ s„o obras primas de desenho, de cÙr e de luz. Candido da Cunha, poeta triste da pintura, amando a luz iriada dos poentes, d·-nos quadros maravilhosos, destacando como flor„o da sua corÙa de artista a _Hora nostalgica_. N„o devemos porÈm esquecer a sua _Casa rustica_ e os seus _Moinhos em LeÁa_. Ha tambem na exposiÁ„o um trabalho d'este artista que me extasiou. … o retrato da esposa do pintor, feito a carv„o (claro escuro). Trabalho que por si sÛ bastaria para n'outro meio, que n„o o nosso, dar o nome a um artista. Correcto de desenho, È superiormente primoroso. Falta fallar d'um amador, t„o distincto que n„o pude fugir ao desejo de lhe reservar um logar mais para o fundo, para que fizesse alguma impress„o d'elle, ao leitor amigo, que tivesse a pachorra de me lÍr atÈ ao fim. Refiro-me a Alberto Ayres de Gouveia, discipulo de Marques d'Oliveira e que honra o mestre. Sabiamos de ha muito que este cavalheiro se dedicava · pintura, mas francamente, julgavamos que elle fosse um _dellitanti_ como muitos outros, que tendo tempo livre, se entretinha a fazer pequenas cousas sem valor, mas, ao comtemplarmos a sua obra, ficamos confuzo. Era uma revelaÁ„o... Trabalho agigantado o seu, topando um assumpto sublime, tal como a _Vida de Jesus_. Pintor mystico com tal pujanÁa nunca o imaginaramos. Vemos que elle se sae brilhantemente da empreza em que se metteu. Os seus quadros a _Palavra do Mestre_ e o _Christo morto_ s„o verdadeiras obras d'arte. Figuras estudadas com cuidado, pousadas naturalmente sem poses academicas, tendo vida e verdade, luz e cÙr escolhidas com sciencia; pinceladas largas e justas eis o que se encontra n'aquelles dois quadros. [Figura: A Caridade--TEIXEIRA LOPES] No seu _Lettre de Colombine_, ha um effeito de luz admiravelmente estudado. Mas, Ayres de Gouveia n„o È sÛ correcto nos seus quadros biblicos e de phantasia, È-o tambem quando faz o retrato, assim podemos dizer que È bom o seu oleo e retrato de mademoisselle M. F. A. E desenhando a pastel ou a claro-escuro, tambem se nos revela um verdadeiro artista; s„o para notar o seu _Apollo_ e _Retrato de mademoiselle Allen_, (ambos a pastel) _e cabeÁa de estudo_, (a crayon). Mas, n„o digamos mais nada d'esse amador, que podem julgar para ahi que eu sou amigo d'elle e vim aqui sÛ para o elogiar, e eu n„o quero isso. Passemos agora rapidamente · esculptura, deixando em branco as aguarellas, porque francamente n„o gostamos de nenhuma. Em esculptura destaca-se em primeiro logar Fernandes de S· com a sua _CabeÁa de Velho_ e o _retrato do medico Correia de Barros_, este ultimo um trabalho flagrante de verdade. D. Joanna Andressen revela-se-nos uma amadora distincta, pois em pouco tempo fez progressos grandiosos. D. Albertina Falker: n„o gostei do seu _BÈbÈ_. N„o sei que lhe achei de mau, talvez a posiÁ„o d'aquella cabecita... N„o sei... Com respeito a arte applicada, sÛ direi, que tenho visto muito melhor do que aquillo. E acabou-se a resenha das minhas impressıes. Antes, porÈm, de fechar este despretencioso artigo uma, como que nota final. Eil-a: Uma coisa urge fazer de futuro em exposiÁıes congÈneres. Destacar em grupos definidos os artistas e os amadores; a cada um o seu logar. Poder„o mais facilmente ser apreciados os seus trabalhos, e n„o teremos ao primeiro relance uma impress„o t„o m·. Aproveitam todos mais, os artistas, porque juntos, ver-se-h„o obrigados a applicar todas as suas aptidıes para se destacarem uns dos outros: os amadores, no seu modo de fazer um pouco _gauche_, n„o ter„o o confronto dos quadros dos mestres que, quasi sempre, os esmagam. Assim, ao entrar n'um _Salon_ tanto o critico d'arte, como o amador ou o indifferente, saber·, logo o desconto que tem a dar aos trabalhos, dos que comeÁam, ou fazem arte para entreter e n„o far· injustas apreciaÁıes. Este, È o meu modo de vÍr e penso bem que os proprios artistas me acompanhar„o n'elle. Quando porÈm um amador se impozer pelos seus trabalhos, como os de Alberto Ayres de Gouveia, ent„o que entre desassombradamente no gremio dos artistas e que se sujeite · critica rigorosa dos que sabem do assumpto. Emquanto assim n„o acontecer, estas exposiÁıes n„o ter„o um caracter definido, n„o ter„o o ar correcto d'um verdadeiro _Salon_. Dar-nos-h„o simplesmente a impress„o da sala d'um burguez endinheirado, que finge ter gosto pela Arte. Ahi fica a impress„o que me deixou a visita feita · ExposiÁ„o de Pintura do Pateo da Misericordia. Dezembro de 1902. [Figura: Panneaux decorativo na Sala da Bolsa do Porto--VELLOSO SALGADO] PINTORES PORTUENSES [Figura: Eduardo Moura] [Figura: JosÈ Teixeira Lopes] [Figura: Julio Ramos] [Figura: Candido da Cunha] XI Uma ExposiÁ„o de Aguarellas ORGANISADA por AMADORES N'um dos salıes do Palacio de Crystal, acaba de ser aberta uma ExposiÁ„o de Pintura, onde o professor portuense de desenho Joaquim Marinho e suas discipulas, sujeitam · apreciaÁ„o do publico os seus trabalhos. Fui, como È meu costume, vÍr a ExposiÁ„o, sem a preoccupaÁ„o de critico d'Arte, como um bom _vivant_, um mero collecionador, affeito um pouco a vÍr com os olhos do espirito, alÈm dos olhos da cara. N„o terei portanto aqui, n'este modesto _compte-rendu_, phrases empulgantes, nem sentenÁas judiciosas sobre os trabalhos expostos. Modesto ser· o meu artigo como modestos s„o os expositores. Deixo aos outros, aos que sabem de tudo, aos que chamam a quadros a oleo _cromolytographias_, essa extraordinaria tarefa de dizer muito e retumbante, sem dizer nada. [Figura: Joaquim Marinho] Fui, como disse acima, vÍr a ExposiÁ„o e gostei; entre os quadros expostos ha alguns que destacam, como manifestaÁıes de estudo e talento. N„o farei a resenha detalhada d'elles, nada d'isso, sÛmente indicarei os que mais fundamente me impressionaram. Est„o n'este caso, como decorativos, os apreciaveis trabalhos a pastel de Joaquim Marinho, _A Camponeza_, e os de D. Zulmira Almeida e D. Izolina B. S·, _ImitaÁıes de azulejos_. S„o de completa novidade, dando uma nota fulgurante de boa concepÁ„o e execuÁ„o. Estas duas senhoras, entre varios outros trabalhos, teem mais, a primeira, duas paisagens em pastel, magnificas; a segunda, uma marinha muito acceitavel. Ha mais uma _CabeÁa de creanÁa_ (pastel) de D. Maria Leonor, que me impressionou deliciosamente. Esta senhora expoz tambem dous outros quadros, (paÌsagens), tambem a pastel, muito interessantes. D. Guilhermina Marinho, com os seus estudos a aguarella, revela-se-nos uma amadora distincta e conscienciosa; destacarei d'entre elles os _Recuerdo del Paiz Vicino_, (interessante scena de bailado em Andaluzia) e _Rapaz de Aveiro_. Primorosos. [Figura: Paisagem--Aguarella de J. TEIXEIRA LOPES] D. Maria Joaquina, d·-nos duas pequeninas impressıes de Vizella, muito interessantes. Deixei para o fim propositadamente o fallar do professor. Este, expıe, entre outros, um quadro que eu admiro pelo modo como est· feito. … um trabalho a carv„o de grandes dimensıes e chama-se a _Batalha de Malmaison_. Todo aquelle cÈu est· bem trabalhado e cuidadosamente desenhado. … magnifico. Tem tambem tres trabalhos a carv„o, em madeira, que s„o interessantes e apresentam muita novidade. Um d'elles especialmente _Um boi_, est· magnificamente bem feito. N„o me alargo mais n'este meu modesto artigo, mas ao terminar n„o posso deixar de manifestar aqui o meu applauso ao iniciador d'este certamen d'Arte, animando-o a que continue a mimosear-nos com exposiÁıes como esta, que distrahem a vista e consolam a nossa alma, farta das ignominiosas scenas, que v„o por esta terra. Aquillo È como um banho santo ao nosso espirito enervado e doentio. Parabens, pois, pela sua exposiÁ„o. Novembro de 1900 [Figura: CabeÁa de estudo--Pastel de JOS… de BRITO] XII PINTORES PORTUENSES THOMAZ DE MOURA Eu sou d'estes sujeitos que gosto muito de vÍr e de apreciar tudo quanto de Arte apparece no nosso restricto meio, e por isso fui ha dous dias atÈ · Photographia Guedes, visitar a exposiÁ„o de quadros de Thomaz de Moura. Conhecia j· este artista d'uma exposiÁ„o, que em Lisboa se realisara, nas salas da Sociedade Nacional de Bellas Artes e onde elle concorrera com sete quadros. N'essa occasi„o e em um jornal da capital tive occasi„o de manifestar a impress„o que ent„o recebera dos seus trabalhos. Hoje, porÈm, que elle no Porto se nos apresenta, n„o È muito, que, mais uma vez, me occupe dos seus trabalhos, n'uma rapida noticia, sem philosophia d'arte nem detalhes de apreciaÁ„o, mas unicamente n'uma resenha breve e simples do que vi. [Figura: Thomaz de Moura] Na sala do nosso amigo Guedes de Oliveira, esse bello rapaz, amigo dedicado dos artistas e t„o artista como elles, reune Thomaz de Moura 39 trabalhos, que d„o a nota verdadeiramente accentuada do seu temperamento artistico. Talvez, porque a sua alma seja d'um contemplativo, ou d'um triste, ha nos seus quadros um quer que seja de nostalgico e de sugestivo. N„o È d'aquelles pintores que distribuem, ·s pinceladas, nos seus quadros, as tintas fortes e vibrantes; os vermelhos carmins e ocres amarellos. N„o, enche as suas telas d'umas tintas doces e melancholicas. Depois ha ali muita paisagem dos paizes brumosos, trabalhos que elle executou l· por fÛra nas suas viagens de estudo. E a paisagem da FranÁa e da Bretanha, essa paisagem, È muito differente da nossa. L·, n„o se encontra um cÈu como o nosso, claro e limpido, onde as aves passam n'um vÙo chilreante de alegria, o sol de l·, como que apparece envolvido em gaze, n„o È retumbante e claro como o nosso e as tonalidades da vegetaÁ„o tem aqui um forte destaque de frescura que falta n'esses paizes. E, È talvez d'isso que se sente o nosso artista. Mas, quando elle retratar a nossa paisagem, esse Minho encantador, ent„o, vel-o-hemos accentuar perfeitamente as nossas cÙres e nosso tom. Algumas das telas apresentadas j· s„o da nossa paisagem, mas, vistas um pouco ainda com a vista habituada ao cinzento das paisagens bret„s, d'ahi o n„o terem a nitidez accentuada da paisagem portugueza. D'entre todas essas telas destacarei para mim como a mais subtilmente inspirativa--_Christo lamentando Jerusalem_, de linhas definidas embora, em esquicio, de uma concepÁ„o bella, d'um effeito sentimental e de uma suave express„o. _Os cuidados de m„e_, que eu j· conhecia, s„o um estudo de interior que revela muito saber e muita observaÁ„o. _O fim da tarde_, delicioso poente, onde o cÈu tingindo-se de vermelho, d· ao quadro uma inspiraÁ„o suave do quer que seja de poesia lyrica. _No limiar da porta_, bella cabeÁa de rapariga, d'um olhar aveludado e triste, de quem espera por alguem; talvez pelo seu namorado. No _CabeÁa de rapariga bret„_, ha a mesma serenidade que no _Limiar_. _Um caminho_, È um bello retalho de aldeia, um caminhosito tortuoso coberto por uma frondosa ramaria. Appetece descanÁar um pouco, ali, apÛs um largo passeio. _Os casebres de Alfena_, _O lavadouro_ (Guisec), _AÁudes_ (Vizella), _Ribeira de Pont d'AbbÈ_, e mais outros ainda, s„o manchas tocadas com primor e com muita proficiencia. _Os pequenos marinheiros_, È um quadro onde se revela d'uma maneira accentuadamente definida a disposiÁ„o que Thomaz de Moura tem para a figura. Os dous rapazes est„o perfeitamente desenhados e sahem da tela accentuadamente. Ha um quadrosito tambem notavel, È o _Nos campos_, um pequeno sentado sobre a relva parece desfolhar malmequeres emquanto ao fundo, sob um traÁo de luz, pastam dous mansos bois, È inegavelmente um dos mais apreciaveis trabalhos expostos. Mais largo poderia e deveria ser este _compte-rendu_ da exposiÁ„o, mas eu prometti apenas uma ligeira noticia, e as minhas aptidıes criticas n„o d„o para mais. E ao acabar permitta-me Thomaz de Moura, que lhe signifique n'estas rapidas linhas a magnifica impress„o que me deixou a visita que fiz · sua exposiÁ„o. 1904. [Figura: Panneaux decorativo na Sala da Bolsa no Porto--VELLOSO SALGADO] XIII AMADORES PORTUENSES D. JOANNA ANDRESSEN SILVA Sinceramente e no mais grato dos respeitos vou deixar em breves linhas as minhas impressıes sobre o merito artistico d'esta illustre senhora, amadora distincta d'esculptura, illustre pelo talento e pela fidalguia do caracter, um caracter d'oiro, propenso ao bem, cheio de fÈ e de bondade. [Figura: D. Joanna Andressen Silva] Eu sei que biographar um amador È trabalho de certo folego, muito especialmente quando o amador È distincto, como esta illustre senhora; mas eu n„o venho com mais largas ideias que fazer uma simples resenha dos seus trabalhos, resenha esta que servir· ao mesmo tempo de ligeira nota de carteira da visita que fiz ha dias ao seu atelier. A isso, sÛ a isso, me abalanÁo, convencido de que cumprindo um dever de cortezia presto ao publico, ao que aprecia as manifestaÁıes d'Arte, um interessante e util favor. N„o me alargarei em detalhes minuciosos do grande problema--a _Arte_. Rapidamente, aqui e alli, tocarei aquellas notas, que veja de mais necessidade ferir, para completo comprehendimento do assumpto. N'esta altura, cabia perfeitamente, como preambulo a estes _pseudo-perfis_, uma larga tirada sobre _Escolas d'Arte_, _EvoluÁıes da Arte_, _Variedade de gostos artisticos_, _Papel moral da Arte_, etc. N„o enveredarei por esse caminho, deixo esse estudo aos outros, aos que com mais direito e mais conhecimentos possam fallar do assumpto. Sou apenas uma especie de _reporter artistico_, que vem sempre que d'isso tem occasi„o, trazer a noticia d'um amador que se torna notado, d'um artista que est· em fÛco, d'um atelier que se recommenda pela sua disposiÁ„o e pelo _recheio_, e d'um _salon_ que se abre em exposiÁ„o de trabalhos _isolados_ ou _collectivos_. [Figura: Sal„o do palacete de D. Joanna Andressen Silva] Feitas as precisas explicaÁıes, vou dar principio · minha singela narraÁ„o, sem balofas adjectivaÁıes e sem assumir o ar solemne e grave de _Pater Magister_. Serei simples e breve como convem aos que escrevem para todos: para os que se embrenham nos profundos e intrincados problemas sociaes e artisticos e para aquelles que sÛ sabem ler. Farei portanto todo o possivel para que facilmente me faÁa compreender e alguma coisa de util, traga, ao fim, em bem da Arte. Foi n'uma manh„ formosissima, de sol forte e claro que fiz a minha primeira visita ao atelier da Ex.^{ma} Snr.^a D. Joanna Leheman Andressen Silva. Ao fundo da Rua Antonio Cardoso, rua que partindo da formosa Avenida da Boa-Vista, vae findar no Campo Alegre, fica o sumptuoso palacete onde reside esta talentosa amadora. A vivenda sÛ em si È um encanto. A bella casa, circumdada de formosos parques e jardins, tem um aspecto grandioso e rico que se impıe. Os jardins e o parque que a rodeiam s„o deliciosos trechos onde as musas predilectas bafejam e inspiram os menos lyricos a compor deliciosas bucolicas e onde os menos artistas encontram retalhos de paisagem encantadora e suggestiva para transplantar · tela. Eu n„o posso fallar d'essa paisagem adoravel que me n„o sinta enlevado pelos seus encantos naturaes. Como È bello tudo quanto d'alli se avista! Como È soberbo todo esse quadro immenso, cheio de vida e de luz, deixando-nos apreciar por momentos o bulicio da cidade, a serenidade das aguas do Douro, que serpeia l· em baixo, a agitaÁ„o continua do mar, cujas ondas se vem ao longe n'um revolutear continuo, e a tranquilidade da vida alde„, que se adivinha com as primeiras casinhas que se descobrem do outro lado, no Monte das Ch„s!... [Figura: Canto do Atelier] Transpostos o jardim e o parque entra-se n'uma ampla galeria, onde, _bibelots_ caros e artisticos se juntam n'uma delicada confus„o que contrasta com o fino do mobiliario e a riqueza das tapeÁarias. Apenas alli introduzido, logo me appareceu a distincta amadora, cheia de attenÁıes e cuidados que encantam, convidando-me a visitar o seu atelier. Acedi da melhor vontade e caminhei vagarosamente encantado pela conversa fluente e interessante da illustre senhora que tem a alma d'uma fina artista e a virtude d'uma delicada e cuidadosa dona de casa. N'essa passagem atravez de todo o interior formoso e confortavel da habitaÁ„o, passagem que fiz com a religiosa uncÁ„o de quem visita um museu intimo, tive a grata ventura de pousar a vista em admiraveis trabalhos de Antonio Teixeira Lopes, Marques d'Oliveira, Julio Costa, Julio Ramos, Candido da Cunha e muitos outros, e entre estes alguns dos mais consagrados artistas estrangeiros. [Figura: Busto de mademoiselle Eliza Andressen] E tudo isto, todo este batalh„o de Arte se espalha pela casa, gentilmente, nos seus logares proprios, n'uma bem estudada escolha de luz. Entramos na sala de jantar depois de termos atravessado o sal„o de baile. Maravilhou-me a magnificencia das pratas, das louÁas e dos crystaes, mas acima de tudo a confecÁ„o e o estylo do mobiliario. Avancei uma pergunta:---´Quem fÙra o auctor d'aquella maravilha? Quem a desenhara?ª E a distincta amadora, sorrindo, contou-me a historia d'aquella mobilia, dizendo n'uma adoravel simplicidade que para a sua execuÁ„o fizera dous desenhos; um era aquelle, o outro, mais decorativo, mais cheio de flores, fÙra posto de parte porque seu primeiro marido n„o gostara d'elle.