The Project Gutenberg eBook of O Marquez de Pombal

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Title: O Marquez de Pombal

Author: Manuel Emídio Garcia

Release date: May 15, 2010 [eBook #32378]
Most recently updated: January 6, 2021

Language: Portuguese

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*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK O MARQUEZ DE POMBAL ***



ESTUDOS CRITICO-HISTORICOS


 

 

I

O MARQUEZ DE POMBAL

Lance d'olhos sobre a sua sciencia;
politica e systema de administração;
ideias liberaes que o dominavam;
plano e primeiras tentativas democraticas

POR

M. EMYGDIO GARCIA

 

 

 

 

COIMBRA
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE
1869

 

 

 

 

ESTUDOS CRITICO-HISTORICOS


I

O MARQUEZ DE POMBAL

Confundem facilmente os espiritos vulgares a ideia com a manifestação, a doutrina com o homem.

SR. ALEXANDRE HERCULANO.

Portugal no reinado d'el-rei D. José subiu á altura dos outros povos, se não é que em muitas cousas acima.

SR. ALMEIDA GARRETT.

 

II

REACÇÃO OU LIBERDADE?

As reformas liberaes e a reacção ultramontana-absolutista em Portugal; estudo, feito em 1866, sobre a carta do Marechal Duque de Saldanha ácerca do casamento civil.

 

III

PASCHOAL JOSÉ DE MELLO FREIRE DOS REIS

Lance d'olhos sobre a sciencia do Direito em Portugal nos começos d'este seculo. Escreveu-se pela primeira vez a Historia do Direito Patrio e foi este reduzido a um systema regular e harmonico. Revolução nas leis e na jurisprudência.

 

 

 

 

ESTUDOS CRITICO-HISTORICOS


 

 

I

O MARQUEZ DE POMBAL

Lance d'olhos sobre a sua sciencia;
politica e systema de administração;
ideias liberaes que o dominavam;
plano e primeiras tentativas democraticas

POR

M. EMYGDIO GARCIA

 

 

 

 

COIMBRA
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE
1869

 

 

{5}

 

Deparam-se mui varias, e até contradictorias, apreciações e juizos sobre o caracter e obras do celebre Marquez de Pombal.

Livros de recentissima data, fabricas de muito pezo litterario e primores de arte, ricos de substancia, e não menos opulentos de formas, reproduzindo-as, parece quererem de novo levantar pleito, propor acção e renovar processo, que não logrou ainda passar em julgado.

Mas não se diga que por parte do auctor d'este apoucado escripto ha tanta vaidade e tamanho arrojo, que ouse inculcar-se para juiz officioso em tão graves contendas; consintam-lhe todavia, e para isso pede antecipada venia, que deponha em processo, no qual a posteridade, e talvez ainda o nosso publico illustrado, ha de proferir, algum dia, e lavrar sentença definitiva.

Não é para alardear thesouros de sciencia e pompas de erudição; que tão arredadas nos andam uma e outra, que mal de longe as enxergamos em poder de alguns privilegiados, que, merecendo muito a Deos, não pouco devem á fama que os apregôa; o que só nos achega, porque a todos chega, é o amor da verdade e o zelo da justiça.{6}

E foi a verdade que nos citou, para comparecermos no tribunal da imprensa: se fingindo ser tal nos illudiu o erro, valha-nos de desculpa, para bem merecer perdão, a boa fé com que, sem a menor sombra de rebeldia, nos damos á obediencia.

As paginas, que ao diante vão, fazem parte de um livro, que o auctor compoz e escreveu em 1866, quando a apparicão do projecto do codigo civil no seio da representação nacional levantou, servindo-lhe de pretexto, porfiada lucta entre o partido liberal e o bando reaccionario, que a provocou.

Em mingoado tempo, e ainda assim cortado por outros maiores e mais austeros trabalhos e cuidados, se concluiu o manuscripto; e logo foi mettido em carcere privado á espera da ultima demão, para não haver de saír em liberdade, sem se lhe alimparem erros e expurgarem peccados, que não ha ahi obra de homens, por mais acabada de bigorna e lima, que os não tenha ou d'elles possa eximir-se.

E com effeito, imperiosas circumstancias e motivos ponderosos estorvaram o auctor, e bem contra sua vontade, de saír a pleitear na contenda em prol da liberdade e dos liberaes,{7} contra quem se erguia e praguejava mais uma vez, em descomposto e mal soante vozear, a turba dos retrogrados. Não nos amedrontaram clamorosas gritas de injusta, se não ainda mais fingida e calculada indignação, odios ameaçadores de raiva accesos, que não ha receios, nem escrupulos, onde entranhadas convicções se alentam; nem fomos levados do temor de affrontar-lhe as iras vans, que não falecem animos e coragem, quando a consciência é pura e as intenções desinteressadas; nem pode a ignorancia de uns, o fanatismo de outros e a hypocrisia de muitos vencer ou sequer dobrar espiritos rectos.

D'esse livro ainda se evadiram como rebeldes e saíram a lume alguns capitulos, abrigando-se, mais como fugitivos do que hospedes, em dous periodicos litterarios—O Povo e A Academia.—Mas como é sorte, e não sei se melhor diga, fatal destino de todas as publicações d'este genero, tão frequentes na nossa Lusa Athenas, que bem se parecem com as flores do outomno, que abrem com a aurora, fecham e morrem ao caír das sombras em um mesmo dia,—tão curta foi a duração dos dous periodicosinhos, que nos ficámos a começo da longa derrota que poderiamos percorrer.{8}

Nesse pouco, que do incognito e encarcerado manuscripto passou á liberdade e a correr mundo, vem o que reproduzimos agora: bem pode ser que algum dia nos dê na vontade e resolvamos fazer correr o livro inteiro, em demanda de bom e generoso gazalhado; e de experimental-o comece já, para que, posto não merecer subida estimação obra de tão mediano vulto, não tenha o auctor de arrepender-se d'esta sua primeira tentativa.{9}


O MARQUEZ DE POMBAL

I

Não foram só os germens da civilisação, despontando ao sol da renascença, a luz irradiada pela philosophia do seculo XVIII, o brado universal de 89, as armas de Napoleão I, o drama sanguinario de 1817,—que prepararam a revolução de 1820.

De longe, de mui longe nos veio e se gravou em Portugal o espirito de liberdade e independencia: Manifestou-se bem solemnemente na iniciativa popular em 1385; mais solemnemente ainda em 1640; arreigou-se d'um modo profundo e indestructivel durante{10} a sabia administração de um genio reformador, que lhe preparou o campo de suas ligitimas conquistas e removeu os estorvos, que lhe empeciam o caminho, por onde, mais tarde, devia deixar seu rastro luminoso.

Foi essa epocha o prologo fecundo das revoluções! Esse homem o precursor admiravel do liberalismo!

Foi a lucta gigante dos opprimidos contra os despotas; a reacção social contra a reacção ultramontana; lucta na qual a liberdade pareceu succumbir e deixar-se esmagar debaixo dos pés da aristocracia orgulhosa e da cleresia degenerada e pervertida,—para mais tarde resurgir e erguer-se do mal encerrado tumulo vigorosa e ousada—para cantar no dia do merecido triumpho o hymno da legitima victoria!