--´E eu tambemª, concluiu a illustre amadora. Assim devia ser, porque, por mais formoso que o outro fÙsse, aquelle desenho que alli estava, com certeza o havia de supplantar, porque È uma verdadeira maravilha de Arte, quer em concepÁ„o, quer em execuÁ„o. Em seguida atravessamos o jardim, onde brincavam os filhinhos de D. Joanna, e passamos ao atelier. … este construido sob a sombra protectora e amiga d'algumas bellas arvores; banha-o de luz intensissima uma larga janella que l· do alto se abre para a estrada. Uma vez alli dentro, analisei detidamente tudo o que l· se achava, desde o mais insignificante desenho atÈ · mais bem lanÁada esculptura, desde a mais pequena revista atÈ ao mais precioso livro de Arte. E apoz isto, entrei n'um largo inquerito. Sentados n'uns artisticos escabelos, conversamos um pouco sobre arte, discutimos escolas e processos, analisamos rapidamente trabalhos que conheciamos de memoria e por ultimo fallamos da educaÁ„o artistica da nossa gente. N'esta altura averiguei que D. Joanna desde creanÁa revelara uma grande disposiÁ„o para a esculptura. Seu pae, um bom e honrado negociante allem„o, que viera para o Porto estabelecer-se, pratico como era, costumava brindar seus filhos com livros de desenho, que mandava vir d'Allemanha. D. Joanna toda se enthusiasmava com esses brindes, que collecionava cuidadosamente e d'onde fazia copias para estudos, revelando desde essa epocha uma vocaÁ„o especial para o desenho. [Figura: Busto de mademoiselle Ramos Pinto] Quando menina teve como professora Madame Bizarro, que bem conhecida foi no Porto pelos seus trabalhos em miniatura e bordados. Foi, portanto, sob a direcÁ„o d'esta desenhista correcta e sabedora que ella comeÁou a seguir verdadeiramente o caminho da Arte. Depois, foi por algum tempo para a Allemanha, e ahi, vivendo na intimidade da familia Katzenstein, teve occasi„o de acompanhar muito de perto e receber mesmo indicaÁıes utilissimas do conhecido pintor Katzenstein, irm„o do Consul d'Allemanha n'esta cidade. Durante essa epocha D. Joanna amavelmente _pousou_ para modelo de algumas das figuras dos quadros d'esse excellente artista, j· por vezes devidamente apreciado no Porto, por quadros de certo merecimento artistico, que tem exposto em varios certamens a que tem concorrido. Com estes dois impulsionadores, Madame Bizarro e Katzenstein, D. Joanna volta a Portugal, cheia d'uma grande boa vontade de ser alguma coisa mais do que a vulgaridade no nosso meio artistico. E para isso chama para lhe completar a educaÁ„o d'arte dous dos mais notaveis artistas e mais insignes professores: Marques d'Oliveira, o paisagista sabedor e poetico e Teixeira Lopes o genial estatuario, cujo nome È uma verdadeira gloria da Arte Nacional. E, recebendo liÁıes d'um e d'outro com um aproveitamento pouco vulgar, D. Joanna revela-se n„o uma amadora distincta, mas uma distinctissima artista. Affirmam-no exuberantemente os seus trabalhos, internecedores pelo encanto com que s„o concebidos e executados. [Figura: Busto de Mademoiselle Maria Joanna Andressen] D'alguns d'esses magnificos trabalhos v„o aqui photogravuras, pelas quaes facilmente se vÍ que aquillo que affirmo n„o È sen„o a sentida express„o da verdade. Na photogravura _Recanto de atelier_, ha uma figurita sobre a meza, _maquette_ de um trabalho em tamanho natural, e que se intitula _Rapaz jogando a malha_, que È um assombro de bem executado. Entre os gessos que ornam o atelier ha um que merece especial mens„o. … um _Christo na Cruz_ original do grande e saudoso Soares dos Reis. Nos trabalhos de D. Joanna salientam-se duas _CabeÁas de rapazes_, bustos de dois filhos seus, mas dos quaes por motivos especiaes n„o pude obter photographia. Parecer· ao leitor que quem executa t„o bellos trabalhos n„o necessita mais de professor; n„o o entende assim D. Joanna e, n'essas condiÁıes, como quer ser tambem alem de esculptura uma pintora distincta, ouve e recebe orientaÁıes e liÁıes do velho Costa, o meu querido amigo Antonio JosÈ da Costa, o artista que mais linda e sabiamente pinta flores em Portugal. … desnecessario proseguir. J· fica dito o bastante sobre as impressıes recebidas na primeira visita que fiz ao atelier de D. Joanna Leheman Andressen Silva, n'essa manh„ deliciosa, de que conservo as mais gratas recordaÁıes, n„o sÛ pelo prazer de avaliar de perto os superiores trabalhos d'essa illustre amadora, mas muito especialmente pelas preclaras virtudes do seu caracter delicado e requintadamente attencioso. Ficarei por aqui, convencido de que a critica sincera e desapaixonada, dos Mestres d'esta boa terra portugueza, hade dizer mais e melhor, sobre os meritos artisticos da illustre senhora a quem acabo de referir-me, quando um dia tiver de apreciar devidamente os seus trabalhos. [Figura: Guarda fiel--ANTONIO JOS… da COSTA] XIV PINTORES PORTUENSES ANTONIO JOS… DA COSTA Ha nomes que, em qualquer parte que se pronunciem, se impıem · consideraÁ„o de todos nÛs. O que encima este artigo È um d'elles. Como homem e como pintor Antonio JosÈ da Costa deve ser respeitado e admirado. Como homem porque È um cavalheiro em toda a acepÁ„o da palavra; como pintor porque È um mestre. [Figura: Antonio JosÈ da Costa] … muito grande a minha ousadia, em tentar desenhar, n'um pequeno artigo, uma figura culminante da pintura em Portugal; e n„o vos admireis, leitores amigos, que eu diga isto, nem julgueis que, ao afirmal-o, queira empanar a gloria de muitos dos nossos pintores. N„o. Se considero Antonio JosÈ da Costa um grande artista, n„o quer isto dizer que o julgue maior que alguns outros, mas simplesmente accentuar que elle È um dos grandes artistas da pintura em Portugal. Para mais ao deante reservaremos o fallar d'esses artistas, grandes como este ou talvez ainda mais, mas, cada um no seu genero. N„o quero, nem procuro saber quando e como È que Antonio Costa se fez pintor: o que tento È provar que elle hoje È, em Portugal, um soberbo paisagista e o primeiro pintor de flores. E se conseguir isto parece-me que terei dado o meu tempo por bem empregado. Que o mais facil e o mais demonstrativo seria dizer: vÍde esses quadros de que vos dou a gravura; vizitae as muitas casas de amadores onde elles est„o espalhados: vizitae as exposiÁıes onde elles apparecem; ide ao atelier do artista e ficareis convencidos d'esta verdade indiscutivel. [Figura: Rosas e Peonias--ANTONIO JOS… da COSTA] Mas isso È infelizmente impossivel; os amadores que possuem quadros, com raras excepÁıes, fazem monopolio dos trabalhos que compram, parecendo ter medo que os outros, sÛ de lh'os verem, lh'os damnifiquem. E o artista mora l· para Bellos Ares, t„o longe do centro da cidade, que, chegados ao seu atelier, o canÁaÁo seria tanto que n„o vos deixaria vÍr com a devida attenÁ„o, as lindas coisas que elle vos mostraria. DescanÁai pois que eu,--dando-vos, a traÁos largos, um relato da obra do artista--vou privar-vos da fadiga d'essa romagem. * * * * * Para a pintura como para todas as demais manifestaÁıes da Arte È necessario, em logar primordial, a disposiÁ„o natural do individuo. N„o basta sÛ a boa vontade. Mas quando esta se alia ·quella ent„o tem-se realisado o supremo ideal, e, embora diga o ditado que ´querer È poderª n'este caso esse ditado falha porque muitos artistas conheÁo eu de muito boa vontade e que querem chegar a onde v„o os mestres e nunca l· chegam. E porque? Porque lhe falta a _bossa_ artistica, a disposiÁ„o natural. [Figura: Outros tempos. (EsboÁo)--ANTONIO JOS… da COSTA] Ora com Antonio Costa d·-se o caso de elle ter, alem da sua grande boa vontade, a intuiÁ„o, a disposiÁ„o natural para a pintura. … um paisagista, com uma vista perspicaz de observador, que, ao tracejar um estudo, faz resaltar logo a nota caracteristica e determinante do assumpto. E ao olhar esse estudo, no conjuncto de cores e de tons, nÛs temos a impress„o completa e perfeita do que elle queria dizer nos seus quadros. Dous esboÁos acompanham este trabalho, e ambos demonstram sobejamente o movimentado assumpto, que nos seria revelado pelos quadros, se elles tivessem tido completa execuÁ„o. No primeiro, que chamarei _Outros tempos_ e que tem o duplo interesse de ser um repositorio de figuras conhecidas e muito populares no Porto, taes como o Dr. Pimentel, pae do escriptor Alberto Pimentel, o Amorim Vianna, o professor Jo„o Correia, o pintor Rezende, o Brown, etc., que, na janella e na rua, assistem ao desfilar do regimento onde estamos a vÍr perfeitamente o ar aguerrido e os jogos malabares d'esse grupo de porta-machados e seu tambor-mÛr que, descendo pela rua da SovÈla abaixo viram para o seu lado direito, para a travessa de Cedofeita, n'uma cadencia de marche-marche. E na massa quasi informe que os segue ha a intuiÁ„o caracteristica do grosso do regimento. [Figura: No Pinhal. (EsboÁo)--ANTONIO JOS… da COSTA] No outro, n'um pinheiral esguio, onde bate o sol, veem-se duas figuras por determinar, estando uma com seu guarda-sol aberto; o terreno È empastado e ha no horisonte um quer que seja que nos diz que ali È o mar. Mas nada d'isto est· definido, nada disto est· executado e, no entanto, nÛs vemos perfeitamente n'aquellas manchas que o quadro seria assim. Ora esta particularidade, este modo de fazer os estudos È que sÛ È peculiar a quem nasceu para ser artista, e Antonio Costa È-o e em alto grau. Depois, como desenha admiravelmente e possue essa grande propriedade de saber vÍr os motivos a pintar, d'um pequeno retalho de paisagem, d'uma cancella, d'um casebre tosco, d'um port„o de Quinta, d'um _nada_, faz um quadro que È sempre um encanto. Muitos e muitos s„o os seus trabalhos n'este genero. E mesmo n'aquelles, que a critica n„o acha completamente bons, ha sempre alguma cousa, muito atÈ, que È excelente. Por acaso tenho aqui na minha frente um jornal de 1893 onde um dos nossos criticos d'arte de mais cotaÁ„o no Porto, diz o seguinte a respeito d'um quadro de Antonio Costa, _Portaes do Mar„o_: ´… um pedaÁo de pintura feito com uma sinceridade emovidissima de sensaÁ„o e uma franca acÁ„o de pincel; em toda a obra do pintor portuense eu separo esta como a que melhor denuncÌa o seu talento por vezes desigual, com caprichos de intermitencia, mas talento legitimo testemunhado nos intervalos de superioridade com um explendido entono glorioso...ª Ora este attestado passado ha onze annos ao meu perfilado È a confirmaÁ„o do que venho dizendo, e como na arte n„o È vulgar andar-se para traz, mas sim cada vez mais aperfeiÁoar-se, cada vez mais estou na minha, que, se elle n'esse tempo era um bom artista, hoje È um grande artista. [Figura: Camelias--ANTONIO JOS… da COSTA] Mas, Antonio JosÈ da Costa que, alem de pintor, tem o quer que seja de floricultor, um dia, ao cuidar das suas camelias, dos seus chrisanthemos e das suas rosas, resolveu, tal como as via, transplantal-as · tela, em pintura; e, com o seu muito saber e o seu arreigado gosto artistico, comeÁou de nos dar quadros t„o admiravelmente lindos e frescos como as flores que cultivava, e assim se fez o deslumbrante pintor de flores que agora È. Ha no espirito de muita gente que pinta, a crenÁa de que as flores s„o de facil execuÁ„o e d'ahi esse enxame de amadores, que nos surge de todos os lados desatando a copiar flores dos modelos que a FranÁa e a Allemanha nos exporta continuamente. E pintam flores... mas que flores, Santo Deus!!!! Para pintar flores È necessario ter na paleta alem das tintas fortes e vivas... um certo quÍ de orvalho, um pouco de sol e uma porÁ„o de ether, esse fino fluido que nos cerca. Ora isto È que sÛ elle tem, sÛ elle possue. [Figura: Junquilhos e Camelias--ANTONIO JOS… da COSTA] As suas camellias s„o t„o frescas e t„o carnosas que temos a impress„o de que, se as tocassemos, ellas amareleciam tal qual as naturaes. Os seus chrisanthemos, na variadissima e arrevesada forma das suas petalas, parecem sair da tela em contorneaÁıes exoticas, envolvidos no tal ether em que fallei mais acima. E as suas rosas, d'uma frescura e d'uma suavidade unica, ora aveludadas como seios de mulheres lindas, ora transparentes como gottas de orvalho, s„o admiraveis; parece atÈ exalarem, em delicias, o aroma que lhes È t„o caracteristico. Em todas as suas flores emfim, existe o supra-summo da verdade e da perfeiÁ„o... Ao olhal-as n„o nos julgamos em frente d'um quadro, julgamo-nos n'um jardim... Mas n„o s„o sÛ flores que elle pinta deliciosamente. As fructas, tambem s„o tratadas por este artista com o mais desvelado e carinhoso amor. ConheÁo alguns quadros n'este genero que s„o um verdadeiro assombro. Melhor do que eu porÈm fallam as gravuras publicadas no _Portugal Artistico_, reproducÁ„o de alguns quadros de Antonio JosÈ da Costa. E julgo ter assim cumprido o meu dever de homenagem a um artista respeitado e querido. 1904. [Figura: Junto ao Cruzeiro--ANTONIO JOS… da COSTA] XV EM FRENTE D'UM CARTAZ!... CHRONICA DO "MONITOR" Antes de entrar no assumpto da minha Chronica, duas palavras de desculpa. N„o appareci na ultima semana porque estive com as _maleitas_, um diabo d'umas febres que apanhei quando era rapaz e ia brincar para os campos do Cyrne, alli para os lados do Reym„o. Pois essas _maleitas_, vieram atacar-me traiÁoeiramente, como costumam, e quando eu me dispunha a escrever a Chronica tive de me enfiar em _vale de lenÁoes_ a tremel-as... Um martyrio, que nem o leitor imagina. Unica raz„o porque Vossas Excellencias se viram livres da minha proza a semana passada. Hoje, porÈm, n„o escapam. Estou agora fino como um pÍro e muito _bravo_. Portanto, se virem que arranco da espada com valentia, n„o vos afflijaes, porque ella È de _cortiÁa_, como era a da _JustiÁa_, para matar a _CarriÁa_... Ora pois, como a espada È de cortiÁa, n„o corta, o mais que pode fazer È arrolhar. Adiante. No alto d'este arrazoado escrevi eu:--_Em frente d'um cartaz_!...--E sabeis a que cartaz me refiro? N„o sabeis? Pois ides sabel-o. Ao cartaz executado por Juli„o Machado para reclame aos festejos carnavalescos no Porto. --Porque vai elle dedicar uma Chronica a este cartaz, perguntar„o l· de si para comsigo os leitores? --Por um simples motivo, meus senhores, porque entendo, que aquillo est· muito longe de ser o que se desejava. Juli„o Machado È, inegavelmente, um bom artista, mas, d'esta vez, no trabalho apresentado deixou muito a desejar. N„o quer isto dizer que elle esteja mal feito, mal desenhado, mal colorido; n„o, o que quer dizer È que n„o era aquillo que se queria. Que se queria, n„o digo bem; que eu queria e a maior parte do publico. Aquillo, È um lindo desenho, para figurar em ponto pequeno, em uma pagina de revista, na capa d'um livro, ou ainda dum reclame-programma, para distribuir nos theatros, ou na rua. Finura de traÁo, cuidado de desenho, doÁura de cores... tudo alli ha; mas, faltam-lhe os requisitos essenciaes para o verdadeiro cartaz: largueza de traÁo, cÙres fortes e retumbantes, cÙres, que collocadas pelas paredes, tilintassem como crystaes que se partem, retumbassem como trovıes, vibrassem como clarins, ou refulgissem como o sol. [Figura: Cartaz--JULI√O MACHADO] Acima de tudo isso, era preciso que tivesse o caracter genuinamente portuguez, que infelizmente n„o tem. As figuras passam n'elle como se fossem a reproduÁ„o d'uma festa em pleno Paris---o _Boi gordo_, por exemplo. Unicamente, como nota portugueza, no primeiro plano um busto de _lavradeira_, e l· entre essa multid„o apenas um _capote e lenÁo_, como que querendo fugir para fÛra do traÁo delimitador do caixilho, talvez embaÁado de se vÍr seguido por tanta gente, que elle nem sabe quem È. Os nossos mascaras caracteristicos, os _chechÈs_, os _lavradores_, os _bebÈs_, os _gallegos_, etc., etc., que davam a nota definida do nosso carnaval, esses, fugiram n'um desespero de se verem amarfanhados n'aquella _pele-mele_ de mulheres em _maillot_, e mascaras que nÛs n„o conhecemos. Mas a culpa n„o foi do artista. Elle viu assim o carnaval; viu n'aquella _cocote_ fina e delicada, que o _pierrot_ leva sobre o grande bombo, a _Folia portugueza_, e enganou-se!... A _Folia portugueza_ n„o È assim t„o fina e quasi ingenua, È muito mais expressiva, mais valente, de gesto largo e de fundas gargalhadas, atirando um grande punhado de _bombons_ ou um _bouquet_ de violetas, com ar de quem n„o est· a estudar posiÁıes ao espelho, despreoccupadamente... No meu entender, Juli„o Machado n„o realisou o verdadeiro programma. Depois, ha alli qualquer coisa a mais, e que infelizmente me entristece: È vÍr suspensas da m„o da Folia, como se fossem duas grandes bexigas, as mascaras da Russia e do Jap„o. N„o acho de grande intuiÁ„o artistica aquellas duas figuras n'aquelle logar. Quando duas grandes naÁıes se degladiam n'uma sangrentissima guerra, exquisito È que se aproveite esse caso para que, como n'um ridiculo de troÁa, a _Folia_ atira sobre a multid„o que se diverte com essas duas grandes figuras. Mas... adeante; isso nem se discute. O cartaz ahi est·! … o que o publico pÛde vÍr! Agora, o que o publico n„o pode vÍr, È o cartaz que apresentou Manoel Monterroso, e È pena, porque se o visse havia de convencer-se de que este, como ninguem, comprehendeu qual o verdadeiro caracter que devia ter o cartaz. No cartaz d'este distincto amador, havia de tudo, bello desenho, cÙres retumbantes, e verdadeiro caracter portuguez. Depois, a concepÁ„o era genial, d'um bello artista. No seu trabalho, uma verdadeira caricatura carnavalesca, revelava-se mais uma vez o seu espirito fino e observador e o seu traÁo caracteristico e definido. As figuras que elle apresentava, eram recrutadas no nosso meio, de genuina originalidade portugueza. Oh! mas esse n„o apparece. [Figura: Cartaz--MANUEL MONTERROSO] … que a commiss„o entendeu que devia premiar os dois e mandar executar sÛ um. E porque seria isto? Que entendedores fÙram os que determinaram resoluÁ„o t„o exotica? Porque n„o se far· a exposiÁ„o do outro cartaz? Cumpre ao Club, antes de apparecer em publico com o seu cortejo, fazer afixar o cartaz de Manoel Monterroso; sem isso ter· dado uma prova de favoritismo, de preferencia a um artista, com o fim, talvez de amesquinhar outro. E isso n„o È de pessoas que dirigem um Club cuja divisa È--_Pelo Porto_! Que appareÁa o cartaz de Monterroso, para que o publico o aprecie tal como elle merece, e para que se n„o fique julgando que o Carnaval ser· palido e desenchabido como o cartaz de Juli„o Machado. E que o artista me desculpe, que eu n„o lhe quero mal. Venho unicamente, como um dos mais sinceros amigos do Club Fenianos Portuenses, pugnar pelo bom nome do mesmo e pelo interesse do meu querido Porto, que se prepara briosamente para receber os milhares de forasteiros que ahi vir„o assistir ao carnaval, que deve ser maravilhoso. Janeiro de 1905. Nota--E o Club, depois do meu repto, deixou-se ficar muito calladinho com o cartaz de Monterroso e n„o o afixou. _O Janeiro_, porÈm, na TerÁa feira de Entrudo, em illustraÁıes do dia, deu-o em traÁo ligeiro. Apesar d'isso, eu, mais meticuloso e mais pratico, aproveito esta occasi„o para fazer inserir n'este logar os dous cartazes. Assim, o leitor ver· a justiÁa de meus dizeres e a sinceridade com que eu tracei estas ligeirissimas linhas. Elles ahi ficam expostos e o publico que os julgue como entender. XVI NA CRUZ Quadro de JULIO COSTA Eis ahi duas singelas palavras que envolvem um grandioso poema de dÙr, porque exprimem o final d'esse drama de soffrimento que passou Christo. E o pintor portuense Julio Costa, com o seu muito talento artistico, conseguiu transportar · tela todo esse sentimento, realisando um quadro que por si sÛ bastaria para fazer um nome, se elle de ha muito n„o estivesse feito. Esse quadro, estudado com um carinho adoravel de pintor de raÁa, com seus laivos de poeta lyrico, È admiravel de execuÁ„o e representa Christo no momento em que, erguendo ao ceu o olhar, dizia:--´Perdoai-lhes, Senhor, que elles n„o sabem o que fazemª. N'uma bem lanÁada cruz, que se destaca, em todo aquelle fundo tenebroso da noute tragica do Calvario, pende, deliciosamente desenhado, e admiravelmente tratado, um Christo que nos chama o olhar, n'uma contemplaÁ„o muda de admiraÁ„o e respeito. Que de cousas sentenciosas se poderiam dizer da sua execuÁ„o? Mas para que fazel-o, se o publico conhece bem o merito artistico do nosso amigo? E a Camara Municipal do Porto, que parece querer agora fazer qualquer cousa de bom a bem da arte portugueza, acaba de adquirir este bello trabalho, para o museu municipal. Quando os nossos leitores poderem admirar mais este soberbo quadro de Julio Costa, h„o de reconhecer que a apreciaÁ„o que d'elle faÁo nada tem de exagerada. [Figura: Na Cruz--Quadro de JULIO COSTA] 1902. XVII AMADORES PORTUENSES D. MARGARIDA RAMALHO Discipula de JULIO COSTA Tendo que traÁar algumas ligeiras palavras, para as Notas d'Arte, a respeito d'uma senhora, que, como amadora, se torna notavel na pintura, devo pedir venia, e formando um bello arco com lyrios e rozas enfeitar esta pagina. Depois, respeitosamente, com um certo ar · Antiga, pondo um pÈ atraz, fazer uma reverencia o mais gentilmente que possa, e estendendo a minha forte e grossa m„o de trabalhador honesto, pegar levemente nos dedos finos da delicada m„o d'essa senhora, e levando-a fidalgamente aos labios, beijar-lh'a, pedindo-lhe licenÁa para lhe dedicar duas phrases desataviadas, n'um pequenino artigo sobre o seu valor como amadora de pintura. Ella, sorrindo, naturalmente dir· que sim, e ent„o eu comeÁarei a escrever, cheio d'aquelle doce encanto que nos vem d'esses olhos vivos e d'um rosto lindo. [Figura: D. Margarida Ramalho] E que isto v· sem ar de madrigal, porque estou velho de mais j· para isso, e muito especialmente porque eu j· n„o sou sÛ... Adeante!... Comecemos pois, nada de perder tempo em rebuscamentos de estylo. Dentre a multid„o enorme de amadores de pintura, multid„o cujo calculo È impossivel fazer, ha alguns, n„o muitos que merecem especial menÁ„o, e que devem passar n'estas simples Notas d'Arte ao lado dos verdadeiros artistas, como affirmaÁ„o de que o talento, acaba por n„o distinguir uns dos outros. N„o pense o leitor que eu vou transplantar para aqui, todos os amadores de talento que ha na cidade da Virgem. Isso seria impossivel. Vou apenas apresentar-vos uns dous ou tres, com incitamentos para os outros. E a aprezentaÁ„o d'estes amadores, visa a dous fins:--animar os alumnos, na esperanÁa de se verem glorificados um dia publicamente, em lettra redonda e excitar os professores para que desde que encontrem nos seus discipulos aptidıes para o desenho e para a pintura, ou esculptura, os obriguem a destacar-se no nosso meio artistico. N„o devem portanto, os que n„o apparecem n'este livro, vÍr da minha parte, n'esta falta, o desejo de os n„o notar. N„o, n„o È assim; È que nos limites d'este volume n„o cabem todos, e por isso sÛ aqui aparecem aquelles com quem mais em contacto estou e de quem mais de perto conheÁo as obras. Se algum dia porÈm eu voltar a publicar outro volume como este, ent„o dedicar-lhes-hei uma grande parte d'elle e alli apparecer„o todos os amadores, que o mereÁam, est· bem de ver. E, n„o me deixava eu alargar por ahi abaixo em salamalekes para os amadores da pintura, sem me lembrar, quasi, que tinha que dedicar estas paginas a uma senhora? Queira V. Ex.^a desculpar, minha senhora, e entremos no nosso assumpto. --Como foi que eu conheci pessoalmente esta senhora, que de ha muito conhecia de nome? Vou explical-o. ¡s noutes reuno-me muitas vezes com o velho amigo Julio Costa e discutimos muitos e variados casos. Entre essas conversas muitas vezes nos entretemos a fallar de Arte. N'uma d'essas occasiıes, discutindo aptidıes de alumnos, Julio Costa fallou-me largamente d'esta sua discipula, que mostrava uma disposiÁ„o especial definida para a pintura. Era, n„o uma d'estas senhoras, que se prendeu em simples bibelotagem d'Arte, mas, que, uma vez dada a estudar, queria ir para deante. Julio Costa afeiÁoou-se a esta discipula e dedica-lhe uma especial estima. Uma noute, depois d'uma d'essas conversas muito vulgares entre nÛs, disse-me Julio Costa:--VocÍ sabe, Lemos, fallei em si e na conversa d'hontem · minha discipula de Mattosinhos e manifestei-lhe o desejo que vocÍ tinha de visitar o seu pequenino atelier. --E ella que disse? --Que poderia ir quando quizesse, que bastava eu ter-lhe dito que tinha vontade que vocÍ visse os seus trabalhos, para immediatamente consentir; que eu, como professor, n„o lhe teria fallado n'ella, se n„o visse que ella tinha qualquer pequena coisa que merece apenas sÛ vÍr-se. E, confessava-me o Julio Costa: dizia isto t„o cheia de modestia t„o encantadoramente, que vocÍ deve l· ir e muito breve. --Pois vou l· no domingo. E fui. Era meio dia, quando me apeei do electrico, na alameda de Mattosinhos, mesmo · porta da caza onde mora D. Margarida Ramalho. A caza, com um doce aspecto de frescura, fica alcandorada um pouco acima do nivel da estrada, circundada por um jardimsito bem tractado e onde se ostentam bellas flores. Das janellas desfructa-se o rio LeÁa, que indolentemente se espreguiÁa, n'um _dulce far niente_, atÈ desaguar l· ao longe no mar, em Leixıes. E, quasi em frente das janellas, na alameda, entre a frondosa ramaria das arvores, a figura de Passos Manuel impassivel e serena, n'uma atitude de resignado ante a aluvi„o de zang„os, que por este tempo de ver„o se encarregam de zumbir de volta d'elle, como os _Passos_ d'hoje zumbem em volta da sua _Memoria_. Perdoe-me a gentil senhora, mas ao apear-me do electrico e ao olhar para aquella figura, fiz estas mesmas consideraÁıes. Pois bem, logo que cheguei subi ao jardim e bati docemente · porta. Veio abrir-m'a uma creadita loura, d'um louro acastanhado. Perguntei se D. Margarida estava e entreguei o meu cart„o de visita. Voltou dentro em pouco dizendo que sim, que podia passar · sala. Entrei. D. Margarida n„o se fez esperar. … uma senhora nova, baixinha, magrinha e muito loira, interessante como um lindo _biscuit_. Recebeu-me o mais amavelmente possivel. PeÁo-lhe desculpa do meu atrevimento mas o Julio Costa tinha me fallado d'ella com tanto interesse, que tinha immediatamente feito nascer no meu espirito de admirador do bello, procurar ensejo de ir ver os seus deliciosos quadros. Eram favores, do seu professor, dizia ella. Mas j· que tinha vindo ent„o sempre ia mostrar-me os seus trabalhos. Entrei no atelier, um recantosinho alegre onde ella estuda os seus assumptos e onde os pıe em execuÁ„o, depois de ter em pleno ar livre, feito os esquissos e os precizos estudos. [Figura: Castanheira--D. MARGARIDA RAMALHO] … no atelier que ella tem os seus melhores trabalhos, pousados artisticamente pelas paredes, todos elles com magnificas qualidades de cÙr. Aqui, È um quadro representando uma rapariga · porta d'uma taverna, com uma assadeira de castanhas, n'um taboleiro, castanhas j· assadas, e n'um cesto ao lado maÁ„s. No fogareiro da assadeira ainda restos de lume. A rapariga, d'uns doze annos, olhos azues, cabello louro, poderiamos dizer dourado. Uma express„o dolente, um ar pensativo e triste, talvez, quem sabe? com receio de que n„o appareÁam freguezes e ella tenha que levar tudo aquillo para casa, sem ter apurado vintem. Por detraz d'ella, vÍ-se uma grande pipa j· vazia, no fundo escuro. … um quadro bem tratado, cheio de um intimo sentimento. Alli, uma _CabeÁa de velho_, de barba branca amarellada e chapeu largo, È verdadeiramente interessante, feito com proficiencia, destaca deliciosamente da tela, e sente-se, que se a aragem passasse um pouco forte, aquella barba ondularia fluente e suave. Mais alem, n'uma boa e s„ frescura, de moÁa sadia, uma _Rapariga de Villar d'Andorinho_, com o seu typico chapeu de maÁanetas pretas, irradia vida e cÙr. Outros mais ainda, mas como nota final d'este recinto, um delicioso quadro que intitularei _Volta da fonte_. Uma rapariga muito esguia e muito fina desce uma rampa trazendo ao hombro um cantaro cheio de agua e isto por um sentimental fim de tarde. Em todos estes trabalhos se denota uma perfeita orientaÁ„o, um serio estudo. VÍ-se que D. Margarida Ramalho n„o È uma amadora vulgar, que se atira inconscientemente a executar a pintura, sem primeiro a ter estudado conscienciosamente. Alli ha valores, tonalidades, tons e meios tons, perspectiva, desenho, arte emfim. [Figura: CabeÁa de velho--D. MARGARIDA RAMALHO] SaÌ do lindo atelier depois de demorada vizita, e de agradavel conversa por onde pude concluir que havia j· 7 annos que estudava. Subindo a escada, no patamar encontram-se os seus primeiros estudos em dezenho, dos quaes destacarei como mais notaveis um _Perfil de Mulher_ e uma _CabeÁa de express„o_, de guerreiro. A todos esses trabalhos liga esta amadora uma especial predileÁ„o. A convite da illustre amadora entrei depois no seu _boudoir_, cheio do mais profundo respeito. Este quarto, mobilado com simplicidade, mas fino gosto, mereceu a minha attenÁ„o porque as suas paredes s„o decoradas delicadamente pela sua habitante. N'um enlevado sentimento de amor pela Arte, D. Margarida Ramalho, entendeu e muito bem, que no seu quarto de dormir ella devia reunir e patentear aos seus olhos alguma coiza que saindo do seu esforÁo artistico constantemente lhe desse um doce effluvio emotivo e agradavel, e ent„o traÁou em largos _panneaux_, com os seus finos pinceis, deliciosas artemizias e frescas e orvalhadas rozas. Um verdadeiro encanto. Ao tecto deu o collorido azul duma suave atmosphera, como um vago sonhar do ceu. E sobre a cabeceira do seu leito pintou uma linda composiÁ„o d'aquellas bellas flores--bons dias e boas noites, dentre as quaes pende um formozo Christo de marfim. Quando o quarto estava completamente pintado, D. Margarida pediu ao seu professor que lhe pintasse alli qual couza que podesse, dizia ella, dar um ar de grandeza ·quellas pobres flores. E Julio Costa, querendo ser agradavel · sua discipula porque vÍ n'ella uma verdadeira fanatica da Arte, e muito e muito a estima, pintou ent„o n'um v„o escuro da janella, um _Fim de tarde_. Numa larga planicie arida e muito extensa, l· ao fundo, o sol cae, e ao esconder-se deixa um tom alaranjado, donde saem fortes e espalhados raios dum vermelho intenso. E D. Margarida conta-nos tudo isto timidamente. Porque ella È uma timida. Tem um grande respeito pela Arte e esse respeito cria-lhe uma indiscriptivel duvida sobre o seu poder executante d'obras de largo folego. Fallei-lhe de trabalhos que conhecia de varios pintores e ella, como que se alterava, quando eu lhe dizia, que a achava com forÁas de tentar obras assim, e sÛ me respondia: Est· enganado, eu sei l· fazer tanto!... E apesar disso os seus trabalhos demonstram bem o contrario. … vulgar, segundo me diz o Julio Costa, ao apresentar-lhe um assumpto para tractar, ella dizer-lhe: Eu n„o faÁo isso, porque È muito difficil, muito difficil. Depois, principia a desenhar cheia dum grande escrupulo, sempre com medo de errar, chegando ao fim e tendo executado o desenho e depois a pintura em equilibrio muito estimavel e mesmo muito notavel. E ella faz isto tudo, porque admira intimamente a Arte e È uma doce adoradora do Bello. N„o se atreve ao mais difficil, sem consideraÁ„o, sem respeito, treme ante o mais modesto e o mais singelo trabalho, e por isso consegue ser notavel entre os amadores de pintura. Tinha feito a minha agradavel vizita e ia despedir-me, quando ao passar pela sala de visitas notei um bello piano. Atrevi mais uma pergunta:--Era ella tambem a amadora?... Era, e executando com talento. Rogada ent„o para se fazer ouvir, descerrou o piano, passou suavemente os dedos pelo teclado e soltou l· de dentro um primoroso _Nocturno de Chopin_, que me deixou no espirito a nota viva do seu grande amor · Musica. D. Margarida È uma _virtuose doublÈ_ de pianista e pintora. Disse-lhe adeus, e ao saÌr para tomar o electrico que me trouxesse ao Porto, abenÁoava o Julio Costa, que tinha conseguido que eu passasse duas horas deliciosamente. [Figura: Impress„o de Paris--CANDIDO da CUNHA] XVIII Novos quadros de ARTUR LOUREIRO I NO SEU ATELIER do PALACIO de CRYSTAL Os quadros que n'este momento se acham expostos no _atelier_ do delicado artista Arthur Loureiro, devem ser vistos com attenÁ„o, porque esses trabalhos fazem resaltar rapidamente todo o segredo emotivo. N„o s„o como certos quadros que precisam para serem comprehendidos uma intuiÁ„o especial e definida. N„o, nas telas de Loureiro logo nos resalta clara e ridente a verdade, tendo o grandioso merito de se incutirem no nosso espirito pelo espectaculo de linhas e de cÙres harmoniosas, de leves sensaÁıes, lembranÁas e sonhos que se misturam pouco a pouco com o prazer da impress„o visual. [Figura: ARTHUR LOUREIRO] Arthur Loureiro, inegavelmente, È um grande artista, e embora alguem n„o goste d'isso, È d'aquelles que aferrado ao seu trabalho lucta lealmente, sinceramente, na ideia firme e correcta de mostrar que sabe e que tem fundos recursos para grandes e luminosos emprehendimentos. Loureiro, embora o julguem um triste, um melancholico, n„o È d'aquelles que preferem o aroma resinoso dos bosques e o perfume das flores, na doÁura d'um crepusculo, na hora em que a nossa alma sobe tristemente ·s regiıes do ideal, e que os objectos se descoram e a paisagem toma uma attitude recolhida e quieta!... N„o, elle verdadeiro filho do norte, onde as raparigas, vermelhas como rom„s e os rapazes, valentes como heroes, cantam poemas sublimes de amor e de luz, n'uma musica altisonante e harmoniosamente alegre, elle, ama mais o grande sol de luz intensa e forte e o sussuro que nos d· a nitida impress„o da vida e do trabalho. E tudo isso se vÍ nos seus quadros, n'esses cincoenta trabalhos expostos, que s„o, como j· o disse um meu collega da imprensa, como que provas definidas para um concurso de Arte. Com aquelles documentos, Loureiro affirma que em todos os generos de pintura È um mestre. No retrato, na paisagem, na marinha, no estudo d'animaes, no genero decorativo, em todos elles o nosso artista se nos apresenta verdadeiramente grande. E sen„o, · _vol d'oiseau_, rapidamente, vejamos: _Os tigres_ que anatomia e que correcÁ„o; como se desenha t„o nitida e t„o visivelmente o traÁo de todo aquelle animal n'uma postura molle de traiÁ„o e de forÁa. Como vemos atravÈs d'aquelle olhar felino e do aveludado da sua garra, a indole perversa que d'elle se acolhe. E com que verdade est„o tractados aquelles olhos brilhantes e magoadores, d'um outro, que por traz do que est· no primeiro plano, parecem fitar o espectador, na esperanÁa de filal-o, n'um salto rapido e traiÁoeiro. … inegavelmente um d'estes trabalhos que sÛ por si fazem o nome laureado a um artista. _Estudo decorativo_. Simplesmente soberbo e encantador. Entre flores, envolvendo-se n'um veu de gaze transparente e lucido, sae como uma deslumbrante rosa, toda viÁo e frescura, uma linda creanÁa, encantadora e meiga como um anjo, tendo na m„o uma haste de flores-_saudades_. N'um fundo rutilante de luz, como na aureola ridente d'uma fresca manh„ de Agosto, destaca essa linda figura. E como foi desenhada e como foi executada. Alma de poeta, d'esses poetas que cantam as manh„s claras do sol e os rostos lindos das raparigas, foi a que concebeu aquelle quadro e que o executou. Nada mais... _O retrato do Chico Anthero_.--Perd„o, doutor, tratal-o assim, mas, francamente, quando olhei para o seu retrato n„o pude respeital-o e pedi-lhe que contasse uma d'aquellas suas historietas. N„o contou, mas È tal a semelhanÁa, tal a express„o, t„o seu aquelle modo e t„o psychologicamente estudado aquelle quadro que me pareceu mesmo ouvil-o a larachear e a rir. … um primor de execuÁ„o, È um assombro de correcÁ„o. [Figura: Retrato de S· d'Albergaria--Pintado por ARTHUR LOUREIRO] _Retrato do dr. Julio de Mattos_.--Bello trabalho feito na largueza subtil d'um quadro d'arte, n„o com a preoccupaÁ„o d'um retrato para galeria de definidores da ordem terceira, mas um retrato intimo, que temos no nosso gabinete de trabalho, ou no nosso quarto, retrato para nÛs, para consolo da nossa alma e dos nossos. Tal È o retrato do dr. Julio de Mattos, que incompleto como est·, j· mostra que ha-de ser um quadro t„o bello, t„o bem feito como o do _Chico Anthero_. _O retrato do dr. Magalh„es de Lemos_ tambem È um bello trabalho. Ha mais dois retratos de senhora, dois estudos, como Loureiro lhe chamou, mas que s„o dous primores. Loureiro adoptou para os seus retratos uma fÛrma e um tamanho especial o que lhe d· uma gracilidade gentil e meiga, deixem-me assim dizer. Em quanto · _Paisagem_ muito teria que dizer se podesse alargar este artigo, mas como me n„o È possivel n'este momento, limito-me a fallar dos seguintes quadros: _Rua do Meio_.--Da vulgaridade d'uma rua, com casas de um lado e d'outro, e uma egreja no primeiro plano, teve Loureiro a habilidade de fazer um dos seus para mim mais interessantes quadros.--E porque? perguntar· o leitor. Outro qualquer o faria...--Mas n„o fazia. Para isso È preciso saber-se vÍr e vÍr muito bem, conhecer mil pequenas cousas e transplantal-as para a tela com uma especial pericia e arte... d'onde se conclue que aquella rua n„o È como n„o È uma coisa chata, sem relevo. Aquella rua È um quadro e dos mais interessantes. _Montanhas da Galliza, Corgo, Monte de Santa Tecla, Alto de Santo Antonio, Barra de Caminha_. Tudo isto s„o retalhos sublimes da natureza, que Loureiro transplantou · tela com uma verdade flagrante e uma technica segura. Fecho por aqui este meu despretencioso artigo fazendo apenas uma leve consideraÁ„o. Ha no nosso Muzeu quadros de quasi todos os pintores portuenses, mas n„o vimos ainda l· nenhum de Arthur Loureiro. Agora, como nunca ha occasi„o para que a Camara do Porto, que parece se interessa um pouco pelas cousas d'Arte da nossa terra, compre um quadro a Loureiro para o Muzeu Municipal. E porque n„o ha-de fazel-o!?... Tem este artista dois quadros que est„o a pedir transplantaÁ„o para logar, onde todos os possam apreciar condignamente e s„o: os _Tigres_ ou _Por montes e vales_. Cumpre · camara do Porto este dever de gratid„o para com o artista distincto, que apÛs 20 annos de ausencia, volta a Portugal cheio de Arte a glorificar-nos com os seus trabalhos. II ARTHUR LOUREIRO e os seus discipulos Nada ha que mais me enthusiasme e me anime, do que saber que ainda ha, quem, dentro da esphera da Arte, tenha iniciativas e emprehendimentos de coisas uteis e aproveitaveis, sem mira a vanglorias ou a fabulosos lucros, unica e exclusivamente pela Arte. Ha annos, todo eu me enthusiasmei, quando meia duzia de artistas, homens de lettras e amadores, tentaram crear no Porto uma sociedade de Arte, que infelizmente, como todas as coisas uteis, cahiu ao tentar elevar-se; digo mais, morreu de morte affrontosa ao nascer. Depois, perante a iniciativa do Instituto de Estudos e Conferencias, que parecia vir dar a nota correcta de que as exposiÁıes d'Arte seriam verdadeiros concursos de trabalhos definidos de artistas, tambem me enthusiasmei, porque imaginei que, com os elementos de que elle dispunha poderia fazer muito melhor do que o que tem feito, se bem que tenha feito alguma coisa. Apparece depois um sr. Magalh„es, que n„o conheÁo, em communicados nas gazetas, a dizer verdades amargas a respeito do Palacio de Crystal e a reclamar para aquellas duas alas lateraes, que foram em tempo bazares, escÛlas de pintura, de lavores femininos, etc., emfim, reclamando o aproveitamento d'aqnelles dois esplendidos _atelieres_ em alguma coisa de util para a Arte... Mas, infelizmente as verdades que o sr. Magalh„es dizia, ficaram perdidas como perolas em chiqueiro de porcos, porque a gerencia do Palacio de Crystal achou mais util tel-os assim vasios, do que aproveitados em _qualquer coisa_... Assim, podia em noites de _spleen_, passear n'ellas, como a sombra do Hamlet, sem tropeÁar em qualquer coisa que tornasse o Palacio interessante ao publico, mais do que os macacos e o sr. Vieira da Cruz!... E essa idÈa, como era boa, morreu, n'um significativo desprezo por parte dos interessados no rejuvenescimento do Palacio de Crystal. Veio por fim Arthur Loureiro, esse laureado artista que todos nÛs conhecemos, pelo seu talento, e lanÁa a idÈa de uma escÛla d'Arte, tal como ellas s„o no estrangeiro. Lucta com mil difficuldades ao principio para poder realisar o seu plano, e eu ao saber do seu emprehendimento todo me enthusiasmo um momento, para pensar logo em seguida que a sua idÈia ha-de morrer, como morreram todas as outras. Mas, tal n„o succede; Arthur Loureiro se no fundo È um bom portuguez e um genuino portuense, vem saturado d'essa convivencia de vinte annos com os inglezes, gente que tem tanto de aventureiros como de previdentes. Debaixo d'essa esplendida orientaÁ„o Loureiro cria a sua escola de pintura para senhoras e n„o desanima, confiado em que querer È poder. E hoje È elle o unico artista que, no nosso meio, realisa este grande melhoramento, em prol da Arte: ter uma escola onde v„o os seus discipulos, n'uma confraternisaÁ„o artistica, tomar as s·bias liÁıes que elle lhes d· com a sua proficiencia e saber. E, com que arte, e com que cuidado, elle soube transformar uma sala fria e desconfortavel n'um _atelier_, que se n„o È um _especimen,_ È no entanto um delicado recinto onde o gosto decorativo do artista se casa perfeitamente com a severidade das paredes, onde pousam como scintilantes fulguraÁıes de genio, trabalhos, estudos e composiÁıes do professor, de mistura com gessos de estudo. [Figura: Retrato do dr. Francisco Anthero--ARTHUR LOUREIRO] Fui ha dias ao _atelier-escola_, precisamente no momento em que terminavam as liÁıes e as alumnas, fulgurantes de mocidade e alegria, saiam n'um chilrear que encantava. Os cavalletes, espalhados pelo _atelier_, eram como sentinellas que ficavam guardando os logares das discipulas. Passei-os em revista, cheio de curiosidade e de interesse em notar n'aquelles esboÁos as disposiÁıes de quem os tinha executado. Aqui, desenho dos principiantes, de diversos objectos, taes como garrafas, jarros, pucaros, etc., e onde elles, emquanto desenham, v„o tendo noÁıes do que È a perspectiva pratica. Mais alÈm, estudos de fructas e flores, e entre esses os d'uma discipula que compıe e applica aos tecidos as flores e os fructos que desenha e que pinta do natural. Outros, desenhos de gessos das differentes escolas, grega, romana e renascenÁa... Mais alÈm, cÛpias flagrantes a oleo, dos modelos vivos e dos costumes populares portuguezes. Uma verdadeira escola, methodica e definida, onde os alumnos n„o copiam os seus trabalhos de modelos que veem de FranÁa ou da Allemanha ·s grosas, mas sim do natural; estudando desde as mais rudimentares noÁıes de traÁos e linhas, atÈ aos intrincados problemas da perspectiva, sÛs por si, apenas com as indicaÁıes do professor. S„o tambem para notar as pastas carregadas de estudos que os discipulos executam em casa, apÛs as liÁıes, e que s„o documentos irrefutaveis do bom