II

Em Portugal, como em Inglaterra, como em França, a revolução reformadora teve os seus prophetas e apostolos: para não fallar em muitos outros de mais circumscripta esphera e menor vulto, apontaremos para o celebre e illustrado ministro de D. José I.

Quando Sebastião José de Carvalho e Mello, por{11} circumstancias, talvez imprevistas aos olhos do vulgo, importantes todavia, quando se perscrutam os designios do Ser infinito no destino das nações e se estuda a sua acção previdente sobre o mundo, appareceu á testa dos negocios do estado, assenhoreando-se do monarcha, concentrando em si todo o poder politico d'uma nação, abatendo a nobreza, reprimindo o clero e subjugando o povo,—Portugal era patrimonio do rei, feudatario da côrte de Roma, objecto de exploração para as duas ordens nobilitadas, orphão de patriotismo, pupillo de nações estranhas!

III

Principiava a arvore da renascença a produzir os seus fructos, e de sua frondosa copa já pendia, sobre a cabeça do povo, o saborosissimo pomo da liberdade: sem que lhe aguardassem a queda, muitos espiritos elevados, vontades firmes e perseverantes haviam calculado as leis e, em harmonia com ellas, traçado a mecanica politica do regimen constitucional; distinguindo sómente entre—rei e povo,—não reconhecendo outras entidades sociaes, demonstraram a necessidade de abater o orgulho da nobreza{12} e destruir a influencia do clero,—elementos politicamente inuteis e prejudiciaes a um tal systema!

IV

Era pleno seculo XVIII.

O sol da liberdade começava de surgir e elevar-se no horisonte das sociedades europeas, e, com elle, despontava do lado da França o dia da emancipação popular.

Baccon, Montesquieu, Rabelais, Bayle, Fontenelle, e outros, foram apenas a aurora do brilhante dia; Diderot, Alembert, Condorcet, e Rousseau, animando-lhe cada vez mais os raios luminosos, só esperavam por Voltaire, o astro da philosophia, por Mirabeau, o genio da politica, que, resumindo em si toda a sciencia, toda a energia do seu seculo, haviam de dar a realidade ao sentimento e á ideia revolucionaria.{13}

V

Foi no seio d'essa atmosphera repassada de novos elementos, e impregnada de novos germens de vida, que o espirito de Sebastião José de Carvalho e Mello cresceu, se desenvolveu e preparou para vir a ser o que na realidade foi, com grande applauso das nações e de certo com grande proveito nosso, se lograsse levar a cabo a regeneração politica, moral e economica do seu paiz, que tão habilmente emprehendera e á qual miravam as vistas, eminentemente liberaes e patrioticas, do ministro de D. José.

«Cultor assiduo de todos aquelles estudos, que habilitam o homem para governar; já herdeiro do aperfeiçoamento de muitas sciencias e artes, que podem illustrar o mundo politico e determinar a prosperidade e engrandecimento dos povos, lendo e meditando os livros economicos, politicos e financeiros, que em seu tempo inundavam a Europa», ía dispondo o animo para entrar um dia affoito e lidar desassombradamente com os negocios da alta politica e da administração publica.

Tomara por modelo, escolhera para seus mestres,—Richelieu,{14} Sully, Colbert, Argenson, e as maximas, as memorias, os testamentos politicos d'estes estadistas, mas principalmente a moral, a philosophia e todos os trabalhos scientificos dos encyclopedistas—foram o thesouro, onde aquella intelligencia vasta, aquelle espirito eminente, aquella vontade firme e energica se enriqueceram e auriram luz e força, para produzir o que depois se viu e admirou.

VI

Portugal era ainda, no começo do reinado de D. José I, o que a França principiara a ser desde o reinado de Luiz XV.

D. Pedro II e D. João V, fascinados pelo brilho deslumbrante e pelo apparato tumultuoso da côrte de Luiz XIV, fizeram d'este rei absoluto, libertino e folgazão, considerado, naquelle tempo e pelo partido retrogrado e fanatico, o prototypo da realeza absoluta, o seu aperfeiçoado modelo.

Um, seguindo a sua politica e imitando o seu exemplo, lançou ao esquecimento as fórmas da antiga monarchia representativa; reprimindo a nobreza e o clero, sem libertar o povo, preparou o absolutismo.{15}

O outro, animado de um espirito romanesco, dotado de uma imaginação ardente, dominado por uma piedade exagerada, ou especulando com uma calculada hypocrisia, imitou Luiz XIV nas suas vaidades, invejou-lhe a pompa e o esplendor da sua côrte, satisfez os mais puerís caprichos e as mais levianas phantasias, nada sacrificou ao bem do povo, enriquecendo a curia romana, esfalcou o thesouro publico, enfraqueceu a agricultura e as artes, enervou o espirito e a actividade nacional, numa palavra—o rei fanatico... fanatisou o povo!

VII

Era mister levantar o edificio, que, minado pela base, dobrava já ao peso de tantas pompas e magnificencias: o reino, povoado de sumptuosos edificios, deslumbrante de purpura e ouro, mas pobre de actividade e iniciativa, definhando á mingoa de moralidade e instrucção, pendia já sobre o abysmo, que um luxo reprehensivel e uma ociosidade criminosa lhe tinham aberto pelas mãos do proprio rei, sempre e em tudo dirigido pela côrte de Roma, dominado pelo clero e lisongeado pela nobreza.{16}

VIII

Genio perspicaz, philosopho profundo e habil politico, o Marquez de Pombal já previa, como o antigo ministro de Luiz XV, que uma revolução, uma crise tempestuosa se avisinhava, para tudo transformar e regenerar tudo, ou tudo perder.

A Europa agitava-se em seus fundamentos: havia uma especie de detonação, que impressionava os espiritos: estranhas convulsões abalavam o grande corpo social, como symptomas percursores d'um proximo terremoto moral e politico.

A anarchia popular avisinhava-se do seu momento fatal; o governo monarchico-absoluto, desacreditado em quasi todos os estados da Europa, quasi desconhecido no Novo Mundo e declarado por muitos espiritos rectos o peior dos governos, esperava todos os dias a sua sentença de morte; a acção philosophica, apoderando-se das intelligencias elevadas do seculo, ia-lhe preparando o supplicio no patibulo da opinião publica.

Os philosophos de Inglaterra e França trabalhavam fervorosos na propaganda liberal: as theorias de Baccon{17} e Mentesquieu tinham sido profundamente desenvolvidas e levadas até ás suas ultimas consequencias praticas.

A interferencia da Inglaterra, a sua acção politica, disfarçada debaixo da apparencia de um grosso trato commercial, influenciava, de um modo energico e profundo, a situação moral e economica dos povos; como as cruzadas, em nome de Deus e pela fé, produziram, em seu tempo, notavel transformação social.

Um vento philosophico soprava da Allemanha, da Inglaterra, da França e da America, e murmurava aos ouvidos de muitos as palavras—liberdade, emancipação, democracia, republicanismo e outras, que bem significavam não estar longe o momento, em que o povo, senhor da sua vontade, conscio da sua força, reivindicasse os seus direitos, usurpados pela realeza, ultrajados pelos nobres e em parte absorvidos pelo clero.

Uma nova fórma de governo existia já traçada na mente de muitos homens illustres.