aproveitamento d'este systema de ensinar o desenho e a pintura. Entre os discipulos de Loureiro, ha um que se torna notavel, porque com 48 liÁıes apenas, uma cada semana, tem feito maravilhosos progressos. D'este discipulo, j· eu tive occasi„o de fallar, quando em tempo dediquei duas linhas a uma exposiÁ„o que Loureiro fez e em que appareceram alguns estudos d'elle. Ha tempos, porÈm, quando visitei o _atelier-escola_, tive uma boa occasi„o de vÍr de novo trabalhos seus feitos alli: uma bella copia a oleo do gesso, correcta de execuÁ„o e de desenho e mais uns trabalhos que elle fizera fÛra da escola, em passeio d'Arte pelo campo e pela praia. Havia uma marinha bem tocada, e uma paisagem delicadamente pintada e superiormente estudada e desenhada, n„o fallando n'um interessante quadro de camelias, que me encantou. Talvez porque eu gosto muito de flores, e aquellas estavam t„o frescas, que me fizeram uma magnifica impress„o. … elle o sr. Manuel Lucio um dos amadores que, se continuar assim, mais brilhantemente poder· affirmar o que se tem dito de Loureiro: que se È grande como artista, n„o o È menos como professor. Mas, voltemos · escola. Tem ella sobre todos os outros _atelieres_ a grande vantagem de estar installada nos jardins do Palacio. Quando a primavera, ridente, enche aquelle recinto de flores e de sol, c· para fÛra, para o ar livre, vem os discipulos, e, ou recolhem nas suas telas as flores lindas e frescas e os pontos de vista deliciosos que d'alli se disfrutam, ou estudam e pintam pequeninos recantos do jardim variados e bellos. E tudo isto realisa Arthur Loureiro, n„o sem largas e complicadas difficuldades, que felizmente elle vÍ cobertas de bom resultado, se bem que com pouco interesse. Ao vir-me embora depois de ter dado os meus parabens sinceros ao professor pela sua iniciativa, pensava em como aquelle bello recinto do Palacio de Crystal poderia ser aproveitado para tanta, tanta coisa util, em vez de jazer ignominiosamente alli, mudo e sinistro como um crime. E que tudo isso se poderia fazer se quem o dirige, visse mais alguma coisa do que umas _reles exposiÁıes de flores e aves_ e do que umas _festarolas de arraial_ com _musica do ZÈ da Gaita_ e _fogo d'artificio do Devezas_!... [Figura: Tigres--ARTHUR LOUREIRO] III ARTHUR LOUREIRO e a Academia de Bellas-Artes Ha tempos n'uns bem elaborados artigos da _Voz Publica_, alguem, que eu n„o sei quem È, veio apresentar a ideia de que Arthur Loureiro deveria ser professor da nossa Academia de Bellas-Artes. Achei t„o acceitavel e t„o util para a Academia essa ideia, que n'este momento em que me tenho de occupar da sua exposiÁ„o de quadros, entendi dever acompanhar na sua propaganda quem t„o desinteressadamente a apresentou. N„o È que eu venha a campo combater afincadamente em favor d'este artista, n„o, venho sÛ como mero espectador do grande palco da vida applaudir quem soube apresentar a ideia. Arthur Loureiro foi um dos mais distinctos discipulos das nossas academias de Bellas Artes e tem a sua folha de bom profissional, resplandecendo de brilho e cheio de gloria immoredoira. N„o foi no seu paiz natal que elle se completou em arte, foi no estrangeiro, nas grandes terras onde ser-se pintor n„o È uma mera galanteria de gente fina; foi nas terras onde se faz da Pintura alguma coisa mais pratica e mais definida do que entre nÛs. Voltou tarde · patria, vinte annos passados sobre o seu curso. Quer isto dizer, que elle vem mais senhor do _metier_ do que aquelles que meramente se demoram l· por fÛra uns tres ou quatro annos. … certo que muitos que estudaram no estrangeiro nem sempre ao voltar veem mais vigorosos e mais trabalhadores do que quando partiram. Mas elle n„o. Arthur Loureiro, foi unicamente para trabalhar e affirmam-no exuberantemente os cargos que por l· occupou distinctamente, taes como:--examinador das classes de Arte da National Gallery of Victoria, e director e professor de 1.^a classe dos cursos de Dezenho e Pintura do Presbiteriam Ladier College em Melbourne, na Australia. [Figura: SÛ no mundo--Quadro de ARTHUR LOUREIRO] Ora estes cargos dados a um estrangeiro, a um portuguez, o que affirmam È o que o seu nome era ali conhecido e que estava · altura de occupar esses logares com toda a hombridade e todo o saber. Mas ha mais, quando terminou o seu curso em Portugal foi classificado para pensonista em Paris, onde fez uma larga e profunda aprendizagem d'arte. Concorreu a muitas e variadas exposiÁıes, onde os seus quadros foram sempre apreciados como mereciam. Entre esses deveremos notar como primordiaes a ExposiÁ„o Religiosa da Belgica onde o seu quadro, _A Vis„o de Santo Stanislau de Kastka_, foi acolhido com enthusiasmo por toda a critica, e muito especial referencia mereceu ao celebre critico religioso, l'AlbÈ Moeller. E ainda em Londres, onde concorreu, a convite, · Greater Britian Exibition, em 1899 e foi recompensado com diploma d'honra e medalha de ouro. Ha pouco foi elle eleito Academico de Merito da Academia da Victoria, em Melbourne. VÍ-se bem claro, por tudo isto, que Arthur Loureiro era considerado e muito, l· fÛra, como um verdadeiro artista que È. Estou d'aqui a vÍr a balburdia que vae no nosso meio artistico por estas minhas despretenciosas notas, mas n„o s„o ellas mais do que o desejo de provar que o homem est· · altura de occupar um logar de professor na nossa Academia. Porque estou bem certo de que elle, chamado a dar provas publicas do seu saber artistico, ellas ser„o convincentes. Se elle È um grande artista, n„o È menos um grande trabalhador, incansavel; trabalhando, quer em quadros para expÙr e vender, quer dando liÁıes ·quelles que desejam bem conhecer a arte de pintar, no seu _atelier_, no Palacio de Crystal Portuense. N'esse mesmo _atelier_ j· por varias vezes tive o prazer de visitar exposiÁıes organisadas por elle. Ali me mostrou elle que embora longe de nÛs por tanto tempo, n„o se deshabituara das cÙres e da luz da nossa boa terra. N„o veiu inebriado com o nebulozo da Escocia, com o cinzento da FranÁa, nem com o vermelho violaceo da Italia. Veiu isento de escolas, preoccupando-se sÛ com o que via na natureza tal qual ella se apresentava, vibrante de luz se o sol espadanava rutilantemente no espaÁo, nebuloso e triste, se a nevoa cobria a atmosphera e a paisagem que pintava. Era como que o executor da verdade tal como ella deve ser. Era, emfim, um paisagista perfeito e definidamente portuguez. Pois bem, todos ahi viram as suas recentes exposiÁıes, e que eu saiba, ainda ninguem amesquinhou o seu muito merecimento; pelo contrario todos foram · uma a dizer que elle tinha valor. A critica, que deve ser sincera e justa, n„o teve por onde o atacar, nem veiu dizer d'elle sen„o que era bom, por isso a sua entrada como professor de paisagem na Academia de Bellas Artes, do Porto, deveria ser acolhida por todos os professores e alumnos com enthusiasmo, se bem que a nossa Academia n„o seja para largas manifestaÁıes. Mas deixemos agora o artista para fallarmos da sua ultima exposiÁ„o. No _atelier_ de Arthur Loureiro, ha um n„o sei que de conforto que nos prende. Sob a sua direcÁ„o tem-se transformado aquella fria sala n'um bellissimo gabinete, onde se podem passar horas e horas admiravelmente bem. Decorado com simplicidade, mas com um especial _cachet_ de galanteria os seus quadros destacam alli maravilhosamente. Vou fallar delles, como sei, ou como entendo. Como nota primordial destacarei o grande quadro, cujo titulo È _De aldeia em aldeia_ e que inspirou ao bello poeta M. Ricca, esta quadra: Sob a cruz pesada e feia Da miseria que a consomme Corre _d'aldeia em aldeia_, Na Via-sacra da fome. [Figura: De aldeia em aldeia--ARTHUR LOUREIRO] … um soberbo trabalho, desenhado com cuidado e pintado com amor. Uma velhita andrajosa atravessa um trecho de paisagem, por um caminho encharcado. Que correcÁ„o e que luz, verdadeira obra prima que um grande mestre n„o se envergonhar· de assignar. _No pinhal_. … um delicioso estudo de pinheiros, graceis e altos com a sua coma dum verde _foncÈ_, que parece sussurrar com a aragem que passa. _Mar agitado_. Agua deliciosamente tratada e transparecendo atravez d'ella a penedia que ella cobre. Luz deliciosa de grande ar. _Vaga quebrada_. … um pequeno quadro em que uma vaga se espadana como champanhe de encontro a um rochedo. Com que vigor est· pintada essa molle de agua, que n'um desdobrar vertiginoso e bravo encontra um obstaculo e se desfaz para o ar, como n'um grito de desespero! _Retrato de G. Nogueira_. Este retrato È um primor de parecenÁa e de trabalho. Loureiro poz n'elle um cuidado especial e amigo; È uma obra prima. _Nevogilde_. Um trecho de paisagem portuense, muito sentida, muito nossa. _Padeira de Avintes_. … um delicioso estudo dos nossos costumes populares. Modelo gracil e airoso como s„o todas as nossas lavradeiras, correctamente desenhado, primorosamente pintado. _Barcos_. Um quadrito interessante, onde ha dois barcos que parece boiarem docemente nas aguas mansas do rio, sob um ceu suave d'um azul transparente e bom. Mais outros quadros ainda, todos elles confeccionados com mestria; alguns estudos de desenho, cabeÁas rigorosamente estudadas nos seus claros-escuros. E esta exposiÁ„o n„o est· a abarrotar de exemplares, mas toda ella comporta coisas lindas e boas. Ao sahir d'ali, vem-se sob a impress„o sincera de que tudo aquillo È nosso, e muito nosso. Vem-se t„o bem disposto, que se fica com o desejo de l· voltar muitas mais vezes. [Figura: Paisagem--ARTHUR LOUREIRO] [Figura: Flora--Quadro de ARTHUR LOUREIRO] IV Mais uma visita ao Atelier de ARTHUR LOUREIRO Eu j· disse algures que Arthur Loureiro era um poeta na pintura e hoje o repito aqui, no desprendimento sincero de quem o admira pelo seu talento. Os seus quadros s„o _bucolicas_ de cÙr e de luz. Ha-os que s„o como deliciosos sonetos camoneanos. Ha-os que s„o verdadeiros poemas. As pequenas telas veridicamente portuguezas, com a sua cÙr e a sua luz d'aldeia, s„o como cantigas de namorados entre os rumorejos do trabalho campestre. Arthur Loureiro, talvez, porque viveu muito tempo longe da sua patria, ao voltar, como que tentou, n'um largo sentimento de amor patrio, desforrar-se d'aqui n„o ter vivido sempre. E n'uma subtileza ideal desenhou e pintou a grande alma portugueza, desde a Torre dos Clerigos, atÈ ao mais escondido recanto do Minho. A sua obra È como que o grito sentido do filho prodigo que volta ao fim de muito tempo · casa paterna. E que foi elle sen„o um filho prodigo da Arte, que andou por terras estranhas a expandir o seu talento em grandes manifestaÁıes, e que ao voltar, um pouco abatido da grande lucta, nos mostrou que, se alguem o julgava j· um estrangeiro, a sua alma pulsava no mais sublime enthusiasmo por tudo o que È nosso, por tudo o que era portuguez, desde as suas paisagens atÈ aos seus homens. E agora mais uma vez fallemos dos seus quadros, e dos do seu discipulo. Antes porÈm de entrar na enumeraÁ„o dos seus trabalhos ahi vae uma opini„o. Na occasi„o em que eu visitava a exposiÁ„o entravam ali um grande pintor portuguez (Souza Pinto), um grande actor portuguez (Augusto Rosa), e um grande actor francez (Coquelin AinÈ). Pois estes tres cavalheiros insuspeitos para todos, depois de larga apreciaÁ„o aos trabalhos expostos, quedaram-se em frente d'um quadro que ha muito est· no atelier _A Primavera_, e Souza Pinto, esse artista cujo nome resÙa no estrangeiro como um clarim de gloria nacional na arte de pintura, disse que se admirava que aquelle quadro ainda n„o tivesse sido adquirido para o muzeu nacional como um especimen de boa pintura e de soberbo desenho. Tambem eu teria soltado o meu brado de admiraÁ„o, se n„o soubesse que o Estado e as Camaras n„o teem dinheiro para essas cousas, e sÛ o teem para _festejos balofos_, para _comesainas opiparas_ e para _bolos_ rendosos aos afilhados; para mais nada. A galeria nacional de pintura no Porto È talvez mais parca do que a do mais pequeno amador. … uma vergonha!!... [Figura: Pinheiros--ARTHUR LOUREIRO] Adeante, que vamos gastando muito tempo com consideraÁıes philosophicas. Pois os quadros expostos de Loureiro, s„o 17 novos e uns 8 j· vistos. Dos antigos nada direi sen„o que s„o soberbos, dos modernos, d'esses alguma coisa mais escreverei. Entre todos ha um que me encanta profundamente. … _O Pinhal_!... Um dia ouvi dizer a alguem que o pinheiral era um motivo que n„o dava nada na pintura, pela sua fÛrma, pela sua cÙr e pela sua uniformidade. N'essa occasi„o, n„o me quiz manifestar, eu n„o sou pintor e n„o queria cahir em erro deante de quem tinha obrigaÁ„o de conhecer o assumpto melhor do que eu, mas, c· para mim mantinha a minha opini„o formada; o pinheiro presta-se · pintura, a quest„o È sabel-o desenhar e pintar. E Loureiro com o seu quadro _Pinhal_ veiu completamente preencher a minha modesta opini„o. Alli, n'aquella tela esguia, sob a correcÁ„o impeccavel de desenho, erguem-se uns pinheiros, que parecem balanÁar sob a press„o do vento que passa assobiando na sua ramaria. A _Feira Nova_--… uma delicada _pochade_ verdadeiramente caracteristica do que s„o as nossas feiras no Minho, sob barracas de lona branca, que se prendem aos troncos das arvores, com o borborinho de centos de lavradores e lavradeiras, acotovelando-se na furia de serem os primeiros a vÍr o que ha alli para vender. A _Carvalheira_--Uma larga arvore de folhas amarellecidas que comeÁam a cahir sob o ventinho frio do inverno; È deliciosamente estudada. E a _Desfolhada_, e a _Estrada do Gerez_ (sob a chuva), as _Alminhas_ e o _Caminho de Besteiros_--e todos elles, emfim, como s„o t„o verdadeiramente nossos, t„o sentidamente portuguezes, verdadeiramente minhotos, nos seus verdes inconfundiveis, na sua luz inimitavel. Entre as tres _cabeÁas de estudo_, ha duas de uma velha, que s„o um encanto. TraÁadas na meticulosidade de pormenores, s„o feitas largamente com pulso de quem È um verdadeiro artista. AlÈm dos trabalhos do mestre, que s„o como sempre magnificos, tomando uma das paredes do atelier, est„o os trabalhos do discipulo, do snr. Manoel Maria Lucio Junior, que ha unicamente um anno, estuda com Loureiro, desenho e pintura. Aos meus collegas da imprensa, como que tem passado despercebido o trabalho d'este amador, que entra agora no nosso meio artistico. Ora eu, que inegavelmente sou o mais incompetente dos apreciadores dos quadros, sempre lhe quero dispensar duas linhas. Manuel Lucio È um rapaz da nossa fina sociedade, que todos nÛs conhecemos como sendo um dos elegantes da nossa terra. Durante muito tempo julguei-o um _bon vivant_, dedicando unicamente o seu espirito ao talho d'um _veston_ ou ao feitio de uma gravata. Um dia, porÈm, entrando a visitar Loureiro no seu atelier-escÛla encontrei l· este cavalheiro dando liÁ„o de desenho. Acabada a aula, Loureiro mostrou-me trabalhos de varios discipulos e abrindo uma arca artistica que elle ali tem, tirou de dentro varios desenhos e disse-me:--s„o feitos pelo Lucio, È um rapaz de habilidade.--E de facto os desenhos que elle apresentou, revelavam uma certa disposiÁ„o para a Arte. Passaram-se tempos, o mestre foi para fÛra e ao voltar encontrou-se em frente d'um discipulo que lhe d· honra, porque Manuel Lucio, dotado d'uma vontade de ferro em conhecer o methodo de desenho e de pintura tem trabalhado denodadamente e tem conseguido com isso e com as bellas indicaÁıes do professor o que muitos com idas ao estrangeiro n„o tem conseguido. Quatorze s„o os trabalhos expostos por este intelligente discipulo de Loureiro. Cinco trabalhos a oleo, cinco pasteis e quatro desenhos a lapis. [Figura: D. Adelia Ramos : Discipula de Arthur Loureiro] Entre os desenhos notarei _O Contador_, que È uma prova irrefutavel do modo como elle interpretou as noÁıes de perspectiva indicadas; na pintura a oleo notarei os _Cravos_ e um retalho de paisagem, onde as cÙres e os tons est„o bem achados, resaltando os planos da chateza vulgar, propria dos estudos de amadores. Aonde porÈm eu admiro a disposiÁ„o artistica de Manuel Lucio È nos pasteis, especialisando uns _Effeitos d'agua_, um _Poente_ e um _Ceus nublados_. Innegavelmente o discipulo d· honra ao mestre e o mestre deve estar orgulhoso por ter achado, quem t„o bem tenha sabido comprehendel-o e t„o sabiamente aproveite as suas indicaÁıes. E recebam os dous, mestre e discipulo a sincera express„o do meu applauso. 1903 a 1904. XIX AMADORES PORTUENSES MANUEL MARIA LUCIO JUNIOR Discipulo de ARTHUR LOUREIRO O Arthur Loureiro È um velho rapaz, pintor d'alma e coraÁ„o, trabalhador infatigavel, cavaqueador ameno e interessante, amigo dedicado, e, acima de tudo isto, professor consciencioso e sabedor. [Figura: MANUEL LUCIO no Atelier de ARTHUR LOUREIRO] Ora eu, que gosto de passar bem o meu tempo, vou muitas vezes, e especialmente aos domingos, ao Palacio de Crystal, dar dous dedos de cavaco ao Arthur Loureiro, no seu delicado e interessante atelier. AppareÁo alli por volta da hora e meia. … quando elle acaba de dar liÁ„o ao Manuel Lucio, que, quasi sempre, quando eu entro ainda l· est· dentro, com a sua _blouse_ vestida, paleta em punho, dando as ultimas pinceladas no modelo que copia. Outro dia, copiava elle uma velha; quando entrei, estava j· limpando os seus pinceis e a paleta para se ir embora. Nas faces de Arthur Loureiro pairava um alegre sorriso de satisfaÁ„o. Que se teria passado de extraordinario para que elle estivesse t„o sorridente?!... Alguma boa nova da familia ausente, ou grande bem estar na sua delicada saude?!... Talvez as duas coisas juntas!? Quem sabe?... --Esperemos os acontecimentos, disse eu commigo, avido, no entretanto de conhecer o motivo d'aquella intima alegria. O que fÙr soar·, pensei, porque o Loureiro com a sua peculiar franqueza, n„o occulta por muito tempo o motivo que o faz estar assim satisfeito e alegre. E assim foi... Mal o Lucio saiu, virou-se para mim e sem mais, disse-me, indicando a porta por onde saira:--… um discipulo que me ha-de dar honra, podes crer... Tem bastante disposiÁ„o e È muito applicado... Ha-de dar muito se continuar assim, e se se convencer que isto de pintura n„o se aprende em dous dias. Queres vÍr? E sem esperar resposta levantou o tampo do seu divan-arca, saccou de l· de dentro uma pasta com desenhos e algumas pinturas a oleo, dizendo: s„o d'elle. Eram de facto estudos que o Manuel Lucio tinha executado em casa, longe das vistas do professor, mas sob a orientaÁ„o e as liÁıes que o Loureiro lhe dava, proficua e sabiamente aproveitadas. Era especialmente por isso, porque tinha encontrado, n'aquelles estudos que n'esse dia o discipulo trouxera · sua apreciaÁ„o, a boa vontade, a applicaÁ„o e a disposiÁ„o natural de que elle era dotado, que Loureiro alegremente se sorria. E elle tinha raz„o. Manuel Lucio, que eu tinha por um exterior, um balofo, quando o via passar ostentosamente, as suas sobrecasacas talhadas pelos ultimos figurinos, as suas gravatas espaventosas e ricas, onde pousavam joias caras e os seus chapeus altos sempre muito polidos e muito lustrados, n„o era o que eu pensava. Olhava-nos, parecia ter um ar sobranceiro de _enfant-gatÈ_, ou, como eu costumo dizer portuguesissimamente, _menino bonito_, e sentia-se por elle um quer que fosse, que obrigava a pÙl-o, com uma certa reserva, na devida distancia a que se pıem sempre os infatuados, que n„o valem nada e que julgam ser verdadeiras notabilidades. Era um juizo errado aquelle que eu fazia; reconheÁo agora que n„o o conhecia, e nunca lhe tinha encontrado nem podia encontrar predicados por que o admirasse. Estava de sobre-aviso a seu respeito. Hoje, porÈm, ponho de parte essa opini„o errada que d'elle fazia e isso porque tendo acompanhado com grande interesse os estudos d'esse discipulo, e o seu aproveitamento n'aquella risonha escola d'Arte, que o bom Loureiro tem no seu interessante atelier dos jardins do Palacio de Crystal, e como o reconheÁo digno de ser notado entre os amadores que n'este momento ha pelo Porto, vou dedicar-lhe algumas palavras de incitamento, para que n„o esmoreÁa na empreza da Arte em que o seu bom gosto e as suas disposiÁıes artisticas o metteram. N„o pense, porÈm, Manuel Lucio que eu vou incensal-o louvaminheiramente; n„o, vou rapidamente em duas leves pennadas dedicar-lhe algumas palavras de elogio merecido e sincero. [Figura: Marinha--MANUEL LUCIO] Para isso, soccorro-me de alguns informes que Loureiro me deu e fallaremos os dous conjunctamente, eu pelo que tenho visto nas minhas visitas ao atelier-escola, e especialmente na ultima exposiÁ„o de trabalhos de discipulos, elle pelo que tem apurado do estudo que o discipulo tem feito e de como tem recebido salutarmente as suas sabias liÁıes. Comecemos pois. Um dia, Arthur Loureiro que tinha aberto ao publico a sua escola de pintura para senhoras, confiado no bom gosto que ultimamente se estava desenvolvendo entre as _madames_ para esta manifestaÁ„o de Arte, viu entrar-lhe pela porta dentro este rapaz chic, que perguntava se elle quereria dar-lhe algumas liÁıes de pintura. Loureiro immediatamente se promptificou a isso, mas sob condiÁ„o que elle deveria comeÁar por onde todos devem comeÁar, pelos rudimentos de desenho. SÛ n'essas condiÁıes o poderia acceitar como discipulo. Accedeu o nosso amador immediatamente, pois farto estava elle de saber que o pouco que tinha estudado com um _soi disant_ de nada lhe valia e logo combinaram dar breve inicio aos seus trabalhos. Ao principiar estas liÁıes, Manuel Lucio, vinha cheio de uma inegualavel boa vontade, um honroso desejo de vir a ser na pintura, alguma coisa mais, do que as habituaes vulgaridades, e por isso, pondo completamente de parte as noÁıes que recebera de um insignificante professor, que d'isso sÛ tinha o nome, pois emquanto ao resto era d'uma nullidade completa, todo elle se dedicou a estudar e a cumprir as instrucÁıes que Arthur Loureiro lhe ia dando. E assim, foi desenhar, desde os primeiros rudimentos atÈ · perspectiva, e isto por longas liÁıes, sem nunca dar mostras de canÁaÁo ou aborrecimento, pelo contrario sempre cheio d'um grande prazer em traÁar firme e rapidamente o contorno e o claro-escuro dos objectos que copiava. E ainda hoje continua e affincadamente, desenhando todos os dias, mesmo a fÛra dos esboÁos que fez para os seus quadros. Depois de ter desenhado muito a lapis e a carv„o, copiando gessos e modelos, entrou ent„o no desenho a cÙres, (pastel) e fez a paisagem e a figura, isto tudo do natural, e fel-o com uma tal garridice e um tal desenvolvimento que os seus trabalhos mereceram os applausos, n„o sÛ do seu professor, mas da critica conscienciosa e honesta de alguns entendidos. ApÛs isto passou a pintar a oleo, no atelier, e sob a vista e a conceituosa informaÁ„o de Loureiro, lanÁou · tela flores que estudou em todas as suas minudencias, sem comtudo fazer dos seus trabalhos, rendilhados e lambidos quadros. N„o, Manuel Lucio, estudou as flores desenhando-as e colorindo-as depois nos tons e nos valores que ellas deviam ter. E emquanto no atelier-escola pintava flores sob a vista do professor, l· por fora, sÛsinho, apenas com as sabias noÁıes recebidas tentava a paisagem a oleo. Eram estas algumas das que Loureiro me mostrava, e de que eu vos dou umas gravuras. Vieram em seguida os estudos a oleo de gessos, feitos com muita consciencia e extraordinaria proficiencia, e hoje estuda valentemente, como um verdadeiro amador de talento, o modelo vivo, e ainda ha pouco n'uma exposiÁ„o de alumnos que Loureiro promoveu no seu atelier, elle l· estava com 19 trabalhos a oleo entre os quaes alguns havia que eram verdadeiramente maravilhosos de cÙr, de luz e de verdade, e 9 desenhos, provas irrefutaveis de quanto elle trabalha e do bem como trabalha. Mas Manuel Lucio n„o È sÛ um amador de pintura consciencioso, È tambem um burilador de litteratura _hors ligne_ e um entendedor de coisas d'Arte. Deve-se · sua pessoa o prefacio do Catalogo da 1.^a ExposiÁ„o de Alumnos no Atelier-Escola. N'esse prologo o nosso perfilado discorre sabiamente sobre as vantagens de desenhar perfeitamente para bem pintar. S„o uma serie de consideraÁıes bem feitas e profundamente estudadas, que d„o a verdadeira orientaÁ„o do seu modo de pensar e proceder n'este genero de _sport_ artistico em que se metteu. Depois, como tem muita leitura d'Arte, elle reune a um bello amador, um cavaqueador agradavel e um conhecedor cheio de saber. Ahi fica em rapidas linhas o que eu posso dizer do discipulo de Arthur Loureiro, o bello discipulo que faz honra ao professor. 1904. [Figura: Barra, Foz do Douro--MANUEL LUCIO] XX UMA EXPOSI«√O DE QUADROS do Instituto de Estudos e Conferencias No louvavel intento de desenvolver a Arte de pintura entre nÛs, o Instituto de Estudos e Conferencias, realisou no pateo da Misericordia mais uma outra exposiÁ„o. … pois d'este certamen artistico que me vou occupar n'este rapido artigo. Fui l·, quando a exposiÁ„o era vedada ao publico. Unicamente ali tinham entrada os socios do Instituto e os delegados da imprensa, e por isso muito · vontade me demorei por l· umas duas horas a analysar. SÛ o quadro de Sousa Pinto me reteve boa parte do tempo. Que aquillo È, para mim, o que se chama o requinte da perfeiÁ„o. [Figura: Sousa Pinto] N„o abalanÁarei opini„o sobre tal trabalho, porque me julgo infinitamente pequeno para discutir obra t„o magistral. Sousa Pinto, tem o seu nome feito, nome glorioso que se impıe l· fÛra, nos grandes centros artisticos, como o _Salon_, onde os seus quadros s„o recebidos com toda a consideraÁ„o e premiados com as melhores recompensas. E a critica sabia e correcta dos grandes analystas da Arte, essa critica que È indomavel como a justiÁa, tem dito que elle È um grande, um superior pintor. Gloriosa coisa È por isso, para nÛs, podermos admirar hoje na nossa despretenciosa exposiÁ„o um trabalho de t„o requintada perfeiÁ„o como o _Ferreiro_ de Sousa Pinto. Portanto, antes de entrar na enumeraÁ„o dos trabalhos expostos, consinta a direcÁ„o do Instituto de Estudos e Conferencias que a felicite por ter, como vulgarmente se diz, mettido esta lanÁa em Africa; porque Sousa Pinto n„o quer sujeitar-se · critica portugueza, e n'estas condiÁıes foge de apparecer nas nossas exposiÁıes. Mas n„o nos demoremos mais, sigamos para diante, que eu vim para lhe fallar do conjuncto da ExposiÁ„o, e n„o sÛ de um artista. [Figura: JOS… de BRITO no seu atelier] Aberto pois o catalogo acha-se inscripto como n.^o 1 o snr. Almeida e Silva, que desta vez me convence de que È um artista. Eu estava mal impressionado com elle, os seus trabalhos, talvez por muita meticulosidade de acabamento e pelo recortado das figuras e dos assumptos, tinham o quer que fosse de oleographico. Mas, n'esta exposiÁ„o, elle vem mais pujante de execuÁ„o, mais artista. E em qualquer dos generos em que se apresenta mostra aptidıes definidas. Entre esses trabalhos destacarei: _O Rio Pavia no Outomno_, _Manh„ d'Outubro_, _Veterano de Ormuz_, _Tranquillidade_, _Retrato do snr. D. Diogo d'Almeida_ (Reriz). Ha mais alguns quadros, mas esses s„o inferiores. [Figura: Crepusculo Matutino--CANDIDO da CUNHA] Segue-o JosÈ de Brito, com dous retratos a oleo de que n„o gosto nada. No entanto noto o _Retrato de Antonio Ramos Pinto_, a pastel, que È muito bem feito, e as aquarellas, que apresenta s„o todas bem tocadas, especialmente umas tres que s„o um primor de execuÁ„o. _As Margens do LeÁa_, (2 quadros), _Caminho de Nevogilde_ e _Villarinha_, especialmente. Abel Cardoso, com quatro quadros, dos quaes destacarei o _Tapada_. Ha uma portinha vermelha a destacar na linha do muro da quinta, que d· uma nota interessante. O retrato do militar esse, meu Deus, È phantastico. Candido da Cunha. Sempre o sentimental artista que desde sempre conheci. Tem tres quadros, qual d'elles o mais bem feito, sempre com um ar nostalgico do pÙr do sol, que elle t„o distinctamente pinta. _O Crepusculo Matutino_ È um delicioso encanto. D. Alice Grillo, tem tres quadros, um de _Flores_, outro de _Rosas e fructos_, e um _Estudo de velha_. Para mim os dous primeiros s„o superiores. As laranjas s„o bem pintadas, de bella cÙr e as rosas e os amores perfeitos, s„o lindamente tocados, d'uma grande frescura. [Figura: Paisagem--MARQUES d'OLIVEIRA] Marques d'Oliveira. Eis um nome que se impıe e que sempre que se apresenta nos deixa convencidos de que È um talentosissimo artista. Nos seus quadros, ha um certo quÍ que demonstra a technica superior d'este mestre de pintura. E embora alguns criticos queiram abocanhar o nome feito d'este artista, elle supplanta toda essa inveja, que outra cousa n„o era o que eu ouvi dizer d'elle. Dos quadros expostos, pincelados de uma fÛrma correcta e distincta, destacarei o _Rua de Agueda_, _Effeito da tarde_ (Agueda), _C„es da Ribeira_, _Espinho_, _Effeito da tarde_ (Espinho), o que quer dizer que s„o todos. [Figura: Guardando vaccas--EDUARDO MOURA] D. Julia Molarinho. … pintora da nova ala que vae dando a nota do seu merecimento. Os seus quadros _CabeÁa de preto_, _CabeÁa de rapaz_, _Poente_ e _Pochade_, s„o bem feitos, especialmente os dous primeiros. Tem mais quadros, que n„o me prenderam a attenÁ„o. Eduardo Moura. Apresenta-se com um sÛ quadro, se bem que pelas suas aptidıes deveria ter exposto mais. … um trabalho bem feito, digno de ser admirado. Thomaz de Moura. Com uma _Cabecita de rapariga_ regularmente executada. Ha tambem muito de monotono no fundo, um azul indefinido. D. Leopoldina Pinto. Tres quadros de _Flores e fructos_. Tem um quadro de _Geranios_ que est· bem tocado, d'uma certa frescura. Esta senhora È especialista n'esta qualidade de flores. J· n'outra exposiÁ„o apresentou um quadro de geranios que era um assombro de perfeiÁ„o. Os crysanthemos esses n„o s„o bons. No quadro _Fructos_, ha umas uvas bem tratadas, com bastante transparencia. Arthur Prat. … um pintor de cÙres retumbantes. Os seus quadros s„o como fanfarras de luz. Gosto d'elles porque me d„o muito bem a nota estridula e alegre dos campos do sul. Apresenta dez quadros, alguns d'elles regularmente feitos e regularmente estudados. Julio Ramos. Esse paisagista que tanto nos tem encantado com os seus quadros, apresenta-se tambem d'esta vez com muita distincÁ„o, se bem que me n„o prenda a attenÁ„o, como d'outras vezes que tem exposto. Carlos Reis. Ora aqui est· um pintor que È para mim um genial artista. Seguidor dos moldes de Silva Porto, apresenta-se n'esta exposiÁ„o com cinco quadros que s„o uma maravilha. _O Idilio_, È uma pintura deslumbrante. _O retrato de minha m„e_, È tambem um superior trabalho, feito com toda a correcÁ„o, d'um verdadeiro mestre. [Figura: JULIO RAMOS no seu atelier] Augusto Ribeiro, nos seus quadrinhos _mignons_ apresenta-se admiravelmente--atÈ nem parece o artista de outros tempos. Agora mais socegado, mais accentuado, fez-nos a pintura do nosso Minho em paginas d'album, mas muito bem feitas. Jo„o Augusto Ribeiro. Com um quadro sÛ, um _Estudo de velho_, primoroso de desenho e de cÙr, flagrante de verdade. D. Aurelia de Sousa. Dous trabalhos a oleo de que n„o gosto e um pastel--_N'um jardim antigo_, que est· muito bem executado. D. Sophia de Sousa. Apresenta quatro quadros, dos quaes destacarei como mais digno de menÁ„o a _Paisagem_. … uma verdadeira artista. Julio Teixeira Bastos. Seis telas expostas. Destaco _O Melro_, como sendo a que mais impress„o me fez. [Figura: Torquato Pinheiro] Torquato Pinheiro. … com toda a correcÁ„o que se nos apresenta, n'este certamen, este conceituado artista. Dos seis quadros expostos notarei como melhores os seguintes:--_Tarde no Corgo_, correctissimo, _Rua da Pedreira_ e _Crepusculo_. Jo„o Vaz. O superior pintor de marinhas, vem · exposiÁ„o com tres quadros que s„o um encanto, especialisando a _Barra de Lisboa_ onde a agua È tratada d'um modo irreprehensivel.--_Barracas de Pescadores_, tambem muito bem feito. O outro--_Margens do Sado_, tem para mim uma nota que o torna desagradavel: È uma serie de piteiras que d„o ao quadro um quÍ de bordado a missanga. Eurico Ricardo Jorge. Apparece pela primeira vez em publico e apresenta-se muito bem com o seu estudo a pastel--_CabeÁa de velho_. JosÈ David. Tem algumas aguarellas que est„o bem manchadas. E nada mais porque j· vae muito longe este artigo. [Figura: Retrato de Bernardino Reaes--TORQUATO PINHEIRO] XXI Uma ExposiÁ„o de Carneiro Junior No Pateo da Misericordia A ExposiÁ„o Carneiro Junior È mais uma confirmaÁ„o do talento de quem a organisa. Esse bello rapaz, desde a primeira vez que com elle fallei logo conquistou em extremo a minha simpathia. Alma de poeta epico, idealisando sempre, n'um desejo fremente de ser grande, quadros que prendam e enthusiasmem quem os vÍ. D'esta vez, no seu grande quadro, mais humano e mais terreno, deve ter sido melhor comprehendido pelo publico que tem visitado a exposiÁ„o. Assumpto de molde a prender bem a alma de todos os que ainda tem um pouco d'amor · sua patria, È o seu quadro uma pagina flagrante de verdade e de movimento, arrancada · Historia de Portugal. Figuras talhadas em moldes verdadeiramente portuguezes, agrupadas flagrantemente em posturas naturaes, o seu quadro È, innegavelmente, uma bella obra. A figura altiva, mas sem arrogancia, do hespanhol vencido que recebe uma corÙa de flores para collocar no punho da espada, como para dizer que n„o a elle mas sim a ella se deve qualquer gloria obtida, È bem estudada; e o portuguez, que respeitosamente offerece como galharda dadiva de simpathia a mesma corÙa, È de soberba concepÁ„o. Era primeira intenÁ„o do artista dar outra orientaÁ„o a estas duas figuras, mas fez bem em ter resolvido assim o problema. A fidalguia da guerreira Hespanha n„o podia tomar posiÁ„o humilde deante d'um portuguez illustre e valoroso que tinha a gentileza de offerecer-lhe uma capella de flores, que m„os delicadas de mulher tinham composto. [Figura: Entrega de Evora--Quadro de ANTONIO CARNEIRO JUNIOR] Ha no quadro figuras flagrantes de verdade. Os frades d„o-nos a impress„o serafica d'homens que, entre o latim e o repasto, n„o quizeram tambem fugir · manifestaÁ„o imponente que o povo fazia ao guerreiro vencedor. Os cavallos est„o bem estudados especialmente o que tem a garupa virada ao espectador, cujo tom de cÙr d· o verdadeiro avelulado sedozo de um alaz„o fogoso e bem tratado. A neblina que se percebe por entre a porta em arco da cidade, no seu tom cinzento violaceo tem perfeitamente o tom do amanhecer dos dias lindos do Alemtejo. Este quadro, destina-se a ornamentar a escadaria do sumptuoso palacio do snr. Barahona, d'Evora, um dos homens que mais tem acompanhado e protegido a Arte nacional. Destacam-se para mim depois, n'esta exposiÁ„o, os retratos. Ha-os flagrantissimos de verdade taes como o do _Dr. Jo„o Novaes_, e do _Antonio Cruz_, esse velho rapaz que conheci tal qual desde os tempos idos do _Jornal da Manh„_. O retrato do auctor n'uma postura scismadora e triste, verdadeiro estudo psycologico da sua individualidade; È soberbo. A figura distincta e airosa da esposa do seu amigo Alberto d'Oliveira, executada · noute sob a luz viva d'um largo candieiro de petroleo, È adoravel de cÙr e de execuÁ„o. No _Retrato da Ex.^{ma} Snr.^a D. Emilia de Carvalho_, executado com primor e cuidado, ha um ar de ingenuidade deliciosa e amiga que nos prende. A cabecita da pequenina Rachel, com os seus olhitos vivos e o seu ar risonho, d·-nos a tentaÁ„o de um beijo todo amor, todo candura. Notei na facÁ„o de todos os retratos um quÍ do genio de Columbano, mas um quÍ bom, sem aquella psychologia profunda e doentia que o mestre d· ·s suas composiÁıes. Carneiro Junior È a meu vÍr mais humano, mais positivo. Da paisagem destacarei para aqui, como tendo-me dado mais viva impress„o as seguintes: _Rio Tamega_ (Amarante), _Crepusculo na montanha_, _LeÁa_ (estudo), _No bosque_ (impress„o), _O mar_, _Um poente_ e _Rua do Bomfim_ (tarde de chuva), os quaes s„o flagrantes de luz e de tom. _O mar_, com o seu fundo em iris avermelhado È bello e a _Rua do Bomfim_, em tarde de chuva, na sua meia nevoa, È deliciosa. Os desenhos para o estudo do grande quadro s„o magnificos de correcÁ„o e de justeza. CabeÁas estudadas do natural, nas suas linhas definidas, s„o primores de quem sabe e muito da, para mim difficilima, arte de desenhar. [Figura: Baixo relevo (Bronze)--ANTONIO TEIXEIRA LOPES] Ha na exposiÁ„o uma coisa que me encanta sobre todas as outras: s„o as cabecitas dos filhos do pintor, desenhadas a sanguinea. N„o sei se por ser essa a minha cÙr predilecta, se pelo bem executado d'ellas. Naturalmente por ambas as circumstancias. S„o retalhos da alma d'esse poeta pintor que elle copia com um carinho desusado. J· na sua outra exposiÁ„o um dos quadros que mais me enthusiasmou pelo amor e cuidado com que estava feito foi o retrato da esposa do artista, aquelle que tinha uma grande abada de flores. Isto confirma o que eu penso do homem, um _menager_ todo conforto e carinho. Ponto, porÈm, que eu n„o estou aqui a fazer o retrato psychologico do artista, mas sÛmente a resenha dos seus quadros; mais nada. [Figura: A Prociss„o--CANDIDO da CUNHA] Fechando, vou fallar do esquisso final para o seu quadro grande. Elle chama-lhe um esquisso definitivo, eu chamo-lhe um quadro completo. Gosto d'elle tanto ou mais do que do grande. Se me permitte, chamar-lhe-hei a miniatura do trabalho que È o _clou_ da exposiÁ„o. Que Carneiro Junior desculpe este deslizar de cousas a respeito do seu talento artistico e da sua exposiÁ„o. E, a proposito d'esta e outras exposiÁıes, n„o ser· mau repetir que o meu fim n„o È outro sen„o vÍr se se obriga o publico a interessar-se um pouco mais por o nosso meio artistico. Conheci alguns homens cheios de dinheiro e com pretenÁıes a ter bom gosto, que nunca na sua vida gastaram dez tostıes, que fosse, em uma pintura, a n„o ser na pintura obrigatoria das portas e das janellas da sua casa. TÍm, quando muito oleographias ricamente encaixilhadas nas suas salas de receber. Pois È preciso que esses homens que podem, venham ·s exposiÁıes, puchem pelos cordıes · bolsa, comprem quadros aos artistas que levam uma vida de trabalho e de estudo para nos darem com palpitaÁıes flagrantes os retratos que executam, e com vibraÁıes de luz e de cÙr as paisagens que retalham da grande M„e Natureza para telas, que poderemos ter no nosso quarto de trabalho, recordando-nos pedaÁos da nossa querida terra, t„o bella de paisagens, t„o deslumbrante de sol. XXII Notas ligeiras d'uma ExposiÁ„o Maio È o mez das flores, dos poetas e dos artistas. E a comprovar o meu dizer l· se abriu n'este mez das graÁas e das benÁ„os, a 5.