As materias combustiveis, que se haviam de inflammar para accender a revolução, acervavam-se por toda a parte.

Alguma cousa de extraordinario e assombroso se preparava no laboratorio immenso da Europa!

Algum monumento, de sumptuosa fachada e maravilhosa{18} architectura, mas já gasto pelo roçar dos tempos, ia desabar até aos alicerces.

Era—a bastilha monarchica do absolutismo; era—o capitolio jesuitico da theocracia, minados nos fundamentos, abalados na solidez!...

Finalmente as instituições, os poderes, as opiniões.... tudo annunciava que a transformação estava imminente, e inevitavel e fatal devia operar-se por uma revolução geral e profunda!

IX

Filho do seculo XVIII, herdeiro da renascença, educado na philosophia e na politica dos encyclopedistas, admirador dos grandes homens da França, versado nas suas obras e dominado pelas suas theorias, seguidor das suas maximas, iniciado na vida politica da Inglaterra, Sebastião José de Carvalho para logo viu os males que affligiam o povo e degradavam a nação, e que o unico remedio, que podia salval-os, era—ou uma revolução popular, uma guerra civil tempestuosa e terrivel em sua acção, embora salutar e benefica em suas consequencias,—ou a reforma pacifica e diplomatica das instituições.{19}

Optou pelo segundo meio. Como politico propoz-se o plano e as medidas de Richelieu, mas com outro fim e mirando a mui diverso resultado; como economista e financeiro esforçou-se por imitar o grande estadista Sully; discipulo de Quesnay, aprendera com elle que é no solo que reside a principal fonte de riqueza e as materias primas de toda a producção; como Adam Smith já não ignorava que só o trabalho pode arrancar á natureza os seus productos e, transformando-os, fazel-os servir á satisfacção das necessidades humanas, á prosperidade publica e á felicidade domestica.

Foi por isso que lhe mereceram particular attenção e desvelado esmero a agricultura e a industria, as artes e os officios, que, arrancando o homem da abjecção, que a mizeria gera, da ociosidade, que perverte, têm alem d'isso a singular virtude de emancipar o povo, entregando nas suas mãos, com o sceptro do trabalho,—a realeza politica.{20}

X

Sebastião José de Carvalho, discipulo fervoroso das ideias philosophicas, politicas e economicas, que a França espalhava por toda Europa, comprehendia bem o estado de fermentação revolucionaria, em que por toda ella se agitavam os animos.

«Uma revolução é sempre um mal», pensava elle, «uma enfermidade, que, só depois de longa e angustiosa convalescença, dá ao corpo social, martyrisado, vigor e robustez.»

O empenho na realisação d'um plano immenso, profundo e salutar, de regeneração e progresso, só esperava opportunidade para se mostrar e desenvolver d'um modo util ao seu paiz, glorioso para elle e para o rei, em nome do qual e a bem do povo devia progredir affanoso na tarefa reformadora, que ousadamente emprehendera.{21}

XI

O estado lamentavel de quasi completa desorganisação, em que Portugal de ha muito se debatia; a oppressão, que sobre nós exerciam algumas côrtes estrangeiras, nomeadamente a de Inglaterra, que de Portugal havia feito não só pupillo, mas vassallo obediente, dirigindo-nos a politica, exhaurindo-nos as fontes de toda a vida economica, dominando em todos os nossos portos, explorando as nossas colonias occidentaes e obrigando-nos a votar a um quasi completo abandono as ricas possessões do oriente, fingindo manter em equilíbrio a nossa independencia nacional, e opprimindo-nos como povo conquistado,—eram motivos fortes para determinar o animo e despertar o desejo de applicar remedio a tamanhos males, quebrar aquelle jugo funestissimo, ou pelo menos attenuar consequencias desastrosas, que de dia para dia se iam aggravando.{22}

XII

Por toda a parte o abandono da agricultura, o desprezo pelas artes, insignificantissimo o trato commercial; um governo monarchico sem prestigio, um throno esplendido sem solidez; o jesuitismo e a nobreza lisongeando os reis, fanatizando o povo e especulando com a sua piedade, dominando e opprimindo, gozando sem trabalho, adquirindo por meio de successivas usurpações, accumullando sem esforço; o luxo e a immoralidade para uns, a miseria e a degradação para outros.... tal era a situação perigosa e assustadora, o triste espectaculo, que a nação offerecia, quando Sebastião José de Carvalho appareceu na scena publica e concebeu o arriscado mas grandioso projecto da sua emancipação, restabelecimento e progresso!{23}

XIII

Valendo-se, por um bem combinado calculo, da protecção, que desde muito tempo lhe dispensava a viuva de D. João V, e da docilidade e benevolencia de D. José I (que de seu pae havia recebido uma mediocre e superficial educação, sendo por natureza debil em forças e talentos), gosando já entre nós de um nome illustre, que, a par de outros titulos, tinha por fundamento a subida reputação que alcançara em Viena d'Austria, não perdeu a primeira occasião, que lhe pareceu opportuna, para, aproveitando o favor e a confiança do rei, salvar o seu paiz, reivindicar a independencia da nação e dar liberdade ao povo.

Foi o seu governo um dos periodos mais gloriosos da nossa historia!

Foi Sebastião José de Carvalho um dos maiores vultos do seculo XVIII!

Foi então que se travou no meio de nós a mais porfiada lucta da reacção com a liberdade!{24}

XIV

É por isso que, entre os grandes genios, fadados para ousados commettimentos, entre os ministros energicos em emprehender e vigorosos em executar, não ha nenhum que se lhe avantaje, nenhum que, em menos tempo, mais se distinguisse, maiores benefícios prodigalisasse ao povo e mais gloria alcançasse ao rei:

—Restaurou a disciplina militar.

—Fortificou as praças d'armas.

—Renovou a marinha.

—Reanimou a agricultura.

—Restaurou e desenvolveu as artes, de todo esquecidas, e vivificou o commercio moribundo.

—Restabeleceu e firmou o credito publico, e organisou as finanças.

—Reformou e ampliou os estudos superiores, segundo os progressos litterarios e scientificos do seculo.

—Abriu as portas da instrucção popular, fechadas pelo jesuitismo, áquelles que durante seculos haviam sido condemnados ás trevas da ignorancia e da superstição.{25}

—Instituiu mais de oitocentas escholas gratuitas para o ensino primario.

—Creou e dotou collegios, escholas secundarias e professionaes para a navegação, commercio e outras industrias.

—Diminuiu as prerogativas, cerceou os privilegios e abateu o orgulho da nobreza.

—Tentou apagar odios de raças e extinguir luctas de crenças religiosas.

—Abriu caminho amplo á confusão das classes e á egualdade perante a lei.

—Tornou livres os indigenas do Brazil, e levantou barreiras ao trafico infame e degradante da escravatura.

—Reprimiu as despoticas exigencias e a preponderancia orgulhosa da insaciavel Inglaterra.

—Frustrou os planos ambiciosos da Hespanha.

—Celebrou tractados politicos e commerciaes com muitas nações da Europa, e com outras o pacto da nossa independencia e dignidade nacional.

—Fundou e organisou companhias de commercio e industria, para reanimar as nossas colonias, ou de todo abandonadas, ou preza da cubiça de estranhos especuladores.

—Restringiu o tremendo poder da inquisição, e proscreveu os autos de fé.

—Dobrou e venceu a preponderancia pontificia,{26} e refreou, por vezes, a cholera do Vaticano, apontando ao Papa quaes os limites onde devia expirar o seu poder temporal e politico.............

—Substituiu á auctoridade dos jurisconsultos romanos e ás argucias e sophysmas dos glossadores, que mantinham agrilhoadas as leis e a jurisprudencia ao imperio absoluto d'uma sciencia convencional, curvada sob o peso de muitos seculos e já decrepita—a auctoridade da Razão, esse poder soberano, capaz de descubrir a verdade; alargando assim o campo de exploração a um dos maiores genios do seculo—Paschoal José de Mello Freire, o sabio jurisconsulto portuguez, que por si só egualou, se não é que excedeu, ao mesmo tempo Montesquieu e Beccaria.

—Vendo que as artes e as sciencias floresciam na Inglaterra e por quasi toda a Allemanha, para logo viu tambem a necessidade de operar uma revolução completa no mundo scientifico, litterario e artistico; e foi ella tão profunda e salutar, que, no dizer de Almeida Garrett «tudo mudou de face; cahiu o collosso jesuitico, o reino de Aristoteles e a barbaridade Thomistica, para lhe succeder Milton, Baccon, Descartes, Newton, Lineu e outros.»

É que o reflexo d'uma nova luz brilhava do lado do septemptrião, para inundar com o seu esplendor a nós «os meridionaes, que estudavamos as cathegorias{27} e as summas, aguçavamos distincções, alambicavamos conceitos, retorciamos a phrase no discurso e torciamos a razão no pensamento» nada produzindo de bom e util ao progresso da humanidade.

A reforma da universidade produziu: José Anastacio da Cunha, Avelar Brotero, Monteiro da Rocha, Mello Freire e muitas outras illustrações, que, exterminando a barbaridade, haviam de produzir a civilisação, e, fundando a republica das letras, pela soberania da razão, unica verdadeira e legitima, abater se não destruir o imperio absoluto d'uma auctoridade prepotente, acoitada sob a roupeta jesuitica e intrincheirada por detrás do volumoso, mas indigesto, corpus juris romanorum, das leis canonicas e dos mil in folio dos glossadores e reinicolas.

E a universidade de Coimbra começou de ser mais uma prova eloquente, não só da influencia, mas tambem da fecunda iniciativa, que as universidades desenvolveram sempre em preparar e promover as revoluções do progresso pela liberdade.

Bem sabia elle, porque a reflexão e a experiencia poucas vezes deixam illudir os homens de genio, que á republica das letras, á emancipação da intelligencia devia succeder—a democracia politica e a liberdade para o povo.

Foi tambem em virtude d'esta lei que á reforma religiosa do seculo XVI succedeu—a revolução social{28} de 1688 em Inglaterra; e á revolução litteraria e scientifica das idéas no seculo XVIII—a revolução politica de 1789 em França.

—Ordenou que as execuções por dividas parassem deante das portas das cadeias, que até 1774 em Portugal, até 1867 em França, se abriam como ainda hoje em Inglaterra para sequestrar a liberdade d'aquelles, que muitas vezes não tinham outro crime alem da pobreza, outro peccado alem da miseria!

E quando ainda hontem a imprensa liberal de todos os paizes saudava, em nome do progresso, e applaudia, como gloriosa e civilisadora, a abolição de tão odiosa pena, havemos de ficar silenciosos ante a memoria do Marquez de Pombal, que a eliminou, um seculo primeiro, em nome da humanidade?!

Finalmente, o Marquez de Pombal, usando da oppressão e da tyrannia, empregando o terror e o despotismo, mirava á grande transformação social, que em França se operou depois; preparava, pacifica e diplomaticamente, o que ella só pôde alcançar por meio de uma conflagração geral, e entregando-se louca e desvairada a todos os excessos, a todos os horrores da guerra civil, á guilhotina e ás barricadas, com que immolava os seus proprios filhos e assolava as cidades, as villas e os campos, ensanguentados pelos combates fratricidas ou entregues á voracidode das chammas, á pilhagem e á carnificina!...{29}

XV

Não recuou o Marquez de Pombal, porque o julgou necessario e de maravilhoso effeito para libertar o povo, deante do cadafalso, levantado para rolarem algumas cabeças nobres.

Não tremeu o Marquez de Pombal, quando lavrou o decreto que expulsava os jesuitas; pois com tão rasgada medida não só beneficiou Portugal, mas a Europa inteira e o Novo Mundo; com este acto de sabia politica quebrava as cadeias, com que os padres da companhia amarravam as consciencias ao poste d'uma fé convencional; limpava o corpo social da lepra da superstição e do fanatismo, que rapidamente se propagava e desinvolvia, por toda a parte, aonde penetrava o morbido contagio da roupeta dos máos e falsos companheiros de Jesus!

Para alguns são estes dous factos dous grandes e execrandos crimes; para outros duas louvaveis virtudes; para nós—dura necessidade, consequencia forçada na realisação de um plano salutar e benefico.

A nobreza e o jesuitismo eram, naquella epocha,{30} os obstaculos gigantes, que se oppunham ao estabelecimento da liberdade.

A nobreza e o jesuitismo, desherdando, espoliando o povo de tudo o que podia tornal-o livre e independente, disputando o poder, a influencia e a preponderancia monarchica, eram estorvo invencivel ao systema representativo, á adopção e reconhecimento legal das garantias constitucionaes e das prerogativas da corôa, que a philosophia politica de seculo, as necessidades do tempo e o exemplo da Inglaterra instantemente reclamavam, cujo disco luminoso começava já a brilhar nos horisontes do futuro em muitos estados da Europa, cuja triangulação havia sido habilmente traçada sobre—a inviolabilidade do rei—a responsabilidade do ministro e a soberania, do povo.

XVI

O Marquez de Pombal queria a liberdade para a patria e para o povo, como a primeira fonte de engrandecimento e prosperidade nacional.

O Marquez de Pombal não phantasiava theorias politicas nem traçava systemas philosophicos; não escrevia pungentes ironias e asperos epigrammas; não{31} defendia e exaltava o protestantismo, para censurar e maldizer a Egreja catholica; não persuadia a revolta nem excitava os povos á pilhagem e á carnificina—concebia medidas uteis e prudentes, e executava-as conforme as circumstancias imperiosamente o exigiam.

A regeneração intima dos homens e das instituições, e não a organisação formal e superficial do systema governativo, foi o seu firme proposito, objecto constante de sua actividade e desvelo, embora para o conseguir fosse necessario dominar o rei, opprimir e desacreditar os nobres, desprestigiar e abater o clero.

Tinha por ventura o rei força, energia, firmeza de vontade, sciencia e coragem para salvar a nação e o povo e detel-o á beira do abysmo, que de dia para dia lhe cavavam profundo tantas causas de ruina?!

Seria bastante robusto o seu braço, poderoso o seu sceptro de oiro, valiosos os diamantes da sua corôa, para poupal-os ao choque revolucionario, que de perto e ao longe se presentia, e que em breve devia abalar a Europa inteira, já consideravelmente agitada pelas pulsações, que violentas se succediam no coração da França e que a faziam estremecer até ás mais affastadas extremidades?!