^a ExposiÁ„o de Bellas-Artes, que a prestante aggremiaÁ„o Instituto de Estudos e Conferencias, com o seu grande empenho de vulgarisar entre nÛs o gosto pela Arte, promoveu. Como simples informador d'um limitado publico l· fui n'essa romagem artistica no primeiro dia, mas, porque me vi rodeado por todos os pintores portuenses, n„o me atirei a tomar notas, nem a esmiuÁar detalhadamente tudo aquillo. [Figura: D. Lucilia Aranha Grave] Dois dedos de conversa a este, mais dous ·quelle, ouvindo opiniıes que passavam no ar, n'um quasi sussurro de confidencias, n„o podia o meu espirito socegadamente fazer a apreciaÁ„o sentidamente minha, que eu queria fazer. Depois, eu tenho a veleidade de ter opini„o, de pensar sÛ... e n„o fazer como muitos que se deixam ir na correnteza do que lhe dizem os _espiritos santos de orelha_. Eu vou sempre umas tres ou quatro vezes ·s exposiÁıes d'arte, e fico burguezmente, como um bom mercieiro, estatico deante de todos os quadros... em alguns como n'uma adoraÁ„o pelo bem executado, n'outros como n'um pasmo, do arrojo da concepÁ„o e n'outros ent„o, assombrado, fulminado, ante a imbecilidade com que elles s„o feitos. E depois, serenamente, sem pretenÁıes, nem vaidades, com a franqueza com que fallaria a um conhecido de ha muito, venho dizer ao publico a impress„o que tive. N„o levo a minha franqueza ao ponto de ser descortez com os artistas que conheÁo, nem a incensar bajuladoramente aquelles de quem sou amigo: n„o... sou um _critico_ moderado... sem _coterie_, e honestamente independente. [Figura: Paisagem--AURELIA de SOUSA] O _vernisage_ (eu estou muito visto em termos francezes, n„o acham?) esteve este anno, como em poucos, animado de artistas... O _salon_ tinha um quer que era de superior. Os artistas tinham-se dado ali _rendez-vous_... Uma coisa faltava para dar a nota _chic_, e fina... eram os rostosinhos galantes d'algumas das nossas damas. Se ellas tem apparecido, poderia dizer n'este artigo com _aquelle meu gesto · Augusto Rosa_, que o outro me encontrou, que a abertura da ExposiÁ„o tinha estado muito curiosa, muito _becarre_. [Figura: Aos grillos--JULIO RAMOS] Faltaram porÈm essas notas estridulas de garridice das senhoras, mas, em compensaÁ„o appareceram por l· magnificos tipos _caricaturaes_ e _grotescos_!... Se atÈ eu estive l·!!!... Agradou-me · primeira vista o conjuncto do certamen, se bem que de visita mais demorada, como a que em outra vez fiz, n„o trouxe de l· a mesma impress„o. Ahi est·, se eu tivesse feito de afogadilho este artigo teria dito que a exposiÁ„o era geralmente boa, e agora n„o, n„o seria t„o pessimista. Recortarei pois do catalogo alguns nomes como os de mais destaque. Em primeiro logar, e affirmando cada vez mais a caracteristica de um primoroso paisagista, Marques de Oliveira, com as suas trese telas de paisagem e marinha, e ainda como affirmativa de que elle toca com o mesmo saber a nota da figura, uma primorosa _CabeÁa de velha_, t„o finamente tratada, t„o cuidadosamente desenhada e collorida que me maravilhou. A seguir vem Candido da Cunha, esse delicioso poeta nostalgico de pintura, que me suggestiona com os seus quadros, poentes deliciosos, onde parece que, atravez d'uma doce tonalidade de aldeia, se ouve o religioso toque das AvË-Marias. … Candido da Cunha um d'estes pintores que ao serem vistos uma vez nos seus trabalhos, deixam ficar na nossa retentiva o seu modo especial de pintar, para nunca mais se esquecer, tal È o seu sentimento. Torquato Pinheiro tambem se nos apresenta bem, com uns nove quadros, que a n„o ser aquelle seu tom _gris-violete_, t„o seu, t„o peculiar, me fariam uma mais larga impress„o. Destacarei porÈm as _Lavadeiras na levada_, _¡ vista do Mar„o_, _Sol de tarde_ e _Fim de tarde_ (Real, Porto). [Figura: Paisagem--CANDIDO da CUNHA] Julio Ramos, tambem nos d· quadros que demonstram o seu saber, especialmente o _Fim da tarde_, que È, a meu vÍr, um explendido trabalho. JosÈ de Brito vem · exposiÁ„o com dous retratos a oleo, um pastel e algumas aguarellas. Dos retratos a oleo notei como bem executado especialmente o de _D. Margarida G. Oliveira_. O seu pastel--_Retrato do conselheiro Avides_, È um bello trabalho. Este artista È para mim um dos melhores desenhistas a pastel. As suas aguarellas s„o bem feitas, muito bem feitas. [Figura: Lavadeiras na levada--TORQUATO PINHEIRO] Jo„o Augusto Ribeiro.--Esse bello artista que conheci como um dos bons, vem · exposiÁ„o com seis quadros. Destacarei _O Estudo_ (de troncos), _Depois da chuva_, _A Madrugada_, que me parecem affirmar d'uma maneira categorica que Ribeiro È um bello artista. [Figura: D. Margarida Costa Rom„o] Ha ainda Eduardo de Moura com um quadrinho muito interessante _Um interior de um aido_, onde o assumpto È estudado com cuidado, e pintado com saber, dando a confirmaÁ„o de que este artista n„o È uma vulgaridade. Mais alguns artistas ha na exposiÁ„o, mas, para n„o desviar o espirito do leitor, nem lhe massar a paciencia, n„o me occuparei d'elles, nem dos seus trabalhos. N„o È porque alguns n„o mereÁam a minha attenÁ„o especial, mas, tenho que dedicar duas palavras a algumas senhoras artistas, e aos amadores, e se fosse a gastar muito tempo e espaÁo, pouco poderia dizer d'estes ultimos. Quando entrei pela primeira vez na exposiÁ„o, logo me saltou · vista um quadro de _Camelias_, que eu julguei ser do velho Costa o grande pintor de flores. Aproximei-me e com surpreza vi que n„o era d'elle, mas, sim de D. Margarida Costa Rom„o, uma nova que ao apparecer nos diz logo quanto vale. Mas, n„o admira, l· diz o dictado:--filho de peixe sabe nadar--e D. Margarida Costa È filha de um bello pintor, o Julio Costa. Pois esta senhora com os seus tres quadros d·-nos a impress„o sincera de que se continuar, como principia, ha-de ser uma grande artista. D. Alice Grillo Lima. J· muito nossa conhecida como uma verdadeira artista, tambem d'esta vez se nos apresenta com muita correcÁ„o e saber. S„o bons os seus dous quadros de camelias. D. Sophia de Sousa, n'esta exposiÁ„o vem desfazer uma desagradavel impress„o que me tinha ficado d'uma exposiÁ„o anterior. Agora, com pujanÁa artistica, apresenta-me seis quadros, entre os quaes, com uma garridice soberba digna de nota, o seu _Ao sol_, que È um trabalho largo, definido, cheio de luz, de cÙr, de transparencia. _Uma paisagem_ e o _Margens do Ave_, s„o trabalhos dignos de menÁ„o. Apparecem n'esta exposiÁ„o alguns amadores entre elles, um com muitos quadros, o sr. Hugemin, que j· em tempos fez uma exposiÁ„o sÛ sua, onde deu provas evidentes de que È um amador-artista de valor. [Figura: Ao Sol--SOPHIA de SOUSA] Entre as amadoras est· a snr.^a D. Maria Afflalo, que pela primeira vez expıe os seus trabalhos e que fazendo-o prova que tem muitas aptidıes artisticas e È uma discipula que honra sobremaneira o seu professor JosÈ de Brito. D. Leopoldina Pinto, com o seu quadro _Flores e fructos_, apresenta mais uma prova do seu saber pinturar. D. Clotilde Rocha Peixoto, È uma discipula da Academia de Bellas Artes que se apresenta com um largo quadro inspirado na deliciosa poesia de Campoamor: QuiÈn supiera escribir! … um amplo trabalho executado visivelmente com muita e muita proficiencia. Ha uma das figuras (o padre) que est· traÁado com correcÁ„o e muita propridade. Poderei affirmar que esta amadora È uma das novas que mais firmemente demonstra que ha-de ser uma bella artista. [Figura: D. Maria Afflalo] Ainda figuram na exposiÁ„o mais algumas senhoras, taes como: Viscondessa de Sistello, Condessa de Alto Mearim, D. Maria Alto Mearim, D. Beatriz Alto Mearim. A condessa de Alto Mearim confirma de um modo justificado o seu talento _hors ligne_ na confecÁ„o do bello quadro _Poveretta_. D. Beatriz Alto Mearim, apparece com o seu estudo a pastel; tambem lhe n„o fica a dever nada. … este seu trabalho uma prova incontestavel do seu muito merito artistico. D. Maria Luiza Alto Mearim apresenta duas cabecinhas interessantes e regularmente bem feitas. Viscondessa de Sistello, com tres paisagens feitas com conhecimento de Arte, especialmente uma, que È bellamente feita. [Figura: JosÈ Rom„o Junior] Ha na exposiÁ„o dois trabalhos de esculptura, um de Fernandes de S·, _Rapto de Ganymedes_, outro de JosÈ Rom„o Junior, _CabeÁa de estudo_. A respeito do primeiro artista j· eu disse atraz n'um desenvolvido artigo, o que pensava d'elle. Successor indiscutivel de Teixeira Lopes, È um bellissimo talento. Do segundo, Rom„o Junior, È a primeira vez que vejo trabalhos seus, e confesso que a _CabeÁa de velho_ que apresenta, me d· uma magnifica impress„o. A figura lanÁada com largueza tem magnificos requisitos. … uma demonstraÁ„o evidente de que Rom„o Junior maneja o cinzel e o escopro com proficiencia. Um novo de talento que, de futuro, ha-de continuar a affirmar que a raÁa dos esculptores portuenses È das de primeira ordem. Na secÁ„o aguarella sÛ figuram os nomes de dois concorrentes JosÈ de Brito, de quem atraz j· fallei e D. Isabel Lauer. Esta ultima com dois quadrinhos de figuras. Para mim n„o me desagrada o operario, se bem que nenhum d'elles por completo me prenda muito a attenÁ„o. Bastante amaneirados e muito exquisitos. [Figura: Poveretta--Condessa de ALTO MEARIM] Com desenho a pastel apparecem tambem sÛ dois concorrentes: JosÈ de Brito, artista consumado n'este genero, e D. Beatriz Alto Mearim. Falta fallar de duas secÁıes, ainda: desenho a claro-escuro e arte applicada. Na primeira das secÁıes ha um trabalho delicioso de Torquato Pinheiro, um fino desenho do _Convento de Santa Clara_ de Villa do Conde, trabalho impeccavel de correcÁ„o e firmeza. Luiz Bastos, traz-nos retalhos d'essa linda Coimbra a cidade dos Bachareis, apanhados em estudos varios do Choupal, do Rio Mondego, de Santo Antonio dos Olivaes, etc. Alguns feitos com mestria. Na arte applicada, Jorge CollaÁo, o distincto caricaturista do _Supplemento de O Seculo_. Os seus azulejos s„o interessantes e dignos de nota, especialisando o grande quadro _Reviravolta_, estudado com interesse e executado com cuidado. E eis, meu amigo publico, a impress„o sincera de quem viu a exposiÁ„o com a independencia caracteristica do seu pensar e com a antecipada disposiÁ„o de n„o regatear merecimentos a quem os tivesse, nem adular aquelles que, sendo mediocres, aspiram · enfatuada bazofia de serem notaveis. Sinceridade e nada mais. … provavel que os _verdadeiros_ entendedores n„o pensem como eu, mas l· diz o dictado:--que seria, do amarello se n„o houvesse mau gosto. Deveria fechar j· aqui a minha informaÁ„o mas vejo l· expostos uns azulejos, _panneaux_, etc., que se desculpam por serem o reclame de uma fabrica de Ceramica, porque, se tem sido apresentados como trabalhos artisticos, ent„o deveriam ser exautorados rigorosamente. E adeus, que n„o tenho tempo para mais, nem sei mesmo se alguem ter· coragem de ler isto atÈ ao fim. [Figura: Barcos de pesca--JULIO RAMOS] XXIII AMADORES PORTUENSES ALBERTO AYRES DE GOUVEIA Discipulo de MARQUES DE OLIVEIRA Este meu biographado n„o È precisamente um amador; poderia, sem receio ele ser contraditado, e sem medo de errar, incluil-o francamente no numero dos nossos mais distinctos pintores, e isso porque os seus trabalhos artisticos s„o de molde a dar-lhe esse fÙro. Alegro-me ao escrever este artigo, e alegro-me porque È sempre com consolo que me refiro ·quelles que, possuidores de algum valor, se n„o deixam adormecer · sombra ele alguns louros colhidos na paz doce da mandria, antes tentam a mais e mais fixar as suas aptidıes, n'um trabalho serio e proveitoso. E, Alberto Ayres tem feito isto. Desde que se emprehendeu a pintar tem trabalhado com afinco e muitissimo proveito. [Figura: Alberto Ayres de Gouveia] Conhecia de ha muito este rapaz, que, pela sua avultada fortuna, pelas relaÁıes de familia, e por viver na alta roda, onde se dava o prazer de ser um dos eleitos, eu tinha na conta de um excellente cavalheiro, um fino homem de sala, cavaqueador com espirito e mais nada! Mas, enganei-me redondamente, o que n„o È para admirar, porque acontece a muito boa gente. O meu biographado era tudo aquillo e ainda mais alguma coisa:--um amador _enragÈ_ da pintura. Como soube eu isto e como tive emfim a confirmaÁ„o do seu merecimento artistico? Vou tentar dizel-o em poucas palavras. Nas noites frias de inverno temos por costume reunirmo-nos alguns amigos em cavaqueira alegre e discutimos n'essas occasiıes muitissimas coisas, problemas d'Arte, mundanismo, casos alegres do dia, philosophando de vez em quando sobre politica, litteratura, celebridades, theatros, etc., etc. N„o È um cenaculo, nem uma academia, È um _cercle_ algo espiritual, onde a alegria tem especialmente o seu logar. Pois n'uma d'essas cavaqueiras abordou-se o assumpto pintores e amadores, e entre outros nomes veiu · tela da discuss„o o nome de Alberto Ayres de Gouveia, que um dos circunstantes conhecia perfeitamente. Elogiou-o, fez a historia da sua aprendizagem d'Arte e eu fiquei como se costuma dizer com a _pedra no sapato_ e, como observador que sou, tratei immediatamente de me informar do merecimento verdadeiro ou falso d'este amador. De divagaÁ„o em divagaÁ„o e de informe a informe, vim a concluir que o meu amigo tinha muita raz„o e que Alberto Ayres era de facto um rapaz de incontestavel merecimento artistico. Mas, n„o sÛ como pintor elle deveria ser apreciado, como auctor e amador dramatico tambem. Eu me explico. Um anno, estando a banhos como de costume, na formosa e aristocratica praia da Granja, alli deu as suas provas de amador, desempenhando, n'uma festa de caridade, alguns papeis de umas deliciosas comedias, que elle proprio tinha escripto, e que, segundo entendedores do genero, eram verdadeiras joias litterarias finamente buriladas. E, com esta minha eterna mania de conversar, uma tarde, no atelier do meu muito amigo e infeliz Manuel San Rom„o, fallando-lhe dos divertimentos da Granja e a respeito do baile Luiz XV que alli se dera, das finas recitas que a gentil colonia alli a banhos, costuma realisar, o nome de Ayres de Gouveia foi citado e eu disse como me tinham inspirado sobre o seu merito litterario e artistico. Manuel San Rom„o, com aquelle seu modo correcto e fino e aquelle seu espirito ousado e emprehendedor, n'um gesto todo de enthusiasmo fallou-me d'elle dizendo, que no que elle era notavel era na pintura e citava um formoso retrato do Snr. D. Antonio Ayres de Gouveia, ent„o Bispo de Bethesaida, hoje Arcebispo da Calcedonia e tecendo-lhe os mais rasgados elogios, affirmou-me que elle era um amador que havia de futuro marcar epocha entre os artistas (mestres) portuguezes. [Figura: A palavra do Mestre--ALBERTO AYRES de GOUVEIA] A opini„o de Manuel San Rom„o, era para mim como uma pagina do Evangelho; elle que lhe via merecimento era porque na verdade o tinha. O retrato se n„o era uma maravilha, dizia San Rom„o, era no entanto uma obra acceitavel e cheia de bellos predicados, um verdadeiro quadro tocado com proficiencia, desenhado com saber, d'um colorido doce e d'uma mais que regular semelhanÁa. Ao ouvir isto, logo se me arreigou no espirito a ideia de que elle tinha talento e me nasceu o desejo de ter de _vizu_ a confirmaÁ„o d'isso, o que sÛ poderia conseguir visitando o seu atelier e a sua galeria, pois que elle, nem expunha, nem vendia os seus trabalhos. Como conseguir porÈm isto? Quasi impossivel, porque o amador fugia · visita que eu tentava fazer-lhe, querendo assim deixar-se ficar no encoberto mysterio d'uma modestia, que n„o tinha raz„o de existir. Passara-se tempo, muito tempo, sem que eu tivesse o prazer de, encontrando-o, lhe manifestar o desejo que tinha de n'uma visita ao seu atelier, vÍr o que elle tinha realisado em Arte. Em 1902, abre uma das exposiÁıes que o Instituto de Estudos e Conferencias t„o proveitosamente tem organisado e realisado no Pateo da Misericordia. Era um magnifico dia de _vernisage_, e eu ao entrar sou immediatamente attrahido d'um modo particular e suggestivo, por umas poucas de telas que me saltam · vista impressionantemente. Tomo do catalogo e folheando inquiri quem È o seu auctor. O nome de Alberto Ayres de Gouveia era o que se lia por cima dos numeros que eu procurava. Eram, de facto, de molde a impressionar os trabalhos expostos. ¡ mente me saltou, como uma doce recordaÁ„o, a conversa que tivera com Manuel San Rom„o e immediatamente me convenci de que quem pintava aquelles quadros n„o podia ser apellidado de simples amador. Era indiscutivelmente muito mais do que isso, era um verdadeiro artista e com trabalhos taes, que alguns pintores, com nome feito, n„o desdenhariam assignar. Em artigo que n'outro logar publÌco a elles me referi e alli disse alguma coisa do que pensava a tal respeito. Agora porÈm que dedico ao seu auctor duas paginas do meu livro, em especial, n„o ser· demais tornar a fallar d'elles. Eram para mim esses trabalhos primorosos, mas, se alguns defeitos tinham eram elles por si t„o insignificantes que apenas mereciam o reparo ligeiro e unicamente indicativo, sem que viesse aggravado com a investida descortez e brutal de certa critica imperduravel e muitas vezes inconsciente. Porque os trabalhos expostos eram indicados no catalogo simplesmente como d'amador, mas d'amador distincto e correcto em verdade. E bastava sÛ isto, que elles fossem de amador, mas feitos firmemente com largueza de traÁo, precis„o de cÙr, correcÁ„o de desenho e de perspectiva, definidos emfim como de verdadeiro artista, para espantar a critica de campanario e os entendedores _bon marchÈ_. E tudo isto porque? Porque habitualmente os amadores quando apparecem em publico com trabalhos seus, s„o estes t„o banaes e t„o simples que passam perfeitamente desapercebidos entre os trabalhos dos artistas, sem lhe fazerem mossa, ou sem lhe provocarem confrontos. Com Alberto Ayres, porÈm, n„o se dava isso, apparecia pela primeira vez, mas t„o desassombradamente e com trabalhos de tal folego, que atÈ houve quem n„o quizesse acreditar que eram d'elle. Mas eram e t„o bons que poderiam entrar com gloria em qualquer concurso, pois tenho a certeza que ao seu auctor seria dada uma primeira classificaÁ„o. [Figura: Christo morto--ALBERTO AYRES de GOUVEIA] Ent„o È que mais e mais se me encasquetou na cabeÁa a ideia de observar toda a sua obra, conhecel-o no seu intimo, na sua maneira de vÍr e de pintar, e depois de um assedio em forma consegui que elle me desse a honra de permittir-me uma visita d'Arte. E visitei ent„o a sua formosissima casa, onde se espalham artisticos _bibelots_ e bellos trabalhos de muito valor artistico. Fiz esta visita cheio d'uma suave uncÁ„o que se deve aos templos onde se sacrifica a um Deus. N'aquella casa sacrificava-se a Deusa Arte e por isso reverente alli me conservei. Conversando durante algum tempo contou-me a sua iniciaÁ„o na arte de pintar, e como, sob a competente e abalisada inspecÁ„o do grande Marques d'Oliveira, pÙde conseguir o que fazia. Desenhou muito, e quando lanÁava os seus vÙos para mais alto, sob indicaÁıes do professor, foi em viagem artistica pela Europa, aos paizes onde mais afincadamente se rende culto · Arte e alli estudou nos museus e nas escolas de pintura alguma coisa que lhe dÈsse conhecimentos uteis. E assim, analysando e estudando os quadros geniaes dos mestres e acompanhando os adeantamentos e os progressos das novas escolas, percorreu os muzeus de Madrid, Paris, Londres e Italia, n„o com a despreoccupaÁ„o de um _touriste_, mas com a observaÁ„o religiosa d'um crente, sob a indicaÁ„o e a companhia de Marques de Oliveira, seu professor e que È entre os que pontificam na Pintura, um dos que mais sabiamente sabem vÍr, porque È dotado d'um espirito critico especial e finissimo. Da visita que fiz ao atelier d'este distincto amador, ficou a mais grata e a melhor das impressıes. D'entre as telas que vi, as que mais fundamente me impressionaram foram a _Leitura das prophecias_, _Retrato do Ex.^{mo} e Rev.