Qual teria sido o destino do pequeno e então pobre e humilde Portugal, se o não houvessem preparado{32} para resistir á onda revolucionaria, que mais tarde lhe devia passar por sobre as quinas e inundar os seus castellos?!

Existiria hoje Portugal, como nacionalidade e paiz independente, se lhe não houvessem dado, annos antes, força e coragem, recursos e patriotismo, para não succumbir abatido ante as armas victoriosas do moderno Cesar, que, debaixo da forma do despotismo e da tyrannia, da invasão e da conquista, contra a sua vontade talvez, ou, melhor ainda, sem o presentir, fazia com a ponta da espada e com a bocca de seus mil canhões a propaganda liberal?![1].{33}

XXIII

Depois da resurreição nacional, que em 1640 succedeu á morte da independencia da patria, esmagada pelo peso oppressor de estranho jugo, devida não como pretendem alguns, ás combinações grandiosas e á politica admiravel de Richelieu, mas á patriotica iniciativa e á dignidade heroica dos conspiradores populares,—a nação portugueza recobrou a sua autonomia,{34} despedaçou as algemas de tão odiosa servidão politica, desprendeu-se, por um soberano esforço de coragem, dos braços de ferro, em que durante longo e angustioso periodo a tinham apertado os despotas castelhanos, e levantou sobre o throno de Affonso Henriques, reis, se não filhos do povo, eleitos e proclamados por elle.

Portugal entrou de novo no dominio e posse de suas conquistas; e o soberano opulento do Oriente, o descobridor generoso de ignotas plagas e de estranhas gentes, ergueu-se do tumulo, que lhe tinham aberto o arrojo pueril d'uma creança ávida de glorias{35} vãs, e a imbecilidade trôpega d'um velho cardeal fanatizado.

Era todavia sombra magestosa d'um vulto heroico, surgindo entre as ruinas de sumptuoso edificio desmantelado!

Nem exercito, nem marinha, sem commercio, sem industria, exhaustos os cofres do estado, perdido o credito, nominal a riqueza de suas maravilhosas descobertas, vazio o thesouro de suas conquistas!... Só com a auréola de passadas glorias; sem outro titulo perante as nações, alem da merecida gratidão, a que tinha direito pelos valiosos serviços prestados{36} á humanidade e á religião, que o ligara ao céo e a Deus logo desde o berço!

Havia para elle a esperança no futuro firmada na lembrança do passado; existiam amontoados, sobre os mares e nas suas ricas possessões abandonadas, os despojos da sua antiga grandeza; o seu nome escripto sobre toda a extensão do Oceano, brilhando nas coroas de muitos monarchas, gravado no coração de muitas nações florescentes!

Foi por isso que todos acolheram com applauso o brado da sua independencia e lhe ajudaram a manter a liberdade, que desastrosamente havia perdido nas plagas longinquas de Alcacer Quivir e sobre o leito de um cardeal moribundo!

A coroa de ferro dos senhores de Hespanha precisava das perolas e dos diamantes de quatro mundos!...

Para cobrir a juba ensanguentada do leão de Castella eram necessarios os alvissimos arminhos do manto de nossos reis!...

A ambição insaciavel do hespanhol, não contente com as suas possessões, pretendia ainda com sôfrega cubiça usurpar as colonias portuguezas, que já se alongavam e estendiam do oriente ao occidente, do septentrião ao meio dia, sobre todos os continentes, á roda e no meio de todos os mares!...[2].{37}

XXIV

Os herdeiros da casa de Bragança, os populares soberanos eleitos pelo povo, os primeiros representantes d'essa realeza legitima, nem comprehenderam a sua elevada missão, nem lhe importaram as necessidades do seu povo, não sabendo ou não querendo{38} aproveitar-se do amor e da confiança que nelles haviam depositado os que, resgatando o reino, lhes cingiram o diadema e lhes lançaram sobre os hombros a purpura de duas dynastias!

Não emprehenderam reformas; não traçaram plano algum de politica definida; não promoveram o desenvolvimento ou ao menos a restauração da industria, do commercio, da navegação—de todos quantos elementos constituem a vida laboriosa, o bem estar social e a prosperidade d'uma nação livre, independente e opulenta do que poderia tornal-a grande e respeitada;{39} exhaurindo o erario, sem activar as forças da riqueza publica e particular, sem abrir novos mananciaes de producção, sem dotar o paiz de melhoramentos de reconhecida utilidade... sua unica preoccupação, todo o seu empenho limitava-se, parecia comprazer-se até, em augmentar e completar o despotismo, que estranhos para cá haviam importado, e o gosto da epocha, o exemplo d'outras côrtes, muito favoreciam, engrandecendo ao mesmo tempo os jesuitas, dando força e apoio ao tribunal da inquisição; em manter um fausto ruinoso, em propagar o amor{40} e a paixão por um luxo, mais do que inutil, prejudicial, e por vezes e em muitas cousas insolente; em consumir improductivamente, com vaidades reaes, em sumptuosas construcções, em dispendiosas obras d'arte, e, o que é peor, em beatificas e exaggeradas piedades mundanas, capitaes immensos, sommas fabulosas!

Portugal, arrancado pela mão do povo ao jugo de Castella, é em 1703 hypothecado aos inglezes, que o exploraram, como o possuidor de má fé explora a propriedade alheia. Roma especulou tambem; a nobreza{41} e o clero completaram este systema de legal e convencionada pilhagem!...

XXV

Foi nesta situação, aggravada por muitos males, que o sabio e corajoso ministro de D. José se propoz a tarefa espinhosa de restaurar a patria, quebrar{42} o jugo estranho, que lhe pezava odioso, extinguir aquella vexatoria exploração, que, debaixo da apparencia de uma benefica tutela, lhe ia aniquilando as forças physicas, ao mesmo tempo que outros, invocando a fé e o Evangelho, a cruz e a Redempção, abrindo masmorras e atiçando fogueiras, iam apagando a luz na alma e immobilisando o espirito do povo!...

Restabelecer a actividade e ordem no seio da familia portugueza, dar-lhe a liberdade, fundar a felicidade domestica e a prosperidade publica,—tal foi o seu elevado empenho.{43}

É pois a intelligencia, a vontade, o poder de um só homem,—reanimando uma nação moribunda, prestes a esconder-se no cemiterio da historia, embora as gerações vindouras, prestando-lhe a devida homenagem, houvessem de lhe gravar sobre a campa o mais glorioso epitaphio;—chamando á vida, ao trabalho, á liberdade e á independencia um povo escravo da nobreza e do clero, e, o que é peor, da ignorancia, do fanatismo, da indolencia e da miseria;—elevando e fazendo respeitar um rei servo da côrte de Roma, vassallo da Inglaterra!...

XXVI

Luta infatigavel de tantos annos, se não de todo infructifera, porque a semente, que ficara escondida na terra, veio mais tarde a germinar com o calor das revoluções, foi todavia mallograda pelas intrigas dos nobres e do clero, pelas ambições da Inglaterra e da Hespanha: aquelles, ainda curvados sobre o catafalco de D. José, juravam o exterminio do homem, que consideravam seu implacavel e invencivel inimigo; estas, insinuando ás occultas a queda do independente{44} ministro, promettiam apoio seguro aos que emprehendessem e conseguissem derribal-o.

Á morte do rei succedeu pois a queda do ministro e por ultimo a condemnação e o exilio do varão prestante e benemerito, calumniado, perseguido e processado por ter amado o rei e a patria, o povo e a liberdade!...

XXVII

Poucos annos depois da sua morte, apressada talvez pela condemnação, que o obrigara a encerrar-se em logar obscuro, e afastado da côrte, onde ostentara sciencia e poder, força de vontade e energia, regulando sabiamente os destinos da nação, que por sua direcção immediata e em suas proprias mãos se havia reanimado e engrandecido, realisavam-se em França as prophecias da revolução, com todos os horrores da guerra civil.

A cabeça de Luiz XVI rolava nos degráus do cadafalso, que lhe levantaram os despotas da liberdade, como tambem em Inglaterra havia caído abatida a cabeça de Carlos I. A guilhotina fazia victimas ás mil, tragava, devorava, em nome da deosa da razão, como a fogueira inquisitorial em nome da religião sancta!{45} O punhal revolucionario, impellido pelo braço homicida dos revoltosos, alastrava as ruas e as praças de cadaveres com a mesma furia, com que em outras eras immolara os albigenses e os sectarios da religião reformada.

Foi seu intuito, objecto de seus infatigaveis esforços, obter o mesmo resultado, por meios brandos e pacificos; conquistar as mesmas ideias, fazer dominar os mesmos principios, firmar o poder dos reis na soberania de todos, dar a liberdade ao povo por meio d'uma constituição representativa, semelhante á que vigorava em Inglaterra, embora para o conseguir fosse necessario usar de tyrannia contra alguns nobres, decretar o exterminio d'uma congregação mais politica do que religiosa, odiada já em toda a Europa e em muitas regiões da America, condemnada pelas universidades seculares, mal vista dos povos e d'uma parte consideravel do clero, e até repudiada pela Egreja.

XXVIII

Era forçoso, em tão arriscado e perigosissimo lance, em circumstancias tão anormaes, oppôr á tyrannia de alguns a tyrannia de um só, ao despotismo de{46} muitos o despotismo em nome do rei; de outra sorte não conseguiria desarmar as ciladas, desfazer as intrigas, cortar os tramas, frustrar manejos, surprehender conspirações, que tudo e por toda a parte a nobreza e o jesuitismo estendiam e machinavam ao rei, ao seu ministro e ao povo, que, ligando-se por um pacto inviolavel, não tardariam a destruir-lhes a insolente preponderancia, a extinguir-lhes os privilegios, a supprimir-lhes as regalias, a alevantar-lhes os foros, a picar-lhes os brazões, em uma palavra a dobrar-lhes as orgulhosas servis sob o jugo inflexivel da—egualdade perante a lei.

Se o Marquez de Pombal não fosse victima de falsas accusações e vis intrigas, se se conservasse mais algum tempo á testa dos negocios publicos investido do supremo governo da nação, se houvesse gozado juncto do throno de D. Maria da mesma confiança, apoio e favor, que alcançara perante D. José, a constituição teria apparecido primeiro em Portugal do que em França, em Hespanha e em outros paizes, e o systema representativo seria proclamado entre nós, pelo menos, ao mesmo tempo.

É esta uma verdade, que immediatamente deriva dos factos, e que difficilmente poderá escurecer-se.

O despotismo, a tyrannia de que se argúe Pombal, era imposta pelas necessidades, como o unico meio de chegar á liberdade.{47}

Não ignorava por certo este grande homem—que a liberdade e a tolerancia só com a liberdade e com a tolerancia podem solidamente fundar-se no seio de uma nação.

Bem sabia elle—que os partidarios da liberdade e da tolerancia devem deixar o emprego da força aos partidarios da força e da intolerancia.

Mas este conselho evangelico, que só hoje começa a converter-se em preceito obrigatorio, este grande principio theorico, era naquella epocha, attentas as circumstancias, de impossivel applicação na pratica.

O que no seculo XIX em 1868 não pôde realisar a Hespanha, era nos fins do seculo XVIII uma utopia impraticavel em Inglatarra, em França, e muito mais em Portugal.

Os designios do grande estadista e as suas vistas eram patrioticas; o seu ideal a emancipação politica, religiosa, moral e economica do povo, que elle conhecia—grande, opulento e soberano na historia,—pequeno, pobre e escravo no presente; o mobil que o determinava o amor da liberdade.

Sebastião José de Carvalho mostrava em muitos dos seus actos ser no interior da sua alma, no intimo da sua consciencia, pela razão e pelo sentimento, um dos maiores e mais enthusiasticos liberaes do seculo XVIII.

Se não pôde ver executado o seu plano e levar{48} ao cabo tão gloriosa empresa, arremessando para longe a mascara do despotismo, foi porque o não deixaram; foi ainda a reacção, que lh'o impediu, a injustiça que lh'o estorvou.

Despojado do poder, privado da acção governativa, condemnado ao ostracismo politico, exilado para longe da côrte, afastado dos negocios publicos, viu mallograda a sua obra; não lhe embaciaram porem a gloria, não lhe quebraram os brazões, e, o que é de maior valia, não lhe extinguiram a gratidão no coração dos povos; e se ao tumulo baixam esperanças, devia acompanhal-o a lembrança de que um dia as suas ideias haviam de ser realisadas, os seus principios triumphar, e o plano, que lhe absorvera a existencia inteira, posto em plena execução, o seu nome exaltado, a sua reputação glorificada e os seus inimigos, os inimigos do povo e da liberdade, confundidos.

Se ao Marquez de Pombal não permittiu Deos continuar a obra do constitucionalismo, cabe-lhe todavia a bem-merecida gloria de preparar o paiz e os povos para a proclamarem trinta annos depois da sua morte.{49}

XXIX

Á transformação, que Portugal experimentou pela acção previdente e reformadora do grande ministro, aos elementos de força e prosperidade, que não só indicou, mas com que legalmente dotou a patria, ás instituições politicas e economicas, e aos germens de educação popular, que semeou, devemos em grande parte os beneficios, que com razão se attribuem á revolução liberal.

Sem o genio fecundo, sem a intelligencia vasta e a dedicação inexcedivel de Sebastião de José Carvalho, seria Portugal conquista partilhada entre a França e a Hespanha, ou nação livre e independente?

No estado de desorganisação politica, de desordem moral e economica, de miseria e degradação, a que Portugal tinha chegado antes da sua administração, seria possivel o triumpho glorioso do partido liberal em 1820?

Cremos firmemente que não: assim nol-o dizem a razão e a consciencia, firmadas na historia e esclarecidas pela philosophia dos factos.

É por isso que entre as causas remotas, mas essencialmente{50} determinativas, da transformação liberal, que depois se operou, devemos considerar, como uma das mais importantes e efficazes, o governo forte e energico, a administração sabia e illustrada, a politica severa e, por vezes, intolerante do Marquez de Pombal.

Abone a historia imparcial a verdade que o paradoxo esconde.

Que importa a expulsão dos jesuitas?

Era uma necessidade para o estabelecimento da liberdade politica e da tolerancia religiosa, que o Marquez de Pombal amava, queria fundar, e que elles detestavam.