^{mo} Snr. Arcebispo de Calcedonia_, _A palavra do Mestre_, _Retrato do proprio auctor_, _Retrato de A. Burnay_, _Estudo_, _Baixo imperio_, _Appolo_ e _CabeÁa d'estudo_ (carv„o), que s„o admiraveis. [Figura: S. Jo„o lendo as prophecias--ALBERTO AYRES de GOUVEIA] D'alguns d'estes trabalhos, apresento as gravuras, que pude conseguir, quebrando quasi · forÁa a modestia do meu biographado. El-Rei D. Carlos, n'uma visita que fez · ExposiÁ„o de Bellas-Artes em Lisboa, fez menÁ„o especial dos seus quadros, chamando-lhe pintor notavel e de pulso. E de facto El-Rei n„o se enganou porque Alberto Ayres de Gouveia est· na galeria dos artistas de pintura portuguezes mais distinctos. [Figura: Paisagem--CANDIDO da CUNHA] [Figura: Estudo--JO√O AUGUSTO RIBEIRO] XXIV Uma ExposiÁ„o de Estatuetas FRANCISCO GOUVEIA J· era tempo de dedicar algumas palavras de justiÁa, ao distincto artista Francisco Gouveia, ·cerca da visita que fiz · sua magnifica exposiÁ„o de esculptura, aberta aqui no Porto, no Sal„o da Photographia Guedes, e cumprir o dever gratissimo de corresponder · galanteria e ao modo penhorante como elle me acolheu. E faÁo-o, porque nunca antepuz · manifestaÁ„o de admiraÁ„o pelos trabalhos de qualquer artista de valor, outra qualquer manifestaÁ„o. [Figura: Francisco Gouveia] A Arte, para mim a mais sublime das cousas, a mais insinuante das manifestaÁıes, tem um logar t„o alto, t„o deslumbrante, t„o culminante que em frente d'ella eu julgo-me insignificantemente pequeno, e curvando-me reverente, fico depois extatico, cheio d'uncÁ„o na mais santa e na melhor das adoraÁıes. Por isso, ao abalanÁar-me ao cumprimento d'um dever sagrado, eu commetteria um crime de lesa-religi„o artistica se n„o dedicasse algumas paginas · deliciosa exposiÁ„o, que ha tempos tive o prazer de visitar. J· o tenho dito varias vezes e hoje o repito: eu sempre que tenho ensejo de admirar uma obra de arte, pintura, esculptura, musica, ou seja o que fÙr, nunca falto; sou dos que vou primeiro, e, quasi sempre, dos que sahem no fim. … facil ficar perfeitamente embasbacado em frente d'um quadro, ou d'uma esculptura, durante horas, alheio a tudo quanto se passa em volta de mim, tal me tem succedido ante as obras de MalhÙa, Salgado, Carlos Reis, Marques de Olivieira, etc., e como em nenhumas outras, ante as extraordinarias creaÁıes do sublime Teixeira Lopes. Por isso, como um fanatico pela Arte eu accorri ao Sal„o da Photographia Guedes a vÍr os trabalhos, j· para mim conhecidos de nome, do nosso querido concidad„o Francisco Gouveia. Que este artista, como todos os bons esculptores portuguezes, tambem È filho do Porto. Francisco Gouveia, era um nome que se impunha j· de ha muito · consideraÁ„o e · admiraÁ„o de todos nÛs, porque l· fÛra, no estrangeiro, affirmava exhuberantemente, com os seus trabalhos, que nÛs os portuguezes tambem somos capazes de dar provas evidentes e definidas de intellectualidade e aptid„o artisticas. [Figura: Teixeira Lopes--F. GOUVEIA] Entre muitos dos seus bellos trabalhos destacarei, para fazer notar aqui, o seu _Beatriz de Portugal_, que marcou d'uma fÛrma confirmativa e energica o seu saber e o seu modo de esculpir. Este trabalho ao apparecer em Paris, de tal nomeada foi cercado, que mereceu a honra de ser reproduzido em diversas illustraÁıes estrangeiras, onde se fizeram referencias honrosamente dignas ao nome do nosso artista. Mas, como diz Xavier de Carvalho n'um pequeno esboÁo critico a respeito de Francisco Gouveia: ´quiz ser o artista naturalista no minucioso detalhe, comeÁando por nos dar um _EÁa de Queiroz_ apanhado n'uma _pose_ verdadeiramente natural e sincera. Depois temos a serie das suas esplendidas estatuetas, t„o cheias de vida plastica, d'um correctissimo desenho, mesmo quando o esculptor passa da maneira emocional do seu mestre querido Injabert · larga _Èbauche_ de Rodin que mesmo chegou a attingir na silhueta do grande artista rebeldeª. E de facto assim È. Francisco Gouveia realisou este _desideratum_ e ao abrir ao publico indifferente e · critica honrada e honesta d'uns, venenosa e malsinada d'outros, a sua exposiÁ„o, fel-o, sem aspirar as louvaminhiches dos primeiros nem temer boas ou m·s apreciaÁıes dos segundos. Fel-o como affirmaÁ„o publica do seu talento artistico e da sua persistencia do trabalho, fel-o como era justo que o fizesse. Para isso traz-nos 78 trabalhos qual d'elles o mais fino, qual d'elles o mais correcto, qual o mais bem estudado, e mais bem executado. Desde a estatueta sÈria · estatueta caricatural, desde os medalhıes graves ·s mascarasitas patinados, nada ha alli que n„o seja correcto e que n„o seja perfeito. Estudos regularmente anatomisados, dando o individuo em todo o seu ser, em todo o seu aspecto, com todo o ar natural, parecendo mover-se regular e compassadamente, vivificados, com movimentaÁıes naturaes, express„o definida no rosto. E tudo isto em estatuetas que variam entre 40 e 60 centimetros d'alto. Mas, ha para mim, entre todos os trabalhos expostos, um, que È dos mais extraordinarios--a caricatura psychologica do grande morto _EÁa de Queiroz_!--Fulgurantissima de genio. Vemos n'ella, n'aquelle bronze, atravez da esgrouviada figura do romancista que nos assesta o monoculo n'uma persistente meticulosidade de observador a sua alma analysta, com um quÍ de sarcastico, como sorrindo-se interiormente de toda esta nossa sociedade, que elle olha atravez da sua impertinente lente. … simplesmente assombroso. [Figura: EÁa de Queiroz--F. GOUVEIA] A minha vontade era fazer notar uma a uma as estatuetas, as composiÁıes, as caricaturas, as medalhas, mas isso È impossivel e portanto, em mais duas palhetadas vou fechar este artigo. Entre os trabalhos _estatueta-retratos_, muitos d'elles de pessoas nossas conhecidas, ha alguns com quem appetece conversar um pouco. A do _Marcos Guedes_, a do _Pae Ramos_, (ambos estes collegas do _Janeiro_), a do _Snr. Caetano Pinho da Silva_, a do nosso querido _Teixeira Lopes_, a de _Guedes d'Oliveira_ s„o magnificas. Ha tambem um retrato do grande poeta _Guerra Junqueiro_ (phantasia), que È muito interessante. Guerra Junqueiro È apresentado com uma tunica que lhe cae sumptuosamente como a um propheta, tendo o braÁo direito levantado em menÁ„o de quem prÈga o Evangelho, e no braÁo esquerdo as taboas da lei. … delicioso de concepÁ„o e de execuÁ„o. Na _estatueta-composiÁ„o_ destacarei: _A viajante_, _A primeira esculptura_, _A parisiense_, _A tristeza_, _MeditaÁıes_, _Grupo de leitoras_, _Saudades_ e _Ama parisiense_ (do jardim de Luxemburgo). [Figura: Marcos Guedes--Guedes d'Oliveira--Guerra Junqueiro--_Pae Ramos_--FRANCISCO GOUVEIA] Mas que estou eu aqui a destacar, se todas ellas s„o boas, se todas ellas me encantaram?!... As outras, terras-cotas, bronzes, etc., s„o, como estas, deliciosas obras, que merecem ser vistas e apreciadas devida e detalhadamente. N„o È esta exposiÁ„o de molde a ser visitada como uma exposiÁ„o de quadros, onde as cÙres nos venham de longe em varias tonalidades, · vista. N„o, aqui precisamos de parar, analysar feiÁıes, expressıes, linhas, tudo, emfim. … preciso deixar a vista pousar durante um pouco, para examinar toda aquella perfeiÁ„o, toda aquella correcÁ„o, que n„o se pÛde vÍr · _vol d'oiseau_. … preciso fazer como eu fiz, estar l· horas e voltar l· mais vezes, que de cada vez que se l· volta novas cousas se descobrem nos trabalhos expostos. Quem vÍ sÛ uma vez, quasi sempre n„o vÍ nada. Vou acabar por aqui, antes, porÈm, devo dizer que Francisco Gouveia È um d'estes rapazes insinuantes, com quem se sympathisa logo que se falle com elle uma vez. Modesto em extremo, È um trabalhador de verdadeiro merito, e um espirito lucidissimo. E eu, ao fechar o meu artigo para as Notas d'Arte, aqui lhe deixo significadas, ainda que muito pallidamente, a minha admiraÁ„o ao seu grande talento artistico e a convicÁ„o de que o seu nome tem o direito indiscutivel de figurar a par do dos nossos primeiros artistas, pois exuberantemente conquistou um dos primeiros logares, como sacerdote magno, no templo da sublime Arte Portugueza. [Figura: Paisagem--LUCILIA ARANHA GRAVE] [Figura: Teixeira Lopes] [Figura: Caim--TEIXEIRA LOPES] XXV MANUEL MONTERROSO Tenho para mim este modo de pensar, talvez exotico, mas convicto, de que a caricatura È um maravilhoso remedio para muitas doenÁas sociaes. Bem sei que nem sempre a cura se faz e a caricatura È applicada sem resultados praticos. Mas, muitas vezes, a maior parte d'ellas, a applicaÁ„o adquada, d'uma caricatura, no momento psychologico, produz tal revoluÁ„o no meio onde È lanÁada, que a doenÁa social desapparece como por encanto. [Figura: Manuel Monterroso] Com todos os remedios acontece a mesma coisa. Quantas vezes um illustre clinico applica um caustico, cheio de confianÁa, convencido que dentro de duas horas a pelle do doente estar· levantada e suppurante, e apesar do medicamento estar em pleno effeito, o caustico falha, ou porque o doente j· n„o d· reacÁ„o para que o resultado seja satisfatorio, e n'esse caso est· morto, ou ent„o por que a pelle È de tal fÛrma grossa e callejada que n„o ha nada que a possa atravessar e remover! As doenÁas da sociedade s„o tal qual as doenÁas dos homens. E ella propria tambem tem anomalias como qualquer doente. Uma sociedade morta, ou quasi a dar o ultimo suspiro, pÛde ser causticada com caricaturas, que n„o resurgir·. E o mesmo succeder· se ella pela desfarÁatez dos seus caracteres fÙr uma sociedade _estanhada_, endurecida e callejada. Mas se entre essa sociedade alguma coisa houver ainda que vitalmente sinta as picadas ardentes da caricatura, ent„o ella resaltar· e viver· pondonorosamente espurgada do mal que a amortecia e definhava. [Figura: Dr Leopoldo Mour„o--Caricatura de MANUEL MONTERROSO--Publicada na _Voz Publica_] A mesma revoluÁ„o se faz na vida social dos homens isoladamente. Caricaturados por um lapis mordaz, mas fino, que os apresente · irris„o publica, sob qualquer dos seus aspectos ridiculos, elles remorder-se-h„o na sua vaidade intima e, procurar„o, embora disfarÁadamente, curar-se dos seus defeitos, se È que o mal da desfarÁatez os n„o contaminou t„o intimamente, que os tenha posto por completo fÛra da acÁ„o benefica, embora torturante do medicamento. Muitos, muitissimos factos poderiam ser apontados como provas indiscutiveis e irrefutaveis, se quizessemos d'um modo affirmativo e terminante impÙr a nossa opini„o. Mas, n„o, n„o temos nem esse desejo, nem essa vaidade. Ao delinear estas linhas, simplesmente o fazemos como o _avant-propos_ · apresentaÁ„o que tentamos fazer d'um dos mais distinctos medicos portuenses, e no momento presente o primeiro caricaturista portuguez. Hoje que infelizmente perdemos o maior de todos os nossos caricaturistas--o grande, o incomparavel mestre--Bordalo Pinheiro, posso dizer abertamente que Manuel Monterroso È entre nÛs o unico capaz de seguir t„o gloriosamente como o Mestre, as suas deslumbrantes pisadas e seu genio fulgurante e radioso. [Figura: Uma pagina da _Parodia_--MANUEL MONTERROSO] E, n„o quero que Monterroso me agradeÁa estas verdades sinceras que me saltam da penna, ditadas pelo pensamento, espontaneamente, lealmente, taes como as sinto. N„o, nem o meu fim È esse. Se lhe dedico algumas palavras È porque na minha pequenez de insignificante amador de Arte, tenho por elle, pelo seu lapis fino e caustico e pelo seu muito talento artistico, uma profunda admiraÁ„o. Extasiava-me diante das caricaturas de Bordalo com a veneraÁ„o adoravel de verdadeiro admirador, do engraÁado, do mordaz, do bello e do correcto. Hoje ante o traÁo fino, seguro, preciso e mordaz de Monterroso tambem me permitto ficar extasiado. E tudo isto porque o considero um optimo caricaturista, um perfeito desenhista. Incapaz, como sou, de faltar · verdade, n„o escrevia que o achava grande, nem o diria t„o afoitamente, se n„o estivesse, como estou, convencido de tal. N„o digo isto, È bom que se saiba, para me dar ares; digo-o porque rebuscando e procurando na pequena galeria dos caricaturistas portuguezes, n„o encontro nenhum que possa passar-lhe adiante. Nem mesmo o Manuel Gustavo, que ainda assim, para, mim, È um dos melhores. [Figura: Jo„o Oliveira Ramos--Caricatura de MANUEL MONTERROSO--Publicada na _Voz Publica_] Pois, nem mesmo esse, que t„o intimamente conviveu com o Mestre, que t„o de perto recebeu as suas liÁıes, pÛde dizer ousadamente a Manuel Monterroso:--eu valho mais do que tu... o primeiro logar pertence-me... Por que de facto n„o vale. Manuel Monterroso tendo a intuiÁ„o natural de _fazer bonecos_, (como elle diz), conhecendo anatomicamente o homem (ou elle n„o tivesse sido um dos bons discipulos do terrivel Lebre[1], possuidor d'uma retentiva verdadeiramente photographica, elle, vendo uma vez um individuo, apanha-lhe immediatamente, n„o sÛ as linhas geraes, mas os mais pequenos detalhes caricaturaes: e, n'estas condiÁıes, com estes predicados e alem de tudo isto uma boa dÛse de talento, realisa desenhando verdadeiras obras primas. [Figura: Raphael Bordallo Pinheiro--Caricatura em barro de MANUEL MONTERROSO] Fulgurantissimas de graÁa s„o as varias paginas, que muitas vezes, de collaboraÁ„o com os litteratos Campos Monteiro e Guedes d'Oliveira, viram a luz na _Parodia_. Notavel como trabalho de verve fina e delicadissima a caricatura que foi offerecida ao Dr. Jo„o Pereira Dias Lebre, professor de anatomia da Escola Medica do Porto, no anno em que elle se jubilou. Notaveis os seus trabalhos, que tem distribuidos por amigos, em amistosas dadivas. Caricaturas avulsas de typos conhecidos feitas em intimas camaradagens e que o grande publico nunca teve o prazer de vÍr, mas que eu conheÁo perfeitamente bem. N„o fallando nas caricaturas que a largos traÁos de carv„o elle lanÁa rapidamente sobre o papel branco que friamente apparece ao publico, quando em algum concerto de caridade elle vem tambem coadjuvar o luzimento d'essa festa, com a irradiaÁ„o do seu genio repentista e correcto. N'essas occasiıes È que elle tem mostrado mais publicamente a facilidade com que retem e executa o desenho caricatural dos typos apresentados. A todos quantos tenho visto fazer este genero de trabalho, tenho notado uma coisa: elles ao apresentarem-se em publico trazem j· no seu cerebro estudados e desenhados os typos a executar, e assim invariavelmente nos atiram com o JosÈ Luciano, o Hintze Ribeiro, o Burnay, o ZÈ Povinho, o Rei de Inglaterra, o Rei de Portugal e outros personagens, cujo perfil est· de ha muito conhecido e estudado, perfis que, a maior parte das vezes, eu mesmo, leigo em desenho e em caricatura, ia desenhar depois de uma leve recordaÁ„o. Manuel Monterroso, n„o faz assim. Uma vez no palco ou estrado, lanÁa a vista por sobre a plateia, e com aquelles olhinhos vivos e penetrantes fÛca um individuo. Olha-o duas vezes e em seguida, costas voltadas ao publico elle ahi vae, carv„o em punho, traÁando, rapida e precisamente o typo que escolheu. … assim que elle faz; nunca trouxe de casa, no seu caderno de apontamento, as notas typicas dos individuos a desenhar. Mas, n„o sÛ como desenhista e caricaturista a lapis ou a aguarella, elle È notavel. Ha alguma coisa mais a notar no meu artista. Como ceramista tambem È para ser notado e muito. --Ora? dir· o leitor! Como ceramista? Pois n„o lhe conhecia essa prenda?! --Nem eu! Mas ha tempos em conversa, a rirmos sobre mil coisas diversas e muito especialmente sobre _bonecos_, Manuel Monterroso disse-me · queima roupa: Sabe, vou fazer _bonecos_ em barro, caricaturas de outra especie. --VocÍ est· a brincar, disse-lhe eu. --N„o estou, n„o, ver·. E a primeira ha-de ser a do Bordalo (ainda elle era vivo). Dito isto, despediu-se de mim, e, bem contra minha vontade, n„o o tornei a vÍr durante uns poucos de dias. Nem mais me tinha lembrado d'isso, quando uma bella manh„ vejo entrar o Monterroso pela porta dentro com um embrulhosito na m„o, dizendo:--C· est· a obra. [Figura: O Rei da PeÁa--Caricatura de MANUEL MONTERROSO--Publicada no _Primeiro de Janeiro_] [Figura: Os Donos da Casa--Caricatura de MANUEL MONTERROSO--Publicada no _Primeiro de Janeiro_] Corri apressado ao seu encontro, obrigo-o a mostrar-me o embrulhito e... ante a appariÁ„o que se fazia deante dos meus olhos eu ficava estasiado. Uma delicada, uma fina maquete da figura em corpo inteiro do grande mestre da Caricatura, apparecia diante de mim, admiravelmente lanÁada, sabiamente estudada e medida, bellamente executada. N„o parecia o primeiro trabalho de um amador, n„o. Era o trabalho de quem sabe e muito, como o barro se espalma e se contorna, como se modela e como se vivifica. N„o penseis que faÁo o elogio balofo d'uma insignificancia. FaÁo simplesmente a resenha verdadeiramente sincera de uma das mais notaveis manifestaÁıes do talento do meu querido caricaturista. [Figura: JosÈ Ribeiro--Caricatura em barro de MANUEL MONTERROSO] N„o resisti, abracei-o, felicitando-o e pedi-lhe que continuasse n'aquelle novo systema de caricaturar os homens notaveis do nosso tempo, e do nosso conhecimento. Prometteu-me continuar mas, a sua medicina e os seus muitos afazeres, n„o tem consentido que os meus olhos possam vÍr mais d'aquellas deliciosas obras. A reproducÁ„o em bronze da _maquete_, em que fallei foi elle, como manifestaÁ„o da sua muita admiraÁ„o e amizade pelo grande mestre, levar-lh'a a Lisboa, onde Bordalo, como eu, se extasiou ante a disposiÁ„o artistica de Monterroso e a execuÁ„o d'aquelle trabalho. E, posto isto, posso fechar o artigo porque j· provei bem · evidencia que Manuel Monterroso È innegavelmente um rapaz de indiscutivel talento. Mas, perguntar· o leitor: a que veiu aquelle prologo em que se fez jogar a medicina e a caricatura como meios curativos da sociedade e das gentes?! Eu explico. … que se n„o tivesse gasto tanto tempo ainda vos havia de dizer como È que o Manuel Monterroso pÛde ser ao mesmo tempo um grande caricaturista e um bello medico. Isso porÈm fica para segundas leituras. XXVI A BAIXELLA BARAHONA Venho cheio d'um sincero enthusiasmo fallar-vos agora exclusivamente d'um dos maiores acontecimentos para a arte de ourivezaria portugueza, e n„o sÛ para ella como para a Arte, na verdadeira accepÁ„o da palavra; da Baixella Barahona! … esta j· bem conhecida em todo o Portugal, pelo que d'ella tem dito os jornaes de Lisboa, mas um brado mais, d'um sincero amador, nunca faz mal para engrossar o cÙro de hossanas, que em volta de t„o magnificente obra, se tem levantado por todos quantos a tem visto. A casa Leit„o & Irm„o, innegavelmente os primeiros joelheiros e ourives portuguezes, levaram a cabo a execuÁ„o da obra mais monumental e mais artistica no seu genero, que se tem feito em Portugal ha cem annos para c·. E estou bem certo que ser· preciso passar um incalculavel numero de annos para que se faÁa uma outra obra assim. [Figura: Columbano Bordallo Pinheiro] Dous s„o os motivos, que me levam a acreditar n'esta profecia: ´A falta de homens de gosto e de dinheiro, como o dr. Francisco Barahona; e a falta de comprehens„o da maior parte da gente, de que a Arte È a manifestaÁ„o mais bella e mais brilhante do desenvolvimento espiritual e intellectual d'uma naÁ„oª. Mas, como n„o me julgo com competencia para divagaÁıes philosophicas sobre _Arte_, _Dinheiro_ e _Gosto_, vou entrar no meu assumpto--A Baixella Barahona--da qual est„o em exposiÁ„o o _Centro de meza_, e as _Duas serpentinas_. S„o estes tres monumentos, deixem-me assim chamar-lhe, uma coisa phantastica. Delineados sobre motivos esculpturaes do tempo de D. Jo„o V, harmonisou-se n'uma contextura brilhante, encantadora, fazendo-nos passar, como que em revista as decoraÁıes architectonicas dos monumentos da epocha, os escudos d'armas da casa real de D. Jo„o V, as talhas douradas dos conventos, as conchas nacaradas dos mares, que nÛs portuguezes dominamos nos nossos tempos de navegadores, e as aguas espraindo-se nas nossas formosissimas praias onde o mar bate altisonante, cantando ainda restos das nossas passadas glorias. [Figura: Serpentina da Baixella Barahona] … como que a orquestraÁ„o muda d'uma epopeia de deslumbramento e de luxo. Mereciam um poema, tal È o seu primor e a sua riqueza. Por ambas as vezes, que fui vÍr estas deslumbrantes obras de arte, fiquei estasiado algumas horas, na contemplaÁ„o d'ellas, e cada vez que as olhava novos encantos lhe achava; aqui eram os festıes de flores que pareciam baloiÁar ao sopro da aragem, pendentes das m„os torneadamente papudas dos deliciosos amores; mais em baixo, os golphinhos com as suas fauces escancaradas d'onde jorram torrentes d'agua que se espraiam pelo enconchado da base; de todos os lados, as nacaradas conchas encurvadas caprichosamente n'um anichamento sublime de preciosidades do fundo do mar, e contornando tudo isto n'uma justeza de fÛrma, n'um carocolar de serpente, d'um brunido admiravel, como que uma fita de seda que m„os delicadas de fadas se entretivessem a dispÙr alli, como cercando aquella serie de deliciosas coisas. Alguem que tenha visto a Baixella, dir·: e as figuras que alli existem onde as deixar· ficar o chronista? As figuras essas s„o deslumbrantes de contextura, e se me deixei ficar para o fim a fallar n'ellas, È, que t„o fundo me feriram no espirito que lhe reservo um logar mais ao fim do artigo para que quem me ler nunca se esqueÁa d'ellas. O centro, como muito bem diz o nosso amigo M. Oliveira Ramos, na memoria escripta expressamente para ser distribuida pela casa Leit„o aos seus convidados, compıe-se d'uma taÁa oblonga de amplo bojo, enfunada para a base e recordando talvez na sua fÛrma, o casco dos nossos galeıes do periodo aureo. [Figura: Centro de meza da Baixella Barahona] De cada lado d'esta taÁa e como sentados no rebordo, ha duas figuras; um Fauno e uma Bachante. O Fauno, tendo n'uma das m„os uma frauta de Pan, ri brejeiramente para um amor que parece ter-se deitado na base a analysar aquelle typo t„o caracteristico e t„o bem delineado. E a Bachante com um exhuberante cacho d'uvas, tenta o outro amor que, deitado tambem, nos d· a impress„o suave d'um delicioso _bÈbÈ_ a quem uma nympha estivesse fazendo negaÁas com em brinquedo. Mas, È tal o deslumbrante das fÛrmas e o rigor da anatomia d'estas figuras, t„o primorosamente modeladas e t„o assombrosamente executadas que parece que aquella fria prata, de que s„o feitas, se anima e palpita. Todo o conjuncto È bello, mas as figuras extasiaram-me. Columbano Bordallo Pinheiro, ao modelar aquelles primores de arte, (talvez isto seja uma heresia), fez, a meu vÍr, um dos seus trabalhos mais geniaes, a manifestaÁ„o mais ampla do seu muito talento. Porque È preciso ter-se muito talento para se realisarem obras d'aquellas. Ficarei por aqui, se bem que n„o era esse o meu desejo, mas a falta d'espaÁo e de tempo, a isso me obrigam. Antes porÈm de fechar cumpre-me fazer, por este meio, o que j· fiz pessoalmente, dar um aperto de m„o, a quem se abalanÁou a uma empreza como esta e saudar enthusiasticamente com o meu fraco appoiado os grandes collaboradores d'esta manifestaÁ„o de arte portugueza,--o dr. Francisco Barahona, o verdadeiro patriota que sabe como ninguem comprehender para que serve o dinheiro,--Columbano Bordallo Pinheiro, que para essa obra deu parte do seu _eu_ artistico--Augusto Luiz de Sousa e Francisco Ignacio Cardoso os dois artistas ourives sob a direcÁ„o dos quaes se executou tal obra. [Figura: Magdalena--Columbano Bordallo Pinheiro] Aos snr. Leit„o & Irm„o um bravo! Um bravo enthusiastico d'um humilde admirador. E para fechar, folgarei immenso ouvindo dizer que esses tres monumentos v„o mostrar ao mundo inteiro, na ExposiÁ„o de Paris, que em Portugal ha verdadeiros artistas e homens de arte. Lisboa, 31-4-900. XXVII CONCLUS√O Fechando este volumesito despretencioso e vago, que fiz publicar, n„o com a vaidade de escriptor ou critico d'Arte, mas simplesmente para reunir n'um mÛlho, pequenos e insignificantes artigos, que escrevi em dias socegados e alegres, e que appareceram em revistas e jornaes diarios apÛs visitas feitas a Ateliers, Escolas e ExposiÁıes d'Arte, onde tive o superior prazer de passar algumas horas boas e distrahidas, julgo ter prestado um pequenissimo serviÁo ao meu paiz e · sua Arte. S„o estas paginas simples notas de um amador. Nem ellas desejaram nunca ser mais do que isso. Escrevi-as sincera e desapaixonadamente sem interesses ligados aos artistas, nem o desejo de ser amavel para com elles. [Figura: O Desterrado--SOARES dos REIS] Fil-o como conversador inveterado que sou, e que, no desejo constante de conversa, escolhi o grande publico para lhe expÙr as minhas impressıes pessoaes e quem sabe, faltas de sciencia e talvez de criterio. Tenho dito mil vezes, n'essas paginas atraz o digo, e n„o ficar· mal ao ir-me embora, repetil-o mais uma vez:--eu n„o sou um critico d'Arte, nem tenho pretenÁıes a isso. E, n'essas condiÁıes, sob uma tal ordem de ideias, interessando-me pelas exposiÁıes d'Arte, pelo desenvolvimento pintural dos discipulos e pelo engrandecimento dos professores, excitando os que comeÁam para que breve se ponham ao lado dos que j· v„o na vanguarda, animando o publico e creando-lhe aos poucos o gosto pela Arte, dando noticias resumidas d'algumas exposiÁıes, destacando alguns artistas e amadores dos que mais em fÛco tenho encontrado, embora sem aquelle _tino especial_ de critica _hors ligne_, como convinha para tal emprehendimento, julgo no entanto, que contribuo dentro das minhas forÁas, para o desenvolvimento do gosto pela pintura e pela esculptura entre os meus compatriotas, com estes artigos. N'um paiz como o nosso t„o cheio de poesia, t„o cheio de sol, t„o cheio de cÙr, com costumes t„o typicos e figuras t„o accentuadamente caracteristicas, com pedaÁos de natureza (paisagem e marinha) t„o cheia d'um extraordinario encanto, d'um collorido t„o nosso, t„o genuinamente bello, necessario se torna que elle seja sabiamente estudado e proficientemente transplantado · tela e v· mundo em fÛra, fazer esta grande affirmaÁ„o: que no nosso paiz, caracteristicamente pittoresco, que como poucos È dotado de bellezas naturaes dignas de serem admiradas por todo quanto em _tourismo_ d· a volta ao mundo, ha uma pleiade de artistas, verdadeiramente grandes, e que valem tanto como os que ha bons l· pelo estrangeiro. Se eu, debaixo d'este ponto de vista, apontando, notando, frizando, destacando e elevando, entre os que trabalham n'esta bella obra, aquelles que a meu vÍr mais dignos s„o de menÁ„o, conseguir excitar os outros para que trabalhando honradamente, gloriosamente se possam collocar ao lado d'elles, darei por bem empregado o meu tempo. E como n„o quero que se diga que esqueci os que mais gloriosamente teem batalhado n'esse combate da Arte, aquelles, que emquanto vivos produziram genialissimas obras, e seriam assombrosamente grandes em qualquer parte do mundo, aqui deixo ficar, nas ultimas paginas do meu livro, tres copias de tres trabalhos sublimes dos sublimes mestres, d'esse trio sagrado de sacerdotes magnos do templo da Arte--Soares dos Reis, Silva Porto e Raphael Bordallo Pinheiro. E nada vos direi de taes genios artisticos porque para isso seria preciso escrever tres volumes, e acho que quem È t„o pequeno como eu n„o se deve abalanÁar a empreza t„o ardua e t„o difficil, pois que para fazer o elogio d'estes sublimes mestres, exige-se pelo menos ser t„o grande como elles na litteratura e na critica. [Figura: Conduzindo o rebanho--SILVA PORTO] Por isso simplesmente, como significaÁ„o de respeito e muita admiraÁ„o ao seu grande talento, aqui lhe deixo significado o sentimento da minha muito grande veneraÁ„o. Havereis de ter notado n'este meu livro faltas extraordinariamente grandes, bem sei. Mas, que quereis, quem d· o que tem n„o È obrigado a mais. Desejaria ainda fazer um catalogo, biographico e artistico dos nossos melhores artistas e das suas obras com sabias notas descriptivas, mas isso era trabalho largo de mais para quem t„o fracamente maneja a penna e t„o leves conhecimentos tem em tal assumpto. Se um dia, porem, l· para o futuro, me achar com coragem de emprehender empreza de tal bojo e tanta responsabilidade prometto-vos que o farei o mais larga e o mais desenvolvidamente possivel. E os artistas que me perdoem ent„o tal arrojo e tal atrevimento. Por hoje apenas estas leves notas reportivas d'um insignificante amador de Arte. [Figura: Vinte annos depois--RAPHAEL BORDALLO PINHEIRO] * * * * * Como estou em marÈ de desabafos, n„o ser· de todo mau que antes de terminar o mandato que a mim proprio impuz n„o deixe de dizer alguma coisa a respeito d'alguns erros que apparecem nas Notas d'Arte. Por isso, com a maior franqueza declaro que, n„o querendo seguir as pisadas d'uma grande parte dos nossos litteratos, imputando aos pobres typographos erros que sÛ cabem aos auctores como maus revisores d'aquillo que escrevem, dou o seu ao seu dono affirmando que todos os erros que surgem pelo volume fÛra sÛ podem ser attribuidos · ligeireza com que tracei todas essas rapidas Notas d'Arte que, a meu vÍr, apesar dos seus defeitos tem a grande vantagem de mostrar o grande amor que tenho · arte sublime do Bello e o desejo ardente de vÍr galardoados os meritos dos artistas e dos amadores portuenses. A illustraÁ„o e a benevolencia do leitor, pesando bem a senceridade das minhas palavras, supprir· todos os erros remediando assim o velho costume de finalisar com _emendas_. … certo que ninguem vae ao cÈo sem _emenda_, mas uma vez que se faz uma _confiss„o expontanea_ o _penitente_ fica perdoado dos seus _peccados_. 30 de Novembro de 1906. INDICE DOS ARTIGOS Pag. No Limiar 1 Impressıes d'uma ExposiÁ„o 5 Pintores Portuenses.--Julio Costa 9 Pintores Portuenses.--Antonio Carneiro Junior 17 Thadeu Maria d'Almeida Furtado 21 Pintores Portuenses.--Arthur Loureiro 25 Esculptores Portuenses.--Fernandes de S· 31 ExposiÁ„o da Sociedade de Bellas-Artes de Lisboa 39 Pintores Portuenses.--Manuel San Rom„o 67 A Mulher Artista 73 Novas ExposiÁıes d'Arte 81 Uma ExposiÁ„o de Aguarellas organisada por Amadores 89 Pintores Portuenses.--Thomaz de Moura 93 Amadores Portuenses.--D. Joanna Andressen Silva 97 Pintores Portuenses.--Antonio JosÈ da Costa 105 Em frente d'um Cartaz!... 113 Na Cruz 117 Amadores Portuenses.--D. Margarida Ramalho 119 Novos quadros de Arthur Loureiro: I--No Atelier do Palacio de Crystal 127 II--Arthur Loureiro e os seus discipulos 131 III--Arthur Loureiro e a Academia de Bellas Artes 135 IV--Mais uma visita ao Atelier de Arthur Loureiro 141 Amadores Portuenses.--Manuel Maria Lucio Junior 145 Uma ExposiÁ„o de quadros do Instituto de Estudos e Conferencias 151 Uma ExposiÁ„o de Carneiro Junior 159 Notas ligeiras d'uma ExposiÁ„o 163 Amadores Portuenses.--Alberto Ayres de Gouveia 171 Uma ExposiÁ„o de Estatuetas.--Francisco Gouveia 179 Amadores Portuenses.--Manuel Monterroso 185 A Baixella Barahona 193 Conclus„o 197 INDICE Retratos Pag. Quadros Pag. S. M. a Rainha 73--Estudo de creanÁa (aguarella) 75 El-Rei 39--Paisagem (pastel) 40 Guarda arabe (pastel) 66 Alberto Ayres de Gouveia, 171--A Palavra do Mestre 173 Christo Morto 175 S. Jo„o lendo as Profecias 176 Adelia Ramos (D.) 144-- Alfredo Keill --A chegada da deligencia aos Valles em Ferreira do Zezere 61 Alice Grillo Lima (D.) 79--Orchideas 80 Antonio JosÈ da Costa 105--Chrysanthemos 7 Guarda Fiel 103 Rosas e Pionias 106 Outros tempos 107 No Pinhal 108 Camelias 109 Junquilhos e Camelias 110 Junto do Cruzeiro 111 Arthur Loureiro 25-127--Barra--Foz do Douro 26 Frontal d'uma arca 27 O Passado 28 N„o voltar· mais 29 Retrato de S· de Albergaria 129 Retrato do Dr. Francisco Anthero 132 Tigres 134 SÛ no Mundo 136 De aldeia em aldeia 138 Paisagem 139 Flora 140 Pinheiros 142 Aurelia de Sousa (D.) 74--Paisagem 164 Branca Assis (D.) --Tia Bertha 76 Candido da Cunha 7-88--Impress„o de Paris 125 Crepusculo Matutino 153 A Prociss„o 162 Paisagem 165 Paisagem 177 Carlos Reis --Mendiga 44 Retrato de El-Rei 55 Olaia em flor 57 Carneiro Junior 17--Retrato 18 Entrega de Evora 160 Columbano Bordallo Pinheiro 193--Tomando ch· 53 Candelabro 194 Centro de meza 195 Magdalena 196 Condeixa --CabeÁa d'estudo 41 Condessa d'Alto Mearim 78--Poveretta 169 Duqueza de Palmella --CabeÁa de negra 4 Eduardo Moura 88--Guardando vaccas 155 Fernandes de S· 31--Desafio 32 Camıes 33 Beijo Materno 35 Busto de Antonio Cano 37 Rapto de Ganymedes 63 Francisco Gouveia 179--Teixeira Lopes 180 EÁa de Queiroz 181 Marcos Guedes, Guedes d'Oliveira, Guerra Junqueiro, Pae Ramos 182 Joanna Andressen Silva (D.) 97--Sal„o do Palacete de D. Joanna 98 Canto do Atelier 99 Busto de Mademoiselle Elisa Andressen 100 Busto de Mademoiselle Ramos Pinto 101 Busto de Mademoiselle Joanna Andressen 102 Jo„o Augusto Ribeiro 8--Estudo 178 Jo„o Vaz --Marinha 45 Joaquim Marinho 89-- JosÈ de Brito 6-152--Vaga 47 CabeÁa de estudo (pastel) 91 JosÈ MalhÙa 5--Que grande calamidade 6 Barbeiro d'aldeia 42 JosÈ Rom„o Junior 168-- JosÈ Teixeira Lopes 88--Paisagem (aguarella) 90 Juli„o Machado --Cartaz 114 Julio Costa 9--Retrato do Conselheiro Jo„o Franco 10 Retrato de Oliveira Martins 11 O Calvario 14 A Ti Anna 15 Na Cruz 118 Julio Ramos 88-156--Aos Grillos 164 Barcos de Pesca 170 Leopoldina Pinto (D.) --Flores 84 Lucilia Aranha Grave (D.) 163--Na Eira 30 Paisagem 183 Manuel Maria Lucio Junior 145--Marinha 147 Barra--Foz do Douro 149 Manuel Monterroso 185--Caricatura do auctor das Notas d'Arte 1 Cartaz 115 Dr. Leopoldo Mour„o 186 Uma pagina da Parodia 187 Jo„o Oliveira Ramos 188 Estatueta de Raphael Bordallo Pinheiro 189 O Rei da PeÁa 190 Os donos da Casa 191 Estatueta de JosÈ Ribeiro 192 Manuel San Rom„o 67--Na espectativa 68 Paisagem 69 Paisagem 70 Uma sevilhana 71 Margarida Costa Rom„o (D.) 166-- Margarida Ramalho (D.) 119--Castanheira 122 CabeÁa de velho 123 Maria Afflalo (D.) 168-- Maria Augusta Bordallo Pinheiro (D.) --Um lenÁo de rendas 23 Marques d'Oliveira 83--Paisagem 43 Entre o almoÁo e o jantar 59 Paisagem 154 Raphael Bordallo Pinheiro --Vinte annos depois 200 Silva Porto --Conduzindo o rebanho 199 Soares dos Reis --O Desterrado 197 Sophia de Sousa (D.) 82--Ao Sol 197 Sousa Pinto 151-- Teixeira Lopes 184--Busto de inglesa 51 Santo Isidoro 65 A Caridade 85 Baixo relevo (Saudade) 161 Caim 184 Thadeu Maria de Almeida Furtado 21-- Thomaz de Moura 93-- Torquato Pinheiro 156--Retrato de minha M„e 8 Retrato de Bernardino Reaes 157 Lavadeiras na levada 166 Velloso Salgado 49--Panneaux para o Palacio da Bolsa 87 Panneaux para o Palacio da Bolsa 95 ZÈo Wanthelet Batalha Reis --Quem espera desespera 77 Notas: [1] Um dos mais distinctos professores da Escola Medico-Cirurgica do Porto, j· fallecido. Lista de erros corrigidos Aqui encontram-se listados todos os erros encontrados e corrigidos: +----------+---------------------+----------------------+ | | Original | CorrecÁ„o | +----------+---------------------+----------------------+ |#p·g. 6| o educaÁ„o | a educaÁ„o | |#p·g. 37| fificar | ficar | |#p·g. 45| destestaveis | detestaveis | |#p·g. 47| 52 | 62 | |#p·g. 54| 312 | 212 | |#p·g. 82| fezendo-nos | fazendo-nos | |#p·g. 90| medesto | modesto | |#p·g. 106| devido | devida | |#p·g. 111| tratados | tratadas | |#p·g. 133| delicamente | delicadamente | |#p·g. 134| professsor | professor | |#p·g. 141| granda lucta | grande lucta | |#p·g. 147| interressante | interessante | |#p·g. 164| centamen | certamen | |#p·g. 188| Eatasiava-me | Extasiava-me | |#p·g. 190| carderno | caderno | |#p·g. 192| modela o como | modela e como | |#p·g. 192| elogie | elogio | |#p·g. 194| ddivagaÁıes | divagaÁıes | |#p·g. 202| Adelina Barros | Adelia Ramos* | |#p·g. 202| Zerere | Zezere | |#p·g. 203| Tomanho | Tomando | +----------+---------------------+----------------------+ * Õndice alterado de acordo com legendas das imagens da obra. As variaÁıes de nomes prÛprios foram mantidas de acordo com o original. *** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK NOTAS D'ARTE *** Updated editions will replace the previous one—the old editions will be renamed. Creating the works from print editions not protected by U.S. copyright law means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. Special rules, set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to copying and distributing Project Gutenberg™ electronic works to protect the PROJECT GUTENBERG™ concept and trademark. Project Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you charge for an eBook, except by following the terms of the trademark license, including paying royalties for use of the Project Gutenberg trademark. 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Of course, we hope that you will support the Project Gutenberg™ mission of promoting free access to electronic works by freely sharing Project Gutenberg™ works in compliance with the terms of this agreement for keeping the Project Gutenberg™ name associated with the work. You can easily comply with the terms of this agreement by keeping this work in the same format with its attached full Project Gutenberg™ License when you share it without charge with others. 1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in a constant state of change. If you are outside the United States, check the laws of your country in addition to the terms of this agreement before downloading, copying, displaying, performing, distributing or creating derivative works based on this work or any other Project Gutenberg™ work. 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Except for the limited right of replacement or refund set forth in paragraph 1.F.3, this work is provided to you ‘AS-IS’, WITH NO OTHER WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO WARRANTIES OF MERCHANTABILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE. 1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages. If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any provision of this agreement shall not void the remaining provisions. 1.F.6. 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It exists because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from people in all walks of life. Volunteers and financial support to provide volunteers with the assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg™’s goals and ensuring that the Project Gutenberg™ collection will remain freely available for generations to come. In 2001, the Project Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure and permanent future for Project Gutenberg™ and future generations. To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 and the Foundation information page at www.gutenberg.org. Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non-profit 501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal Revenue Service. The Foundation’s EIN or federal tax identification number is 64-6221541. Contributions to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent permitted by U.S. federal laws and your state’s laws. The Foundation’s business office is located at 809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887. Email contact links and up to date contact information can be found at the Foundation’s website and official page at www.gutenberg.org/contact Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation Project Gutenberg™ depends upon and cannot survive without widespread public support and donations to carry out its mission of increasing the number of public domain and licensed works that can be freely distributed in machine-readable form accessible by the widest array of equipment including outdated equipment. Many small donations ($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt status with the IRS. The Foundation is committed to complying with the laws regulating charities and charitable donations in all 50 states of the United States. Compliance requirements are not uniform and it takes a considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up with these requirements. We do not solicit donations in locations where we have not received written confirmation of compliance. To SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any particular state visit www.gutenberg.org/donate. While we cannot and do not solicit contributions from states where we have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition against accepting unsolicited donations from donors in such states who approach us with offers to donate. International donations are gratefully accepted, but we cannot make any statements concerning tax treatment of donations received from outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff. Please check the Project Gutenberg web pages for current donation methods and addresses. Donations are accepted in a number of other ways including checks, online payments and credit card donations. To donate, please visit: www.gutenberg.org/donate. Section 5. General Information About Project Gutenberg™ electronic works Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg™ concept of a library of electronic works that could be freely shared with anyone. For forty years, he produced and distributed Project Gutenberg™ eBooks with only a loose network of volunteer support. Project Gutenberg™ eBooks are often created from several printed editions, all of which are confirmed as not protected by copyright in the U.S. unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily keep eBooks in compliance with any particular paper edition. Most people start at our website which has the main PG search facility: www.gutenberg.org. This website includes information about Project Gutenberg™, including how to make donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.