Que importa que do alto do cadafalso rolassem as cabeças de alguns nobres, que, ociosos e embriagados no mais escandaloso luxo, conspiravam contra o rei, odiavam as reformas do ministro, queriam privilegios e prerogativas injustificaveis, opprimiam e vexavam o povo, nada fazendo em beneficio da patria; e, de mãos dadas com os inquisidores, discipulos de Loyola, dedicados familiares do sancto officio, procuravam a morte do rei, a queda do ministro e a ruina da nação?!{51}

XXX

O Marquez de Pombal obstou por uma sabia politica—ao despotismo do rei, á oligarchia dos nobres, á theocracia dos jesuitas, á miseria e á degradação do povo.

«Foi, como se exprimem alguns, odiado dos nobres pelo seu nascimento e pelo seu liberalismo; dos inquisidores pela sua tolerancia e moderada piedade; dos jesuitas pelo seu saber e perseverança; da populaça por sua severidade; dos inglezes pelos obstaculos que lhes oppoz, e com que abateu a sua omnipotencia commercial e politica.»

Os inimigos implacaveis do ministro só com a morte do rei poderam derribal-o, mas não perdel-o. Affastaram-n'o dos negocios publicos; mas nos dias do seu poder nem lhe torceram o animo nem lhe afrouxaram os esforços, que continuadamente empregou para o engrandecimento e regeneração da sua patria.

Interrogae a politica, a moral, a jurisprudencia, as finanças, a agricultura, o commercio, a industria, as artes, a navegação, a milicia, a instrucção publica, e até a propria religião; numa palavra, consultae{52} as leis, as instituições e os costumes, e por toda a parte encontrareis ainda hoje a sua acção benefica e reformadora.

A guerra implacavel, que então lhe fizeram os retrogrados e os absolutistas, os nobres e os jesuitas, a inquisição, a Hespanha e até a propria Inglaterra, é a mesma que a reacção machína e promove ainda hoje e tem promovido sempre contra os liberaes.

Se o Marquez de Pombal foi despota, se empregou o terror e a tyrannia, não lhe vinham d'alma taes excessos, nem lh'os inspirava o seu genio altivo e severo, mas liberal e bemfazejo; provocava-lh'os a reacção dos nobres e dos fanaticos, exigiam-lh'os as necessidades da patria e os velhos e inveterados prejuisos do passado.

Não foi para exaltar o despotismo, nem para lisonjear o monarcha, que, por amor do povo e para bem da nação, parecia adorar a realeza.

Não foi para satisfazer vaidosas ambições de quem nunca mostrara tel-as, que a memoria do augusto principe se gravou no bronze da estatua equestre, nem o monumento levantado para impôr ao povo a idolatria monarchica.{53}

XXXI

Todos os grandes homens como todos os sanctos têm a sua estrophe na epopea legendaria do povo.

Affonso Henriques, Mestre d'Aviz, Nuno Alvares Pereira, João das Regras, Vasco da Gama, D. João de Castro, Affonso de Albuquerque, Camões, João Pinto Ribeiro, frei Bartholomeu dos Martyres, frei Caetano Brandão e mil outros, perpetuos na historia, são creações ideaes na immortalidade da legenda.

O Marquez de Pombal, tendo sido na realidade tudo o que dissemos, é no bom senso dos povos um ente legendario. É um typo ideal, que não se apaga, que jámais se apagará na consciencia e na imaginação do nosso povo, como o serão no futuro e em parte já o estão sendo Gomes Freire, Fernandes Thomaz, Borges Carneiro, Ferreira Borges, Mousinho da Silveira, Agostinho José Freire, Passos Manuel, Alexandre Herculano... são sempre estes os homens que o povo escolhe para cantar na sua lyra de oiro, para perpetuar-lhes a memoria na sua rude mas espontanea e sincera poesia.

Todos os grandes homens começam por ser utopistas;{54} a sua vida é uma lucta sem treguas. Numa das mãos o camartello destruidor do passado que resiste, na outra o facho civilisador das ideias alumiando o caminho do futuro que a sua razão descobre.

Para premio as mais das vezes o martyrio, para recompensa o esquecimento ou a injustiça na historia.

Mas, para salval-os d'esse esquecimento ou reparar essa injustiça lá está o bom senso, o espirito recto, a alma poetica, o coração agradecido dos povos, a legenda, esse—relatus inter divos, com que elle significa e apregôa a immortalidade e faz a apotheose dos seus heroes.

A estatua de D. José I póde tombal-a a mão soberana do povo ou polverisal-a a lima edaz do tempo, que assim gasta o granito como o bronze e tudo consome.

A realesa, depois de haver durante seculos contrariado os progressos da civilisação pela liberdade, pode ser ámanhã um facto utopico, sem valor na consciencia da humanidade, sem deixar saudades nem merecer bençãos; mas o homem grande pela grandeza do genio, pelo acerto e inergia de acção, o homem, que illustrando a patria beneficiou o povo, é vulto que se ergue magestoso ante os olhos de todas as gerações que passam e em todos os seculos que vôam; tem a immortalidade no sentimento intimo{55} das massas, na consciencia do povo; em cada coração um altar de saudades, em cada cabeça um monumento de gloria, em cada bôcca uma trombeta a apregoar-lhe as virtudes... e todas as mãos se erguem para o abençoar e applaudir.

Que a realidade historica do grande Sebastião José de Carvalho e Mello corresponde á poesia da legenda provam-o muitos documentos, cuja authenticidade não póde ser contestada: foi por isso que nos dispensámos de os apontar, ou transcrever.

Muito alem poderiamos avançar nesta apreciação historica, fragmento d'um livro inedito, em que o assumpto occorreu incidentemente: julgámos bastante este simples esboço critico, ligeiros traços, a que outros mais competentes darão luz e colorido.

 

 

FIM

 

[1] Napoleão! que a Providencia parece haver lançado no meio das ruinas, a que a revolução de 1789 tinha reduzido a França, para levantar sobre os destroços do despotismo o dominio salutar e benefico da liberdade!

Os elementos corrompidos, que constituiam uma civilisação, já caduca, enferma e quasi moribunda, foram por ultimo triturados, dissolvidos pela acção candente do vulcão revolucionario, que tinha por principal reagente a liberdade.

A desaggregacão molecular, se assim é licito dizel-o, do monstruoso cadaver do feudalismo, da theocracia e da realeza absoluta, operou-se d'um modo geral e completo no violento e vigoroso impulso, que a força soberana do povo havia desenvolvido.

Familia, patriotismo, cohesão e unidade nacional e politica, religião, amor de dignidade, nobreza de sentimentos elevação de ideias, aspirações de gloria e a propria liberdade... tudo havia desapparecido, abysmando-se em completa desordem e anarchia, na immensa cratera, que a espantosa erupção revolucionaria acabava de rasgar no seio da França.

O imperio, a concentração, o despotismo, a tyrannia das armas, os estragos apparentes da conquista, as invasões ambiciosas d'um homem e do seu numeroso exercito, despertaram e desenvolveram por toda a parte uma nova força de cohesão e affinidade, para reunir os fragmentos dispersos, e dar ao corpo dilacerado consistencia e unidade por meio de um novo arranjo politico, religioso, moral e economico, que lhe assegurasse a existencia e uma vida regenerada e pura.

Do embate de duas forças contrarias, mas tendentes e susceptiveis de formar um dia o equilibrio—da acção descentralisadora da republica e da acção concentradora do imperio, devia mais uma vez resultar a harmonia!

Com a bayoneta e com a espada levava o soldado do imperio o terror e o espanto ao seio das familias nas terras, que invadia e conquistava,—era o instrumento material e automatico do despotismo.

Com a palavra, junto do lar domestico e rodeado d'essa familia, que o recebia, como inimigo e como hospede, narrava os feitos gloriosos da revolução, expunha o seu plano, traçava as suas reformas, bemdizia os seus beneficios, exaltava as suas doutrinas, applaudia o seu triumpho—era o apostolo fervoroso da liberdade, o discipulo intelligente e livre da eschola de 89.

A Constituinte tinha-lhe dominado a intelligencia e o coração; Bonaparte recrutara-lhe apenas os braços e a força muscular.

Aquella apontou-lhe para o sol da liberdade e dava-lhe como premio a emancipação: este descobriu-lhe o horisonte luminoso da gloria e promettia-lhe a corôa do vencedor.

Estas duas forças, ambas poderosas, ambas intrepidas e inflexiveis na meta, quasi sempre terminam por transigir... Se uma convence e domina, a outra seduz e arrasta; e ás vezes a razão e a consciência humilham-se ante as ambições mesquinhas dos homens... E a historia prova de sobejo que se os filhos da França amam a liberdade, prezam sobre tudo a gloria militar, o que não admira se attentarmos á poderosa influencia que sobre este povo exerceram duas raças, duas civilisações differentes—a latina e a germanica, e á sua educação guerreira.

Foi por isso que ao vulto heroico do soldado imperial seguia por toda a parte a sombra, pelo menos, do revolucionario de 89.

[2] Hoje ainda nos invejam e disputam a liberdade, o nosso mais precioso thesouro... Hoje clamam pelo irmão portuguez para que lhe cure as chagas venenosas da tyrannia e lhe restitua a vida quasi exhausta pelo despotismo com o elixir animador da liberdade!...

A liberdade!...

A liberdade, que os desventurados filhos da moderna Hespanha, os que se appellidam legitimos descendentes de arabes e godos, parece não sentirem nem conhecerem, e que muitos traiçoeiramente fingem amar, para mais facilmente a destruirem!...

Querem a liberdade que para o portuguez é a vida, que o portuguez ama e respeita, de que o portuguez é apostolo e soldado inflexivel?...

Levantem-lhe um altar e adorem-na; façam-se missionarios e propaguem-na; e, se tanto for preciso, opponham aos despotas, que os opprimem, o despotismo das revoluções.

Não clamem pelo auxilio d'aquelles que, não podendo dar-lhes essa liberdade, não querem, com uma união impossivel, perder a sua!...

Os livros sanctos fallam de um Caim e de um Abel.

Terá a historia contemporanea, um dia, de personificar nelles dous povos que se dizem tambem irmãos?!

Venha, e bem vinda seja,—a harmonia nas leis; a uniformidade nas instituições; o consorcio das litteraturas; a aproximação dos costumes; a intimidade de relações moraes e economicas: cáiam por terra essas odiosas barreiras que estorvam a liberdade de commercio entre os dois povos, e a troca de seus productos; acabe por uma vez o repugnante systema dos passaportes; entronquem-se as linhas ferreas; facilitem-se as communicações fluviaes; canalizem-se os rios communs; celebrem-se congressos scientificos e litterarios, exposições industriaes e artisticas, peninsulares; venham, numa palavra, a fraternisacão dos homens e a alliança dos governos; mas, para fortalecer a autonomia dos dois povos e garantir a liberdade de todos,—e o futuro resolverá o difficil problema, para o qual a natureza e a historia fornecem dados tão differentes e heterogeneos, que o tornam hoje absolutamente insoluvel.


Em 1866, em que pela primeira vez se traçaram estas linhas, bem se presentia já o que dous annos depois veio a succeder, e se está realisando na visinha Hespanha.

Commoções violentas denunciavam o aproximar—d'uma revolução profunda para preparar uma regeneração intima,—de um esforço gigante que devia partir os ferros a essa nação escrava da tyrannia e do fanatismo, agrilhoada (e o que é assombroso!) por alguns de seus degenerados filhos ao poste do mais affrontoso despotismo e da mais ignominiosa intolerancia politica e religiosa!

Fez-se o esforço, operou-se a revolução e com tanta maior gloria quanta maior abnegação e generosidade; caíram os tyrannos, libertaram-se os opprimidos, erigiram-se altares, levantaram-se monumentos á liberdade em muitas leis e instituições, novas ou regeneradas; mas a revolução profunda no sentimento, grandiosa na ideia, sublime nas inspirações, é, fatalmente, á hora em que escrevemos mais um desengano pungentissimo que uma illusão fagueira, antes um desalento que uma esperança.

A Hespanha parece retrogradar, em vez de progredir; olha desconfiada e como receosa para o futuro que a chama, e pesam-lhe saudades do passado, saudades de amarguras, saudades do seu longo martyrio!

Desventurada Hespanha! Para que te cortam o vôo de legitimas aspirações?

Para que sem dó arrancam no teu bello jardim de esperanças as mais formosas e promettedoras?

Para que te querem agrilhoar de novo ao poste onde te suppliciaram durante tantos seculos?

Mudança de potro, mudança de cutello, substituição de algozes... mas sempre o mesmo supplicio! sempre os mesmos instrumentos de tortura!

Mesquinha revolução, que tão pouco alcança!

Povo infeliz! quanto mais rega com lagrimas e sangue o sólo da patria, tanto mais elle se lhe desentranha em ferro para forjar grilhões; e só produz espinhos para tecer a corôa do seu prolongado martyrio!...

Povo infeliz! mal principiava a despontar a aurora da tua redempção pela liberdade, e erguem-se tenebrosas as nuvens do passado, para toldar a face ao grande astro do teu dia de gloria, projectando sombras em vez de irradiar luz!

Quando, apostolo da grande ideia, te purificavas para tomar sobre os hombros a tunica alvissima do augusto sacerdocio, prestar culto á liberdade, e entoar o hymno do progresso, que em breve deveria talvez repercutir-se em todos os angulos da Europa,—arremessam-te a mortalha destinada ao moribundo, ainda tincta no sangue das hectombes, com que a tyrannia oppressora celebrava as suas criminosas e lugubres victorias, e condemnam-te a mais alguns annos, e quem sabe se a mais alguns seculos de tormentoso martyrio!

Revolução de 1848 em França, de 1868 na Hespanha: datas gloriosas, e que apenas separam vinte annos de luctas não interrompidas; sonhadas aspirações, gratas lembranças d'esse sonho de liberdade, que valor, que importancia será a vossa na historia das nações?!

A França acordando encontra—o imperio, e a liberdade mutilada.

A Hespanha—A realeza, e a liberdade... talvez perdida.


Tremenda é a responsabilidade d'aquelles que preferem á liberdade de todos as pompas deslumbrantes, mas vãs, d'uma côrte apparatosa!...